Por Maria Luiza Reuter

A questão da aplicação da Lei nº 8.078/90, qual seja, o primoroso Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, nos contratos bancários, há muito deixou de ser uma simples tendência ideológica, alcançando a segurança de um posicionamento açodado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual pacificou a referida matéria, antes controvertida.

Tal uniformização da matéria mereceu, em 12 de junho de 2001, destaque no Diário do Poder Judiciário, o qual se encontra na capa da aludida edição sob o seguinte título, ?STJ reconhece incidência do CDC sobre os contratos bancários?.

É válido trazer à colação o que se encontra asseverado, na lição de ARNALDO RIZZARDO, às págs. 24, da sua obra Contratos de Crédito Bancário, ipsi literis:

Contratos bancários e o Código de Defesa do Consumidor.

Não há dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei nº 8078, de 11.09.1990, aos contratos bancários. Como é bastante comum, as entidades financeiras, cuja mercadoria é a moeda, usam nas suas atividades negociais uma série de contratos, em geral de adesão, a eles aderindo aqueles que necessitam de crédito para suas atividades. (Grifo nosso)

Neste diapasão, o emérito Nelson Nery Júnior professa que restam caracterizados os serviços bancários como inegáveis relações de consumo em decorrência de quatro circunstâncias específicas, a saber:

a) por serem remunerados; b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; c) por serem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC; d) pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação.

(Nelson Nery Júnior, Consumidor e Sistema Financeiro, artigo para a revista Direito do Consumidor, nº 19, inCódigo Brasileiro de Defesa do Consumidor ? Comentado pelos autores do Ante-projeto, editora Forense Universitária, 6ª edição, págs. 46)

Assim, da simples análise dos ensinamentos do mestre Nelson Nery, bem como do que está escrito no artigo 3º, §2º, do CDC, resta, inequivocamente, demonstrado que os contratos bancários sofrem a incidência deste diploma legal, razão pela qual a atividade jurisdicional externar-se-á mais justa, equânime e adequada, principalmente quando observado o poderio econômico das instituições financeiras.

Com efeito, releva observar que, nas relações travadas pelo homem médio, há sem sombra de dúvidas todos os pontos apregoados pelo insigne mestre Nelson Nery Júnior, inclusive, a vulnerabilidade do consumidor, principalmente no que tange a assimetria informacional.

A vulnerabilidade do dito homem médio em relação ao Fornecedor, instituição bancária é flagrante, sendo que este, evidentemente, monopoliza a vontade da parte, fazendo ser suprimida a livre autonomia da vontade, que por seu poder econômico, e, em razão da necessidade daqueles de firmar os diversos contratos, impôs sua superioridade fixando a seu favor todos os seus pontos relevantes.

A igualdade que reina geralmente nos atos constitutivos e na execução do contrato firmado é puramente teórica, tendo em vista que, enquanto Consumidor, mais fraco, não pode fugir à necessidade de contratar, o Fornecedor, mais forte, levou sensível vantagem no negócio, pois ele foi quem dita todas as condições dos pactos, fazendo com que aquele se inflectisse diante da sua vontade manifestamente imposta.

Assim, conforme a interpretação finalista instituída pelo próprio CDC, a regra do seu art. 2º deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código, e submetida à finalidade da norma, a qual vem claramente determinada pelo seu art. 4º, incisos I e III, que assim dispõem:

Art. 4º: A Política Nacional das Relações de Consumo, tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendido os seguintes princípios:

I ? reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização de proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro trouxe, em si, alguns conceitos ditos como econômico que, hoje, na atual conjuntura jurídica nacional, são vistos como conceitos limítrofes que não conseguem acompanhar a amplitude axiológica dos fatos sociais, sendo, portanto, necessária a exorbitação da esfera de conceituação legal, para uma mais ampla, donde será assegurada uma prestação jurisdicional adequada e efetiva, razão pela qual mister se faz a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas demandas que têmc como parte o hipossuficiente e a instituição bancária.

Convém ressaltar o que é professado com maestria pela Eminente Jurista Cláudia Lima Marques, em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 143, RT, 1995, 2ª ed, a saber:

Apesar das posições contrárias iniciais, e com apoio na doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa-fé obrigatória e equilíbrio contratual.

O repertório jurisprudencial aponta a unicidade desta linha de entendimento, e, portanto, o Código de Defesa do Consumidor vem sendo aplicado a todos os negócios financeiros, conforme decisão a seguir:

0 conceito de consumidor, por vezes, se amplia, no CDC, para proteger quem &aspasequiparado&aspas. É o caso do art. 29. Para os efeitos das práticas comerciais e da proteção contratual equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado. (RT 697/173).

A questão já chegou no Superior Tribunal de Justiça e, no REsp 57974-0-RS, rel. o Min. Ruy Rosado de Aguiar, da 4ª Turma, após submeter os bancos, como prestadores de serviços ao CDC, relatou, no corpo do acórdão:

O recorrente, como instituição bancária, está submetido as disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem ser igualmente protegidos como o de qualquer outro, especialmente porque nas relações bancárias há difusa utilização de contratos de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário.

Deste modo, tendo em vista que a defesa do consumidor possui respaldo na Carta Política de 1988 que a postou como princípio geral da atividade econômica (art. 170 inc. V) e garantia individual (art. 5°, inciso XXXII), bem como o ordenamento jurídico repugna qualquer abusividade, seja no plano constitucional, comercial, trabalhista, o CDC deve ser aplicado aos contratos bancários.

Depois delongas discussões acerca da matéria, o Supremo Tribunal Federal adotou o posicionamento de ser plenamente aplicável o art. 3, §2º do CDC, não havendo no dispositivo mencionado qualquer inconstitucionalidade.

De fato, consumidor é, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Não há, desse modo, qualquer incompatibilidade entre a lei consumeirista e a atividade prestada pelos Bancos. Ao contrário, elas se completam.

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor cumpre esse papel ao regulamentar as relações de consumo entre bancos e clientes, limitando-se a proteger e a defender o consumidor, não implicando interferência no SFN. Senão vejamos a transcrição da decisão da Corte Suprema, datada de 07/06/2006, julgando improcedente a ADIN nº 2591, a qual, por força da reforma constitucional, vincula o judiciário em todas as suas instâncias:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nr. 2591 ORIGEM: DFRELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO REDATOR PARA ACÓRDÃO: MIN. EROS GRAU

REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO - CONSIF

ADVDOS.: IVES GANDRA S. MARTINS  E OUTROS

REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

REQDO.: CONGRESSO NACIONAL 

JULGAMENTO DO PLENO ? IMPROCEDENTE

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, vencido parcialmente o Senhor Ministro Carlos Velloso (Relator), no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Nelson Jobim. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não participou da votação o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator do presente feito. Plenário, 07.06.2006.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a matéria sob apreciação, também entende os contratos de adesão do Sistema Financeiro de Habitação estão sujeitos às regras do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:

RECURSO ESPECIAL Nº 850.272 - RS (2006/0111662-1)

RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

RECORRENTE : BANCO ITAÚ S/A

ADVOGADO : ANDRÉ MARCOLINO MALLMANN NETO E OUTROS

RECORRIDO: EDSON PACHECO

ADVOGADO : JOSÉ RENATO BOPP MEISTER E OUTROS

Data da Publicação - DJ 29.09.2006

DECISÃO

Vistos.

Banco Itaú S.A. interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas "a" e "c" dopermissivo constitucional, contra acórdãos da Nona Câmara Cível e Quinto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementados:

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO. FORÇA OBRIGATÓRIA. CLÁUSULAS NULAS. INCOMPATIBILIDADE. REVISÃO. ARBITRAMENTO.

INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR.

No mútuo hipotecário instaura-se típica relação de consumo entre a instituição financeira como prestadora de serviços e o mutuário, equiparado a consumidor, na forma dos arts. 3º, § 2º, e 29, do CDC,mediante contrato de regra de adesão, definido no art. 54, caput, do mesmo diploma consumeirista. Neste caso, a própria lei estabelece o alcance da nulidade, que, em princípio, é limitada à cláusula abusiva ela mesma, reputada não escrita.

Desse modo, na medida em que se tem como preocupação central do CDC a busca do equilíbrio contratual, da boa-fé, da vedação à onerosidade excessiva, há que se admitir sua aplicação aos contratos bancários, especialmente para dar ensejo à revisão do contrato e anulação das cláusulas abusivas, bem como interpretação e mesmo modificação contratual que conduza ao equilíbrio, impedindo o locupletamento ilícito dos bancos em detrimento dos consumidores.

Nestes termos, falecem dúvidas quanto à aplicação do CDC nas relações advindas de contratos bancários, razão pela qual é indubitavelmente legítima e adequada a aplicação deste diploma legal nas demandas entre hipossuficiente e a instituição bancária