Autores malditos

            Na história da filosofia política, Hobbes é com Maquiavel e de forma mais branda Rousseau considerado um dos pensadores mais “malditos”. No século XVII, o termo “hobbista” era quase tão ofensivo quanto “maquiavélico”. Maquiavel é responsabilizado por massacres e por toda sorte e sordidez. Filósofos na estatura de Rousseau, Spinoza, Hegel, sustentam-se na interpretação que Maquiavel discorreu sobre a liberdade, ao oferecer conselhos para a conquista ou salvaguarda. Em todas as suas obras, Maquiavel fala sobre o Estado, o Estado real, capaz de impor a ordem. Ele reinterpreta a questão da política.

A política é o resultado de linhas de força, herdeiras das ações concretas dos homens em sociedade, mesmo que sejam provenientes da racionalidade. Afirma que os homens são “ingratos, volúveis, simuladores, covarde ante os perigos, ávidos de lucro.” A politica é mundana, o poder aparece como a possibilidade de vencer o conflito, ainda que qualquer forma de “domesticação” seja transitória e precária.

Para Maquiavel existem duas respostas à anarquia decorrente da natureza humana e do confronto entre grupos sociais: o Principado e a República. Ambas dependem da situação da sociedade, quando a mesma já encontrou formas de equilíbrio, o poder político cumpriu sua função regeneradora e “educadora”, ela está preparada para a República. Caso contrário, quando a corrupção se alastrou, é necessário um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para inibir a vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas.

O pensador monta um cenário no qual a liberdade do homem é capaz de amortecer o suposto poder incontrolável da Fortuna. O governante não é simplesmente o mais forte, mas aquele que demonstra possuir virrtú, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.

Maquiavel não era um autor contratualista, como Hobbes, mas o ponto de ter um governo forte para ser respeitado, é semelhante entre ambos. Os filósofos contratualistas, entre o século XVI e XVIII, afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam naturalmente, sem poder e sem organização (que somente surgiram após um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política). No século XIX, quando se firmaram as concepções modernas da história e da ciência social, os contratualistas foram muito contestados.

A chave para os pensamentos de Hobbes é o que ele diz sobre o estado de natureza. Quando fala em homem natural, ele não se refere a um selvagem. É o mesmo homem da sociedade. Hobbes não afirma que os homens são iguais, mas são iguais o suficiente (“tão iguais que...”) para que nenhum possa triunfar de maneira total sobre outro.

Maquiavel interpreta o homem como egoísta, já a visão hobbesiana é que, na natureza do homem encontramos três principais causas da discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda a segurança; e a terceira, a reputação.

Hobbes deduz que no estado de natureza o homem tem direito a tudo, é sua liberdade, seu direito de usar o seu poder da forma que bem entender, como forma de preservação de sua vida. O individuo hobbesiano deseja honra e não bens. Após o direito de natureza, surge a lei de natureza: preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la.

Porém as leis por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de leva-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais. É preciso que exista um estado dotado da espada, armado para forçar os homens ao respeito.  Para Hobbes não existe primeiro a sociedade e depois o poder. Porque, se há governo, é justamente para que os homens possam conviver em paz. O poder do governante tem que ser limitado. Para o poder absoluto, Hobbes concebe um contrato diferenciado. O soberano não assina o contrato, este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário.

O estado hobbesiano é marcado pelo medo, o autor diz: o soberano governa pelo temor que submete a seus súditos. Porém esta afirmação deve ser suavizada. Primeiro, o governante não aterroriza. Terror existe no estado de natureza, quando se vive no pavor da possibilidade, que o suposto amigo possa tentar contra a sua vida. O poder soberano apenas mantém temorosos os súditos. Segundo, o individuo bem comportado dificilmente terá problemas com o soberano. Terceiro, o estado não se limita a deter a morte violenta. Não é produto apenas do medo à morte, se o individuo entra no estado, há também a esperança de uma vida melhor e mais confortável.

Como já citado acima os três autores citados como “malditos” era: Maquiavel, Hobbes e de certa forma Rousseau, por não agradarem a burguesia. Rousseau cita Maquiavel, em sua obra Contrato social, Livro 3, cap. IV: “Maquiavel, fingindo dar lições aos Príncipes, deu grandes lições ao povo.”

Para Rousseau a verdadeira filosofia é a virtude, não se trata de acabarem com as academias, universidades, as bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes distrai a maldade dos homens e os impede de cometer crimes hediondos.

Rousseau ganhou lugar de destaque no século XVIII, entre os que inovaram a forma de pensar a política, principalmente ao propor o exercício da soberania pelo povo, como primeira condição para a libertação. Os protagonistas da revolução de 1789 o elegerão como patrono da Revolução ou como primeiro revolucionário.

Na obra o Contrato Social ele cita que: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles...” A intensão desta obra é, estabelecer condições de possibilidade de um pacto legitimo, através do qual os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil. A partir desta obra, estariam dadas todas as condições para a realização da liberdade civil, pois o povo soberano, sendo ao mesmo tempo parte ativa e passiva, seria agente do processo da elaboração das leis e aqueles que obedecem a essas mesmas leis.

Com essas condições apresentadas, haveria um casamento harmonioso entre a liberdade e a obediência, se tornando uma ligação perfeita. Obedecer à lei que se prescreve a si mesmo é um ato de liberdade. Ao mesmo tempo, não é o suficiente ter o momento inicial de legitimidade, é necessário que ela permaneça ou então, que se refaça a cada instante. Para Rousseau, o corpo administrativo do Estado, deve ser definido como funcionário do soberano, como um órgão, limitado pelo poder do povo e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Mesmo sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do povo.

Rousseau reconhecia a necessidade de representantes em nível de governo. Para não se perpetuarem em suas funções, seria conveniente que fossem trocados com certa frequência.  O mesmo definiu a primeira tarefa do legislador, como conhecer muito bem o povo para o qual irá redigir as leis. Não existe uma ação política boa em si mesma em termos absolutos. Cada situação exige um tratamento especial.

Essas ideias não agradavam a burguesia, a mesma vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por isso ela aprovará Locke, dizendo que a finalidade do poder público consiste em proteger a propriedade. Um direito aos bens que dependa do beneplácito do governante vai frontalmente contra a pretensão da burguesia a controlar, enquanto classe, o poder de Estado.

Jonh Locke foi um defensor da liberdade e da tolerância religiosa. É considerado o fundador do empirismo, doutrina segundo a qual todo o conhecimento deriva da experiência. A obra Segundo tratado é considerada por Noberto Bobbio como a primeira e mais completa formulação do Estado Liberal.

Juntamente com Hobbes e Rousseau, Locke é um dos principais representantes do jusnaturalismo ou a teoria dos direitos naturais. O modelo jusnaturalista de Locke é, semelhante ao de Hobbes, ambos partem do estado de natureza que, pela mediação do contrato social, realiza a passagem para o estado civil. A grande diferença, esta na forma como Locke concebe especificamente cada um dos termos no trinômio estado natural /contrato social/estado civil.

Na sua concepção individualista, os homens viviam originalmente num estagio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de natureza. Esse estado de natureza diferencia do estado de guerra hobbesiano, baseado na insegurança e na violência, por um estado de relativa paz, concórdia e harmonia. O exemplo seria as tribos norte-americanas.

Para Hobbes, a propriedade inexiste do estado de natureza e foi instituída pelo Estado – Leviatã após a formação da sociedade civil. Assim como a criou, o Estado pode também suprimir a propriedade dos súditos. Para Locke, ao contrário, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do individuo que não pode ser violado pelo Estado.

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