Natanael Vieira de Souza[1]

Dado o embate entre os que acreditam que jamais fomos modernos[2]; os modernos[3]; os modernos líquidos[4]; os pós-modernos[5] e enfim os hipermodernos[6] gosto de pensar que, talvez, estejamos atravessando um momento de transição, em que elementos de todos estes “conceitos”, acima citados, permeiam as nossas vidas.

Certo professor medievalista diz que, apesar de estarmos distante da idade das trevas, muitas práticas medievais ainda são evocadas em nosso tempo, tais como, crendices populares, simpatias, curandeirismos, etc., se pensarmos na possibilidade de estarmos atravessando um período de transição, veremos que em vários pequenos aspectos da vida humana há indicadores deste “evento” (transição).

Partindo deste pressuposto (momento de transição) podemos presumir que estamos em um tempo onde o perigo se torna uma constante no dia-a-dia de cada um de nós, o perigo de ocuparmos um “não lugar”, um lugar “entre conceitos” ou “entre paradigmas”, somos realmente o que pensamos ser? Como o outro me vê?

Criamos, nós mesmos, uma área de conforto e acreditamos seguir a apenas um paradigma, como se fosse um barco seguro; enclausuramo-nos por medo das mudanças à nossa volta e tendemo-nos a seguir o discurso dominante quanto à construção/invenção de identidades unívocas, imutáveis, homogeneizantes; afirmamo-nos como uma unidade, quando na verdade deveríamos pensar-nos como multiplicidade de “eus” num mundo em constante transformação.

A historiografia brasileira produzida, principalmente a partir da década de 1980, vem demonstrando a multiplicidade de paradigmas interpretativos, sem contar no diálogo que a história tem com outras disciplinas que colaboram para o entendimento historiográfico, tais como: Antropologia, Filosofia, Arqueologia, Psicologia, Psiquiatria, Literatura, etc., de 1980 a 2012, tudo o que foi produzido por estas disciplinas foi de grande colaboração para o conhecimento humano, mas nenhuma delas estagnou, nenhuma continua a afirmar as mesmas coisas que fora pensado em 1980 sem, no mínimo, fazer algumas ressalvas, pois o mundo mudou e parte das pessoas que povoam este mundo mudou, ou estão tentando mudar; por uma serie de fatores e entre eles a tecnologia de um modo geral, mudaram a nossa concepção de conhecimento, de cosumo, de desejos, de tempo, de espaço, de memória e, enfim, de história.

Quando alerto do perigo de ocupar um lugar “entre conceitos” ou “entre paradigmas”, quero dizer que não adianta, para efeito de atualização, adquirirmos obras de autores “hipermodernos”, assumirmos, inicialmente, uma postura crítica aos demais autores e esta crítica não passar de discurso, pois a nossa prática há de nos trair; ou ainda, podemos fazer coisa pior, já que não conseguimos sair deste lugar entre conceitos/paradigmas, passamos a recomendar/exigir aos outros que o façam.

Hoje as instituições de ensino de um modo geral tem encontrado dificuldade em adaptar-se ao que chamo de educação rizomática/imanente[7], baseada numa epistemologia da sensibilidade[8] onde o educador aja efetivamente como um facilitador, humanizador (faça com que as ações inerentes ao ato de ser humano seja re-conhecidas pelo aluno). Não adianta cobrar a presença do aluno em sala de aula sem dar-lhe motivos convincentes e prazerosos para participar desta; se as nossas instituições de ensino já tem o formato da prisão, não quer dizer que precisamos ser e/ou agir como carcereiros ou carrascos; precisamos sim, de procurarmos novas formas de afetar positivamente cada sujeito/aluno.

Em alguns casos, o discurso da ética profissional vindo das bocas de alguns profissionais chega a ferir os ouvidos, principalmente quando chegam ao absurdo de querer menosprezar e difamar o trabalho de outros colegas, no fundo parece-me que estão tentando dar sentido à sua própria existência, porém de forma vil. Alguns destes docentes vêm à sala de aula pra falar da sua vida pessoal, visivelmente se nota que não há uma prévia preparação da aula a ser lecionada; ao sentir que o seu “despreparo” é notado pelos discentes, apelam para a primeira coisa que lhe vem à mente, principalmente para algum aspecto que não faz parte da cultura dos discentes para que assim possa depreciá-los. De que nos serve constatar que os alunos não cultivam o hábito da leitura, do teatro, do cinema, dos musicais, das orquestras, se nem mesmo, alguns docentes, estão colocando em prática o que leem e apregoam?

O conhecimento deve trazer autonomia e não o aprisionamento, os paradigmas servem ao humano e não os humanos devem servi-los. Aprendi com Keith Jenkins a prática da liberdade (intelectual) reiterada por Durval Muniz em inúmeros textos seus. De que nos adianta admirarmos o pensamento de Veiga Neto, Ruben Alves, Viviane Mosé, Durval Muniz e outros não menos importantes, sobre a educação e/ou ensino de história, se as nossas práticas docentes não condiz com a escrita destes autores?

Este modelo de educador parece-me que mais que outros sujeitos estão deslocados dentro deste mar de conceitos e paradigmas, ao que deixa transparecer, não se sabe se este modelo de educador jamais foi moderno; se é moderno; se é um moderno líquido; um moderno tardio; um pós-moderno ou um hipermoderno.

Nestas poucas linhas não há uma cobrança para que tal educador seja nenhum destes ou que abrace uma identidade fixa que sirva de mais um paradigma para os demais, mas que considere que em educação incorrer à homogeneidade é um erro, pois O território-escola forma-se no encontro entre suas próprias proposições, juntamente, com as de quem o olhe, já que se espera escapar de representações fixas e ir na direção de vivências singulares que configuram formas a partir de percepções de espaço-tempo dadas nas experiências”[9]. O que o docente deve levar em conta é que ele nunca é o mesmo no decorrer de um mesmo dia e nos dias que se seguem; da mesma forma o discente deve ser compreendido. Os corredores de uma escola, como o rio de Heráclito, já não é o mesmo, como também o docente e o discente de todos os dias.

Concluindo, acredito que uma educação pautada por uma epistemologia da sensibilidade, onde o docente tenha a sensibilidade de perceber o discente como sujeito capaz de se sensibilizar através da prática em sala de aula, pode render muitos frutos. O docente não precisa se abdicar do exercício de autoridade em sala de aula, mas também não precisa esfregar a todo instante este “direito” que lhe cabe, nas faces dos discentes, afinal este exercício de autoridade é para ser usado quando todas as outras formas de sensibilidade falharam, portanto advogo por um ensino/docência que leva em conta uma terceira margem do rio, bem ao estilo de Guimarães Rosa, margem nunca fixa, sempre mutável sempre múltipla, sempre um rizoma, nunca uma arvore fincada num só lugar… imutável. Ou por um ensino de história bem ao estilo terceira margem, na apropriação de Durval Muniz[10] que transforma este pensamento numa bela imagem da terceira margem do rio, este lugar do meio, do entre, este lugar da relação entre aqueles polos que parecem opostos, ou seja, entre o sim e o não, o claro e o escuro, escola boa escola ruim, discente/docente bom ou mal.



[1] Acadêmico do 8º semestre de HISTÓRIA/UNEMAT

[2] Latour, Bruno. Jamais Fomos Modernos. Editora 34. 1994.

[3] Conceitos de Hegel e Baudelaire lidos, In HABERMAS, Jürgen. O Discurso filosófico da modernidade.

[4] BAUMAN, Zigmunt . Modernidade Líquida; tradução, Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001

[5] Jenkins, Keith. A História repensada. São Paulo: Contexto, 2001.

[6] LIPOVETSKY, Gilles e CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.

[7] O conceito de rizoma leva-nos a buscar, nas vivências da escola, desvios nos corredores lineares, bifurcações que se tecem no descuido das estruturas prontas e formas de aprendizagem que se configuram a partir das linhas de fuga. OLIVEIRA, Andréia Machado; FONSECA, T. M. G. . Os devires do território-escola: trajetos, agenciamentos e suas múltiplas paisagens. Educação e Realidade, v. 31, p. 135-153, 2006.

[8] LACERDA, Rubens Gomes. POR UMA EPISTEMOLOGIA DE SENSIBILIDADE: O DESAFIO DE ENSINAR HISTÓRIA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI. In: DAN, E. M. C; outros.... (Org.). Contribuições Científicas do I Semináro sobre Ambiente Urbano: Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável. Cáceres: Editora Unemat, 2010, v. , p. -.

[9] OLIVEIRA, Andréia Machado; FONSECA, T. M. G. . Os devires do território-escola: trajetos, agenciamentos e suas múltiplas paisagens. Educação e Realidade, v. 31, p. 135-153, 2006.

[10] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Da terceira margem eu so (u) rrio: sobre invenção e história – Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/ppgh/docentes/durval/artigos/segunda_remessa/terceira_margem.pdf