ANIELLE KALINE DA SILVA ANDRADE
RELAÇÃO DO FILME "O GOLPE DO DESTINO" COM OS TEXTOS "CÂNCER COMO PONTO DE MUTAÇÃO" E "O PACIENTE ONCOLÓGICO, O PSICÓLOGO E O HOSPITAL".

Partindo do pressuposto de que o câncer tem conotação fatal em nossa sociedade, podemos afirmar que os indivíduos tendem a desenvolver vários sintomas antes mesmo de começar os tratamentos, demonstrando o sofrimento psíquico, o medo e a angústia frente ao fato de desconhecer qual o rumo que sua vida tomará após ser diagnosticada a doença. Segundo Moraes (apud MARIA MORAES) o paciente oncológico utiliza-se de mecanismos de defesa no intuito de lutar contra suas angústias mediante a ameaça da doença e também para criar novas maneiras de relacionamentos com o meio e consigo mesmo. Esta citação nos remete a lembrar ainda sobre o que Carvalho nos diz em seu texto "câncer como ponto de mutação", no qual a autora utiliza-se das idéias de LeShan para afirmar que o câncer pode transformar-se em ponto de mutação ao invés de um aviso de morte, onde a vida é prolongada com uma maior vivência do eu, maior auto-conhecimento, realização de sonhos, dedicação e empenho.
Após estas observações podemos fazer correlações entre o filme e os textos de forma clara. Como o título bem enfoca, o câncer aparece como um golpe, muitas vezes fatal, para seus portadores, a exemplo do ator principal, um médico coordenador, bem sucedido, com visão, ações e discurso mecanicistas. De repente e de forma brusca da parte da médica, ele descobre que desenvolveu um câncer. E como Moraes cita em seu texto "o paciente oncológico, o psicólogo e o hospital" ele se vê, certas vezes, "despojado de seu poder anterior de decisão e afastado de sua possibilidade de ação". (MORAES, pág.: 58,59)
Em outro parágrafo a mesma autora cita que no hospital, (não só o paciente oncológico) o paciente é despersonalizado, torna-se mais um leito, mais um número para as estatísticas, o que acaba por afetar ainda mais a integridade da identidade do paciente oncológico, que já se encontra tão desestruturada. Este é um tópico que é fortemente combatido pelo protagonista em seu tratamento, inclusive ao final do filme ele ensina a seus aprendizes que cada paciente tem um nome, uma história, medos e vontades.
No início da trama o personagem tenta protelar o máximo possível a afirmação de seu câncer, tanto para si como para a família. Quando confirmado, vê-se claramente "os pontos de mutação". Ele tenta aproximar-se do filho, da esposa, de seus pacientes e de seu "grupo de iguais". Há um trecho do texto de Moraes que se encaixa na passagem do filme onde o paciente oncológico e sua esposa começam a discutir, se distanciar, tanto pela doença quanto por sua proximidade com June, outra paciente oncológica.
"O paciente não permite que descubram seus verdadeiros sentimentos e por outro, as pessoas a sua volta, familiares, amigos ou profissionais, seja por medo, ansiedade ou insegurança reagem da mesma forma. (...) tudo para não entrarem em contato com as angústias que o câncer e a morte despertam." (pág.: 59)
As atitudes médicas de onipotência e falta de comunicação com os pacientes são criticados no filme e também no texto de Moraes. Outro fator alvo de crítica explícito no filme é a questão dos serviços de saúde, ocorre um erro dento do hospital, os diagnósticos são trocados. Sabemos que este acontecimento não é apenas de filme, como também sabemos que não são irreais as alterações de laudos para "limpar a ficha" de erros médicos.
Ao final do filme é perceptível a mudança no modo de ver o mundo por parte do protagonista, ele torna-se mais sensível, atento para o sofrimento do outro, aprendeu a buscar dentro de si paleativos para o seu sofrimento, aprendeu a encontrar tempo para si, para os outros, para o mundo. Será que ele teria aprendido tudo isso se não houvesse adoecido?
Para concluir, podemos nos utilizar das palavras de Moraes quando diz que se deve dar destaque ao conforto, dignidade e auto-respeito do paciente e ao paciente, e também possibilitar a ele o direito de receber explicações sobre sua moléstia e o direito de tomar decisões conscientes acerca de seus tratamentos. Pois, estes acompanhados de afeto e compreensão, por parte dos que rodeiam o enfermo, são indispensáveis para a luta pela recuperação e pela vida.

Referências bibliográficas:
CARVALHO, M. M. Câncer como ponto de mutação. In M. M. Carvalho (Org.), Introdução à psiconcologia. Campinas, SP: Psy; 1994 p. 279-285.
CARVALHO, M. M. Introdução à psiconcologia. Campinas, SP: Psy; 1994
Filme: o golpe do destino