Reflexão Retrospectiva – na aula de inglês do Ensino Público Fundamental.

Você terminou a faculdade de letras e... vai lecionar inglês para o ensino fundamental da escola pública, nossa! Como você é uma pessoa que possui um grande desejo de transformar a realidade, é claro que você vai se dar bem, apesar das condições encontradas. As faculdades estão por toda parte; todo o dia aparece uma nova. Estando todos os dias na escola, na sala de aula, tenho visto meus jovens colegas chegarem, ansiosos, com quinhentas dúvidas, pouco preparo e nenhuma experiência. E infelizmente ainda encontro aqueles que iniciam o ano passando o verbo to be na lousa e depois anoto a observação de uma criança que me diz: “Ele já ensinou o verbo to be.” Deve estar faltando um pouco mais de didática, mais contato com a realidade durante o treinamento..

Espero que minhas análises e reflexões possam ajudá-los de alguma forma, afinal quando comecei a lecionar para o ensino fundamental há vinte anos, não esperava encontrar tanta falta de motivação por parte dos adolescentes para aprender inglês. Não enfrentei logo de imediato o problema de dificuldade de aprendizagem; enfrentei a desmotivação, o que para mim parecia preguiça.

Em 2013, assumi pela primeira vez o ensino de inglês para a quinta série (sexto ano) do Ensino Fundamental para verificar e analisar detalhadamente porque os alunos da escola na qual leciono chegam à oitava série (nono ano) sabendo tão pouco do que foi ensinado nas séries anteriores. Até então só tinha lecionado para sexta série (sétimo ano) em diante. Em 2014, viajei para os Estados Unidos para participar do PDPI, ou seja, Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores de Língua Inglesa nos Estados Unidos. Estando bem longe de casa, aprendendo um pouco mais sobre como ensinar inglês, pude passar mais tempo refletindo sobre as questões que enfrento no dia a dia na sala de aula.  O bom de fazer cursos como esse é que além de acrescentar algo novo ao seu conhecimento profissional ajudam você a lembrar de estratégias interessantes que ficaram escondidas em um canto da sua memória universitária.

Devido à minha necessidade de responder dúvidas construídas na rotina da sala de aula pude concentrar-me totalmente no curso realizado na Universidade do Arizona, enquanto elaborava estratégias, com base nos dados colhidos na minha rotina escolar e nas orientações dos professores americanos. Entre vários aspectos estudados, analisados e discutidos nesse curso, o primeiro fator que chamou atenção para o meu desenvolvimento profissional foi a questão do Ensino Reflexivo; aquele que analisa a si mesmo ininterruptamente.  

De acordo com Murphy (2001) o propósito do Ensino Reflexivo é expandir o repertorio de estratégias do professor de línguas, além de trazer compreensão e qualidade para as nossas ações.   Tendo em mente estas reflexões (entre outras) procurei construir a motivação nas minhas aulas de inglês no ano de 2014 desta forma:

  • Criando relatórios semanais sobre aspectos relevantes, e a princípio irrelevantes, sobre aulas dadas;
  • Identificando reações intrigantes dos alunos em relação à determinada atividade;
  • Construindo permanentemente a consciência sobre o processo ensino-aprendizagem;
  • Registrando mudanças significativas no comportamento dos alunos em relação à assimilação do conteúdo apresentado.

A elaboração dos relatórios conduz nossa mente para uma reflexão mais profunda, conecta-a aos sinais, positivos ou negativos mais imperceptíveis que ocorrem no processo ensino-aprendizagem. Ajuda-nos a encontrar atividades que realmente colaborem com a aquisição de conhecimento relativo à matéria, que façam o aluno descobrir de que forma ele pode aumentar seu vocabulário da língua inglesa, trabalhando individualmente ou em grupo, questionando a sua própria aprendizagem: “O google tradutor pode realmente me ajudar a aprender alguma coisa de inglês, ou eu estou apenas copiando? Quais palavras aprendi com o vídeo do youtube sobre bullying? Eu sei mesmo a pronúncia de alguma dessas palavras? Professora, minha pronúncia está correta?”.

Após dois anos com uma mesma turma de seis classes (sétimo ano), pude observar alunos que no ano anterior não faziam nada, além de copiar. Comecei a colher os frutos da minha reflexão. Alguns passaram a apresentar bons trabalhos que fizeram individualmente, explicando como fizeram (porque não tinham crédito de sua turma), simplesmente porque estavam motivados, envolvidos pela energia ativa da sala, não porque precisavam da nota para ser aprovados, já que no nosso estado o aluno não pode ser retido por notas nessa série. 

O Ensino Reflexivo é um auxílio para abrirmos caminho na tempestade, já que temos salas com trinta e cinco a quarenta alunos no dia a dia, estudantes esses que, em sua maioria, valorizam a matéria de português e matemática, mas não entendem o motivo pelo qual precisam estudar inglês, ainda mais se o material utilizado for giz, um quadro negro e um caderno de exercícios. Por isso, temos que explorar as inovações que estiverem ao nosso alcance. Lecionamos para a geração da tela, é assim que eu os chamo, e sem a tecnologia com a qual eles estão acostumados o tempo todo fora da escola, não conseguiremos motivá-los, e isso vale para qualquer disciplina.

Das ferramentas apresentadas por Murphy (2001) para iniciar o Ensino Reflexivo, o Registro Retrospectivo de Campo é o mais tranquilo pelo fato de você estabelecer um compromisso, um horário consigo mesmo e não depender de outras pessoas durante a sua elaboração.   Neste tipo de registro, o professor não faz anotações como aquelas que são feitas nos diários de classe; sequenciais, frias, que descrevem o conteúdo ensinado, ou até mesmo a estratégia. O Retrospective Field Notes, como o autor o chama, é um diário no qual o foco está nos acontecimentos referentes ao curso.  No uso que fiz desta ferramenta as reações, emoções e atitudes dos alunos durante e após a realização das atividades foram primordiais. Estas eram as peças-chave para a elaboração da sequência do curso: “Hoje a aula é na sala de projeção? Hoje tem  desenho animado ou música? Vamos usar o livro hoje? Gente, é a primeira vez que esses meninos apresentam um trabalho de inglês!”. 

Para que esse trabalho de análise seja bem sucedido, Murphy (2001) recomenda que suas impressões mais relevantes sobre o desenvolvimento das atividades sejam anotadas trinta ou sessenta minutos após o término da mesma a fim de se evitar perda de informação, deve-se manter a disciplina sobre a produção do relatório, submetê-lo à análise após um período de tempo mais longo e verificar aquilo que o texto revela sobre nossa prática em sala de aula.

Em muito me tem ajudado essas informações a respeito das atividades desenvolvidas com meus alunos do ensino fundamental de inglês. Nestas anotações encontro, soluções para questões da sala de aula que parecem simples, mas que podem significar uma porcentagem maior de desempenhos positivos e reais numa semana, bimestre ou ano seguinte. Atividades que foram um sucesso, que empolgaram e animaram a maioria, atividades que não deram certo, exercícios que atraíram até mesmo os alunos que não costumam participar das aulas, tipos de avaliações que foram  mais inclusivas; com mais oportunidades. E assim, vou criando uma galeria de ideias e atividades que deverão ser sempre lembradas e repetidas (ou não) nos planos de aula vindouros. Além do mais, no final de um ano de trabalho não consigo me lembrar de todas usando apenas a minha memória.

Meus registros retrospectivos de 2014 apontaram a utilização da internet como o fator que mais propiciou o melhor rendimento de duas classes participantes desse trabalho de análise.  As outras salas, com menor rendimento  tiveram menos oportunidades de realizar atividades em grupo com o auxílio da internet na escola. Mas deixo este assunto para um próximo artigo.

                                                                         

Referências

Murphy, John M. Reflective Teaching in ELT . Teaching English as a Second or Foreign Language (3rd ed.), Celce-Murcia (editor), 2001. 

Ryan. R  and Deci. E. Intrinsic and Extrinsic Motivations: Classic Definitions andNew Directions - Contemporary Educational Psychology 25, 54–67 (2000) doi:10.1006/ceps.1999.1020, available online at http://www.idealibrary.com on

Ushioda, E. and Dornyei, Z. (2009) 'Motivation, language identities and the L2 self: a theoretical overview', in Motivation, language identity and the L2, 1- 8, Editors: Dörnyei, Z. and Ushioda, E. (9781847691286) Bristol: Multilingual Matters