Relação entre conhecimento e os objetos metafísicos no pensamento kantiano
Publicado em 18 de março de 2009 por Philipe Fernandes Nogueira
Situado no final da Idade Moderna, onde uma das preocupações centrais dos pensadores era de como se dava o conhecimento verdadeiro, o filósofo alemão Immanuel Kant, que "preparava o terreno" para o surgimento da Idade Contemporânea, questionava-se quanto à possibilidade de ocorrer este conhecimento. Nem defensor da corrente empirista, nem adepto da corrente racionalista, este autor inova a teoria do conhecimento e inaugura uma nova corrente: o criticismo. Com este método utilizado em sua filosofia, Kant se convence de que é possível chegar a um conhecimento verdadeiro.
Para ele o centro do conhecimento não são os objetos como queriam os autores pré-cartesianos, nem mesmo o sujeito solipsista de Descartes, mas é o sujeito transcendental. Ao propor este sujeito como o centro do conhecimento, Kant realiza uma verdadeira "Revolução Copernicana" no conhecimento. Assim, o objeto passa a ser determinado pelo sujeito, e não mais o sujeito é orientado pelo objeto como queria a tradição filosófica.
É em sua principal obra, "A Crítica da Razão Pura", que este pensador discorrerá mais detalhadamente sobre a questão do conhecimento. Nesta obra, ele se coloca a examinar os limites da razão teórica e a estabelecer os critérios para determinar um legítimo conhecimento. Para isto utiliza-se da filosofia transcendental, que é onde se encontra o cerne da teoria do conhecimento de Kant. Diz ele:
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental.[1]
Kant sente-se despertado pelo inglês David Hume do "sono dogmático" em que se encontrava. Comungando do pensamento dos demais empiristas, o filósofo inglês defendia que todas as idéias sobre o real tinham sua origem na experiência sensível. E este "dogmatismo" de que fora despertado consistia na razão não analisar a sua própria capacidade de conhecer as coisas. É justamente a partir do caminho trilhado por Hume que o pensador alemão formulará a sua reflexão sobre o conhecimento. Entretanto, Kant desvincula-se em partes do empirismo proposto pelo inglês.
Kant concebe que é a partir da experiência que se dará o início de todo o conhecimento. Num primeiro momento, aquilo que se recebe pelos sentidos forma por si próprio representações no intelecto do conhecedor. Diferentemente do que se pensa a primeira vista, apesar de todo o conhecimento ter sua gênese na experiência, isto não significa dizer que todo ele origine-se da mesma.
Depois de dada esta explicitação a respeito da relação entre experiência e conhecimento, Kant apresenta os seguintes conceitos essenciais de sua filosofia: os conhecimentos a priori e os a posteriori. O primeiro tipo, os conhecimentos a priori – também designados juízos analíticos –, independem de qualquer experiência. Estes se subdividem em: a priori (onde a proposição é pensada ao mesmo tempo que a sua necessidade) e os apriori puros (são proposições necessárias e universais as quais nada de empírico está mesclado). Já o segundo tipo, os conhecimentos a posteriori – que recebem igualmente o nome de juízos sintéticos –, têm sua fonte na experiência. Sendo assim, entende-se que este tipo de conhecimento somente se dá no espaço e no tempo, pois é empírico.
Ao que se vê, no pensamento kantiano há espaço para se pensar conhecimentos que estão à parte das experiências. É a partir de então que Kant começa a questionar-se a respeito dos objetos metafísicos: Deus, alma e mundo. Seria possível a metafísica como ciência, entendendo-se esta como a preocupação pelo que é empírico e que trabalha com juízos sintéticos a priori? Como conhecer estes objetos metafísicos se eles não estão submetidos nem ao tempo nem ao espaço?
Uma condição necessária e fundamental para que a metafísica seja considerada ciência é estar situada no tempo e no espaço. No entanto, isto é impossível ocorrer, pois seus objetos não são experimentáveis. Num momento posterior a resposta a este questionamento passa a ser a prioridade de Kant na "Crítica da Razão Pura". Para obter esta solução, encontra-se diante da necessidade de tentar aplicar aos objetos metafísicos juízos sintéticos a priori, pois estes objetos são necessários ao conhecimento prático.
Analisando mais a fundo a metafísica, Kant constata que esta é antes uma disposição natural do ser humano e está impossibilitada de tornar-se uma ciência. Ela encontra-se desvinculada de toda e qualquer experiência. E como é necessário intuição sensível e conceito para que haja conhecimento, Kant vê que não se pode conhecer nem Deus, nem a alma, nem o mundo, pois estes três objetos não são passíveis de intuição sensível, mas somente podem ser formulados conceitos deles.
Kant acha uma possível saída para essas dificuldades encontradas formulando a seguinte solução: como não podem ser conhecidos, os objetos metafísicos somente devem ser pensados. Dessa forma, ele mostra que na metafísica não é possível se chegar a juízos sintéticos a priori. Deus, alma e mundo são conhecimentos que estão acima da experiência. Ao postular isto, Kant consegue desvencilhar-se da metafísica tradicional, que na sua época tinha o rótulo de ser um discurso vazio, sem realidade.
Conclui-se, portanto, que no pensamento kantiano há uma preocupação em se demonstrar a existência dos objetos metafísicos. Isto se dá pela necessidade deles na vida prática. Mesmo não tendo conseguido afirmar a metafísica como ciência, Kant a salvaguarda ao formular a idéia de que ela pode ser pensada, mesmo não sendo conhecida. E este é o lugar que o alemão encontra para a metafísica no seu pensamento.
[1] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Seção VII, 25, p.33. (Os Pensadores)