Resumo

O presente artigo origina-se de estudos e convivência com surdos, tratando tanto do histórico da educação de surdos; Sua atualidade no ensino regular, médio e superior, mostrando realidades, dificuldades e inclusão.

Histórico da Educação dos Surdos

Os surdos até meados do século XVI, conforme Dias (2006) eram vistos como ineducáveis; em conseqüência disto, considerados como inúteis à coletividade. Devido a este fato enfrentavam o preconceito, a piedade, o descrédito, e até mesmo a denominação de loucos. De modo geral, quando analisamos as formas de tratamento oferecida às pessoas surdas percebemos que estas se desenvolvem em função da concepção do homem, difundida nos diferentes períodos do percurso da humanidade.

No início do século XVI temos registros das experiências do médico pesquisador italiano Gerolamo Cardano, que viveu no período de (1501-1576), o qual “concluiu que a surdez não prejudicava a aprendizagem, uma vez que os surdos poderiam aprender a escrever e assim expressar seus sentimentos” (JANNUZZI, 2004, p.31).  Segundo Soares (1999), Cardano afirmou que o surdo possuía habilidade de raciocinar, isto é, que os sons da fala ou idéias do pensamento podem ser representados pela escrita, desta maneira, a surdez não poderia se constituir num obstáculo para o surdo adquirir o conhecimento.

Com objetivo de discutir a educação das pessoas com surdez, ocorreu o Congresso de Milão, no período de 06 a 11 de setembro de 1880, tendo como participantes 182 pessoas, na sua grande maioria ouvintes, provenientes de vários países, como: Inglaterra, Itália, Suécia, Rússia, Canadá Estados Unidos, Bélgica, França e Alemanha. Neste evento foi declarado que, na Educação de Surdos, o método oral deveria ser preferido, ao gestual, pois se acreditava que as palavras eram, consideravelmente, superiores aos gestos (SILVA et al, 2006).  Nesse Congresso, foram apresentados vários surdos que falavam bem, com o intuito de mostrar a eficiência do método oral, pois o pressuposto vigente era que a aprendizagem da língua oral era de suma importância para a vida social do surdo, e que o uso de gestos e sinais o desviava desse caminho (LACERDA, 1998). Com o propósito de conquistar a língua oral, ficou proibida outra forma de comunicação no contexto escolar. A linguagem oral se torna um símbolo de repressão física e psicológica, não sendo aceita a língua de sinais ou gestos, mesmo que ajudasse o aluno a ter melhor aprendizagem ou integração no mercado do trabalho (SILVA, 2003). Assim, a Educação de Surdos permaneceu impregnada, durante um longo período, por uma visão médico-clínica, a qual compreendia a surdez como deficiência auditiva, que deveria ser curada e recuperada.

Após o Congresso de Milão, as práticas educacionais foram vinculadas ao Oralismo, tornando-se um referencial para o ensino e a aprendizagem dos surdos, mas os resultados não foram satisfatórios. Lacerda, 1998, comenta que a maioria dos surdos teve grande dificuldade em desenvolver a aquisição da fala, e quando conseguiam algum sucesso era parcial e tardio em relação à fala do ouvinte, mesmo com o incremento do uso de próteses (aparelho auditivo).

O Oralismo vigorou na educação do aluno surdo por um longo período, até mesmo nos dias atuais encontramos escolas de educação de surdos que seguem essa perspectiva. Nesta filosofia são utilizados três elementos para o seu desenvolvimento, que são: o treinamento auditivo, a leitura labial e o desenvolvimento da fala, também o uso da prótese individual que amplifica os sons, com o objetivo de aproveitar os resíduos auditivos do aluno surdo, possibilitando aos mesmos a comunicação oral (SILVA, 2003). Com o Oralismo, constata-se o fracasso acadêmico sofrido pelo surdo, por meio de resultados de pesquisas, de acordo com Sacks (1990,p.45), “o Oralismo e a supressão do sinal resultaram numa deterioração dramática das conquistas educacionais das crianças surdas e no grau de instrução do surdo em geral”. Na tentativa de impor o meio oral, proibindo a comunicação gestual-visual, o Oralismo diminuiu a sociabilidade do surdo, criando obstáculos para a sua inclusão (DIAS, 2006). Há evidências de que a maioria das pessoas com surdez profunda, que foram ensinadas pelo Oralismo, desenvolveram uma fala socialmente insatisfatória, originando um atraso no desenvolvimento global, especialmente na aprendizagem, na leitura e na escrita (LACERDA, 1998). Devido ao fato do Oralismo ter como objetivo a inclusão da criança surda na comunidade de ouvintes, visando oferecer condições de desenvolver a língua oral, essa filosofia percebe a surdez como:

[...] uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva. Esta estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma “reabilitação” da criança surda em direção à “normalidade”, à “não-surdez”. A criança surda deve, então, se submeter a um processo de reabilitação que se inicia com a estimulação auditiva precoce, que consiste em aproveitar os resíduos auditivos que os surdos possuem e capacitá-las a discriminar os sons que ouvem. Através da audição e, também a partir das vibrações corporais e da leitura oro-facial, a criança deve chegar à compreensão da fala dos outros e, finalmente, começar a oralizar (LORENZINI, 2004, p.15)

Tendo em vista que a filosofia oralista na Educação de Surdos não estava garantindo a qualidade do ensino, na década de 60, tornam-se evidentes os resultados de pesquisas realizadas sobre a Língua de Sinais indicando que o aprendizado da Língua de Sinais ajuda o desenvolvimento escolar das crianças surdas e, que esta se constituí em uma língua completa, que não prejudica as suas habilidades orais (DIAS, 2006).Também, na década de 60, iniciou-se a utilização, nos Estados Unidos, da filosofia Comunicação Total, sendo referenciada, inicialmente, pelo professor de surdos Roy Holcomb, que devido ao fato de ter dois filhos surdos, procurava novas metodologias para ensiná-los, com o objetivo de possibilitar a comunicação aos surdos (SILVA, 2003).

Estudos realizados para verificar a eficácia da Comunicação Total, nos Estados Unidos e em outros países, nas décadas de 1970 e 1980, apontaram que, em relação ao Oralismo, houve melhoras no processo escolar dos surdos, adquirindo melhor compreensão e comunicação, mas apresentavam dificuldades em expressar sentimentos e idéias e na comunicação fora do contexto escolar, bem como na produção de linguagem (LACERDA, 1998).  Um dos aspectos que mais se destaca na aplicação da filosofia da Comunicação Total é que esta favoreceu o contato com os sinais, que era proibido pelo Oralismo, propiciando aos surdos a aprendizagem da Língua de Sinais, sendo esta um apoio para a língua oral no trabalho escolar (LACERDA, 1998). Desta forma, temos novamente evidências acerca da importância da língua de sinais para aprendizagem dos alunos surdos.

A educação bilíngüe é uma filosofia de ensino que recomenda o acesso a duas línguas no contexto escolar, sendo a Língua de Sinais considerada como língua natural e por meio dela será realizado o ensino da língua escrita. Essa filosofia resgata o direito da pessoa surda de ser ensinada na Língua de Sinais, respeitando-se seus aspectos sociais e culturais (BRASIL, 2004).

A filosofia bilíngüe, segundo análises de Dias (2006, p. 42), “não privilegia uma língua, mas quer dar direito e condições ao indivíduo surdo de poder utilizar duas línguas; portanto, não se trata de negação, mas de respeito;

o indivíduo escolherá a língua que irá utilizar em cada situação lingüística em que se encontrar”, pois ela considera as características e opiniões dos próprios surdos, de acordo com o seu processo educacional. O reconhecimento da condição bilíngüe do surdo é apenas o começo de um longo caminho de descobertas e desafios, portanto:

O acolhimento necessário e imprescindível da língua de sinais, como primeira língua do surdo e língua escolar, devolve ao surdo a esperança, ao mesmo tempo em que nos convoca a pensar sobre os processos e práticas construídos – agora – à luz dessa nova condição. A subjetividade do surdo e todos os processos relacionados a ela ganham novas nuanças delineando-se talvez de forma diferente ao que supúnhamos acontecer quando a língua de sinais era – radicalmente – negada e as práticas pedagógicas eram, quase exclusivamente,mediadas pela língua oral (PEIXOTO, 2006, p.207).

De acordo com a mesma autora, se a maneira do mundo interagir com o surdo for transformada, entende-se que também modificará os modos como o surdo se relaciona com o mundo, tanto nas apropriações quanto nas leituras que fará da realidade ao seu redor. Enfim está posto, que o Bilingüismo entre os surdos não depende de nossa vontade (ouvinte), conforme Souza (1998, p.44) afirma que ele “está aí e está para ficar”.

Portanto, a grande maioria dos surdos que passaram pelo processo de oralização, não falam e nem fazem leitura labial satisfatoriamente. Pois poucos surdos apresentam habilidade de expressão e recepção verbal razoável, sendo comum, por esse motivo, ficarem, por alguns anos, retidos na mesma série do Ensino Regular. Enfim, esse fracasso escolar é resultado de representações sociais, históricas, culturais, lingüísticas, políticas e concepções equivocadas, às quais o condicionava o surdo a superar a deficiência em busca da igualdade, semelhante ao ouvinte (BRASIL, 2004).

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