REFLEXÃO SOBRE A LEI N. 9.613/1998: O ENFRENTAMENTO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E O COMBATE ÀS ORGANIZAÇOES CRIMINOSAS

Autores: Aparecida Cristina Rodrigues
Leonardo Monteiro Rodrigues
Sônia Rúbia de Matos Figueiredo


RESUMO

O presente artigo pretende tratar do tema: "Lavagem de Dinheiro", no que pertine à tipificação desse tipo penal, a partir da vigência da Lei n. 9.613/98, que tipifica a lavagem de dinheiro, bem como do crescimento e sofisticação de sua prática pelas chamadas "organizações criminosas", que acabaram por ocupar a mídia mundial, face à fragilidade do Estado nas políticas de combate a esse tipo de crime e vitimização da sociedade, refém do chamado "crime organizado". O combate internacional à lavagem de dinheiro inicia-se após a Convenção de Viena em 1988. Queremos abordar os esforços que têm sido feitos, para a criação de políticas de combate à lavagem de dinheiro no âmbito internacional e nacional, que teve sua primeira ofensiva, no Brasil, com a pacificação das comunidades tomadas pelo tráfico de entorpecentes na cidade do Rio de Janeiro, em 2010.
Há necessidade de orquestração dos esforços dos diversos países no combate à essa criminalidade transnacional, para que um combate efetivo a essa criminalidade possa se estabelecer, pois fica patente os desdobramentos nas relações econômicas, advindas dessa prática.

Sumário: 1 Introdução. 2 ´Lavagem de Dinheiro´ - Conceito e Origem histórica da Expressão. 3. A Evolução da Legislação. 4. A Lei Brasileira Contra o Crime de ´Lavagem de Dinheiro´. 5. O processo de Lavagem de Dinheiro. 6. Esforço do Governo brasileiro no combate a essa criminalidade. 7. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO

O título "lavagem de dinheiro" incorporou-se à cultura jurídico-nacional e é fartamente empregada pela mídia. A conduta é antiga, mas a tipificação só veio à tona em 1998, à medida em que a sociedade tornou-se refém da conduta, posto que por "lavagem de dinheiro", entende a ocultação de bens, direito e valores provenientes do crime. Constitui hoje um complexo e cambiante processo sócio econômico, ocorrente em quase todas as Nações do Mundo¹.
A escolha do tema diz respeito à sua danosidade social, capaz de desestruturar os mercados financeiros e desestabilizar a economia de um país, além de transformar a sociedade em refém do tráfico de drogas, dos roubos, seqüestros, da insegurança generalizada que assola esse gigante chamado Brasil.


CONCEITO E ORIGEM HISTÓRICA

Para tratar da origem histórica do termo, faz-se necessária a incursão num pequeno trecho da história dos Estados Unidos, primeiro país a tipificar a conduta.
Com a edição da 18 Emenda à Constituição Norte-Americana dá início à chamada época da "Lei Seca", a qual proibiu a fabricação, venda e transporte de substâncias entoxicantes, exceto as de comprovada utilidade medicinal. Inicia-se nesse período o crescimento das organizações mafiosas naquele país.
O termo money laundering foi usado judicialmente, pela primeira vez, nos Estados Unidos, em 1982, num caso em que se postulava a perda de dinheiro procedente do tráfico de entorpecentes. O termo era empregado até então, pelas organizações criminosas mafiosas que usavam lavanderias automáticas para investir dinheiro e encobrir sua origem ilícita.²
O objetivo não é somente ocultar a origem delitiva dos bens, direitos e valores, mas igualmente conseguir com que eles, já lavados, possam ser utilizados na economia legal.

A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO

Tem-se como marco, dentre os inúmeros instrumentos confeccionados, a Convenção das Nações Unidas ou Convenção de Viena, contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas em 1988.
Essa convenção exigia que os Estados contratantes incriminassem a lavagem de dinheiro procedente do tráfico de drogas, estabelecendo formulação detalhada de um tipo penal. No Brasil a Convenção de Viena foi ratificada através do Decreto n. 154, de 26.06.1991.
Igualmente importante nesse tema são as Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), criado em 1989 pelos sete países mais industrializados (G-7), para combater a lavagem de dinheiro. O Brasil é membro do GAFI a partir de 2000.
A Convenção de Palermo contra a Delinqüência Organizada Transnacional, em dezembro de 2000. Insistiu na criminalização das condutas de lavagem de dinheiro e ampliou o conceito de crime anterior, de forma a abranger a mais ampla gama possível de infrações penais, especialmente aquelas consideradas graves. A Convenção foi ratificada através do Decreto n. 231, de 30.05.2003.


A LEI BRASILEIRA CONTRA O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Na ordem jurídica nacional, o primeiro instrumento normativo surge em 03.03.1998, com a publicação da Lei n. 9.613, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos nela previstos e criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras ? COAF, além de outras providências. A Lei nº 9.613, de 03.03.1998, tipifica o crime de lavagem de dinheiro, estipulando pena de reclusão, de três a dez anos e multa, àquele que ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens provenientes, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, de tráfico ilícito de entorpecentes, de terrorismo e seu financiamento, de contrabando ou tráfico de armas, de extorsão mediante seqüestro e de crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira. Já no inciso VII do artigo 1º, criminaliza a ocultação de valores obtidos através de quaisquer crimes praticados por organização criminosa. Essa lei teve por finalidade política, contribuir para o combate sistemático de algumas modalidades mais freqüentes da criminalidade organizada em nível transnacional e é a execução de compromissos internacionais assumidos pelo país, a começar pela Convenção de Viena.

O PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Entende-se por lavagem de dinheiro o processo composto por fases realizadas sucessivamente, que tem por finalidade, introduzir na economia ou no sistema financeiro, bens, direitos ou valores procedentes dos crimes previstos no art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/98.
O modelo de GAFI, por sua simplicidade, conta com boa aceitação:
I ? colocação/introdução ? visa introduzir as grandes quantidades de dinheiro em espécie, oriundas de atividades ilícitas, no sistema financeiro. Esta é a fase mais arriscada para os lavadores, em razão da proximidade do dinheiro com sua origem ilícita;
II ? ocultação/transformação ? tem por finalidade dissimular a origem desses valores, de modo que a procedência deles não seja identificada. Depois das diversas operações que são comuns nesta fase, começam a surgir dificuldades para se apurar a origem desses valores;
III ? integração ? os bens, direitos ou valores de origem delituosa, já com aparência lícita, em razão do sucesso nas fases anteriores, são introduzidos novamente nos sistemas econômico-financeiro.
A terceira é a fase mais difícil de se apurar e identificar os responsáveis. É claro que nem todos os crimes passam literalmente por essas fases, o que não diminui o mérito desse estudo, pois empresta lógica e coerência à prática desse crime.


A PRÁTICA DESSE CRIME NO BRASIL: SEUS PRINCIPAIS VETORES

A lavagem de dinheiro no Brasil, passa pelo tráfico ilícito de drogas e entorpecentes. A história se repete, com outro enredo, a proibição parece ser a mola-mestra para obtenção de lucros incessantes, por essas organizações criminosas. A indústria do tráfico é transnacional e movimenta milhões de reais por dia. Perdemos todos: o sistema financeiro, tributário, a sociedade.
Alguns exemplos de lavagem de dinheiro podem ser dados: fraciona-se grande quantia em quantias menores; troca-se a moeda, comprando dólares em pequenas quantidades, em locais turísticos, utiliza-se muito de empresa de fachada.
O crime não se sustenta sem uma empresa de fachada que permita mudar a origem ilícita do dinheiro.
Na fase da ocultação realizam inúmeras operações financeiras, de um banco para o outro ou para várias pessoas e países diferentes, responsáveis pela movimentação de milhões de dólares em transações internacionais.
Outro método é a venda fictícia de ações na bolsa de valores (vendedor e comprador, previamente ajustados, fixam um preço artificial para as ações de compra).
Outro foco é o mercado imobiliário, um dos mecanismos mais empregados.


ESFORÇO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO NO COMBATE A ESSA CRIMINALIDADE

Ao publicar a Lei n. 9.613/98, a lei contemplou ampliou o conceito de bens ao tratar separadamente desses, dos direitos e valores; contemplou tanto o dolo direto quanto eventual ao tratar das condutas tendentes a ocultar e dissimular a origem espúria do dinheiro; e ainda abarcou as mesmas condutas relacionadas aos delitos antecedentes, o que é de extrema importância, pois sem os antecedentes o crime de lavagem de dinheiro não se consuma; seguiu o legislador pátrio a mesma orientação de legislações estrangeiras. A lei ainda agravou a habitualidade da prática do crime e inseriu a delação premiada, dando poderes ao juiz para inclusive, conceder perdão judicial àqueles que, sendo integrantes das organizações, colaborem espontaneamente com a justiça. Nesse tipo de crime a quebra da confiança que mantém tais organizações constituem brechas das organizações que podem ser bem aproveitadas para a captura dos integrantes e apreensão dos bens.
Como efeitos da condenação, prevê a lei a perda de bens, direitos e valores adquiridos através da prática desse crime.


CONCLUSÃO

Já avançamos ao tipificar a conduta, mas ainda há necessidade de combate efetivo aos delitos que fomentam essa atividade lucrativa, que envolvem, seqüestros, roubos, extorsões, tráfico ilícito de drogas e entorpecentes, tráfico de pessoas, corrupção de funcionários públicos e agentes políticos, além de desestabilizar o sistema financeiro-econômico e fraudar as receitas.
Entretanto trata-se de crime altamente rentável que requer, o esvaziamento do lucro como condição imperativa de seu combate.
A propósito, citamos as palavras do Ministro Gilson Dipp, que presidiu a Comissão de Estudos sobre crime de lavagem de dinheiro, do Conselho de Justiça Federal:
"Não se duvide que a escalada do crime organizado existente hoje no País esteja diretamente ligada ao crescente poder econômico obtido pelas diversas associações criminosas. A indústria da "lavagem" de dinheiro tem sido fundamental para que o crime organizado prospere e anule a possibilidade de reação dos setores estratégicos do Estado, alguns já inócuos, inoperantes ou omissos. A espinha dorsal de toda e qualquer organização criminosa é o dinheiro obtido com sua atividade espúria. É necessário perseguir esses recursos financeiros e apreendê-los. Descapitalizar imediatamente essas organizações criminosas constitui tarefa essencial para o departamento do crime. Assim como uma empresa sem recursos tende a falir, o crime organizado sem capital de giro desorganiza-se e quebra. O combustível dessas organizações é o dinheiro reciclado que circula pelo mercado financeiro, mediante complexas e diversificadas operações, retornando depois de completado o ciclo, em escala maior, para alimentar o crime." [3]
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REFERÊNCIAS:

1. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

2. BONFIM, Márcia Monassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de Dinheiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

3. Apresentação do relatório da Comissão de Estudos sobre crime de "lavagem" de dinheiro. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/comiss%E3o.pdf.