A Carta da Terra

Li e reli várias vezes. Não consegui imaginar além do óbvio, do bom senso; nem compreender os valores que tão lindo texto motivaram.

Poder político, poder econômico... Que poderes valem um preço tão alto?

Do egoísmo profundo, a morte, isenta a responsabilidade dos parvos que não entende nem de vida e muito menos de morte e arvoram-se em serem os responsáveis pela estabilidade das sociedades, de patrocinarem as mais relevantes conquistas tecnológicas e pensam que dominaram os segredos da vida. Ah! Se soubessem das fragilidades de Davos diante das intempéries climáticas!

Terra! Planeta único! Morada da vida que se interliga, que interage em fragmentos de energia e felicidade; cenário vivo no qual tudo se mexe, tudo é dinâmico, tudo é colorido, tudo é belo. Aconchego do lar é a casa de nossas vidas, a segurança do nosso ser. Todo o conhecimento humano está ligado a Terra por um indissolúvel cordão umbilical, pois a Terra é o útero de toda á vida, é nela que são gestados todos os saberes, todas as ciências.

Terra mãe, grávida de seres, de vidas, de não vidas, de saberes, de poesias que enternecem o cosmo e ecoam por todo o universo ao encontro da face materna criadora, numa expressão, tão simples, mas tão rica, de comunhão embevecida por tanta beleza, tanta vida.

O universo lamenta e astros se constrangem com o prenúncio da morte do mais belo dos planetas, morte sem causa cósmica, provocada pela valorização de metais, papéis, poderes, autoridades, que sucumbirão antes mesmo que a agonizante Terra se acabe.

Consumidores vorazes de seus próprios dejetos atirados nas bacias fluviais que fornecem a água que bebem e irrigam os vegetais que comem. Parece que nascemos para consumir compulsivamente, de tal forma, que comemos os próprios dedos durante as degustações avassaladoras se simples caviar, que o caiçara paulista, de maneira simples e rotineira mistura com farinha para rechear a tainha que lhe servirá de almoço.

E o nosso sertão nordestino, terra de cabras macho, sobreviventes contumazes, artífices boiadeiros, nos dias atuais utilizam no manejo da boiada a Honda Jegue, poluindo o ar com a queima de gasolina e óleo, desfigurando a cultura popular num pragmatismo espúrio e sem sentido, inócuo, tolo. E os jegues? São vendidos clandestinamente para fabricas de salsichas financiando a manutenção das motocicletas.

Nietzsche escreveu corajosamente sobre a morte de Deus compondo, provavelmente, a mais dura e certeira crítica à religião da forma. O diabo não teve a mesma sorte, morreu sem ser criticado por ninguém de infarto agudo do miocárdio, isso em conseqüência de obesidade mórbida e diabetes. Também, "o bicho ruim" não evoluiu tecnologicamente, não buscou um MBA, não entendia nada de economia e acabou não resistindo ao poderio neoliberal americano, caindo em profunda depressão que o levou a completa inutilidade. O golpe fatal foi a ALCA, "o coisa ruim" não sabia nem para quem torcer e ficou aturdido quando um diplomata americano, ouvindo uma de suas sugestões, perguntou-lhe se ele estava ali para trabalhar ou para fazer caridade. Mas o óbito só aconteceu tempos depois, com a eleição do Bush. O "caramulhão" ia se enforcar, mas não deu tempo, enfartou.

É hora de fazer o caminho de volta, de olhar a Terra como uma dádiva divina para a gestação e manutenção da vida e que não existe nada mais precioso do que a própria vida. De compreender que a felicidade e a essência da vida não estão no consumo, nem no ter, mas na comunhão e no ser.

Diz-nos o poeta Marcus Viana:

"O Arquétipo do Sagrado Coração assim se manifestou e viemos a entender a coroa de espinhos como o próprio processo dual da natureza. Numa visão primitiva seria o Bem e o Mal, Deus e o Diabo, o Ódio e o Amor, a Ignorância e o Conhecimento. Porém ao mergulhar mais fundo, além do apego às formas racionais, vimos o Tudo e o Nada; a Eletricidade e o Magnetismo, o Positivo e o Negativo, o Yang e o Ying, a Noite e o Dia, o Homem e a Mulher, o Pai, a Mãe. E no centro, o fruto do Amor das duas forçasentrelaçadas do universo: o filho, a força neutra, a criação. O Coração".

E completa com esta belíssima canção:

 

Quando os corações dos puros amam

Cala a imensidão, o espaço

E a eternidade ergue seu véu

 

Todas as coisas vivas se aquecem

Todos os olhos se iluminam

Com a luz de um outro céu

 

Corações selvagens

Quando batem de paixão

Acordam toda natureza

Fazem a vida renascer

 

Florestas que queimaram

Voltam a se vestir de verde e flor

E as fontes que secaram

Ressuscitam ribeirões

 

Corações selvagens

Quando ardem em paixão

Incendeiam a noite, o tempo

E cegam sóis

 

Estrelas são as lágrimas dos anjos

A chorar

Por não terem o corpo e a vida

E não saberem o que é amar

 

Amor Selvagem - Marcus Viana

Jesus Cristo nos deixou uma única receita de vida: "Ame a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo". Amar-nos não é egocentrismo, é ter uma profunda convicção do que somos; do útero da mãe Terra, que nos acolheu com ternura divina em nossa gestação e nos acolherá, com a mesma ternura divina no momento de nossa última possibilidade de ser-humano.

Amor, fraternidade, cuidado, comunhão com Deus. São os elementos da nossa esperança transcritos na Carta da Terra, ou melhor, na carta para a Terra.