Relação distante entre família e escola: a realidade da Creche Maria José de Jesus Silva e um projeto de ação visando mudanças 

Greice Herédia dos Santos Moura 

1 INTRODUÇÃO

A relação dos pais com as instituições de ensino deve formar um elo de proteção para a criança. É fundamental essa relação em todos os níveis de ensino e nas mais diversas culturas. Quando os pais estão envolvidos no processo ensino e de aprendizagem as crianças tendem a mostrar melhores resultados. Segundo Bencini (2003, p.38):

Todo educador sabe que o apoio da família é crucial no desempenho escolar. Pai que acompanha a lição de casa. Mãe que não falta a nenhuma reunião. Pais cooperativos e atentos no desempenho escolar dos filhos na medida certa fazem a grande diferença no desempenho escolar dos alunos infantis.

Os pais são os primeiros educadores da criança e devem mediar sua aprendizagem e seu desenvolvimento no contexto familiar. Salvador (1999, p.158) deixa claro que “escola e família são contextos diferentes e que, nesses contextos, as crianças deverão encontrar coisas, pessoas e relações diversas; nisso está, em parte, a sua riqueza e a sua potencialidade”. Os ensinos ministrados nos primeiros anos de vida deixam marcas positivas ou negativas por toda uma vida.

Como primeira mediadora entre o homem e a cultura, a família constitui a unidade dinâmica das relações de cunho afetivo, social e cognitivo que estão imersas nas condições materiais, históricas e culturais de um dado grupo social. Ela é a matriz da aprendizagem humana, com significados e práticas culturais próprias que geram modelos de relação interpessoal e de construção individual e coletiva. (PAIDEIA, 2007, p.36)

As crianças, cujos pais proveem a educação de maneira afetiva, segura e com limites bem definidos crescem com autoestima estabilizada e sentem liberdade de ser ela mesma.

Em contrapartida sendo seres sociais livres e observadores da situação mundial, em que a transferência de papéis está ligada não apenas ao nível socioeconômico de baixa renda, mas em todos os níveis onde os pais vivem num circulo vicioso entre o trabalho e a correria para atender a vida social.

Também o estilo de vida capitalista, a participação mais intensa da mulher e mãe na vida econômica, política social amplia e dá resignificado a sua atuação nas funções tradicionais no ambiente doméstico. Ela trabalha fora muitas horas por dia com dificuldade de conciliar o tempo para atender seus filhos ainda pequenos e os demais membros da família e por não tomá-los como prioridade, optam por colocá-los sob os cuidados de parentes próximos, cuidadores, vizinhos, ou muitas vezes preferem encaminhá-los precocemente para as instituições de ensino. Muitas vezes o afeto e o acompanhamento familiar são substituídos por bens materiais.

Durante muito tempo as instituições de ensino infantil como as creches foram definidas como um mal necessário às crianças, ou um espaço que os pais poderiam recorrer quando em extrema necessidade, substituindo assim a ausência da família. Com este pensamento a sociedade repõe apenas sobre a família o posicionamento da responsabilidade exclusiva de educar e socializar a criança. O ensino, a socialização e a estruturação de valores morais devem partir de uma fusão entre a família, a escola, a igreja e a sociedade. Numa perspectiva macrossocial, Machado (2005, p.93) afirma que “as instituições de educação infantil tem sido apontadas como uma das medidas mais efetivas para conciliar responsabilidades familiares, ocupacionais e sociais,” elas colaboram na promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e apoiam as famílias na sua função parental.

Todavia, é necessário formar educadores sensíveis para observar as ações da criança em seus múltiplos aspectos, com maior conhecimento dos seus processos de desenvolvimento e, dentre outros aspectos, da função que a imitação desempenha no mesmo. (OLIVEIRA, 1997, p. 95)

E da mesma forma que a família e a escola, a creche também deve ser um espaço de ampliar conhecimentos e desenvolver ações complementares às da família, segundo Machado (2005, p.85) a creche “liga-se também ao objetivo de contribuir para a construção do conhecimento dessa criança sobre si própria e sobre o mundo.” A ampliação do conhecimento, das experiências vividas em grupo, da construção da autonomia, de valores como criatividade, solidariedade, cooperação e cidadania.

A creche desempenha um papel de relações múltiplas, pois utiliza métodos estimuladores e variados que desafiam a criança a construir valores culturais, econômicos, sociais enfatiza respeito á decência e as diferenças.

Dentro deste conceito e da importante tarefa da creche como complemento do ensino familiar e não um substituto a ele, o recebimento das crianças da Creche Maria José de Jesus Silva (CMJJS) tem proporcionado aos pais uma alternativa educativa, que visa suprir a “falta de tempo” para ensiná-los.

A CMJJS atende crianças na faixa etária de oito meses até cinco anos de idade, está situado em uma região periférica da cidade de São Paulo, e de acordo com o projeto político pedagógico da Instituição, com graves problemas relacionados à questão do trafico de drogas e busca atender a comunidade com base no cumprimento do estatuto da criança e do adolescente. Tem seu foco de trabalho direcionado para a formação da cidadania de crianças e familiares e segue as diretrizes da LDB 9394 de 20 de dezembro de 1996. Atende uma clientela bastante diversificada com renda familiar de um a cinco salários mínimos. Os pais, segundo a assistente social que atende a escola, comparecem muito pouco a CMJJS, apenas duas vezes no ano para tratar de assuntos relacionados à rotina escolar e planejamento da abertura da escola nas férias.

A CMJJS é um espaço de brincadeiras, livros e brinquedos, lugar de oficinas de criatividade, de construção de sonhos, local de onde se pode tomar emprestados livros, brinquedos e jogos. São crianças cheias de vida, sensíveis e que fazem parte de uma camada social de renda muito baixa, que vivem desde muito cedo perto de conflitos familiares e sociais, de um bairro situado em uma região periférica da cidade com graves problemas relacionados à questão do trafico de drogas que nem sempre tem acesso à escola, muitas vezes não dispõem de boa saúde, crianças que vivem as tristes condições da população pobre do país. A principal razão da procura pela creche é a necessidade das mães trabalharem fora de casa e a alimentação dessas crianças. Nela as crianças fazem suas refeições cinco vezes por dia, muito mais do que comeriam nas suas casas. Fazem também outras atividades variadas conforme o local onde são realizadas e de acordo com as condições climáticas: nas salas, no pátio, na casa de bonecas, no gramado à sombra de árvores, etc.

De acordo com o pensamento de Fontoura (1964, p. 34):

A vida social das crianças é moldada em fator ponderável na vida social dos adultos, isso é uma ótima oportunidade para que o educador aí coloque as sementes de comportamento desejáveis (atitudes de solidariedade, compreensão, amor ao próximo, respeito aos direitos alheios, etc) que serão mais tarde fatores decisivos para o bem estar e a felicidade desses indivíduos.

Esta creche prioriza aspectos nem sempre encontrados em instituições da mesma natureza: a amplitude e a adversidade do seu espaço físico, o rodízio das crianças em virtude da grande evasão escolar. O trabalho e o respeito pelas experiências das crianças e a incessante busca do envolvimento dos pais.  Associam a isto a preocupação em organizar campanhas e eventos voltados para a comunidade local e incentivar a participação dela na vida escolar da Instituição.

Decompor o tabu de transferências de papéis da família para a creche entre crianças de um a cinco anos de idade é um grande desafio. É também uma importante marca chegar a um resultado que minimize o impacto da criança frente ao sentimento de abandono, ao mesmo tempo em que forneça as monitoras e professoras uma solução admissível para remediar essa situação.

Nesta linha de raciocínio a escola que possui um programa de atendimento aos pais de tal maneira que eles sejam bem recebidos e sintam prazer de retornar periodicamente poderá ser bem sucedida no sentido de transmitir valores afetivos para as famílias e consequentemente para as crianças.

2 PROBLEMA

Sendo assim, o presente projeto busca dados mais expressivos, onde possamos formar um link de opções para a escola e as famílias obterem mais e variados recursos pedagógicos, bem como jogos recreativos, encontros sociais, palestras com especialistas, entrevistas e aconselhamento, promovendo momentos de muita interação e afetividade.

 

 

3  JUSTIFICATIVA

3.1 Relevância pessoal

Em virtude de muitas famílias fracassarem na construção dos laços de afetividade com as crianças, torna-se crescente o número de crianças com diversos transtornos de comportamento. É crescente também a preocupação da escola com o distanciamento dos pais no recinto escolar e educativo, onde as crianças passam a maior parte do seu tempo.

As dificuldades no relacionamento de pais escola e filhos torna-se visível e o decréscimo no aprendizado delas tem se tornado frequente. Somado a isto, a falta de tempo dos pais para fazer a compensação do período passado pela criança na CMJJS e, até mesmo, a falta de criatividade para investir no sentido de estar mais intimamente ligado ás crianças com pequenas brincadeiras e formas simples de viver parte deste tempo, levam as crianças a uma carência afetiva. Para educar, é preciso que a escola seja um lugar onde a comunidade pode recorrer em busca de soluções para as crianças em sua competência emocional e social, e que a família possa ser um lugar de pouso seguro para crianças e adolescente.

O interesse no tema trabalhado é ocupar a posição de mediador entre escola e a família, incentivando-os a promoverem projetos de interação com a família e escola num intuito de criar situações para que os pais desenvolvam brincadeiras com seus filhos. Que estes momentos vivenciados na escola possam interferir na vida familiar de maneira a ser mais ameno o distanciamento. A orientação que este projeto propõe visa conscientizar escola e pais que é urgente a necessidade de investir afetivamente nas famílias. A ideia de perpetuar o distanciamento e as dificuldades de relacionamento causa geradora da deficiência afetiva é o que queremos ajudar a superar e minimizar os desgastes emocionais causados pelos relacionamentos.

A ideia é que, se uma pessoa é criada numa família disfuncional, pode recriar repetidas vezes os mesmos padrões dolorosos quando adulta. Por exemplo, se seu pai vivia criticando-a e humilhando-a talvez você nunca se sentisse boa suficiente para merecer o amor dele. Como adulta, pode sentir-se atraída por homens que a criticam da mesma forma, porque acha que seu papel num relacionamento amoroso é ser humilhada por alguém poderoso e crítico, e pode ainda tentar desesperadamente conseguir o amor que nunca obteve do pai. (BURNS, 2010, p.19)

 

 

3.2 Relevância social

A educação infantil desempenha grande influência na formação pessoal e social da criança. Principalmente numa perspectiva de educação para a cidadania que se reflete na qualidade da formação do ser humano que interage equilibradamente no meio em que vive. Acadêmicos, educadores, pais e governantes estão buscando a cada dia novos conhecimentos e métodos que possam contribuir para uma educação mais completa. E como é relevante a construção da afetividade na criança no seio familiar e no ambiente escolar!

3.3 Hipóteses

  • Os diferentes modelos de família inseridas na mesma comunidade e convivendo de maneira efusiva pode gerar diferentes fatores de crise.
  • As diferenças raciais e culturais podem desenvolver distintos modelos demonstrativos de afetividade.
  • A afetividade dos pais, demonstrada no dia a dia dá mais segurança as crianças.
  • A criança que cresce em ambiente afetivo e seguro torna-se mais propensa a contribuir na solução de problemas da comunidade.
  • Ao desenvolver um programa de atendimento aos pais, de maneira criativa e sistemática, a escola trará com mais frequência os pais para o seu interior e suas necessidades.

4 OBJETIVO GERAL

Desenvolver um processo de interação entre os pais e os servidores da escola de maneira que como conselheiros possamos intervir com procedimentos que visem melhorar as relações de afetividade.

5  PROCEDIMENTOS E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 

 

MESES

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

ATIVIDADES

Janeiro

Promover a interação entre pais e servidores da escola

Dinâmica de grupo com preleção

Fevereiro

Observar envolvimento de pais e filhos

Jogos interativos

Março

Conscientizar da importância da relação de afeto

Palestra educativa

Abril

Conhecer melhor os problemas de cada família

Entrevistas e questionários

Maio

Alcançar as diferentes idades familiares e reduzir a distancia entre seus membros

 Realizar Semana da família

Junho

Intervir na problemática de cada família interessada.

Sessões de aconselhamento

Agosto

Intervir na problemática de cada família interessada.

Observar o crescimento das relações afetivas.

Sessões de aconselhamento

Tarde recreativa em comemoração ao dia dos pais.

Setembro

Intervir na problemática de cada família interessada.

Interagir os pais, com filhos bebês. 

Sessões de aconselhamento.

Oficina: A importância do toque nos primeiros meses de vida da criança.

Outubro

Intervir na problemática de cada família interessada.

Interagir pais com filhos de 1 a 2 anos de idade.

Sessões de aconselhamento

Oficina: Como oferecer segurança em meus primeiros passos.

Novembro

Intervir na problemática de cada família interessada. Interagir pais e filhos de 2 a 5 anos de idade.

Sessões de aconselhamento.

Oficina: Como utilizar o tempo da família de forma a ter mais qualidade afetiva.

Dezembro

Perceber o resultado do trabalho realizado: Os pais estão mais presentes na escola?

Houve crescimento nas relações afetivas da família?

Festa comemorativa com análise dos resultados e troca de presentes.

 


 

6 Referências

BENCINI, R. Como atrair os pais para a escola. Nova Escola. São Paulo: Abril, Ano XVIII, nº. 166, p. Outubro 2003.LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.

DESSEN, Maria Auxiliadora; POLONIA, Ana da Costa. A Família e a Escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, Distrito Federal: Universidade de Brasília. p. 21 a 32, 2007. Acesso em <http://www.scielo.br/pdf/paideia/ v17n36/v17n36a03.pdf>. Acesso em 24 jan. 2011.

DRÈZE, J. & DEBELLE, J. Concepções da universidade. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1983.

FONTOURA, Afro do Amaral. Sociologia Educacional. 10 ed. Rio de Janeiro, Editora Aurora, 1964.

LIMA, Paulo Gomes. Tendências Paradigmáticas na Pesquisa Educacional. Artur Nogueira: Amil, 2003.

LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.

MACHADO, Maria Lúcia de. Encontros e desencontros em Educação Infantil. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

OLIVEIRA, Zilma M. R. Educação Infantil: muitos olhares. 3 ed., São Paulo: Edição Cortez, 1994.

SALVADOR, César Coll; MESTRES, M. M.; GOÑI, J. O.; GALLART, I. S. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 8 ed. Porto: Afrontamento, 1996.