A CONTRIBUIÇÃO DO LIVRO “REFLEÇÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO” DE EMILIA FERRERO PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA

 

Mesmo sendo publicado nos anos 80, este livro de Emilia Ferrero continua atual por tratar de assuntos sempre lembrados na Alfabetização, no que diz respeito à construção da língua escrita, abordando discussões sobre a escrita como sistema de representação, o ponto de vista da criança a respeito do sistema de escrita, construções originais das crianças e o processo de conquista da língua escrita no contexto escolar. Mesmo tratando de temas familiares ao contexto docente (nesse caso a alfabetização), o livro traz um diferencial positivo, olhar a aprendizagem na perspectiva daquele que aprende (a criança). No entanto o objetivo do livro, não é servir como um manual de ações pedagógicas, mas sim promover ações pedagógicas, tentando acabar com a visão de que só se pode aprender de uma única maneira, a maneira do adulto.

 

 

 

Na tentativa de investigar a evolução no campo da escrita, Ferrero oferece-nos um instrumental de possibilidades de ver a criança no seu processo de conquista da escrita, de averiguar o que ela sabe e o que ela não sabe, porque é no que ela ainda não sabe, no que ela pode e tem condições de fazer com ajuda, com interferência do adulto, que o professor vai atuar. Nesse sentido, a descrição evolutiva ultrapassa o nível do diagnóstico e da avaliação inicial e contribui efetivamente para informar o desenho de situações de ensino/aprendizagem."

A necessidade do homem de se comunicar com seu semelhante parte dos tempos mais remotos. A leitura e a escrita talvez sejam as atividades acadêmicas que mais têm recebido atenção nos últimos anos. Com o objetivo de facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita, têm sido realizadas pesquisas acerca das habilidades envolvidas no processo.

Mesmo sendo um assunto de muita pesquisa em escolas por todo o país, muitas crianças lêem e escrevem abaixo do nível escolar esperado; muitas perdem o gosto pela leitura, podendo ocasionar em abandono escolar.

Na preocupação em responder a questionamentos levantados sobre esse assunto, procurou-se ler vários trabalhos de diferentes autores na tentativa de construir teoricamente um estudo para se descobrir e resgatar maneiras de trabalhar o ensino da leitura e da escrita, contribuindo com a prática educativa.

Nesta apreciação pretende-se evidenciar uma alteração na postura do professor e escola, mostrar que as mudanças de procedimentos podem contribuir no processo de aquisição da leitura e escrita. Quanto ao papel da escola, ela deve estar atenta ao processo de aprendizagem para não exigir da criança aquilo que ela não pode dar, pois correria o risco de provocar sentimentos de incapacidade e baixa estima que, possivelmente, conduziriam ao fracasso.

            Para melhor entendimento, torna-se relevante apresentar alguns conceitos, como de Alfabetização e Letramento:

Alfabetização é o processo que permite a aprendizagem coletiva e simultânea dos elementos da leitura e da escrita. É, primordialmente, a aprendizagem da escrita e da leitura.

Letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita.

Um indivíduo pode ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Se o indivíduo vive em um meio onde a escrita tem presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações fixadas em algum lugar, este analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura.

Da mesma forma, a criança ainda não alfabetizada, mas que já folheia livros ou finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu ainda a ler e escrever, mas já penetrou no mundo do letramento; já é, de certa forma, letrada. Esses exemplos evidenciam a diferença do fenômeno chamado letramento e de outro fenômeno a que chamamos alfabetização.

Essa criança aprende a falar e a entender o que lhe falam, revelando um processo de aquisição da linguagem que teve grande desenvolvimento a partir, aproximadamente, de seu primeiro ano de idade. Com três anos ela já será capaz de conversar com outras crianças e com adultos, compreendendo plenamente o que lhe é dito. Sua habilidade com o uso da linguagem é ou alcança um estágio tal que, quando não entendia algo que lhe era dito, já dispunha de modos de falar para externar sua dúvida.

Qualquer criança que ingressa na escola aprendeu a falar e a entender a linguagem sem necessitar de treinamentos específicos ou de um ensino sistematizado para isso. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o aprendizado da criança. Ninguém disse a ela que deve fazer exercícios de discriminação auditiva para aprender a reconhecer a fala ou para falar. Ela simplesmente se encontra no meio de pessoas que falavam e aprendeu.

A criança foi exposta ao mundo oral que a rodeia e nele foi traçando seu caminho, criando o que lhe era permitido fazer com a linguagem oral. Nesse seu processo, se percebe uma evolução nem sempre simples nem sempre lógica, mas sempre condizente com seu modo de ser e estar no mundo. E, já com três anos, chega a ser considerada um falante nativo de uma língua; significa que ela dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais.

A linguagem é um fator social e sobrevive graças às convenções sociais que são admitidas para ela. As pessoas falam da maneira como seus semelhantes falam e por isso se entendem. Se cada um falasse como quisesse, jamais poderia existir a linguagem como veículo de comunicação numa sociedade.

Qualquer manifestação lingüística, desde a mais tenra idade, tem vocabulários e regras. A criança vai aprender a dizer “nóis vai” ou “nós vamos” não porque é menos ou mais dotada para a linguagem, mas porque se tornou falante de um ou de outro dialeto. Por outro lado, pelo fato de aprender a falar, com a complexidade que envolve, com apenas três anos, prova que tem capacidade intelectual “extremamente” desenvolvida e apta para a fala, sem precisar de professores ou de métodos específicos, bastando para o convívio com uma comunidade falante. Evidentemente, os pais e a comunidade de um modo geral zelam pelo desempenho lingüístico de seus membros, porque lhes convêm que cada um assuma seu papel na sociedade.

A criança que inicia na alfabetização, é um falante capaz de entender e falar a língua com desembaraço e precisão nas circunstâncias de sua vida em que precisa usar a linguagem, mas não sabe escrever nem ler um texto escrito. Esses são usos novos da linguagem para ela e é, sobretudo isso o que espera da escola. Em muitos casos, há ainda o interesse em aprender uma variedade da língua de maior prestígio.

A escola não parte do pressuposto que a criança já possui conhecimentos e estes adquiridos através da vivência em seu cotidiano para a partir daí ensinar os conteúdos propostos. A escola parte de um abecedário e de uma fala completamente estranha à criança. Talvez isso até sirva de motivação para algumas considerarem a escola certo desafio à sua capacidade de realização.

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de inteira participação social, pois é por meio da linguagem que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, reparte ou estabelece visões de mundo e produz conhecimento. Portanto, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessário para os exercícios de cidadania.

Para aprender a falar, como em toda aprendizagem humana, se requer dois agentes: um que aprende e outro que ensina.

Os pais são as primeiras figuras que ensinam a criança os primeiros conceitos em relação ao mundo adulto. É a partir da figura materna e paterna que a criança constrói e estrutura sua mente para aprendizagens posteriores. O espaço da autonomia de pensamento possibilita o falar, pois é no pensamento que se forma a fala. Se a criança desfruta de liberdade para pensar e criar seu discurso, ela alcançará a arte da fala com êxito.

Se a escola tem por objetivo ensinar como a língua funciona, deve incentivar a fala, e mostrar como ela funciona. Na verdade, uma língua vive na fala das pessoas e dessa forma se realiza plenamente. A vida da língua está na fala.

Falar não é apenas uma questão cultural e política, mas, em se tratando de crianças, uma necessidade de desenvolvimento psicológico. A linguagem verbal exercita o pensamento, socializa, desenvolve o pensamento simbólico e operatório, coloca a criança em conflito com outras linguagens, organiza a sua mente, interpreta o mundo, expressa sentimentos.

Segundo Piaget, as crianças provenientes das camadas populares, de forma especial, necessitam ser incentivadas a falar corretamente. É imitando e falando que podem adquirir vocabulário e ampliá-lo, é trocando experiências com os demais que aumentam a sua visão do mundo. Falar, neste momento, significa exercitar uma função que está se desenvolvendo, é aprimorar a aquisição da linguagem, ainda tão recente. Quanto mais a criança fala, mais ela aprende a falar, pois a linguagem necessita exercício.

Para a alfabetização, é importante a existência de um vocabulário amplo, o que deve pressupor um maior número de experiências da criança. Falar exercita a expressão de idéias e amplia o mundo mental, o que resulta em maiores possibilidades de analisar e transformar a realidade.

As crianças provindas das camadas e regiões mais privilegiadas da população, cujo padrão da fala é aquele  eleito como socialmente correto, têm mais facilidade de domínio da escrita, pois essa é a norma culta que mais se aproxima dos padrões rígidos do texto escrito.

O professor também necessita avaliar suas teorias a partir do seu referencial teórico e do conhecimento que tem das crianças. Ele, o professor, terá de fazer suas observações da turma e, a partir daí, encontrar alternativas que lhe propiciem uma satisfação maior com os resultados da aprendizagem. É uma construção conjunta de estratégias de ensino e aprendizagem, envolvendo professor e aluno.

Quando uma criança não encontra utilidade na leitura, o professor deve fornecer-lhe modelos que evidenciam o seu próprio valor. Ou quando uma criança não se interessa pela leitura, é o professor quem deve criar situações mais envolventes. O próprio interesse e envolvimento do professor com a leitura servem como modelo indispensável; ninguém ensina bem uma criança a ler se não se interessa pela leitura. As preferências da criança também devem ser respeitadas.

Para facilitar o processo de leitura devemos garantir à criança vastas possibilidades de usar informações não-visuais, possibilidades de fazer previsões, compreender e ter prazer no que lê.

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de linguagem utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações que se utiliza da comunicação. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido.

Os estabelecimentos sociais fazem diferentes usos da linguagem oral: um cientista, um político, um professor, um religioso, um feirante, um repórter, um radialista, enfim, todos aqueles que tomam a palavra para falar em voz alta, utilizam diferentes registros em razão das diferentes instâncias nas quais essa prática se realiza. A própria condição de aluno exige o domínio de determinados usos da linguagem oral.

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem moral nas diversas situações comunicativas.

A conquista de escrita alfabética não garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem exige um trabalho pedagógico sistemático.

As propostas didáticas que ressaltam o papel da ação e reflexão do aluno no processo de alfabetização devem ter atenção especial, pois fazem dos caminhos percorridos pelo aluno, um fator que beneficia a ingerência pedagógica e não a omissão, permitindo, assim, ajustar a informação oferecida às condições de interpretação em cada momento do processo, e dando a oportunidade de também apreciar os erros cometidos pelo aluno como rastros para nortear sua prática, para torná-la mais universal e mais eficaz. A escola tem a função primordial de desenvolver no educando a capacidade de organizar as informações que recebe, e de lhes dar sentido, ampliando sua capacidade de analisar a realidade e inserir-se nela de forma crítica e criativa.

Todo educador deve amar o que faz, acreditar no que possa vir a fazer, e interessar-se pelo que ainda não sabe, buscando sempre novos conhecimentos. Nenhuma sugestão metodológica terá valor se os educadores não procederam a uma reflexão profunda sobre como estão alfabetizando e relacionando-se com as crianças, e não se dispuserem a modificar tal relação e a prática de alfabetizar.

O melhor modo de se aprender a ler e escrever é sem o temor da rejeição. É com um professor próximo e compreensivo quanto às dificuldades de cada aluno. Se cada educador estiver disposto a conhecer, e mais do que isso; considerar o mundo de cada criança conseguirá ter resultados positivos que não era possível devido a um relacionamento professor/aluno superado.

O homem carece de um sentimento de realização e reconhecimento e nós, educadores, desejamos a afirmação de uma escola com espaço de vida, ou seja, não bloquear onde profissionais trabalhem com prazer e os alunos sintam a alegria de aprender.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24.ed. São Paulo: Cortez, 2001 (Coleção Questões da Nossa Época; v. 14).

 

 

http://www.editoras.com/musa/054014.htm