INTRODUÇÃO

O presente texto tem por objeto o estudo detalhado dos regimes carcerários adotados pelo direito brasileiro, quais sejam: oregime fechado (quando é fixada pena privativa de liberdade acima de oito anos), o regime semiaberto (a pena privativa de liberdade a ser cumprida é superior a quatro anos e inferior ou igual a oito anos) e o regime aberto (a pena privativa de liberdade fixada é igual ou abaixo de quatro anos). O trabalho tem por objetivo, inicialmente, vislumbrar um aspecto geral do tema no direito brasileiro, apontando as diversas opiniões e conceitos formulados pelos autores. Em seguida, estudar as peculiaridades do assunto, a fim de analisar detalhadamente os aspectos controversos do instituto e seus desdobramentos, aplicados no dia a dia em todo o país. Conceber, com base na metodologia bibliográfica, comparativa e histórica, um esquadrinhamento minucioso a partir das dissensões jurisprudenciais e doutrinárias pertinentes ao tema e verificar os efeitos que poderão ser produzidos, com base na adoção da legislação pertinente ao assunto.

Para a realização deste trabalho, além da revisão bibliográfica, baseou-se no levantamento de casos do dia a dia. Selecionaram-se as questões norteadoras mais polêmicas e controversas e sobre elas o autor se debruça para estudá-las, analisá-las e auferir opiniões e sugestões em relação à aplicação das normas pertinentes ao tema ora estudado.

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1 DISPOSIÇÕES GERAIS

Toda vez que uma pessoa sofre uma condenação a uma pena privativa de liberdade (pena corporal), o juiz que a sentenciou deverá fixar o quantum da pena e estipular o regime inicial de seu cumprimento. Para tanto, o magistrado deverá observar a gravidade do crime, conduta social do autor do delito, além de outras circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. A execução da pena visa precipuamente reprimir a ação delituosa, mas, acima de tudo, tem a finalidade de demonstrar à sociedade que o crime não compensa, servindo também a punição para prevenir futuros ilícitos penais. Visa, portanto, a execução da pena a punição e a reintegração do criminoso no seio social, assim como a prevenção do cometimento de futuros atos delituosos, ou seja, a pena presta-se a prevenir, punir e ressocializar.

Transitada em julgado a sentença condenatória, cabe ao condenado o cumprimento da pena estipulada nos exatos termos da decisão, isto é, inicia-se a execução da pena (após a expedição da guia de recolhimento) em conformidade e na proporção de sua condenação. Se for aplicada ao sentenciado pena corporal, não substituída por restritivas de direito, multa ou suspensão condicional da pena, é garantido ao réu que inicie o seu cumprimento no regime fixado na sentença e nunca em regime mais gravoso, sob pena de constrangimento ilegal, que pode ser rebatido por meio dehabeas corpus.

Os regimes carcerários somente serão aplicados às penas de reclusão e detenção, pois são estas as penas privativas de liberdade. Com efeito, o artigo 33 do Código Penal (que está contido na seção “DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE”) preceitua que “a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado”.

Genericamente, o Código Penal brasileiro adota três espécies de penaprivativas de liberdade, restritivas de direito e pecuniárias (de multa) (art. 32). Entretanto, os regimes prisionais, objeto deste estudo, abrangem somente as penas de reclusão e detenção (penas privativas de liberdade).

Como no Brasil não se admite a aplicação da pena de morte e da pena de caráter perpétuo, é fácil concluir que o condenado, mais cedo ou mais tarde, retornará ao convívio social. Sabendo-se que o retorno ao meio social, portanto, é inevitável, a Lei de Execução Penal obrigou o Estado que puniu a realizar a reintegração social do condenado. Isso significa dizer que dentro da prisão o criminoso deverá ter à sua disposição um tratamento humanista, educação, saúde, trabalho e principalmente o direito de reaproximação com a família, caso contrário não será possível conseguir a sua ressocialização.

Existem três clássicos sistemas penitenciários: o sistema penitenciário de Filadélfia, segundo o qual o condenado cumpre a pena na cela, sem dela sair, salvo em raras e excepcionais situações; o sistema penitenciário de Auburn, em que durante o dia o preso trabalha em silêncio junto com os outros, havendo isolamento no período noturno; e o sistema penitenciário inglês ou progressivo, segundo o qual há um período inicial de isolamento. Com o passar do tempo, o apenado começa a trabalhar junto com os outros detentos, e por último é colocado em liberdade condicional.

A legislação brasileira não adotou necessariamente o sistema progressivo, mas um sistema de cumprimento de pena de forma progressiva, com vistas à reintegração do criminoso ao convívio social. Nesse sentido, o artigo 33, § 2º do Código Penal afirma que “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado”. 

A progressão de regimes prisionais está prevista no artigo 112 da LEP, segundo o qual, a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

A progressão se dá quando presentes os requisitos objetivos e os requisitos subjetivos. O requisito objetivo é o cumprimento de pelo menos um sexto da pena aplicada, na generalidade dos crimes; se se tratar de crimes hediondos ou assemelhados, o condenado deverá cumprir pelo menos dois quintos da pena, caso seja primário e três quintos se for reincidente, por força do disposto na Lei n. 11.464/2007. O requisito subjetivo é a boa conduta carcerária do preso, comprovada por atestado firmado pelo diretor do presídio. Para a progressão não basta apenas um, mas a existência simultânea dos dois requisitos.

2 REGIME FECHADO

Os condenados a reclusão em regime fechado deverão cumprir a pena em penitenciária de segurança máxima ou média e serão alojados em cela individual, provida de dormitório, aparelho sanitário e lavatório, devendo ser observados como requisitos básicos de cada unidade celular a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, bem como uma área mínima de seis metros quadrados. Portanto, será a penitenciária destinada ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado (LEP, art. 130). Disso decorre ser manifestamente ilegal o cumprimento de detenção ou prisão simples em regime fechado, assim como será incorreto o cumprimento de pena fixada em regime semiaberto ou aberto em celas de penitenciárias.

Considera-se regime fechado quando a execução da pena é efetivada em estabelecimento de segurança máxima ou média, regime semiaberto se a execução da pena se dá em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, e regime aberto quando a pena é executada em Casa do Albergado ou estabelecimento adequado (CP, art. 33, § 1º).

O apenado que cumpre pena em regime fechado fica sujeito ao trabalho no período diurno e isolado durante o repouso noturno. O trabalho, no interior do estabelecimento penal, será em comum, de acordo com as aptidões e ocupações anteriores do preso, sendo também admissível o trabalho externo, desde que seja prestado em serviços ou obras públicas. Em ambos o casos (trabalho interno e externo) deverá haver compatibilidade com a execução da pena (art. 34, CP).

Nos moldes da Lei de Execução Penal, as penitenciárias e as cadeias públicas terão, necessariamente, as celas individuais, porém, o que ocorre, na realidade, é o desrespeito a essa norma, por falta de adequação na maioria dos presídios do País.

Nesse sentido, transcreve-se abaixo trecho de um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte[1] (TJ/RN):

“[...] É público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se ajustou à programação visada pela LEP. Não há, reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da LEP. É verdade, em fase de carência absoluta nos presídios, notadamente no Brasil, os apenados recolhidos sempre reclamam mal-estar nas acomodações, constrangimento ilegal e impossibilidade de readaptação à vida social. Por outro lado, é de se sentir que, certamente mal maior seria a reposição à conveniência da sociedade de apenado não recuperado provadamente, sem condições de com ela coexistir”.

O sentenciado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da pena.

Iniciado o cumprimento da pena em regime fechado, o apenado se sujeitará ao trabalho em comum no período diurno e isolamento noturno, tendo direito à transferência para os regimes semiaberto e aberto, sucessivamente, e, posteriormente, ao livramento condicional. Aplicam-se as mesmas regras ao condenado que inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto, exceto o isolamento noturno.

O Código Penal brasileiro determina que o preso para cumprimento de pena em regime semiaberto também deverá ser submetido a exame criminológico no início da execução (art. 35), no entanto, a Lei de Execução Penal preceitua que a submissão a tal exame é simples faculdade do juiz (art. 8º, parágrafo único). Como as duas normas jurídicas foram editadas na mesma data (11/07/84), diante do conflito das duas normas, entende-se prevalecer a mais favorável ao preso, ou seja, trata-se de simples faculdade do juiz da execução.

Quanto aos objetivos da execução penal, existem três grandes teorias: Teoria absoluta, teoria relativa e teoria mista ou eclética. A teoria absoluta tem por finalidade o caráter tão somente retributivo. Significa que ao Estado caberá impor a pena como uma forma de retribuir ao criminoso o mal por ele praticado. Por essa teoria, a pena se revela mais como um mecanismo de vingança do que de justiça efetiva, prevenção ou proteção à sociedade. A função de retribuição da pena representa a imposição de um mal justo contra o mal injusto do crime, é a aplicação de uma pena com a finalidade de punir o agente pelo ato ilícito que o mesmo cometeu. A sociedade, em geral, encontra nesta função a esperada justiça, é como se fosse uma espécie de pagamento, em que o infrator responde pelo delito que praticou com uma pena equivalente ao ato injusto cometido, para que o mesmo pague pelo dano que causou. A retribuição, nessa hipótese, é um meio de compensar um mal (o crime) com outro mal (a pena).

A teoria relativa, diferentemente da teoria absoluta, presta-se a prevenir a ocorrência de novos atos delituosos. Para essa teoria é irrelevante a punição (retribuição). Possui somente cunho preventivo, no sentido de evitar o cometimento de novos delitos. A prevenção contida nessa teoria poderá ser prevenção geral e prevenção especial, o que será analisado logo a seguir no estudo da teoria mista ou eclética.

Adotada pelo direito brasileiro, a teoria mista ou eclética, retrata uma síntese das duas teorias acima analisadas. Apregoa que a execução da pena seja capaz de retribuir ao criminoso o mal por ele praticado, desestimulá-lo da prática de futuras infrações penais, além de prepará-lo para o convívio em sociedade.

A execução penal, nos termos da Lei de Execução Penal, tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (art. 1º). Numa interpretação acurada do dispositivo legal acima transcrito, entende-se que a execução penal não está restrita à execução da pena, mas abrangendo também a execução da medida de segurança. Dessa forma, a execução penal (conforme disposição legal) visa fazer cumprir o que determina a sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, bem como proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Para uma melhor compreensão didática do artigo 1º da LEP, desmembrou-se a execução penal em execução da pena e execução da medida de segurança, as quais possuindo objetivos distintos. A execução da medida de segurança tem por fim, essencialmente, a prevenção, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais. Como a medida de segurança somente poderá ser aplicada a pessoas com deficiência mental (inimputáveis), a sua execução também tem por fim curar o internado, por meio de tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

A execução da pena, por sua vez, tem por objetivo retribuir, prevenir e ressocializar. A execução da pena em caráter retributivo será imposta ao condenado como retribuição ao ato ilícito por ele cometido, consistente na diminuição de um bem jurídico, e visa evitar o cometimento de novas infrações penais. A execução da pena com finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novos ilícitos penais, pode ser: a) prevenção geral, que consiste em intimidar todos os destinatários da norma penal, objetivando impedir que todos os membros da sociedade pratiquem crimes. Essa espécie de prevenção tem por objetivo motivar seus destinatários a se absterem de praticar novos delitos, ou seja, o Estado espera desestimular pessoas de praticarem crimes pela ameaça da pena; b) prevenção específica, segundo a qual, a pena visa o detento condenado, retirando-o do seio social, coibindo-o de práticas delituosas e tentando corrigi-lo.

A integração social do condenado é de responsabilidade do Estado e da sociedade em geral e consiste na preparação do apenado para o convívio no meio social, proporcionando a ele cursos, palestras, culto religioso etc., a fim de reinseri-lo, como uma pessoa normal, no seio da sociedade. Ocorre que a maioria das instituições penais não cumpre o disposto na Lei de Execução Penal (artigo 83), o que dificulta a ressocialização dos detentos, tendo em vista que é a através da assistência moral e educacional, do trabalho, da recreação, de um espaço com condições adequadas para sobrevivência digna, que será possível o processo de reinserção dos mesmos na sociedade.

Conforme nos ensina o professor Damásio de Jesus[2], “(...) a pena é retributiva-preventiva, tendendo hoje a readaptar à sociedade o delinquente (...)”. Portanto, a execução penal deverá objetivar a punição (retribuição) e a reintegração do criminoso no seio social, assim como a prevenção do cometimento de futuros atos delituosos, ou seja, a pena visa punir (retribuir), ressocializar e prevenir.

2.1 Regime integralmente fechado

 A redação original da Lei n. 8.072/90 (Lei dos crimes Hediondos) previa que a condenação pela prática de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins e o terrorismo deveria ser cumprida em regime integralmente fechado (art. 2º, § 1º).

No entanto, em março de 2006, o plenário do STF, julgando o HC 82959/SP (relator Min. Marco Aurélio), declarou inconstitucional o § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/90, o que permitiu a progressão de regime no cumprimento de pena pela prática de crimes hediondos ou assemelhados. Por essa razão, em 2007 foi editada a Lei n. 11.464, que alterou o art. 2º, § 1º da Lei dos crimes Hediondos, substituindo e expressão integralmente pela expressão inicialmente. Com essa modificação, acabou definitivamente com o regime integralmente fechado.

Ocorre que, mesmo com as referidas alterações, o artigo 2º, § 1º da Lei n. 8.072/90, continuou apresentando vício de inconstitucionalidade, pois previa que o cumprimento de pena pela prática de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins e o terrorismo deveria ser cumprida em regime inicialmente fechado.

Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal declarou, em 27/06/2012, a inconstitucionalidade do aludido dispositivo (artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90), quando do julgamento do HC 111840/ES, cujo relator foi o Ministro Dias Toffoli. Desde então, o regime inicial nas condenações pela prática de crimes hediondos ou equiparados não tem que ser necessariamente o fechado, podendo ser o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33 do CP. Nessa esteira, poderá o juiz sentenciar o réu, por tráfico de drogas, a oito anos de reclusão e estipular o regime inicial semiaberto.

3 REGIME SEMIABERTO

Referente ao regime semiaberto, conhecido também como regime intermediário, a lei autoriza saídas externas ao sentenciado, sem vigilância, 28 vezes por ano, cabendo ao estado pôr à sua disposição, dentro da prisão, trabalho e educação. No regime semiaberto a pena deve ser cumprida em colônia agrícola, industrial ou similar, podendo ser o condenado alojado em compartimento coletivo, observados os mesmos requisitos de salubridade de ambiente exigidos na penitenciária (art. 91 e 92, LEP). São requisitos básicos das dependências coletivas: seleção adequada de presos; limite de capacidade máxima que atenda aos objetivos da individualização da pena (art. 92, parágrafo único, LEP).

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