REFLEXÕES SOBRE AMITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE NO DIREITO PENAL

                   O Princípio da Pessoalidade está pacificado no direito penal das nações civilizadas, em quase todas as Constituições existe a disposição de que a pena poderá apenas atingir o sentenciado. A Constituição Brasileira de 1988, vigente, dispõe em seu inciso XLV do artigo 5º : " Nenhuma pena passará da pessoa do condenado..."

Ao atuar no universo dos que estão cumprindo pena e, em especial, com os seus parentes mais próximos – mãe, pai, irmãos e cônjuges/companheiro, a constatação é de uma realidade intrigante. Essas pessoas, as que estão ligadas de alguma forma com o condenado, sofrem conseqüências indiretas da condenação dos mesmos.

Entre essas conseqüências, observam-se a presença constante de discriminações quanto ao fato dessas pessoas serem parentes dos condenados os ditos "criminosos". Esse preconceito se manifesta muitas vezes, através das atitudes dos protagonistas sociais, imprescindíveis na relação cotidiana destes indivíduos toda vez que são descobertos como parente de um encarcerado. A negativa a uma vaga de emprego, o não acesso a um crédito pessoal, uma reprovação ao convívio social com outras pessoas dentre tantas outras formas de exclusão.

Outro aspecto observado é o tratamento dado por parte do poder executivo, em especial do sistema prisional brasileiro e seus agentes, a essas pessoas. Dia de visitação é dia de procedimentos vexatórios, como o da revista íntima sofrida por mães, esposas ou companheiras e crianças do sexo feminino, de logo, nos leva a indagar, se não ferem os princípios da dignidade da pessoa humana.

Essa realidade nos traz a seguinte inquietação. Até que ponto a condenação, ao ser aplicada, extrapola a esfera pessoal - ofendendo o princípio da pessoalidade e o caráter intuito personae do poder punitivo do direito penal; estigmatizando as pessoas mais próximas no ciclo social desse indivíduo?

Ao ser apenado, o condenado recebe uma etiqueta social – Teoria do etiquetamento, que o classifica negativamente perante a sua comunidade. Essa etiqueta irradia reprovação ao grupo social ao qual o condenado pertence, principalmente aos ascendentes, descendentes e conjugue ou companheiro, interferindo desta forma na vida social dessas pessoas que passam a serem vistas como se condenadas fossem.

Este tema tem sua relevância calcada na reação social e principalmente dos meios de comunicação em massa, em especial nos programas sensacionalistas que se aproveitam da crescente onda de violência para propagar, em nome de uma pseudojustiça, as mais bárbaras medidas "preventivas" para o crime, inclusive, muitas vezes, instigando a população a se voltar contra pessoas de determinadas classes sociais e seus parentes.A sempre um discussão da parcela de culpa da mãe ou pai  não saber dos atos do filho,  da mulher ou homem que desconhece as atividades ilícitas do seu companheiro.

Entre essas medidas "preventivas" ou repressivas, esta a mitigação do princípio da pessoalidade, ampliando-a além da figura do condenado. Pois não basta encarcerar o sujeito ativo do delito – o condenado, parece ser segundo os que se aproveitam do momento para propagar uma postura imediatista, de cunho fascista e autoritária, necessário que todos juntos a ele – apenado, sejam também lançados no ostracismo social, como se fossem uma praga epidêmica, uma releitura cruel do modelo Lombrosiano e Pinélico.

O crime então não está tipificado e punido na letra fria da lei. Está, pois, nesse modelo, edificado dentro do preconceito, da ilicitude abstrata que cada indivíduo carrega em si, julgada congênita, vinculante e determinista.

Outrossim, atualmente, a população carcerária é basicamente composta de pessoas oriundas das camadas de baixa renda. Por conseqüência, seus ascendentes e descendentes, assim como cônjuges e companheiros (as), também de baixa renda, estão expostos a essa cruel realidade, a discriminação gerada pelo preconceito social em face de uma condenação penal.

A pena privativa de liberdade, já é, em si, por demais cruel e violenta, apesar de ser, em tese, o preço cobrado pela sociedade em face de um injusto penal. Grosso modo, pode-se afirmar que seu cumprimento, já é a medida suficiente para que o condenado pague a sociedade, pelos seus atos. Não sendo possível, que pessoas inocentes, sofram, pessoalmente, as conseqüências dessa condenação.

Desta forma, esse trabalho busca uma análise crítica dessa problemática, que é ser um parente próximo de um sujeito que comete um delito. Por fim com intuito de um reforço reflexivo fica a sugestão de se imaginar em algumas situações tais como: Qual seria sua reação ao saber que a pessoa que pretere um emprego na sua casa como empregada doméstica tem um marido preso? E se esta pessoa lhe informar que faz as visitações na penitenciaria periodicamente, ou seja, mantém contato direito com o mesmo. Você concederia o emprego? Passaremos agora a analisar outra situação hipotética: Você fica sabendo que o melhor amigo do seu filho tem o pai encarcerado pagando por um crime? Você ficaria tranqüilo? E se por algum motivo um de seus parentes cometesse uma ato ilícito tipificado e culminasse em condenação você iria fazer uma visitação numa penitenciária? Ou você acha que nunca estará abarcado na criminalização do direito penal com a quantidade de tipificações existentes?