REFLEXÕES SOBRE EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E
ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DO MITO DE DON JUAN

 

Angeli Rose*

 

 

 

RESUMO                                 

O presente trabalho apresenta um breve panorama dos resultados parciais de pesquisa acerca de experiências de leitura, iniciadas no curso de Mestrado em Educação e desenvolvida no doutorado em Letras. A partir do estudo de aspectos específicos do mito literário de Don Juan, discute-se a experiência de leitura, enquanto categoria de referência para o processo de formação de leitores. Para tanto, evidenciam-se sentidos nos textos literários selecionados norteadores de outras aberturas para o entendimento tanto do mito literário, em contextos diferenciados, como de experiências de leitura e escrita. A representação do não-leitor pelo mito através da categoria construída com a análise dos dados fornecidos pelo trabalho de campo, “experiências donjuanescas de leitura”, permitiu a reavaliação do valor negativo normalmente dado pela escola aos jovens que não apresentam experiências de leitura de acordo com as expectativas do tipo de leitor idealizado. Acrescente-se ainda que a análise do comportamento de busca no mito sugeriu tomá-lo como uma das possibilidades de tradução de um modo de se relacionar com o conhecimento, evidenciando a vitalidade desse mito literário e do seu estudo para a formação que lida com a Internet na contemporaneidade.

 

Palavras-chave Formação, leitor, experiência, mito, Don Juan

* Graduada em licenciatura em português / literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1985), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001) e Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2007). Atuação nas áreas de Letras e Educação, com ênfase em Literatura Brasileira, Teoria Literária e formação de leitores.

1 INTRODUÇÃO

Foram. A margem estava traiçoeira e nem se

achava bem o que era terra o que era rio entre

as mamoranas copadas.

(Mario de Andrade)

O presente trabalho retrata brevemente os resultados de uma pesquisa, iniciada no Mestrado na área de Educação, sobre a formação de leitores jovens na contemporaneidade. E por trazer em si mesmo a dinamicidade da leitura e da juventude, trata-se de investigação perene e contínua, para a qual este artigo pretende contribuir.

Por ocasião do estudo para o Mestrado, foi dada como principal meta buscar os sujeitos da formação idealizada pela escola, através das leituras disparadas ou não pelo ensino de literatura, disciplina de referência e foco das observações do trabalho de campo e das entrevistas realizadas com os candidatos à participação da pesquisa. Desse modo, saiu-se para o campo com os pressupostos teóricos escolhidos, a teoria da leitura, do professor Jorge Larrosa (1998), entre outros, a fim de recolher dados que seriam confrontados com a teoria e que pudessem falar mais sobre os jovens do grupo escolar e social de referência.

Eram jovens do ensino médio regular diurno de uma escola pública, da zona centro do Município do Rio de Janeiro, na faixa de 14 a 18 anos, de procedências diversas e experiências diferenciadas de formação. O cotejamento dos dados com a teoria trouxe alguns resultados interessantes para aquele momento de descoberta, tais como a dissonância entre teoria e prática, na medida em que a fenomenologia resultante da aplicação da teoria de referência mostrou-se absolutamente inapreensível por esta, o que de certa forma a teoria já discutia ao colocar a impropriedade de se querer estabelecer qualquer controle sobre o ato de ler e a formação leitora, principalmente em se tratando de leitura literária.

No entanto, o que se observou foi uma multiplicidade de ocorrências no modo de ler, que foi traduzida pelo perfil “donjuanesco”[1] de leitores jovens, ao que nomeamos de “experiências donjuanescas de leitura”. Esta categoria, surgida a partir do campo e do cotejamento dos pressupostos teóricos iniciais levados para a empiria, foi o modo encontrado para dar conta das “experiências de leitura” que, segundo o autor de referência, eram inferidas como aquelas em que “não se passa nada” com o eu (sujeito) leitor, em contraposição às experiências de leitura em que o sujeito leitor é afetado pela subjetividade do texto lido no ato da leitura mesmo. 

A essas experiências o autor denomina “leitura como experiência” – categoria em que o grau de reflexão é disparado pelo choque causado no encontro de subjetividades (leitor e texto). Este maior grau de reflexão é desejado e pretendido pela escola, numa formação cujo ideal seja a formação de leitor crítico.

A partir disso, encaminhou-se a pesquisa no sentido de discutir os achados da empiria e os perdidos da teoria. Assim, os achados da empiria foram os “jovens não-leitores”, esses excluídos, segundo uma designação que tem como ideal o leitor crítico formado pela escola. A relativização da teoria, que se restringia por operacionalidade às duas categorias (experiências de leitura e leitura como experiência) levou-nos a considerar a situação de rigidez em que ora se inscrevia a teoria que era pautada no desdobramento de outras concepções teóricas, ora a flexibilidade exagerada que apresentava uma situação de ambiguidade para os objetivos a serem alcançados numa formação pilotada pela escola e de caráter eminentemente formal.

A rigor, percebia-se que a teoria forçava uma situação de exclusão indesejável pelos princípios que devem reger uma prática escolar no contexto de exclusão em que nos encontramos, especialmente na América Latina, já tão exaustivamente comentada por diversos estudiosos, entre eles, o filósofo argentino Nestor Garcia Canclini, principalmente com a obra Do cidadão ao consumidor , o teórico da comunicação e espanhol radicado na Colômbia Jesús Martin-Barbero, em O ofício do Cartógrafo, a crítica literária argentina Beatriz Sarlo, em Cenas da vida pós-moderna, o professor e pesquisador argentino Pablo Gentili, em Educação
crise e trabalho: perspectivas de final de século, entre outros em periódicos, de modo mais direto ou indiretamente como comentadores das questões que envolvem a educação formal na América Latina, além de boletins publicados em rede.

Faz-se mister não cair na tentação de considerar o campo como sendo um espaço de multiplicidades, aceitar rapidamente a simplificação de que nessas multiplicidades reafirmamos o caráter contraditório das experiências coletadas e voltarmo-nos para este trabalho prometeuco admitindo que é assim, que “não há o que fazer”, em consonância com o senso comum desencantado. Da mesma maneira, não podemos buscar outros objetos que não nos deem tanto desalento ou sentimento de derrota, como vem sendo o aparente campo de discussão acerca da formação de leitores, em que, às vezes, é mais fácil cair no discurso queixoso e dizer: “esses alunos não leem nada mesmo”.

É preciso saber que de senso comum estamos rodeados, como também de não-sensos, o que não tira a razão de um e de outros. Mas, talvez o caso não seja tanto o de ter razão, mas sim o de ser feliz e ter alguma saúde.

Em realidade, o nó feito desde as primeiras pesquisas está para muito mais além de uma discussão sobre a formação de leitores e métodos e práticas leitoras, como também para além dos modos de leitura desejáveis ou não. E todos os nós e vieses acabaram por se situar nessa ambiguidade em que nos encontramos irremediavelmente enredados: o que, de fato, queremos? Ganhar leitores? Formar leitores críticos? Ou simplesmente cumprir com as nossas tarefas diárias, para alento de culpas indesculpáveis, por não se tratar de culpa também o caso?

Estas são questões que procedem e que têm respostas possíveis, embora não deem conta de resultados plenamente satisfatórios, se buscamos alívio para nossas ansiedades a respeito do que se pode fazer com a formação e com a formação de leitores hoje. Por outro lado, elas não procederão tanto se o que buscamos é o prazer de vermos resultados mais duradouros em relação aos jovens que são quotidianamente orientados em qualquer curso regular e formal escolar. Talvez, para se atingir os resultados desejados, se experimente um certo desconforto, o desconforto de confrontarmos nossas ambições com nossas necessidades e nossas conquistas com nossas demandas cotidianas.

Este espaço de tensão permanente, que abarca tanto o cotidiano escolar, como qualquer outro espaço social, de alguma maneira está soando dizeres que muitas vezes não queremos ouvir. Para tanto, é preciso reapresentar o perfil construído de leitor – o perfil “donjuanesco“ para as experiências de leitura de alguns jovens, tomados como referência,que apontava para: leituras interrompidas; o desejo de ler; o reconhecimento da importância do ato de ler na formação; o gosto por narrativas de aventura; a dificuldade com a solidão e a paciência exigidas para o desenvolvimento de uma leitura mais rigorosa e apurada, a preferência por linguagens como o cinema(um certo tipo de cinema); que dão um retorno imediato às expectativas de prazer; a dificuldade de lidar com um discurso mais elaborado e diferente do cotidiano familiar conhecido; a exigência interna de estar em movimento; a atenção voltada para os acontecimentos fora de si; a vontade de abarcar todas as experiências possíveis; o imediatismo e a dissociação entre as escolhas feitas, em termos de lazer e formação.

Todas essas referências são frutos de falas recorrentes entre eles ou colocadas por alguns nas entrevistas, mas que completam a colcha de retalhos que se tornou a busca da compreensão do perfil de leitores jovens naquele momento. No entanto, quase todos, de uma maneira ou de outra, afirmavam a intervenção da leitura em suas trajetórias, de níveis diferentes e procedências diferentes, mas sempre presente. O campo da afetividade era, sem dúvida, o introdutor das experiências bem sucedidas, fosse por amizade ou não.

Uma vez construído o perfil de leitor e confrontado com a teoria, viu-se a incompletude desta, além do surgimento da possibilidade de uma referência que considerasse as diferenças por negação que apareceram. A saber, o achado da citação da experiência de leitura do mito de Don Juan, em um dos relatos. Esta ocorrência surgida no campo, redirecionou os estudos e fez com que novo referencial teórico fosse introduzido e correspondesse em parte ao perfil construído.

O sistema de representação adotado para o perfil veio ao encontro do anseio de traduzir, ao menos em parte, as experiências daqueles jovens, considerados idealmente como não-leitores, dentro de um contexto firmado pela escola, envolvida com uma formação fechada, teleológica e segura. A partir daí, seguiu-se o caminho de incluir os estudos sobre este mito literário e dar continuidade à discussão acerca da formação de leitores.

Saltou aos olhos uma série de ocorrências que iam confirmando a presença desse mito em nosso cotidiano, em diversas áreas do conhecimento, ou, no nosso entendimento, características que se aproximavam em muito do perfil construído ou reconhecido como sendo próprio na representação do mito. Desde a clínica (psicologia e psiquiatria) com os processos de medicalização referendados em artigos da literatura específica[2]; na sociologia, na esfera dos estudos de comportamento alinhados mais diretamente com a antropologia[3]; na estética, com a preocupação em torno do banal no cotidiano em contraposição ao sublime de referência kantiana; seja no campo epistemológico em geral, com a revisão de conceitos e certezas estabelecidas.

Mais do que a constatação de que o mito de Don Juan está na ordem do dia, isto é, parece delinear-se como uma experiência cultural da contemporaneidade,foi um desafio verificar até que ponto existe um contexto que o faz parecer adequado aos nossos tempos, fazendo-nos rever os limites éticos dos laços sociais, até que ponto ele já não é em si um elemento participativo de um contexto conservador que não quer perder de vista certos interesses em jogo.

A maneira que encontramos de introduzir tais preocupações tensionantes e tensionadas no debate cultural foi através do tema da formação de leitores e o modo como estamos lidando seja com as práticas relativas ao assunto, seja com os temas que circundam tal mito e que estão profundamente inseridos em determinados projetos estéticos. Rumou-se, dessa forma, através da revisão de elementos construídos por um movimento de pesquisa,para introduzir mais elementos relacionados agora com os estudos literários que pudessem abrir algumas janelas ainda desconhecidas.

O tema do donjuanismo perpassa desde a preocupação histórica, com a figura dos libertinos[4] em suas mais variadas acepções, à presença nas mídias de longo alcance, como o cinema, a Internet, a música, até as estruturas sociais que sustentam os campos de saber e de produção de saber mais variados. A ideia de formação, também agora redimensionada, revela-nos a necessidade de ressignificar o que consideramos formação e mesmo o que desejamos com ela.

Antes, a ideia de formação passava pelo caminho previsto e planejado através de experiências encerradas na escola, numa disciplina. Especialmente hoje esta crença é elástica e dá margem para reconhecer que as experiências vividas no cotidiano também são experiências formadoras. Talvez isto não seja novo nem uma descoberta de agora, mas é possível que dê a prudência de nomear nossos parceiros na formação leitora na contemporaneidade, como o cinema, a televisão, este em larga escala, e outros, como a dança e o teatro, em menor escala de presença[5].

Falar em rigor, hoje, pode ser em si um disparate, já que os critérios que norteavam o rigor em determinada época já não estão em voga, ou sequer são predominantes. Falar em rigor hoje, numa época em que as ambiguidades estão à mostra (BAUMAN, 1999), pode parecer no mínimo um contrassenso, posto que a rapidez dos acontecimentos não nos deixa muita opção para sermos criteriosos e desenvolvermos, na contemplação, a sintonia fina necessária para os eventos que se sucedem inesgotavelmente.

De um lado, somos atropelados pelas experiências avassaladoras do cotidiano, de uma intensidade atroz; de outro, somos abandonados pelos mesmos acontecimentos, num descompasso arrebatador. O mal-estar contido nesse cotidiano contemporâneo grita que a dificuldade está em nós, dificuldade de administrarmos as demandas imediatas com as de cunho mais duradouro. Ao mesmo tempo em que aponta um sistema contaminador de práticas e sofisticadamente organizado para manter o estado de coisas em que vivemos (BAUMAN, 1998).

O sociólogo polonês Zigmunt Bauman afirma, em suas análises, que o problema da contemporaneidade está na administração dos eventos, muito mais do que na qualificação deles (1999). Podemos traduzir isto, em parte, por uma questão de escolha, mas também de critérios de escolha, critérios que podem retardar ou acelerar as respostas aos nossos anseios e projetos.

Nesse ponto, pergunto-me se esta aferição de Bauman não estaria tratando mais das dificuldades de uma geração, formada num determinado tipo de experiência, do que em outros fatores intrínsecos ao processo de formação. Pergunto-me até que ponto Bauman vê o mal-estar na pós-modernidade como sendo fruto de um ambiente inóspito ou de uma falta de percepção que aceite mudanças e variações de critérios para engendrar novas experiências e novos saberes.

A resistência à mudança pode ser uma forma de não enxergar a fragilidade dos instrumentos, dos suportes, dos ideais até agora preservados. Talvez a mudança já esteja em foco, em movimento, e não se tenha muita avaliação das conquistas que advêm dela.

2 O tema da formação

Para empreender o estudo desenvolvido sobre formação de leitores jovens no ensino de literatura, foram utilizados como pressupostos teóricos a teoria da leitura de Larrosa (1998), alguns textos de María Zambrano - pertencentes a “Clareira do Bosque”, livro de ensaios (1985). Textos selecionados de Walter Benjamin e o estudo do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, sobre o mito de Don Juan, na expressão operística de W. Mozart e Da Ponte, Don Giovanni, completaram a base teórica. Fora todo o embasamento teórico, como instrumento capital para coleta de dados foi utilizada a entrevista[6]; dados estes que foram tomados qualitativamente num contexto de interpretação (análise de discurso) e descoberta, próprios dos trabalhos etnográficos e de pesquisa.

A teoria de Larrosa estrutura-se em três eixos básicos: experiência, subjetividade e formação, inscrevendo-se numa perspectiva fenomenológica da leitura, para o reconhecimento de subjetividades descentradas, fragmentárias e inacabadas, em detrimento de um “eu” teleologicamente educado; propondo uma formação dinâmica e descontínua na relação existente entre as subjetividades do texto e do leitor, no ato da leitura[7].

O filósofo explora duas categorias para delimitar as experiências de leitura, a saber: experiência de leitura e leitura como experiência; na primeira , segundo o autor, estão incluídas as experiências de leitura que se excluem da escuta, isto é, onde nada passa com o leitor, seja porque seu “eu” não foi afetado pelo texto, seja porque a subjetividade do texto não coloca em questão a subjetividade leitora, de modo a ou reafirmá-la, ou pôr-se como orientadora desta subjetividade, que se põe sob os domínios do texto, mas sem conflito; na segunda categoria, leitura como experiência, é o momento de encontro, oportunizado pela escuta do texto, que afeta, abala a subjetividade leitora[8].

A partir disto, foram identificadas as experiências de leitura dos jovens entrevistados, que a essa altura já estavam devidamente contextualizados em relação às representações que tanto eles próprios como as professoras e os adultos em geral, em discurso corrente, fazem deles, jovens adolescentes.

Assim, depois de revisão bibliográfica direcionada, chegou-se à compreensão de que seria mais pertinente falarmos em “consciências adolescentes”, reconhecendo nestes jovens, participantes da pesquisa, o estado de preexistentes na relação com o conhecimento; estado este
 que se entrecruza e intercambia com o estado de existência diante do amor, ou do conhecimento, ou ainda, poderíamos dizer perante a experiência de leitura que se faz sentida e sentido.

Tais nomeações foram desenvolvidas a partir das indicações dadas pela filósofa malaguenha no texto específico “A preexistência do Amor”[9]. Para Zambrano, o preexistente é aquele que acorda sem imagens, sem conceitos estabelecidos, entendendo o acordar como o estado de estar desperto para o conhecimento, para a consciência sentida de algo; enquanto que o estado de existente já traz essa reflexão entranhada no sujeito, a ponto de fazê-lo atuar de maneira diferente no mundo, ou antes, de fazê-lo sentir-se de maneira diversa, o que se conjuga com pensar-se de maneira diferente. Sem resistir às palavras de Zambrano que investem o real de certa delicadeza, trazemos um fragmento da pensadora:

Assim, o adolescente, esse enigma que surge, enquanto se enraíza e sê-lo, em não ir mais além. Em dispor de si mesmo antes que o amor disponha dele. E volta-se para se verter na “liberdade de amar”, que lhe nega o amor asfixiado assim pela sua própria liberdade, que somente é sua, que não se comparte, porque não está nem vem do alto. (2003: 27)

Esta forma de elaboração sobre as experiências de leitura dos jovens, considerados não-leitores em meio a um contexto nomeado como de “crise da leitura”, foi estruturado em cima de uma ótica de jogo[10] para o ato da leitura e o ensino dela na formação escolarizada, trazendo para este espaço os aspectos de risco, aleatoriedade, descontinuidade e movimento para a leitura, a formação e a pesquisa, aspectos tão afeitos à concepção de leitura construída por Larrosa (teórico de referência).

Assim, a questão que permeou a investigação foi: se as práticas de leitura
desenvolvidas pelos jovens não se realizam sempre de acordo com a ideia de
leitura como experiência, como traduzir as experiências de leituras efetivadas
por esses sujeitos?

Deste modo, decidimos investir numa ótica de crise que privilegiasse a crisálida, possível parceira da crise, de maneira a escutar as experiências de leitura e não-leitura daqueles sujeitos.

Contudo, deflagrada a pesquisa, um jovem leitor contou-nos que havia lido a história de Don Juan, e que entre as leituras feitas, esta teria sido a que mais lhe encantou, além de tê-lo feito pensar sobre sua condição humana. Admiração, aventura, sedução, conhecimento, aprendizagem, conquista, descontinuidade, paciência, beleza, alegria e determinação foram algumas das palavras usadas pelo jovem para referir-se às estratégias desse mito romântico que perpassa séculos seduzindo consciências em versões literárias e cinematográficas, principalmente.

Neste momento, a investigação foi acrescida de um “pós-suposto teórico”, que foi o estudo de Soren Kierkegaard[11] sobre o mito de Don Juan, em Don Giovanni de W. Mozart. Estabelecidas as diferenças entre o Don Juan “enganador” e o “sedutor, partiu-se para a compreensão desse modo de ler associado ao tipo “enganador”, buscando identificar os estados eróticos nomeados por Kierkegaard, como possíveis aspectos também presentes nas diferentes narrativas leitoras, que podemos entender como estados de sensibilidades ante o conhecimento.

Este intento levou-nos a responder a questão sobre qual seria esse modo de ler, que ao final nomeamos como “experiências donjuanescas de leitura”. Foram, com isso, apresentados elementos recorrentes nas narrativas dos entrevistados, alunos e professoras, tais como: desejo indeterminado de prazer (querer ler, mas não sabe o quê); impaciência perante textos que exijam mais atenção e concentração (o texto literário visto como “complicado”), entendidas como “perda de tempo”; curiosidade exacerbada, mas que é imediatamente arrefecida ante a infinita variedade de possibilidades de vivenciar o prazer; espírito aventureiro colocado ao lado da noção de descontinuidade; interesse difuso e diversificado por objetos do prazer (televisão, livros, jogos eletrônicos, vídeos, etc...); descontinuidade do desejo ante a multiplicidade de ofertas de obtenção rápida de prazer; alegria como resultado de um prazer facilmente obtido de satisfação rápida e superficial, por exemplo, através da reprodução de canções populares, imediatamente memorizadas e cantaroladas[12], ou de livros do gênero narrativo com estruturas familiarizadas, ou ainda, temas de livros que dizem respeito às experiências diretas do momento de vida dos sujeitos, objetos provocadores do processo de identificação e catarse (de acordo com a teoria da recepção de Hans Robert Jauss).

Diante destas observações acerca das experiências de leitura de jovens leitores, considerados não-leitores, em meio à política de choques (Jameson, 1998) em que se inscrevem os corpos humanos e leitores hoje, tal política geradora mais da ausência de corporeidade nas experiências cotidianas, mediante as manifestações da cultura, por exemplo, a ida aos museus, do que a presença desses mesmos corpos no uso pleno de suas sensibilidades, assim, coube-nos a pergunta do plano simbólico, que convidou-nos a continuar em pesquisa: Por que Don Juan ainda canta? Ou, por que Don Juan canta? (lembrando que o referencial aqui é a obra operística de W.Mozart sobre o mito).

Naquele momento o que estava em jogo de análise eram as categorias tomadas como referência a partir da teoria de Larrosa, categorias estas que hoje podemos avaliar como representantes de uma tensão bastante interessante naquele momento, a saber: Larrosa constrói suas categorias tendo como base uma formação pautada em procedimentos e valores, e mesmo sua experiência de leitor, arraigados no século XIX, em que tanto o livro, o impresso, e as práticas leitoras estão centradas em princípios individualizantes e individualizadores, o que poderíamos considerar tão contraditório e complexo como o é falar desse inesgotável assunto polêmico que é a formação de leitores (em qualquer tempo e lugar).

Deste modo, lemos as categorias como figurações de outros termos que talvez possam encaminhar as questões que agora nos propomos pensar: a leitura
como experiência, poderia ser tomada como a categoria de “profundidade”, enquanto a categoria experiência de leitura, de superficialidade.

3 Leitor e Não-Leitor

Ao construirmos o perfil “donjuanesco de leitura”, percebemos que havia toda uma gama de possibilidades de práticas leitoras e de modos de ler que não eram contemplados no enquadramento advindo da teoria em questão. Na realidade, todas as experiências que não faziam parte do que o autor considerava “leitura como experiência” incorriam no que, por exemplo, o filósofo José Gil nomeou como “negação da diferença”. Aqui, abrimos uma breve digressão a respeito de tal expressão a fim de que situe o movimento que está em jogo nesta investigação. Num interessante estudo sobre a obra de Fernando Pessoa, recorrendo, sobretudo aos textos de Gilles Deleuze, o filósofo português explica acerca deste recorte que faz para ler Fernando Pessoa:

A negação da diferença segue uma lógica disjuntiva exclusiva, propriamente maniqueísta e paranoica. Reduzem-se as diferenças englobando-as numa representação macroscópica, e referindo-se todas a um polo único (todos os neonazis entram na categoria dos “judeus- bolcheviques”), com a pluralidade de uma unidade. (2000: 73)

Na teoria de Larrosa, a oposição para caracterizar as “experiências de leitura”, embora a nomenclatura não explicite esta exclusão da não-leitura, a categoria revela essa consideração ao identificá-la como aquela em que não “passa nada”. Para nós se justifica pelo fundo falso que o mito literário de Don Juan propõe enquanto aparente unidade subjetiva, mas que desde os estudos de Kierkegaard viu-se a possibilidade de tomá-lo como princípio de uma pluralidade.

Uma vez estando no lugar de oposição antagônica, tomar a classificação dualista é extremar entendimentos e torna-se pouco produtiva para as virtualidades que se apresentam hoje no campo epistemológico. Ao tornar-se opositória, reduz a discussão da formação pela leitura à dicotomia razão e sensibilidade, incorrendo na possibilidade de agudizar uma fenda e transformá-la em abismo na trajetória de um leitor.

Quando tal oposição aplica-se sobre as práticas de leitura atrelada a pedagogização da literatura, incorremos no risco de, em nome da identidade de “leitor”, reduzirmos as demais possibilidades de leitores serem enquadradas na “identidade” desidentificada de “não-leitor”. Se há alguma contribuição que podemos dar em torno dessa questão da formação de leitores e mais especificamente leitores jovens, tal contribuição poderá girar em torno desse aspecto, o

de reconhecer que muitas vezes ao nomearmos para efeito de discussão as experiências de leitura

diferenciadas em nulidades, esta atitude pode levar-nos ao perigoso discurso da negação do Outro, leitor. Mas a fecundidade da teoria pode ser entendida a partir das extremidades colocadas: as experiências que exploram o caráter instrumental da linguagem e aquelas que enfatizam o caráter sensível da experiência.

Para nós, essa abertura, anunciada no caráter fragmentário e indeterminado da formação, como o próprio autor anuncia, é a senha para que se adense à teoria de Larrosa (1998) a margem de multiplicidade, que hoje parece ser a tônica das experiências de formação, tendo em vista os suportes ampliados em tipos e as situações de leitura que estão presentes no cotidiano tanto escolar como fora do âmbito institucional.

 

4 Sobre o fim do leitor

Em O Espaço Literário, o filósofo Maurice Blanchot analisa a figura do leitor[13] a partir de uma ótica da linguagem, de modo que o leitor não passa de uma simples figura e, assim, mais uma instância ficcional e ficcionalizada nos estudos que se sucedem e que a ele dão importância. Blanchot parte do uso do infinitivo que é título de seu texto, “Ler”, para refletir sobre a impessoalidade no ato de ler. Esta operação aparentemente simples e linguística cria em realidade as condições para tornar o ato um princípio, o que redimensiona tanto o ato como as noções ligadas a ele, como é o caso da noção de leitor.

O que para nós interessa é a aproximação possível desta figura de linguagem, leitor, e o perfil donjuanesco. Não como simples método aplicativo a distrair-nos a atenção das questões mais pertinentes no âmbito da leitura, e sim com o intuito de fazer um exercício intelectual que nos leve a verificar as implicações desse tipo de abordagem.

Podemos ler que, ao introduzir o leitor como figura de linguagem, também da ordem do ficcional, Blanchot redireciona, ou melhor, redimensiona politicamente a inserção do leitor nos estudos sobre a leitura e o ensino da leitura, quanto mais do ensino da leitura literária.

Talvez o que possamos pensar seja o fato de que, ao tocar o dedo na ferida narcísica do leitor, esse ente tão importantemente considerado nos estudos dos últimos anos pós-estruturalistas, Blanchot esteja querendo trazer para a cena a
obscena senhora literatura. Uma espécie de convocação para dar lugar, ou melhor, dar espaço ao que parece ter ficado sem lugar entre tantos estudos e teorias.

Por onde anda esta Senhora Literatura? Qual é o seu espaço? Qual o espaço no literário do leitor? Qual o espaço do literário em meio a tantos entes já mortos ou mortificados? No capítulo dedicado à leitura, “Ler”, Blanchot despersonaliza, desidentifica este ser tão procurado, comentado, caracterizado e criticado mesmo nos últimos anais dos estudos das áreas de Educação e Letras. O leitor, para Blanchot, é nada; portanto, não é, ou mais, é algo desinteressante diante da grandeza do texto literário.

Parece que Blanchot dá um puxão de orelha, se esta fosse sua característica, o que não é, em nossa sapiência, como que dizendo: Olha, podemos falar do que quisermos, discutirmos o que quisermos, mas isso tudo é passatempo, o que interessa é a literatura. O literário. Esse fenômeno que nos assalta quando menos esperamos, que nos reduz a nada quando diante de sua grandeza ou menoridade. É uma provocação dentro dos estudos sobre formação, como cabe aos filósofos fazerem.

Estamos com Blanchot, em certa medida, embora saibamos que de nossa companhia ele já não precisa. Dizemos em certa medida porque, na realidade escolar e cotidiana que atravessamos, precisamos olhar quem é este leitor sim. Precisamos tomar um pouco de sua inspiração, de seu idealismo e trazê-lo para quem é de direito frequentar o espaço literário. E não podemos esquecer do continente a que pertencemos se atentamos para o lugar[14] de que fala Blanchot.

Desculpem a dicção recorrente de professora. Desculpem tomá-los com tal contexto desimportante, mas quem é este leitor que frequenta o espaço literário? São muitos e nenhum, são diversos e os mesmos, são conhecidos e absolutamente estrangeiros. São leitores. São os leitores.

O que seria do literário sem o leitor propriamente dito, ou seja, do leitor empírico? A quem interessaria ler sobre o espaço literário, se não fosse o leitor empírico? Então recolocamos a questão: seria pertinente falar da abolição de um leitor? Sim e não. Do fim do leitor? Talvez fosse mais pertinente falar da ausência do leitor. Uma ausência que possibilita a escuta do que rumoreja pelo espaço literário, como é o uso da figura do desaparecimento do leitor por Larrosa, tal qual o fez Roland Barthes, outro teórico, com passagem pelo estruturalismo, sobre a figura do leitor/autor, inaugurando uma instância de nova percepção do ato da leitura/escritura; talvez seja o caso da possibilidade de presença, a partir de espaços políticos como o da escola; ou ainda do efeito de presença do leitor em espaços de criação que nos devolvem para o espaço literário, entre outros, na contemporaneidade.

Cabe traçar estas diferenças, a fim de que tais teorias ou comentários possam dar a pensar o que fazer diante destas ocorrências ou diante da falta delas. Como fazer a intersecção do leitor ausente com o leitor presente? Como reconhecer, estimular ou promover um efeito de leitor? Seria o caso disso? Creio que, para nós, interessa sair do discurso apocalíptico e incentivar a presença de leitores ausentes e, se possível, quando for adequado, estimular um efeito de leitor/presença.

Não há nada de novo nisso, estamos no mesmo ponto de entroncamento com o ensino de leitura: como estimular a leitura? Talvez não seja o caso de estimular, apenas ler. Ler e deixar que, com sua ausência e sua presença, o leitor veja o que é ler para ele. E fazer com que nossas práticas interfiram o menos possível. Apenas sejam práticas de leitura, de um tempo saturado de paixões de leituras, de patologias leitoras, de padecimentos leitores. Deixar apenas ler. Vagar erraticamente pela leitura e ver aonde ela levará o leitor. Esse leitor que empreende sua incessante busca.


5 Don Juan, o senhor dos portais na busca do leitor

Num certo sentido, a escolha do mito de Don Juan se dá por ele ser o buscador incontinente, que é também uma representação possível do “comportamento de busca” do leitor, que hoje é desde o não-leitor ao perspicaz usuário da rede, na contemporaneidade;pela atenção no receptor de informação,ou seja, numa perspectiva da teoria da recepção,quer de informação,quer de obras literárias ou não; e atenção no modo de buscar informações, o modo como alguns jovens estão indo à leitura ou não e a que leituras.

Toda a descrição do comportamento das experiências donjuanescas de
leitura, investigadas por meio da pesquisa empreendida em meu Mestrado e Doutorado, revela uma nova forma de lidar com o conhecimento, ou se não temos uma nova forma, ao menos uma forma agora predominante em detrimento de outras que anteriormente vigoravam, por exemplo, dentro de uma lógica clássica e dualista, do contemplativo e ativo; interiorizante e exteriorizada; superficial e profunda; entre outras possibilidades dicotômica e dicotomizadoras, mantendo uma lógica binária para o processamento da informação, ou da recepção de obras, objeto de leitura, literária ou não.

Fato é que se um grão de feijão ainda pode pesar como ao modo cabralino[15], no caso das leituras literárias, só a insistência na repetição, isto é, na releitura, é que pode se diferenciar da leitura informacional ou de caráter instrumental que a rede propõe. Neste sentido, o hipertexto literário é sujeito a riscos de não repetição para um mesmo leitor em diferentes momentos de leitura.

O “comportamento de busca” de nosso “donjuanesco” leitor pode parecer para um modo de pensar dentro de uma lógica binária, falso ou superficial, como também pouco afeito a reflexões. Entretanto, fora da lógica binária, o comportamento de busca donjuanesco é visto como mais uma maneira de ser apenas, sem qualquer juízo de valor sobre ele. Os resultados serão diferentes como de qualquer buscador em qualquer momento de sua busca, sem a possibilidade de repetição pura e simples.

Ora, numa lógica da multiplicidade, a indexação por nomes, ou nomes-sintagmas (lógica da rede) isto é a possibilidade de acessar histórias diversas. E dentro dessa ótica da multiplicidade, não se estaria partindo de um uno para um múltiplo, na medida em que não é a fisiologia dos sujeitos que está em jogo, mas a materialidade dos nomes.

Neste sentido, o Don Juan, ou o Don Giovanni que buscou informação/ mulheres por diversos campos/países de saberes ou culturas diferentes, não é sempre o mesmo Don Juan ou Don Giovanni, pois seus vários -eus que se movimentam numa subjetividade descentralizada e fragmentada, mediante os diferentes processos de subjetivação por que passa, ”os enamoramentos”, não são os mesmos em cada experiência, daí que temos de múltiplo para múltiplo, em se tratando de experiências que de fato coloquem em tensão os sujeitos.

Essa maneira mais impessoal de ler Don Juan ou Don Giovanni, a palavra cantada propriamente no segundo, propõe ficar fora do binarismo hermenêutico para o ato de leitura que explora a interiorização com mais valor que o ato não interiorizado. A relação com a leitura é fora da experiência dual e dicotômica, sem que esta esteja necessariamente excluída, apenas ela não será mais o ponto de referência para uma avaliação do que venha a ser leitor ou não-leitor, tanto para leitor de textos literários ou não.

O que está aqui em jogo é o reconhecimento de um comportamento de busca, que se faz presente em diferentes sujeitos em diferentes momentos do processo de (trans) formação, evidenciando em que conquistar parece ser a preocupação maior do que conhecer.

Assim, voltamos à questão inicial: Por que Don Juan canta? Ou ainda, por que Don Juan ainda canta?

Don Juan ainda (en)canta porque é preciso manter a possibilidade de cantar/dizer nomes, nomes que potencializem histórias, textos/contextos, pesquisas de vidas na rede do conhecimento.

Don Juan em sua dimensão arquetípica é uma ferramenta de busca para os estudos literários bem como um comportamento de busca nos próprios estudos e ainda um conteúdo fortemente amplo e produtivo para os mesmos estudos literários comparados ou não. Seus portais encontrados são os dintéis para novas possibilidades de histórias e acessos (febris) à informação.

Don Juan, um hipertexto da contemporaneidade é o mito do “eterno retorno” sem a tragicidade de tempos passados, mas a ironia refinada da pós-modernidade, que se caracteriza pela estranha ternura[16], isto é, a consciência da necessidade da ironia[17].

Don Juan é a figura da complexidade encarnada e desimpedida da adoração cristã da encarnação, com a liberação do corpo sacrificado. O inferno ainda existe e pode engoli-lo, que é a própria rede de informações que se apresenta em múltiplas direções. A virtualidade pode em algum momento de distração ser seu inferno com a agravante de que não existe um “comendador” para enfrentar, a não ser o sujeito buscador com sua vontade de conhecer, sujeita à perda contínua e a ganhos inesperados compartilháveis ou não. Esta vontade de conhecer relaciona-se com um tópico bastante complexo diante do problema da formação que é a instrumentalização do conhecimento e sua implicação prática e o conhecimento que é adquirido como raiz, base para outras investidas do sujeito do conhecimento, o que tem implicações menos imediatas e mesmo de longo prazo muitas vezes.

Essa questão de fundo, epistemológica, traz à tona, através da rede e seus usos, a evidência do “comportamento de busca” como um modo mais imediatista de obter informação do que propriamente um conhecimento formativo. A questão não é só de tempo como poderíamos pensar é mais do que isto é de atitude diante da rede, de escolha, em parte, dos caminhos a serem percorridos e com que fins.

6 A busca e a finitude da busca

O “comportamento de busca” de conhecimento do leitor pode não ser abalado pelas demandas do cotidiano ou do caminho empreendido na rede para chegar às informações que precisa, já que o fim está muito claro e este leitor empírico sabe que tipo de ação deve ser empreendido. Neste caso, o prazer alcançado é o de encontrar a informação procurada, diferentemente da busca que se entretém consigo mesma, trazendo como prazer não à realização última, mas o próprio processo de descoberta e aprendizagem, a despeito de escolhas que levem a algum fim imediatamente aplicativo.

O prazer também comentado por Benjamin em alguns de seus escritos é o prazer imediato, do prazer sensorial. Talvez por isto o problema da finitude não faça parte das preocupações de dar forma aos escritos em determinado momento de sua obra, e esta seja marcada pela incontinência ao tratar dos temas que lhe são caros ou apurados.

O mito de Don Juan ao ser considerado como uma chave de leitura para os tempos atuais teve esse intuito, trazer para a cena de discussão a representação de uma das tensões mais complexas que hoje permeiam nosso cotidiano, e num momento de ansiedade por encontrar soluções, talvez achássemos ser necessário optar por uma das frentes, como, por exemplo, propor uma formação baseada em aspectos mais pragmáticos como o “mercado de trabalho”, ou escolher uma formação voltada para princípios que sirvam de orientadores dos atores sociais em suas investidas na vida prática. Isto não acabaria com a tensão, talvez criasse mais insatisfação para todos e agudizasse o abismo que vem se delineando em vários setores da vida na contemporaneidade.

Zigmunt Bauman, o sociólogo de referência para nós, mais uma vez através de sua obra traz à tona em Vidas desperdiçadas a feliz percepção da infelicidade instalada em nosso tempo atual. (Tomamos como feliz porque ela contribui mais uma vez através de sua obra para levantar questões em torno do momento em que vivemos, momento em que urge a revisão de sentidos, princípios, contextos de produção. Momento em que o fato de termos a derrocada
de uma série de instituições sociais, de um lado favoreceu o avanço inimaginável há tempos na busca do conhecimento científico, como podemos atestar mediante os empreendimentos que a cada dia são postos à disposição da humanidade; de outro lado, essa mesma inesgotável capacidade de criar e destruir verdades construídas e estabelecidas está desestabilizando algo

de valor inestimável que é a vida de muitos que vivem em condições precárias, em ‘guetos”, por exemplo (Bauman, 2003).

A tensão colocada por ele, tendo sempre a modernidade como referência, situa a questão nos limites da consciência sobre a finitude e a infinitude no modo como ela interfere na vida do planeta e nas diferentes culturas, principalmente no ocidente. O interessante capítulo do livro em questão “A Cultura do lixo”, a partir do genial conto de Borges, O imortal, discute a tensão entre infinitude e finitude e alguns dos rebatimentos dela tanto nos âmbitos moral, sociológico, político, econômico e cultural, sem perder de vista o entrelaçamento de todos entre si. A certa altura Bauman é severamente taxativo:

Infinitude é um construto abstrato, uma extrapolação mental partir da experiência do longo prazo – uma extrapolação desencadeada pela incapacitante brevidade da vida corpórea e da exasperadora incompletude dos esforços da vida. A ideia de infinitude representa uma extensão imaginada do presente, em que o sentido de todos os momentos passados, presentes e futuros será revelado, e tudo encontrará seu lugar (...) A modernidade líquida é uma civilização do excesso, da superficialidade do refugo e de sua remoção. (2005: 118 e 120).

Sem dúvida, há inúmeros estudos que resgatam tais giros de reflexão, como é o caso de Roger Chartier e da portuguesa Augusta Babo,em “Implicações do corpo na leitura”[18], breve artigo da pesquisadora a partir do qual dá indicações importantes sobre uma história que vem conduzindo certas práticas bastante arraigadas em torno da leitura e recorre aos melhores referentes do campo cultural, tanto o sociólogo francês Pierre Bourdieu, como o filósofo cristão Santo Agostinho. Percebe-se, destarte, a dimensão dos elementos envolvidos nesse comportamento de busca que sustenta qualquer iniciativa em torno das práticas de leitura, seja de busca de prazer tão somente sensorial apartado de reflexões, seja a de um prazer mais elaborado e acompanhado do desprazer momentâneo de ter as próprias referências afetadas, lembramos, como é o caso da categoria da teoria de Larrosa “leitura como experiência”, que fundamentou nossa empreitada inicial.

Nesse sentido, temos as noções de afeto, corpo, vínculo, relação e impessoalidade, como subjacentes aos elementos dados pelos autores, seja através da noção de amor, seja pela ideia de articulação ou controle, fato é que são noções que circulam nas versões de Don Juan/Don Giovanni em diferentes ênfases e contextos históricos e estéticos.

Cabe lembrar a pista dada por Saramago na epígrafe do seu texto[19], o seguinte provérbio: “Nem tudo o que parece é”. A despeito de qualquer análise feita ou interpretação dada ao texto final de Saramago, e sabemos que há meandros que em muito podemos nos demorar a fim de incluirmos outros saberes e poderes, cabe reconhecer a genialidade na compreensão do sumo a tirar do mito de Don Juan, o leitor Saramago parece ter privilegiado em algum nível a percepção de que a musicalidade de Don Giovanni exige (re)escutas, leituras, escritas, flexões, visões, como certamente o tribunal que o queimou no inferno mereceria , não para ser compreendido, mas para ser este, sim, quem sabe reavaliado na sua autoridade de tribunal.

Se a história literária em poucas iniciativas sugeriu uma absolvição do personagem legendário, por vias da abstração da encarnação, via legítima que a filosofia nesta relação entre pensamento e vida possibilita, a nós professores caberia revermos os vereditos dados a muitos dos alunos sobre serem não-leitores, seja por preguiça, por incapacidade, seja por total impossibilidade de se apoderarem dos meios de produção de conhecimento.

Não caberia instituir-se um tribunal contra os professores, isto seria incorrer no erro, por substituição, de retardar o processo de inclusão de “não-leitores”, como também por motivos diferentes de professores, já tão excluídos nas esteiras de formação. Talvez caiba, sim, recuperar um laço rompido, um grau maior de confiança, entre os parceiros de formação, e que não se resumem aos professores e alunos. Confiança que poderá perpassar as aulas, os eventos os textos as referências bibliográficas, e, que, de alguma forma, vem sendo posta e desafiada pela rede e esse espaço totalitário e totalizante a que sem fim estamos mais do que nunca buscando incluir e inserir em nossas vidas para dar vida às leituras de vidas e de textos, mesmo que por suportes hoje diminutos, como celulares e Ipods.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Mais que riscado, o leitor é uma superfície
vibrante. Saltando de risco em risco, a sua
alma diz o texto, variando as entoações,
sempre falhada a voz.
(Manuel Gusmão)

A cristalização de uma leitura do mito de Don Juan como figura transgressora, individualista, dissolvida em margens, desfigurado, pode levar a perder a complexidade e a riqueza desse mito para alguma compreensão dos momentos em que vivemos. Petrificar o imediatismo como um puro modo de viver inconsequente, talvez seja uma forma de apagar algumas tonalidades tão importantes dentro da complexidade dos processos de subjetivação experimentados na contemporaneidade.

A pergunta pode ser como se chegou ao imediatismo? O que este mimetismo sugerido, ou mesmo este vampirismo anunciado pode estar indicando? O que pode ter sido adiado que agora clama e exige imediatamente sua compensação? Deixemos em suspensão o julgamento moral desse imediatismo. Talvez seja uma especulação interminável, no entanto, ela pode ser bastante útil para trazer à luz mais uma possibilidade de leitura. Podemos partir do zero, de que é o imediatismo uma forma descompromissada e impulsiva de lidar com o prazer, com o encontro, coma busca do outro de si.

Podemos considerar outra origem a fim de fazermos um exercício de compreensão: quem sabe, entendendo que aquilo que foi por tanto tempo sonegado reclama agora seu lugar, seu espaço. As instituições podem ter dominado por tanto tempo os desejos dos indivíduos que agora os indivíduos veem-se sufocados por elas e encontro no imediatismo um modo de lidar com os adiantamentos. São discussões discursivas, apenas, mas que revelam versões de inúmeras perversões seculares. Até que ponto seria de fato necessário o discurso mediar tão intensamente as experiências de leitura? Encarar o desastre,segundo Blanchot, encarar o rosto que formamos cotidianamente a cada omissão, a cada queixa e a cada fala “sobre” o leitor ou “sobre” a literatura.

Estava dito o não-leitor; estava feito o não-leitor. E agora? E agora José? Para onde seguir? Se é que se pode ou se quer seguir. Se é que cabe seguir. Foi preciso parar tudo. Tudo: Ler. Escutar música. Escrever. Amar. Parar de parar. Interromper pausas. Está certo você tem razão. Mais uma vez você tem razão, mas e daí? É preciso não esquecer que ter razão é muito importante para o orgulho, para a vingança, para o desespero.

Então, novo percurso, novo início, pausado, modesto, paulatino, agora com signos inteiramente novos para o ritmo cotidiano, palavras absolutamente inusuais, exiladas do exílio que é escrever. Com essa tentativa de sair da moda, do atual, do passado retrô, da nostalgia, do conhecido, do que não oferece qualquer resistência e, no entanto, faz tanto sucesso (não é fácil amar a facilidade, por vezes, ela é a própria tentação de seguir deslizando, dado o cansaço e até dada a desesperança, preço da perda da inocência, figura do limite para o alcance de subjetividades).

Submetemo-nos, assim, à pergunta durante os quatro anos, sem darmo-nos conta da cilada em que nos pusemos ingenuamente: Por que Don Juan ainda canta? Bastava ter respondido a primeira, por que Don Juan canta? Estava posto, estava bom, embora não restituísse o coração. Restituiria a razão, o que já era muito depois de quase se perder a razão. Era preciso voltar a sentir, voltar a conhecer e experimentar.

Era preciso porque “navegar é preciso”. Empreendemos nova viagem, com algum movimento, lento, tardio talvez, mas ao menos com razão e emoção, até onde é possível quando se escreve uma pesquisa. Nessa outra viagem de deixar-se afetar por si mesmo, outros sentidos chegaram: mito, personagem e comunidade, talvez buscando um outro que não quer ser enunciado, mas que está o tempo todo presente. Sigamos, então, a viagem.

Enfim, os portais que se colocam à frente desse mito de Don Juan nos desafiam a olhar a contemporaneidade, justificando seu legado como sua “cantoria” ecoada e permanente, a ressonância de suas conquistas e vertiginosas movimentações. O inacabamento como tema para este mito atualiza o que durante séculos vinculou-se a ele virtualmente, enquanto história que há de vir para se recontar e ler Don Juan de maneiras diferentes.

A energia pulsante e adolescente desta figura estética,enquanto um permanente pré-existente (Zambrano), traz em si o paradoxo daquele que é mais pelo que não é ainda, mas está lá para ser/ler, ou seja, pelo virtual, do que pelo que é ou foi lido até agora. Seu desejo incontinente coloca-nos diante da impermanência de leituras, da linguagem, dos textos, de corpos. E é exatamente esta inconsistência no modo de ser que faz com a Literatura e as artes em geral sejam consistentes e “saúde”.

A inconsistência é a qualidade maior para “o próximo milênio” que já se instalou. Os Amores líquidos (Bauman, 2004) e incertos, ou as leituras líquidas e “ficantes”, sem aparente vínculo afetivo, talvez redimensionem o valor e lugar da linguagem e do conhecimento em nosso cotidiano, fazendo-nos repensar sobre a quantidade de informações e sobre a qualidade das formações; sobre a quantidade de leituras e a qualidade das experiências; sobre a quantidade mediante a qualidade.

Deste modo, é o tema da influência que retorna. Quanto seremos influenciados pelos discursos, pelas leituras que fazemos e deixamos de fazer? Quanto influenciaremos pelas leituras feitas, enquanto professores? De que modo estas leituras irão de fato influenciar, seduzir, atrair? - Três instâncias tão diferentes no jogo da leitura. Quanto de fato saberemos tanto de leitura que um aluno fez, sua erudição é suficiente? Haverá um jogo de erodição por trás da erudição(?).

Se nem tudo é o que parece e se tudo no mundo é burla, onde está a saída do labirinto desse conhecimento vorazmente buscado? Voltamos à questão do mito literário depois desse trajeto tortuoso, mas compensador em termos de sugestão de tensão a ser pensada e na medida do possível (re)mediadas, as validades desse legado do mito literário de Don Juan expõe algo da esfera do conhecimento que talvez ainda seja necessário algum tempo para ser dimensionado, porém já podemos entrever que se o que tomamos como verdadeiro vem sendo desmontado e recolocado como falso, desfazendo crenças e mitologias, no sentido barthesiano, em que o “mito é tudo e nada”; temos ao lado disso , em companhia , como bem quer o “pós-modernismo” em certa medida, o falso construído sobre o falso, o ficcional, criando uma outro mundo.

Um mundo que é deste mundo, porque a ele se refere e dele tira elementos, como o próprio código de que dispõe, a língua; fora dele porque já o desfaz em suas crenças, mitologias, e porque o desfaz ao menos em termos de ideias, propõe pensar, imaginar o mundo de outra maneira, em outros termos, com as mesmas palavras, mas já referidas como termos de sentidos diferentes, ambíguos.

De um lado o desencantamento, de outro o entusiasmo com o novo, e é na tensão de ambos que surge o desafio de pensar, poderíamos dizer de imaginar, inventar, fabular, o novo, o impensável, o inaudito, que para além do já dito e do interdito propõe novas tecnologias ao pensamento, novos recursos, novos instrumentais, novas categorias, novos gêneros, novos modos de ler e de ver o leitor, novos modos de sentir.

Nesta direção o conceito de acoplagem de Hans Gumbrecht é bastante produtivo, em meio a esse contexto de navegação (para adiante de máquinas vaporosas), pois entre interatividade e narratividade possíveis, podemos ter a vivência além de ritmos diferenciados, ainda pouco produtivos, do ponto de vista estético, já que a questão trazida pelo filólogo alemão girou em torno do que possibilita passar da formação para a representação.

No comportamento de busca interativo, como de maior contato com a superfície do ciber espaço, maior tempo de exposição à rede pode-se ter uma acoplagem simples, ora de mudança de ritmo para o buscador, ora uma acoplagem de nível mais intensificado e complexo, e, portanto produtiva. O desafio é pensar que todo o processo de descontinuidade na continuidade do processo de acesso e busca, poderá gerar acoplagens sobre acoplagens.

O ato de ler em toda a sua simplicidade complexa. Deste modo, sob o signo de netuno encontramos um leitor contemporâneo, ora mergulhando sob os sites e links da tela de cristal líquido, ora deslizando sobre as ondas do ir e vir de memórias, ora sendo assaltado pelo efeito cascata que as experiências sucessivas levam-no a modernizar os sentidos. O que nos
parece é que estaremos nesse início de milênio tendo de conviver com a confusa mistura de práticas leitoras ancoradas numa modernidade de amplo espectro, mas de caráter fundamentalmente dicotômico e dualista e práticas outras acionadas por esta outra figura navegadora, que por prudência preferimos não dar-lhe qualquer representação ainda, e intuir seus deslizes de leitura de escrita, de atos de fala, e tão somente anotar seu comportamento de busca, por líquidos nunca antes navegados.


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[1] Aproveito e faço um convite ao leitor para ir ao encontro do mito literário de Don Juan que se apresenta em inúmeras versões,mas nessa pesquisa partiu do texto seminal de Tirso de Molina(1630),Don Juan y el convidado de piedra,assim como algumas selecionadas para esta investigação,indicadas ao fim  no item Referências bibliográficas.

[2] Vale consultar o site “psiqweb” (portal da psiquiatria) que leva-nos ao “donjuanismo” com uma
abordagem que o aproxima de patologias ligadas à compulsividade e à ansiedade.

[3] O livro Amor líquido de Zigmunt Bauman é bastante esclarecedor neste ponto sobre a fragilidade dos vínculos.

[4] Cabe o destaque para o evento quase homônimo promovido pelo Fórum Social de Cultura da UFRJ sob a coordenação de Adauto Novaes, que culminou no livro Libertinos e Libertários, editado pela MINC/FUNARTE e a Companhia das Letras.

[5] Temos aqui um ponto de discussão sobre políticas culturais que ora privilegiam certa linguagem, ora privilegiam outras. Essa gangorra cultural já poderia ser um indicador para discussões acerca
do status desta ou daquela via estética de experiência com obras de arte no cotidiano
contemporâneo, latino e brasileiro.

[6] Fizeram parte da pesquisa 12 jovens (entre 15 e 18anos) e 3 professoras ligadas direta ou indiretamente a estes; perfazendo um total de 15 entrevistas; pertenciam a uma escola pública do município do Rio de Janeiro/RJ/BR; realizadas no período de setembro a novembro de 2000, e precedidas por observações sobre as práticas de leitura propostas em sala de aula, no decorrer do referido ano letivo.

[7] Sobre a formação como leitura e a leitura como formação, diz o teórico: “Se trata de la lectura como algo que nos forma (o nos de-forma o nos trans-forma), como algo que nos constituye o nos pone en cuestión en aquillo que somos (...) En la formación como lectura lo importante no es el texto sino la relación con el texto. Y esa relación tiene una condición essencial: que no sea de apropiación sino de escucha.” (1998: 16 y 19).

[8] As palavras de Larrosa acerca da leitura como experiência, na relação com a literatura são: “La experiencia de la literatura, si alguna vez va de verdad, si alguna vez es verdadeira experiencia, siempre amenazará con su fascinación irreverente la seguridad del mundo y la estabilidad de lo que somos.” (op .cit. , p. 89)

[9] Temos especial atenção para o texto cedido pela Fundación Maria Zambrano ao prof. Jorge Larrosa e que nos foi gentilmente sugerido, ainda inédito na Espanha: Las siete edades de la vida humana. (mayo, 1966).

[10] Os textos de base para esse tratamento foram de Walter Benjamin em “O jogo e a prostituição”, indicados ao final nas referências bibliográficas.

[11] A leitura de Kierkegaard foi um feliz encontro, uma vez que já se fazia notar em textos de Zambrano que este pensador dinamarquês estava entre as afinidades eletivas da filósofa, portanto, nova contribuição para entender-se o universo epistemológico dela.

[12] Através da participação no seminário produzido em setembro de 2006, pela UFRJ, “A palavra Cantada”, com a presença de inúmeros especialistas, brasileiros e estrangeiros, pôde-se apreender alguns conhecimentos básicos acerca de estruturas musicais que são encontradas numa certa tradição do cancioneiro brasileiro. Neste sentido, o trabalho de Luiz Tatit é a referência para o reconhecimento do que vem a ser uma melodia e umas letras de canção de fácil memorização. Em nossa área, os estudos acerca dos trovadores na Idade Média foram, sem dúvida, muito importantes para que esta articulação fosse mais rapidamente percebida.

[13] Larrosa (2004), sob o subtítulo de “A abolição do leitor”, no ensaio “ler sem saber ler”, in Linguagem e Educação depois de Babel, faz um interessante comentário acerca da figura do leitor, baseado em textos de Maurice Blanchot.

[14] Na Abralic de 2005, o tema era Sentidos dos lugares, e em muitas comunicações apresentadas e conferências pode-se inferir que as investigações em torno das direções que vem tomando os estudos literários, comparados ou não, têm buscado situar melhor esse trânsito entre o que está estabelecido e o que se apresenta como passível de reavaliação. Revisões que vão desde a formação do profissional de letras até as categorias estéticas com que se tem trabalhado em pesquisa, passando pela inserção do continente latino-americano nos estudos culturais mais amplos.

[15] Referência utilizada a partir do poema “Catar feijão” de João Cabral de Mello Neto.

[16] Chantal Maillard em La Razón Estética, Barcelona: Editorial Laertes, 1998, usa tal noção para falar de subjetividades contemporâneas que têm já o grau sofisticado da reflexividade que a modernidade proporcionou, entretanto acrescenta-se a isso certa consciência da grandeza da realidade ante os atores sociais. Estes, sem controle sobre os processos de formação de suas subjetividades. Embora o foco de Chantal seja rever a ideia de pós-modernidade a partir de outros autores, a noção de “estranha ternura” reconhece o movimento ambíguo hoje em perceber as próprias contradições e ser em certa medida tolerante com elas, sem ser complacente. Assim, teríamos um passo à frente no diálogo entre razão e sensibilidades, para além de dicotomias segmentadoras

[17] Em La necesidad de la ironía, Valeriano Bozal, discorre criticamente sobre a presença da ironia enquanto figura nos diferentes contextos estéticos, tendo como referência principal as noções kantianas de belo e sublime. O texto é rico em contribuição uma vez que aponta para as implicações hoje de se manter o sublime como categoria estética de maior valor. O argumento do autor redimensiona o sublime como categoria de valoração para uma obra de arte, considerando o contexto cultural amplo e diversificado em que vivemos, onde a cultura de massa está presente em peso no cotidiano banalizador de experiências. Mas admite que nem é possível entregar-se a um sublime como referente principal para experiências estéticas, isolando-se da cultura de massa, tampouco depois de certas experiências com o sublime deixar de tê-lo como um toque a mais na formação da sensibilidade. Sob a ordem de “intervenções”, nome da série a que pertence o volume, o autor dá a ver que a ideia de intervenção é mais do que simplesmente um nome, mas uma proposta de leitura e escrita para a crítica atual. A partir da consideração de que não se tem verdade alguma, mas a permanente atitude de dar a ver e ver-se. Nas próprias palavras do autor: La ironia no rechaza lo ironizado, sino que, poniendose a distancia, descubre que loque este dice no es tal (...) la ironía no dice que la utopia no sea posíble – quizá lo sea -, afirma que la historia natural em la que se há empenado lo sublime no conduce a utopia alguna y que legitima em tal “no conducir” cualquer totalitarismo. (1999: 100)

[18] Neste texto a diferenciação mais rigorosa e determinante como contribuição aos estudos da leitura é a leitura vocalizada ou auditiva e a visual. Isto se relaciona diretamente com a questão da memória, como o pesquisador brasileiro Marcus Silegman vem explorando em seus estudos e no evento promovido pelo depto. de Letras em 2005, “Literatura e política”, a diferenciação entre uma chamada memória feminina e outra masculina, como colocou o estudioso, pode ser aproximada de tais implicações, já que o conferencista refere-se a uma memória apoiada na voz e outra visual.

[19] A peça dramática Don Giovanni,ou o dissoluto absolvido,em posterior parceria com o italiano Antoni Corghi para execução operística em 2005.