REFORMA AGRÁRIA: DICOTOMIA ENTRE O EXERCÍCIO DO DIREITO E A VIOLAÇÃO DESTE

Autores:

ARICON DE FARIA MARTINS

ARTHUR CÉSAR DE PAULA RODOVALHO

DANILO PEREIRA DE OLIVEIRA

INTRODUÇÃO

O presente estudo cujo tema é reforma agrária: dicotomia entre o exercício do direto e a violação deste, procurou explanar ao seguinte problema: como a função social da terra em confrontação com a garantia fundamental do direito a propriedade assegurado pela Carta Magna, interfere nos conflitos advindos da reforma agrária? A relevância deste estudo justifica-se em função da necessidade de se analisar o direito agrário como instrumento mediador, de maneira a efetivar o cumprimento da função social da terra, definido no artigo 186 da Constituição Federal, sem que seja desrespeitada a garantia constitucional do direito a propriedade, garantia instituída pelo artigo 5º, XXII, deste citado Diploma Legal, que são os principais fatores da violência no campo.

O direito à propriedade é uma questão amplamente subjetiva, haja vista o tamanho da abrangência do assunto. Não se podem mensurar, sem um estudo aprofundado e criterioso, os prejuízos causados pela violência no campo, sem que nesse processo de avaliação fique qualquer elemento importante de fora. Diante disso, serão analisados os aspectos históricos que definiram a atual distribuição de terras na República Federativa do Brasil, de tal forma a demonstrar que a propriedade deixou o caráter individualista e passou a se tornar modo de garantia dos direitos sociais. Com isso, discute-se a estrutura fundiária vigente, em detrimento as reivindicações dos representantes do movimento sem terra. A polêmica em torno do assunto se dá justamente pela não compreensão das partes confrontantes, que de um lado se amparam na garantia constitucional do direito a propriedade, em detrimento ao cumprimento dos requisitos dispostos no artigo 186 da Carta Magna.

O objetivo do legislador foi justo e importante ao configurar que a propriedade rural somente compreenderá a função social da terra, se cumprido todos os requisitos, quais, sejam: a produtividade, combinado com o uso racional da terra e a preservação do meio ambiente e seus recursos naturais, a observância das leis de trabalho e relações justas de trabalho, e o bem estar do empregado e do trabalhador rural. Objetiva-se, também, entender a “função social da terra” como medida essencial ao desenvolvimento econômico e social do país, será objetivo específico de grande importância. Tem-se como hipótese que o Estado deve intervir, principalmente com a criação de uma justiça agrária especializada, bem como a existência de um ministério público agrário, exigindo assim, métodos próprios que visem respostas práticas aos anseios de justiça da população.

REFERENCIAL TEÓRICO

Para o entendimento da atual situação agrária no Brasil, faz-se necessário um breve retrospecto histórico. A distribuição original de terras e o desenvolvimento da estrutura fundiária no país começaram mesmo antes da chegada dos portugueses, que encontraram uma terra habitada por índios, que não tinham a concepção de propriedade privada, mas uma noção de propriedade coletiva, delineavam no máximo, o território das tribos. Conforme relata Marcelo Dias Varella:

“Mesmo antes da colonização o Brasil e os demais países da América latina já tinham seus territórios divididos pela Espanha e Portugal. Entre os acordos realizados destacam-se o Tratado de Alcaçovas (1479), a Bula Inter Coetera (1492), o Tratado de Tordesilhas (1494), e posteriormente, a bula papal de 1504”. (VARELLA, 1997, p. 56)

Foi implantado então o sistema das Sesmarias, esse processo de privatização das terras brasileiras foi iniciado a partir de 1530 e utilizado para colonizar o imenso território “descoberto” pelos navegadores. Este sistema não era novidade para os portugueses, e deriva de um modelo adotado pela Europa no período medieval. A palavra Sesmaria deriva de sesma, que era uma medida de terra, como sesmo, que quer dizer a sexta parte de alguma coisa, ou seja, era uma forma legítima de se conceder direitos sobre terras que não pertenciam à ninguém, para que estes a cultivassem e a melhorassem. Este mecanismo se caracterizava como sistema de melhoria agrária, pois visava encontrar uma forma de tornar terras abandonadas em terras produtivas.

Em 1822, com a repercussão da Independência, acaba o processo das sesmarias, passando então a vigorar o regime das posses, que foi definitivamente regularizado com a Lei 601, de 1950, embora em 1767, a Coroa portuguesa já houvesse promulgado uma lei criando a figura do posseiro, com alguns direitos sobre a terra que cultivasse, sendo assim, o Brasil permaneceu por quase trezentos anos sob um regime de senhores, que comandavam a terra e ditavam as leis, utilizavam da escravidão e mantinha uma fraca produtividade da terra, o que influenciou e marcou visivelmente a cultura do país, até a atualidade.

Desta forma, a próxima lei sobre terras foi a Lei nº. 601, de 1850, considerada um marco na história agrária do Brasil, culminando na Lei de Terras, regulamentada pelo Decreto nº. 1.138 de 30/01/1854. Logo após tem-se como mais importantes mudanças as considerações outorgadas pela Constituição de 1891, o Código Civil de 1917, em seguida a Constituição Federal de 1934, Constituição Federal de 1946, e a Emenda Constitucional nº. 10 de 1964, considerada uma das mais importantes para o Direito Agrário.

Do descobrimento até os dias atuais, pode-se perceber que embora a Legislação tenha sido modificada ao longo do tempo no sentido de se alcançar o desenvolvimento econômico e social, a estrutura agrária persistiu em permanecer formada por grandes latifúndios, mantendo assim uma cultura onde a classe dominante no meio agrário seja formada por poucos. O anseio da sociedade pela igualdade e pela melhoria das condições humanas, são os elementos que forma a base de movimentos sociais, destacando-se no Brasil o MST.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou MST, é um movimento político e social, que tem por objetivo a reforma agrária. Foi criado como forma de oposição ao modelo de reforma agrária, idealizado nos anos 1970, que por imposição dos militares utilizava as terras devolutas em regiões distantes, com objetivo de exportação populacional e integração estratégica.

O MST busca a redistribuição das terras improdutivas e teve origem na década de 1980, sendo que, em 1984, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra, representantes de movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações reuniram-se em Cascavel, PR, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para fundar o MST, defendendo a expansão da economia agrícola e afirmando que a mecanização da agricultura, contribui para eliminar as pequenas e médias unidades de produção agrícola e concentrar a propriedade da terra.

Esta organização não possui registro legal por ser um movimento social e, por isso, não é obrigada a prestar contas ao governo, como qualquer movimento social. Porém, já existe o questionamento de boa parte da opinião pública brasileira de que, se o MST é um movimento social e não tem personalidade jurídica, não deveria receber recursos públicos, sejam eles diretos ou indiretos. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ou INCRA, analisa se as terras ocupadas são ou não produtivas. A produtividade das terras é medida, através do Índice de Produtividade Rural de 1980, baseado nas informações do Censo Agropecuário de 1975.

Segundo o Artigo 11 da Lei Federal 8.629, de 1993, “os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”. Os simpatizantes da Reforma Agrária defendem a atualização do Índice de Produtividade Rural, porém enfrentam grande resistência de setores de parlamentares.

É evidente que, existem várias opiniões em relação ao MST; desde aqueles imbuídos do mais grosseiro radicalismo, que cegos pelos preconceitos sociais e culturais de uma sociedade enraizada em estratificações sociais, se deixam levarem por esses impulsos e pelo desejo da violência, que nada resolve e que frequentemente leva aos mais exacerbados atos, que podem se transformar numa agressão à própria vida. Disto temos, infelizmente, muitos exemplos.

Muitos são os conflitos envolvendo os “sem terra”, principalmente em Estados como Pará, Amazonas, Tocantins e Rondônia, culminando em violência, mortes e chacinas que chocaram todo o país, em geral estes confrontos se dão dentre os integrantes do movimento, policiais e empregados dos latifundiários, considerando o Estado Democrático de Direito, estas atrocidades são inaceitáveis. Dentre os casos de maior repercussão, destaca-se o “massacre de Corumbaíba”, ocorrido em agosto de 1995, no Estado de Rondônia, onde morreram dois policiais militares e dez posseiros, dentre eles uma criança, além de diversos feridos maiores e menores de idade, o incidente ocorreu de madrugada, em cumprimento de uma ordem judicial de desocupação da propriedade. No entanto, a falta não está apenas do lado dos policiais, que agiram de forma abusiva, mas também dos manifestantes que se utilizaram de métodos não condizentes com o ordenamento jurídico, como a posse ilegal de armas.

É de grande importância a ideia de propriedade que o homem traz consigo, e que chega a ser um direito que deve ser exercido dentro de limites, sem abuso, especialmente no que tange ao seu aproveitamento. A Carta Magna elencou nos direitos fundamentais, o direito a propriedade, veja-se:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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