REFLEXOS DA TEORIA DO DOMÍNIO DOS FATOS NOS CRIMES PRATICADOS EM CONCURSO DE PESSOAS ¹

Dheborah Christinh Moraes Ferreira²

Gracielen Costa do Nascimento³

Adriano Antunes Damasceno4

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Concurso de agentes; 2 Teoria do domínio do fato: origem e conceito; 3 Legislações que abarcam a Teoria do Domínio do Fato; 4 Reflexos práticos da Teoria do Domínio do fato; Conclusão; Referências.

 

RESUMO: O paper tem como base o Código Penal, trazendo à baila o estudo da concepção de concurso de pessoas e a consequente problemática advinda pelo questionamento acerca da distinção das participações, que configuram a autoria e participação. Nesse sentido, o enfoque será delineado para a adoção pela doutrina e jurisprudência da teoria do domínio do fato, demonstrando sua viabilidade de aplicação jurídica em decorrência da fundamental importância em face da incidência de crimes que ocorrem com a pluralidade de agentes e de condutas num liame subjetivo que caracteriza o concurso de pessoas. Objetiva-se, de tal forma, corroborar pela teoria a responsabilização devida, e por vezes, justa para os participantes do ilícito penal, em conformidades com as condutas por eles praticadas.

Palavras-chave: Concurso de pessoas. Teoria do Domínio do Fato. Crimes Organizados.

INTRODUÇÃO

O Código Penal Brasileiro, no que tange a determinação do conceito de autoria dentro do concurso de pessoas, adotou a teoria monista ou unitária – na qual a atuação dos agentes resulta em crime único, sendo considerado autor todo aquele que concorre para a prática do crime. Essa perspectiva foi corroborada pelo art. 29 do Código Penal, ao estabelecer que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, dispondo que todos os agentes responderiam pelo mesmo crime, embora na medida individual de sua culpabilidade (BITENCOURT, 2011, p.377).

Todavia, em face das críticas à tal dispositivo, eminentemente culminadas em face das responsabilizações manifestadamente injustas no que tange à ausência de uma distinção da punibilidade entre os agentes, é que o legislador estabeleceu um ponto intermediário entre as teorias restritivas (objetiva) e extensiva (subjetiva) de autoria, adotando nesse liame a teoria do domínio do fato (RODRIGUES, 2009,p. 12). Ou seja, para melhor atender ao jus puniendi

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¹ Paper apresentado à disciplina de Teoria Geral do Direito Penal, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

².Aluna do 7º período do Curso de direito noturno, da UNDB, email:<[email protected]>

³ Aluna do 3º período do Curso de direito noturno, da UNDB.

4 Professor orientador.

do Estado, que se passou a conceber a conduta do indivíduo não somente pelo aspecto objetivo, mas na medida da contribuição subjetiva para a ofensa do bem penalmente protegido (MELGAREJO, 2004, p. 6).

Destarte, apesar do Código de 1940 ter adotado a teoria monista, ele evitou uma série de questões que decorriam em consequência da prática do ato em concurso de pessoas, o que não foi ao todo solucionado pela reforma do código em 1984, que trouxe no art. 29, in verbis, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, uma vez que resta a demonstração que continua enraizada a concepção da existência de uma única infração, e por consequência, de igual punição (MIRABETE, 2001, p. 199).

Para essa teoria, haveria uma divisão de tarefas, em que o autor deverá ter o domínio do fato, ou seja, domínio sobre a execução da infração penal, e os demais agentes contribuem com o domínio funcional – contribuição em relação a parte do plano criminoso que à eles foram atribuídas (GRECO, 2011, p. 223). Essa ideia de divisão de trabalho se apresenta como fundamental para sua configuração, como resta afirmado por Nilo Batista (1979, p. 77 apoud RODRIGUES, 2009, p. 46) ao dizer que o agente tem “(...) a sorte do fato total em suas mãos, através da sua função específica na execução do sucesso total, porque se recusasse sua própria colaboração faria fracassar o fato”. 

Desta forma, concebe-se como sujeito ativo dessa teoria o indivíduo que ainda que não tenha praticado o verbo do tipo penal, tem o domínio finalístico da ação dos demais, determinando como, onde e quando, será levada a efeito a atividade criminosa (MELGAREJO, 2004, p.6).

Isso não quer dizer, no entanto, que o conceito da teoria tradicional de autor esteja superado, uma vez que o domínio do fato é levado a cabo apenas à título de complementação à essa teoria restritiva, no intuito de ampliar o conceito de autor. Em suma, tem-se que a teoria do domínio do fato é a que mais parece se adequar à todas formas de realização e contribuição de um delito, compreendidas sob a forma de autoria e participação (SANTOS, 2004, p. 276) e sendo assim, o estudo do tema será delineado em face da importância da identificação e distinção dos agentes na prática de uma infração penal, uma vez que esta é determinante para o momento posterior de aplicação da pena, respondendo pelo ato na medida da contribuição.

Isto, pois o fenômeno da criminalidade organizada é objeto atualmente tanto da dogmática penal quanto das políticas criminais, em razão das proporções nunca antes alcançadas, fomentando o desenvolvimento de atividades criminosas (RODRIGUES, 2009, p. 46). Oportuno salientar, portanto, a necessidade de análise das mudanças do paradigma criminal, adotando uma modalidade de aplicação de pena que seja devida, em conformidade com a materialidade do delito praticado, para que constitua uma resposta mais rigorosa do Estado.

Destarte, levando-se em consideração a adoção da teoria do domínio do fato, o paper delineará, primeiramente, sobre o concurso de pessoas, de modo a formar um alicerce para o estudo do tópico seguinte, que adentra na Teoria do Domínio do Fato em si, abordando a origem e conceito. Após o estudo da teoria, será analisado a sua possibilidade de aplicação no que diz respeito à certas legislações vigentes, e por fim, o estudo do último tópico será delineado com o enfoque nas implicações práticas da adoção dessa teoria, levando em consideração a abordagem por ela utilizada para o alcance de uma responsabilidade penal mais efetiva.

1 CONCURSO DE AGENTES

Os crimes podem ser praticados por uma só pessoa ou por várias pessoas, em concurso. O concurso, portanto, se caracteriza pela ação de duas ou mais pessoas cuja finalidade em comum é a realização de um fato criminoso.  No entanto, para que haja a configuração do concurso de pessoas, é preciso que haja um liame subjetivo entre a motivação de cada um dos sujeitos (DOTTI, 2002, p. 359).

Nesse sentido, dispõe ainda Damásio de Jesus (2010, p. 447):

“A infração penal, porém, nem sempre é obra de um só homem. Com alguma frequência, é produto da concorrência de varias condutas referentes a distintos sujeitos. (...) Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em codelinquência, concurso de pessoas, coautoria, participação, coparticipação ou concurso de delinquentes.”

Corrobora ainda a concepção acerca do concurso de pessoas o posicionamento de João José Leal (p. 521):

“(...) se configura quando dois ou mais agentes, de comum acordo, participam de uma mesma empreitada criminosa e praticam um mesmo crime, pelo qual devem responder penalmente, na medida de suas respectivas culpabilidades”.

Portanto, na prática de um crime podem existir autores e partícipes, na qual estes últimos correspondem àqueles que participam da conduta do autor, podendo ser sob a forma de instigação – quando há concessão de um incentivo para que o outro pratique a conduta – ou de cumplicidade, quando há cooperação entre os envolvidos (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 631).

No entanto, há concepção ainda quanto à pluralidade de agentes que esta pode se apresentar enquanto uma forma de garantir a impunidade ou o mero interesse de que o evento consista em uma forma de concorrer à um crime (BRUNO, 2005, p.171).  Desta forma, leciona-se que:

“(...) reúnem-se os consócios, repartindo entre si as tarefa em que se pode dividir a empresa criminosa, ou então, um coopera apenas na obra do outro, sem acordo embora, mas com a consciência dessa cooperação. Fala-se, então, em concurso de agentes, participação ou codelinquência”(BRUNO, 2005, p.171).

Destarte, a doutrina tradicional dispõe três requisitos para o concurso: que haja pluralidade de condutas, o liame subjetivo e a identidade de infração de todos os partícipes. Quanto ao primeiro requisito, da pluralidade de condutas, este se define no momento em que todos os agentes almejam contribuir para a realização de uma conduta, ainda que não o façam da mesma maneira, tampouco em condições iguais. Ou seja, enquanto um ou mais realizam o núcleo típico da infração, os demais se limitam à determinar, seja instigando ou auxiliando moral ou fisicamente, de modo a cometer atos que por si só, não são delituosos (JESUS, 2010, p.447).

Quanto ao liame subjetivo, este diz respeito à vontade aplicada à todos de realizar a conduta típica, ou seja, de demonstrar a mesma vontade de praticar o crime que o autor realizou. Para isso, é preciso que essa vontade seja voluntária e consciente de alcançar o mesmo resultado (QUEIROZ, 2008, p. 244). Tem-se ainda que é dispensável a existência de um ajuste prévio entre os agentes, bastando para configurar o concurso de pessoas que um dos envolvidos na prática do ato tenha conhecimento  de que participa da conduta de outra pessoa (MAGGIO, 2002, p.198).

Ademais, no que diz respeito à identidade de infração de todos os partícipes, esta apresenta certa controvérsia na doutrina, uma vez que é concebida, por vezes, não como um requisito, mas sim como uma consequência do ato (JESUS, 2010, p.448). Isto, pois, nos termos do art. 29 do Código Penal, todos os participantes responderão pelo crime, no entanto, se desqualificados forem, não respondem por crime nenhum, uma vez que o delito tem que ser corresponder juridicamente à uma unidade para todos (OLIVEIRA, 2010, p.?). 

Contudo, além desses requisitos há ainda o nexo causal da conduta criminosa, que integra a própria definição, uma vez que na pluralidade de agentes que concorrem para o crime, é notório a importância de que cada um deles tenha feito uma contribuição eficaz para que fosse alcançado esse resultado, ou seja, a participação precisa ter relevância jurídica, não podendo ser constituída por uma ação vaga e simples ou ainda ter o mero conhecimento do delito (STUMPF, 2006, p.22).

2 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO: ORIGEM E CONCEITO

A teoria do domínio do fato tem origem com Hans Welzel, que em 1939, ao criar a teoria finalista, introduziu a ideia do domínio do fato no concurso de pessoas, adotando como autor aquele que tem o controle final do fato. Welzel foi responsável pela formulação dessa teoria como uma forma de se opor à então teoria extensiva, que permitiu à época a pratica de inúmeras atrocidades (PIERANGELLI, 1985, p. 107).

Nesse sentido, a delineação dessa teoria por Welzel inovou perante os penalistas da época, uma vez que seu enfoque era eminentemente subjetivo, enquanto que as demais se preocupavam com a conduta externada no mundo jurídico. Ou seja, ela passa a dar ênfase à conduta, especialmente ao elemento volitivo empregado pelo agente para a consecução do fim penal (MELGAREJO, p.25).

Desta forma, para essa teoria, autor é aquele que domina o fato, tem o controle da situação, decidindo sobre a ocorrência ou não do crime – ou seja, aquele que tem o poder de impedir que a conduta seja praticada ou ainda de modificar a sua realização (MORCELLI, p.4).  Assim sendo, tem-se que a teoria do domínio do fato, segundo aduz Fernando Capez (2001, p. 310) parte da “teoria restritiva, adota um critério objetivo-subjetivo, segundo o qual autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre a sua prática, interrupção e circunstâncias". Ou seja, não há relevância para essa teoria se o agente realiza ou não o tipo penal, mas sim o controle sobre todos os fatos.

Tem-se, portanto, segundo José Henrique Pierangelli (1985, p. 107), que essa teoria “não se funda – e nem poderia se fundar – em critérios exclusivamente objetivos e nem exclusivamente subjetivos, porquanto abrange ambos os aspectos e reclama uma valoração concreta, caso por caso”.

Aduz Julio Fabbrini Mirabete (2010, p. 216) quanto a concepção da Teoria do Domínio do Fato, estabelecendo o conceito de autor do crime:

“Autor é, portanto, segundo essa posição, quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. É não só o que executa a ação principal, o que realiza a conduta típica, como também aquele que se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa (autoria mediata). O agente tem o controle subjetivo do fato e atua no exercício desse controle.”

Embora a teoria do domínio do fato parta do pressuposto de que há um controle final dos atos, ela não se restringe à finalidade, mas também à uma posição objetiva que efetivamente determine o domínio do fato. Desta forma, autor é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato, mas não somente aquele que executa a ação do núcleo típico, como também aquele que se “utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da infração penal” (BITENCOURT, 2011, p. 488). Desta forma, poderia ser considerado detentor do domínio do fato todo aquele que, na conduta criminosa:

(i)que por sua vontade, executa o núcleo do tipo (autor propriamente dito) (ii) planeja a empreitada criminosa para ser executada por outras pessoas (autor intelectual) (iii) se vale de um não culpável ou de pessoa que atua sem dolo ou culpa para executar o tipo, utilizada como seu instrumento (SANCHEZ, 2013, p. 348).

Nada obstante, de suma importância ainda mencionar a diferenciação entre autor e partícipe, conforme preceitua Mirabete (2010, p. 216-217), no sentido de que esta diferenciação do autor para o partícipe reside “pelo domínio finalista do acontecer”, enquanto que o partícipe “limita-se a colaborar no fato, dominado pelo autor de modo finalista, ou determina sua realização”.

Em síntese, considera-se autoria e participação, nos termos da doutrina de Vicente de Paula Maggio (2002, p. 172):

“Dá-se a participação quando a agente, mesmo não praticando a conduta principal (o verbo núcleo do tipo), concorre de qualquer modo para a realização do crime, seja induzindo, seja instigando ou auxiliando secundariamente”.

                Cumpre ressaltar que a presente teoria foi alvo de diversas críticas, no que tange essencialmente o âmbito de aplicação, uma vez que o conceito restritivo de autor se limitaria aos crimes dolosos, não se admitindo a sua aplicação aos crimes culposos, uma vez que estes se caracterizam exatamente pela perda desse domínio do fato – já que a teoria do domínio pressupõe a presença de alguém no controle, objetivando atingir um resultado, não se coadunando, portanto, com o crime culposo (BITENCOURT, 2011, p.489).

3 LEGISLAÇÕES QUE ABARCAM A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

Embora haja discussão acerca da concepção adotada pelo Código Penal – depois da adoção da teoria extensiva, nos termos do Código de 1940, os autores divergiram sobre a sua adoção, concebendo que, para uma parte, haveria a aplicação da Teoria do Domínio do fato, enquanto que para outra, haveria a restritiva, conforme interpretação do art. 29 do Código Penal – tem-se que autor é além daquele que executa o tipo penal, o que também realiza, por intermédio de alguém, a conduta delituosa (RODRIGUES, 2009, p. 49).

Sendo assim, a Teoria do Domínio do Fato veio como uma forma de ampliar o conceito de autoria, ou seja, constituindo mais um requisito de autoria do concurso de pessoas (FRAGOSO, 1988, p.355).  Foi permitido à partir dessa, no direito penal brasileiro, que houvesse a punição de forma justa no meio criminal dos agentes que detém o “domínio do fato”, uma vez que as respectivas condutas detém maior reprovabilidade quando comparadas ao mero executor, que em grande parte, formam apenas um grupo de obreiros utilizados pelo mentor, na qual as vantagens advindas do crime permanecem na mão destes últimos, embora a impunidade seja notoriamente concebida à eles (RODRIGUES, 2009, p. 49 -50).

Nesse sentido,na legislação brasileira atual, pode-se abordar duas leis que fazem referências ao conceito de autor, pela Teoria do Domínio do fato, fazendo menção à pessoa do mandante: a Lei do Crime Organizado e a Lei do Meio Ambiente. No que tange ao crime organizado, tem-se:

Com a adoção da Teoria do Domínio do Fato, no caso de organizações criminosas, os verdadeiros mandantes e organizadores podem ser penalizados como autores e não como meros partícipes. Pois, em geral, não praticam a conduta prevista nos tipos penais, apenas detém o controle e o domínio do fato. Logo, devem ser apenados de forma mais grave, por se tratar dos verdadeiros mentores do delito (RODRIGUES, 2009, p. 51).

O domínio do fato, portanto, tem relevância na análise de crimes organizados, uma vez que quem se apresenta como autor é aquele que detém o domínio do fato, cuja vontade depende a efetivação da verificação do delito, enquanto que os outros envolvidos na realização do crime, configuram como partícipes, uma vez que não detém domínio do fato, mas apenas reproduzem ordens (ROSSETO, 2009, p. 73).

Da mesma forma ocorre aos crimes ambientais, nos termos da lei do Meio Ambiente, na qual se passou a admitir a responsabilização da pessoa jurídica, nos casos em que as atividades exercidas e vinculas à ela, são consideradas lesivas ao meio ambiente – estão submetidas, de tal maneira, à sanções administrativas e penais, independentemente da obrigação de reparar os danos (art. 225, § 3º da Constituição Federal).

No que tange a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, esta decorre do próprio processo de globalização, na qual a empresa constitui um organismo social, devendo ter sob seu controle as atividades dos seus funcionários, uma vez que as vantagens obtidas por eles em face da prática de qualquer ato – lícito ou ilícito, como é o caso – beneficiam apenas a ela (SHECARIA, 2003, p. 115).

Do que foi exposto, nota-se que a própria pessoa jurídica, dotada de vontade qualificada em razão de sua atividade institucional, responde criminalmente pelos ilícitos por ela praticados, pois é detentora do domínio do fato em tais circunstâncias, sem prejuízo da responsabilidade criminal de seus representantes que, em um segundo momento, após terem manifestado sua parcela de vontade, darão efetividade à vontade ilícita da pessoa jurídica, como executores materiais do fato (RODRIGUES, 2009, p. 54).

Portanto, o que se pode observar é que há resquícios da Teoria do Domínio do Fato nas legislações Brasileiras, como exemplificado quanto à ocorrência de crimes organizados e ambientais, em decorrência do desenvolvimento da marginalidade, que incute aos responsáveis pela imputação criminal a aplicação de novas teorias que consigam se adequar às mudanças de contexto vivenciado. Diante disso, a aplicação do domínio do fato traz à baila uma forma de penalizar àqueles que possuem o poder, a chefia dessas “empresas” criminosas, ainda que efetivamente a conduta expressa no tipo penal não tenha sido praticada por eles (AKABOCHI, p.?).  

4 REFLEXOS PRÁTICOS DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

Em consequência da aplicação da Teoria do Domínio do fato, faz-se mister a análise realizada por César Roberto Bitencourt (2002, p. 117-118):

A teoria do domínio do fato tem as seguintes conseqüências: 1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global ( “domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde de que integre a resolução delitiva comum.

Portanto, é de supra importância a constatação tanto pela doutrina moderna quanto da jurisprudência da relevância dessa teoria, até mesmo porque esta já se encontra nas “entranhas” de aplicação e interpretação das normas penais. No entanto, esta não deve ser levada ao extremo, sem observação dos critérios que a orientam. Ou seja, os critérios – como nos casos de participação – devem ser respeitados em prol do combate à arbitrariedade ou até mesmo da tentativa de se transformar todos em autores (REBOUÇAS, p. 7).

Desta forma, a Teoria do Domínio do Fato tem sua compatibilidade no próprio art. 29 do Código Penal, segundo o qual deve ser utilizado para promover a separação, de modo adequado, de co-autoria e participação, nos termos de Luiz Regis Prado (2000, p.397):

O princípio do domínio do fato significa "tomar nas mãos o decorrer do acontecimento típico compreendido pelo dolo". Pode ele expressar em domínio da vontade (autor direto e mediato) e domínio funcional do fato (co-autor). Tem-se como autor aquele que domina finalmente a realização do tipo de injusto. Co-autor aquele que, de acordo com um plano delitivo, presta contribuição independente, essencial à prática do delito - não obrigatoriamente em sua execução. Na co-autoria, o domínio do fato é comum a várias pessoas. Assim, todo co-autor (que também é autor) deve possuir o co-domínio do fato - princípio da divisão de trabalho.”

Sob outra perspectiva, tem-se que a teoria do domínio do fato se apresenta como um elemento de convicção a mais a ser considerado pelo magistrado que é competente para dirimir a lide penal, uma vez que diante da ocorrência de um crime, a demonstração que o possuidor do domínio incorreu em atos de execução é por vezes inalcançada, uma vez que geralmente este se limita a controlar a vontade dos demais. Ou seja, através dessa teoria, busca-se provas da liderança de um dos criminosos perante os demais membros do grupo – expandindo o alcance da norma penal para punir aqueles que embora mais distantes do delito, mais próximos estão do seu poder de decisão (STUMPF, 2006, p. 28).

É nesse liame, da expectativa que a sociedade tem em condenar os verdadeiros responsáveis por crimes mais perigosos, em razão da difusão de crimes praticados por organizações criminosas, equiparando-se à “grandes empresas”, – o que dificulta a atuação tanto da Polícia Civil, quanto do Ministério Público e do Poder Judiciário – que a aplicação da Teoria do Domínio do Fato tem sido cada vez mais recepcionada pela jurisprudência e ratificada pelo Superior Tribunal Federal (AKABOCHI,  )

É o caso, por exemplo, da aplicação da referida teoria no julgamento da Ação Penal nº470, famigerado “mensalão”, como uma forma de imputar o fato criminoso, ou ainda, os crimes principais, àqueles que efetivamente determinam e concedem toda a condição material para a prática do ato.  Nesse sentido, tem-se um trecho da AP nº470:

“CAPÍTULO VI DA DENÚNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. VOTO DOS PARLAMENTARES. TIPICIDADE, EM TESE, DAS CONDUTAS. COMPLEXIDADE DOS FATOS. INDIVIDUALIZAÇÃO SUFICIENTE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. CONCURSO DE VÁRIOS AGENTES. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. DIVISÃO DE TAREFAS. OBEDIÊNCIA AO ARTIGO 41 DO CPP. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA RECEBIDA.

1. O “ato de ofício” mencionado no tipo legal do art. 333do Código Penal seria, no caso dos autos, principalmente o voto dos parlamentares acusados de corrupção passiva, além do apoio paralelo de outros funcionários públicos, que trabalhavam a serviço desses parlamentares. 2. As condutas tipificadas no artigo 333 do Código Penal, supostamente praticadas pelo 1º, o 2º, o 3º, o 4º, o 5º, o 6º, o 7º, o 8º, o 9º e o 10º denunciados, teriam sido praticadas mediante uma divisão de tarefas, detalhadamente narrada na denúncia, de modo que cada suposto autor praticasse uma fração dos atos executórios do iter criminis. O que deve ser exposto na denúncia, em atendimento ao que determina o artigo 41 do Código de Processo penal, é de que forma cada um dos denunciados teria contribuído para a suposta consumação do delito, ou seja, qual papel cada um teria desempenhado na execução do crime” (grifo nosso).

Portanto, vislumbra-se que a partir do reconhecimento da autoria e coautoria, não é indispensável que haja a efetiva participação de cada agente no ato executivo, uma vez que há possibilidade de repartição de tarefa. Ou seja, segundo o domínio do fato, autor seria aquele que tem poder de decisão no que tange a realização do fato criminoso, independentemente da realização de qualquer conduta que esteja descrita no tipo penal (RODRIGUES, 2009, p. 58).

 

 

 

CONCLUSÃO

Embora a maior parte dos crimes tipificados pelo Código Penal, assim como aqueles da legislação extravagante, seja praticável por uma única pessoa – chamados crimes monossubjetivos – há delitos que para sua configuração, implica a realização do tipo penal por várias pessoas, que são os chamados crimes plurissubjetivos. No entanto, na atualidade, é cada vez mais crescente o número de crimes realizados por sujeitos distintos, o que resta demonstrado que estes, por sua vez, são merecedores de atenção especial em razão dos efeitos muito mais nocivos que geram à população – considerados, de tal forma, como a mazela da criminalidade.

Sendo assim, o estudo do tema foi delineado em razão da importância da distinção da concepção de autoria e participação, no concurso de crimes, para que haja assim a efetiva penalização a partir do papel desempenhado por cada agente para a perseguição da finalidade ilícita, através da concepção da Teoria do Domínio do Fato.

Além disso, é invariável ainda que a cooperação de várias pessoas para a prática de um crime culmina também na alteração do grau de importância, maior ou menor, bem como as espécies de contribuição para o alcance do resultado final, vislumbrando a necessidade do legislador de acolher e reconhecer a extensão da denominação de autoria e participação, no concurso de pessoas (MIRABETE, 2001, p.198).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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__________Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código  Penal. Rio de Janeiro, 07 dez 1940. São Paulo: Saraiva, 2008.

______. Supremo Tribunal Federal. AP 470: baixe a íntegra do acórdão. In: Notícias STF, 22 abr. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236494>. Acesso em: 30 de setembro de 2014.

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