O presente artigo tem como objetivo abordar o tema reincidência no Direito Processual Penal brasileiro comparando-o com o aplicado em outros países em que o instituto é compreendido e aplicado de forma diversa, mais próxima e mais condizente com os princípios basilares de um ordenamento jurídico democrático.

O tema traçado por mim, pretende esclarecer de forma técnico – jurídico uma das muitas desassociações veiculadas e absorvidas no dia-a-dia de forma erronia, e que se faz presente como se corretas fossem, que talvez ou, certamente, se assim não as fossem compreendidas, ou as fossem de modo consciente, critico e cidadã, teríamos uma realidade não só processual mas social, mais coerente, justa e civilizada. Acabando por comprometerem o uso desassociado do instituto citado em si, como também o interesse público fica condicionado viciadamente.

A palavra reincidência é composta pelo prefixo re - de repetição do acontecimento, a recaída ou nova execução de um ato, que já se tenha praticado. Para o Direito Penal, a reincidência entende-se a perpetração de novo crime, ou quando já é agente de crime anteriormente praticado.

O Código Penal brasileiro em seus artigos 63 e 64 – I não conceitua o que é reincidência apenas fixa o momento em que ela ocorre nos seguintes termos:

Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitado em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenho condenado por crime anterior.

 

Para os efeitos pretendido deste artigo cientifico, observa-se ainda o

disposto;

 

Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condição anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

 

O lapso temporal estabelecido a titulo de reincidência, 5 anos, remete a uma das medidas finalísticas da pena, medida essa na qual, o acusado /condenado paga pelo crime cometido, e subsidiariamente a punição, fundamento maior da pena privativa de liberdade, é aplicado a ele, medidas “socioeducativas” no sentido de “cura-lo” de concientiza-lo do mal cometido objetivando ressocializa-lo e intregando-o novamente a sociedade de forma sociável e não excludente.

Entretanto, no que pertine esse importantíssimo fim subsidiário da pena, em nosso sistema carcerário brasileiro pouco se tem feito para efetivamente concretizar ressocialização e não reincidência. Aliás! o sistema penitenciário comum o que se percebe é que não recupera e nem cumpre sua função. Bom exemplo contraposto do que me refiro, é o método implantado pelas APAC’s (Associação de Proteção e Assistências aos Condenados), nascido na década de 70 na cidade de São José dos Campos estado de São Paulo, possuindo como método, segundo sua filosofia, o resgate do ser humano intrínseco ao criminoso, utilizando de métodos pedagógicos capaz de tal transformação (Religião, Cultura e Profissionalização). Pretendendo desse modo, recuperar o ser humano e abandonar o criminoso.

Talvez por, o sistema penitenciário comum não recuperar e nem cumprir sua função, seja mais fácil tratar do tema reincidência elencado no Código Penal brasileiro, da forma como estar. Diferentemente do método e tratamento estabelecido no modelo APAC ou em países como Alemanha e Espanha, onde, enquanto o condenado não passar pelo processo de cumprimento integral de pena e recuperação, não considera-lo como um reincidente. Motivo pelo qual ainda não passou o condenado por um processo de fundamental importância que é o similar a sua “cura” – similar ao abando do criminoso e ao resgate do ser humano bom (método APAC), capaz e detentor do dever de boas transformações, consciente de sua responsabilidade para uma sociedade melhor, de seus direitos, deveres e obrigações, enquanto cidadão sendo um agente de transformação social.

Michel Foucoult, em uma de suas inúmeras grande obras, biopolitica, diz que a sociedade é divida entre os que vivem bem e os mortos vivente, ou seja, aqueles que são deixados a própria sorte. Divisão procedida pelo Estado com o fim de assegurar a circulação de riquezas sem sinistros, assegurando o fortalecimento e crescimento da população que gera riqueza e expansão mercantil, assim o Estado existe para garantia da ordem economica. Desse modo, as práticas biopoliticas, utilizam-se de mecanismos de segregação como guetização, estereótipos, prisões que de certa forma seriam como matar, ou, não matar explicitamente, mas abandonar, deixar para que morra, para que entre os próprios excluídos, os deixados a própria sorte se matem. Separação que determina os vivos ativos e os vivos não ativos, separação que estabelece onde é e deve ser o lugar de cada um na sociedade, em que há uma vantagem para deixar a própria sorte, deixar morre, vantagem essa é para que outros vivam e vivam bem, usufruindo do melhor modo possível os aspectos e espaços sociais, esse é o modo pelo qual, segundo Foucoult, o Estado exerce o controle sobre a vida.  Assim aduz o ilustre autor;

 

E, com efeito, quase todo direito é fundado na economia. O mercado deve dizer a verdade, deve dizer a verdade em relação à prática governamental. Seu papel de veridição é que vai, doravante, e de uma forma simplesmente secundária, comandar, ditar, prescrever os mecanismos jurisdicionais ou a ausência de mecanismos jurisdicionais sobre os quais deverá se articular. (FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso de collége de France, (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 45)

 

Talvez justifique assim, porque o estado até hoje não fez e não faz para mudança do quadro, pelo contrario contribui e muito, para que possamos reproduzir ainda mais como natural e merecido para aqueles reincidentes. Esquecendo assim grande parte da população que neste assunto especifico e que em matéria de direitos, deve haver por nós cidadãos interesse público manifestado ativamente e fervorosamente e não pela garantia individual em si, mas, pela garantia social. Consequentemente a mudança do quadro reincidência refletirá diretamente em um convívio social mais saudável e seguro.

Em países como o já citado, Alemanha e Espanha, em que se tem compromisso e preocupação com a integridade processual, com o ser humano, com a valorização humana ou em que se tem compromisso e seriedade com os fundamentos maior do Estado, VIDA, LIBERDADE E DIGNIDADE, ordem jurídica democrática – o instituto da reincidência é tratado de modo diferente. Não se considerando reincidente aquele condenado que esta em cumprimento de pena, ou seja, aquele condenado que ainda não passou pelo seu cumprimento integral levando em consideração para tal aplicação penal, todos os fundamentos da pena, tanto as obrigações como os direitos do preso, trata-se reincidência em seu aspecto real, no qual é mais restrito. Neste sentido segue o entendimento do ilustre professor Leonardo Issac Yarochewsky;

Reincidência real ou própria, ocorre quando o autor de uma infração penal comete outra, após cumprir parcial ou totalmente a pena que lhe foi imposta pela prática de crime anterior. Reincidência ficta ocorre quando o autor de um crime comete outro, depois de haver sido transitada em julgado a sentença que o condenou pro crime anterior. Neste particular nota-se que as legislações penais que adotam a reincidência ficta são mais rigorosas, posto que não exigirem, para o reconhecimento do agravante da reincidência, ou como condição desta, que o agente condenado tenha pelo menos cumprido parte da pena. (YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência Criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005. p. 22-23).

 

O Sistema Penitenciário e o instituto da reincidência brasileiro não corrobora para que a pena privativa de liberdade exerça suas funções e nem para que o sujeito encarcerado se restabeleça e, portanto, se reinsira no convívio social, onde a reincidência é ficta, de aspecto amplo. A saber, as teorias da pena de Munõz Conde citado por Albergaria (1996), se dividem em três formas de tratamento; tórias absolutas, teorias relativas e as teorias da união. A primeira tem o sentido de impor o mal da pena pelo mal do crime, com isso exaure-se a função da pena. As teorias relativas se subdividem em dois sentidos: de prevenção geral que tem por intuito intimidar os cidadãos para afasta-los da prática criminosa e, de prevenção especial que consiste em afastar o delinqüente da prática de futuros crimes, mediante sua educação e correção. Na teoria da união para cada etapa da pena tem funções distintas.

Seguindo ao todo abordado e teorias das funções citadas por Albergaria, penso e concluo que, no contexto das prisões brasileiras a aplicação da pena privativa de liberdade predomina a idéia das teorias absolutas e teorias relativas no tange seu aspecto geral, por fim a retribuição, ou seja, o encarcerado brasileiro paga pelo mal do crime cometido. A prisão brasileira, simplesmente, pune o homem a partir do mal cometido. Assim não há possibilidade para que o encarcerado se ressocialize e não reincida, portanto, não só dificulta sua volta ao convívio social, como a reincidência levada a cabo no atual processo penal brasileiro peca ao trabalhar o instituto de forma não condizende com os princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio bem como promove o cárcere.