I - INTRODUÇÃO

As principais causas que determinam o aumento alarmante da criminalidade infantil e adolescente em nosso País não se alteraram muito com o decorrer dos anos. Dentre elas, destaca-se, o problema social que, já há muito, agride a maioria da população brasileira, haja vista os altos níveis de miséria e pobreza em que vivem os brasileiros, ocasionando o aumento, cada vez maior, do número de menores abandonados nas ruas das cidades, sobretudo nos grandes centros, onde o crescimento demográfico salto aos olhos. Basta ver que o grande contingente de menores que cometem atos infracionais encontra-se entre aqueles de baixa ou nenhuma renda, comprovando que a questão econômica é o carro chefe da origem e do aumento da criminalidade, não só menorista, mas da criminalidade em geral.

O menor sofrido, já nos primeiros dias de sua vida, é carente dos mais básicos dos seus direitos, que é a alimentação. Esta carência já determina o que será do menor em termos de funcionamento cerebral, uma vez que, a subalimentação ou desnutrição na infância, na maioria das vezes, já condena o indivíduo para o resto da vida a uma situação de inferioridade intelectual, que o levará, sem dúvida alguma, a enfrentar dificuldades de enquadramento sócio-econômico, marginalizando-o.

Todavia, esta marginalização não pára por ai, nem mesmo decorre somente deste fator integrante da questão social. Esta, ao contrário, integra vários outros fatores, vinculados à família do menor, tais como, desemprego, baixa ou nenhuma renda, falta de moradia ou em condições subumanas, mendicância, etc. Estes fatores levam, na maioria das vezes, os pais dos menores a adquirirem vícios, sobretudo do álcool, e a desenvolverem comportamentos nada aconselháveis ao desenvolvimento de uma criança, como violência para com os filhos, seja ela moral, física ou sexual.

O número de menores que sofrem violência dos pais, desde a infância, é alarmante, merecendo uma profunda análise da sociedade e das agências de governo, que não podem mais se abster de aceitar este problema como uma das causas principais do aumento da criminalidade menorista. Além disso, estudos psiquiátricos e psicológicos comprovam que, frequentemente, os menores agredidos pela violência da família transmitirão esta violência para seus filhos, gerando um círculo vicioso, que contribui para transportar esta violência para as ruas.

As causas da criminalidade menorista, entretanto, atravessam os problemas de ordem sócio-econômico, alcançando, sobretudo, famílias que não sofrem destas carências. Entre elas, encontramos a principal que é a permissividade dos pais, que não impõem limites de ordem disciplinar ao menor, criando verdadeiros transgressores da ordem social.

Existem ainda outras causas, destacando-se a instabilidade emocional, problemas de ordem psíquica, interesse nocivo por certas coisas como jogos de fliperama, que acabam viciando o menor desde criança, falta de educação ou de atenção dos pais, crise conjugal dos pais, desestrutura familiar, precedente infracional familiar, ócio e tédio, influência dos meios de comunicação, que levam ao menor imagens de violência, sexo, drogas, de maneira explícita e chocante, embutindo-as no mesmo que, sem possibilidade mental de filtrá-las, acaba por absorvê-las psicologicamente como algo normal.

Outro problema, que acaba por agravar a situação, é a limitação constitucional ao trabalho do menor, prevista no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal, uma vez que impede os menores carentes de trabalhar, dificultando, inclusive, a realização de programas de cunho social por entidades ligadas à questão do trabalho, como SENAI, SENAC, etc. Tal dispositivo deveria ter regulamentado melhor o tema, uma vez que o Brasil é um país subdesenvolvido, com um enorme contingente de menores carentes. Isto, infelizmente, acaba por institucionalizar o ócio, vez que a maioria dos menores nesta situação não freqüentam escolas. Além disso, o trabalho do menor regulamentado não traria prejuízos à educação, ao contrário, serviria também como um excelente aprendizado.

Por fim, hoje em dia, uma grave causa dessa criminalidade, que é decorrente ainda do problema social, é o aliciamento de adolescentes e crianças pelos maiores para a prática de atos infracionais, formando verdadeiras "quadrilhas de menores", aproveitando da inimputabilidade daqueles, sobretudo no caso de tráfico de drogas.

Todavia, podemos ficar aqui procurando limitar todas as causas do problema da origem e do aumento da criminalização menorista e não teremos condições de esgotá-las, em razão de serem inúmeras, impossibilitando estas citadas de serem taxativas, mas, tão somente, exemplificativas, traduzindo-se, entretanto, entre as principais.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MAIORIDADE PENAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Quanto à questão da menoridade penal propriamente dita, temos que a nossa legislação não adotou, desde o princípio, o limite de 18 anos para a inimputabilidade penal e nem, tão somente, o critério puramente biológico para determiná-la.

Deste modo, inspirado no Código Penal Francês, o Código Criminal do Império de 1830 adotou o sistema do discernimento, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos, sendo que, os menores abaixo desta idade poderiam ser considerados penalmente responsáveis se agissem com discernimento, utilizando-se, assim, o critério psicológico para determinar a imputabilidade ou não, podendo ser submetidos a quaisquer espécies de pena, inclusive a prisão perpétua.

Já o Código Penal Republicano, de 1890, determinava a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade completos, sendo que os maiores de 9 e menores de 14 anos estariam submetidos à análise do discernimento, critério este que sempre foi um verdadeiro enigma para os aplicadores da lei.

A Lei Orçamentária de 1921 acabou por revogar aquele dispositivo do Código Penal Republicano, tratando, já por motivos de política criminal e de natureza criminológica, de forma diversa a questão da menoridade penal, estabelecendo a inimputabilidade dos menores de 14 anos e o processo especial para os maiores de 14 e menores de 18 anos de idade.

Em 1940, com a adoção do novo Código Penal que, até os dias de hoje encontra-se em vigor com as alterações da parte geral trazidas pela Lei 7209/84, o legislador adotou o critério puramente biológico, no que concerne à inimputabilidade em face da idade, estabelecendo-a para os menores de 18 anos, traduzindo-se, assim, como uma exceção à regra, ou seja, o método bio-psicológico, que prevalece no caso das demais espécies de inimputabilidade previstas naquele Código.

Em 1969, tivemos uma brevíssima vigência de outro Código Penal que, em seu art. 33, estabelecia o retorno do critério bio-psicológico, possibilitando a aplicação de pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, desde que o mesmo entendesse o caráter ilícito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com este entendimento.

Este Código, todavia, entrou em vigência num dia, perdendo-a no outro, retornando a menoridade penal aos moldes do estabelecido pelo de 1940, ou seja, aos 18 anos de idade, sujeitando os menores à legislação especial, hoje a Lei 8079/90.

Importante frisar que várias legislações adotam este limite de idade, tais como Áustria, França, Colômbia, México, Peru, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Holanda, Tailândia, Argentina, Cuba, Venezuela, Irã, Turquia, Equador, Luxemburgo e República Dominicana, de acordo com orientação dada pelo Seminário Europeu de Assistência Social das Nações Unidas, realizado em Paris – 1949, como veremos mais detalhadamente no capítulo subseqüente.

1. 1 Alguns dados históricos da legislação da criança e do adolescente em conflito com a Lei no Brasil

Com isto, temos a preocupação com a situação penal especial do menor desde o período imperial, apesar da primeira legislação brasileira a tratar do tema ter apenas entrar em vigos em 1921, com a Lei Orçamentária nº. 4.242, que trazia disposições típicas de um Código de Menores, onde definia o abandono, a suspensão, a perda do pátrio poder e determinava a utilização de procedimentos especiais.

Todavia, embora esta legislação tenha sido a primeira sobre o assunto, outros projetos, de autoria de Lopes Trovão (1902) e Alcindo Guanabara (1906 e 1917, este último tratando da inimputabilidade dos menores entre 12 e 17 anos), estiveram presentes em nosso cenário legislativo.

Após aquela Lei Orçamentária de 1921, o Direito Menorista no Brasil ganhou vulto, passando a ser regulado pelo Código de Menores de 12 de outubro de 1927, modificado pela Lei 5.228/67, esta última alterada pela Lei 5.539/68, ambas já na vigência do Código Penal de 1940, que limitou a menoridade penal aos 18 anos.

Em 1979, foi promulgado o novo Código de Menores, Lei 6697/79, exatamente no Ano Internacional da Criança, tendo vigorado até 1990, quando da promulgação da Lei 8.079/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, vigorando até os dias de hoje.


2 – DIREITO COMPARADO: a maioridade penal pelo mundo e a realidade brasileira

Com a justificativa de que “a medida já é adotada no mundo inteiro” e de que os menores “são utilizados pelo crime organizado para acobertar as suas ações”, e ainda mais depois dos recentes episódios do caso do menino Hélio, o Congresso Nacional voltou a discutir a alteração da menoridade penal, retirando a previsão de inimputabilidade para menores de 18 anos e delegando a questão à lei específica que estabeleça um novo limite etário, levando em conta “os aspectos psicossociais do agente”. O deputado e ex-coronel Alberto Fraga vai ainda mais longe e sugere que a idade limite deva ser fixada aos 11 anos de idade. Não está longe o dia em que algum parlamentar, preocupado com a delinqüência juvenil, proporá emenda sugerindo a internação imediata de todos os recém nascidos de famílias pobres, cuja soltura eventual ficará condicionada ao exame de suas características psicossociais.

Das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Já Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática. Enquanto nos EUA e Inglaterra a juventude tem assegurada condições mínimas de saúde, alimentação e educação, nos demais países – como o Brasil – isto está longe de acontecer. Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Por outro lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil, este pressuposto é totalmente falso: em todo o país, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana - esquecendo-se da qualidade de vida que os jovens desfrutam naqueles países. Que o Estado assegure primeiro as mesmas condições e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em responsabilidade individual e alterar a lei.

Não se argumente que o problema da delinqüência juvenil aqui é mais grave que alhures e que por isso a punição deve ser mais rigorosa: tomando 57 países da pesquisa da ONU como base, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar, em virtude das carências generalizadas dos jovens brasileiros. No Japão, onde os jovens tem mais que o mínimo necessário a sua existência digna, os jovens representam 42,6% dos infratores e ainda assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.

É típico da estrutura do pensamento conservador argumentar em abstrato e jogar a discussão para o plano da responsabilidade individual, como se as pessoas e suas “características psicossociais” pairassem no vácuo. Uma análise superficial da origem dos infratores é suficiente para mostrar como “responsabilidade” e “moralidade” estão longe de ser atributos distribuídos aleatoriamente pela sociedade.

Rebaixar a idade penal para que os indivíduos com menos de 18 não sejam utilizados pelo crime organizado equivale a jogar no mundo do crime jovens cada vez menores: adote-se o critério de 16 e os traficantes recrutarão os de 15, reduza-se para 11 e na manhã seguinte os de 10 serão aliciados como soldados do tráfico.

A idéia de que a medida tem um impacto intimidatório e que contribuiria para diminuir a criminalidade não se sustenta, pois a cadeia já se demonstrou punição insuficiente para refrear aos adultos. Ao contrário, a experiência precoce na cadeia contribuirá para aumentar ainda mais a criminalidade uma vez que a taxa de reincidência no sistema carcerário é superior a taxa nas instituições juvenis.

Em resumo, além de imorais numa sociedade excludente como a brasileira, os argumentos da universalidade do rebaixamento e de que a medida contribuiria para reduzir a criminalidade ou o crime organizado são equivocados. Responsabilizar diferentemente um jovem de 17 e outro de 18 anos por atos idênticos é uma opção de política criminal adotada na maioria dos paises desenvolvidos, que procuram oferecer oportunidades diferenciadas para que o jovem supere o envolvimento com o crime. Não se trata de sua capacidade de entendimento e sim da inconveniência de submetê-los ao mesmo sistema reservado aos adultos, comprovadamente falido. Baixar a idade penal é baixar um degrau no processo civilizatório. Ao invés disso, propomos aumentar as oportunidades que a sociedade brasileira raramente concede aos seus jovens, principalmente de um esforço preventivo que é a educação de qualidade.

A imprensa tem realizado intenso trabalho sobre a crescente violência do País, que vem mobilizando policiais, agências de governo, sociedade, no afã de tentar minimizá-la. Afirmar que os adolescentes que cometem infrações graves não são punidos ou responsabilizados é permitir que a mentira, tantas vezes afirmada, transforme-se em verdade. Não se pode condenar o Estatuto, que contempla a medida sócioeducativa, dando todas as condições legais para a sua aplicabilidade. O problema é que o Estado não está aparelhado para recebê-las, pois, embora existam os projetos, os governantes fogem dos mesmos.

Com isto, verificamos que a questão é muito mais complexa que uma medida de redução da maioridade penal. É um problema estrutural, que demanda profundas mudanças sociais e uma vontade política de realizá-las sem tamanho. Não se querer combater o efeito sem combater a causa.

Assim, a redução da maioridade penal, hoje aos 18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos, somente irá deslocar aquela violência que concentrava entre as duas idades para a faixa etária situada abaixo dos 16 (dezesseis), pois não há qualquer dúvida de que o problema da criminalidade infanto-juvenil irá perdurar enquanto não combatermos a suas causas.

A discussão em torno da idade penal mal toca, na verdade, na necessidade do enfrentamento da grave questão da marginalidade precoce. O último levantamento do Departamento da Criança e do Adolescente, do Ministério da Justiça, indica que o Brasil tem 20.352 adolescentes infratores, entre 12 e 20 anos, cumprindo medidas sócioeducativas. Desse total, 7.150 estão cumprindo pena internados, sendo que 35% deles estão no estado de São Paulo. É preciso que se diga que 90% dos crimes no Brasil são cometidos por adultos e que, dos 10% dos crimes cometidos por jovens, 73,8% das infrações atentam contra o patrimônio e, destas, 50% são furtos. Somente 8,46% dessas infrações atentam contra a vida.

Remeter para a prisão o jovem que ainda tem condições de modificar o seu comportamento, por meio de medidas pedagógicas, é retirar do mesmo qualquer condição de se ressocializar, pois, é sabido e notório que a penitenciária é exemplo de marginalização e de criminalidade, condenando quem ali esteve presente a ser, para o resto da vida, um criminoso pior do que quando foi condenado.

O jovem de 16 (dezesseis) anos que for condenado a passar um ano dentro de uma prisão sai de lá, sem dúvida alguma, muito mais perigoso que entrou, pelo contato com criminosos de alta periculosidade, aumentando, ai sim, o seu potencial agressivo. E, o que é pior, a redução irá alcançar basicamente os carentes e abandonados, pois são eles que sofrem com a causa social. Raros serão os casos de adolescentes abastados nas prisões, com acontece com os adultos.

Sob o aspecto social, resta ao Estado e à sociedade tomar consciência de que a questão está em combater as causas da marginalização e da criminalidade infanto-juvenil e não os seus efeitos, uma vez que estes, sem solucionar aquelas, perdurarão. Como exemplo disto, temos a Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, aumentando, com vigor, a penalização dos mesmos. Vejamos, eles diminuíram ou cessaram? Ao contrário, continuam a assustar a população, estando hoje absolutamente em voga em nossos jornais e revistas.

E sob o aspecto jurídico-penal o problema está em tornar eficaz o estatuto da Criança e do Adolescente, através de uma ação contundente do estado, aparelhando-se para, enfim, recebê-lo e entender o seu caráter pedagógico com única forma de ressocializar e reeducar o jovem infrator. Cabe ao Estado voltar-se para o problema e tornar pleno o cumprimento da medida sócio-educativa, com a destinação de verbas suficientes para tal, e a sociedade cobrar esta ação, pois é a inércia estatal que gera a crença de que o menor é impune.

Deste modo, não é o Estatuto que provoca a impunidade, mas sim a falta de ação do estado. Ao contrário, trata-se de uma legislação moderna, que se afina com as tendências internacionais, não só de proteção ao menor, mas de sua repressão quando se tornar infrator, observando as garantias constitucionais e o devido processo legal.

Concluindo, pois, a inimputabilidade apenas impede o menor de se sujeitar ao procedimento criminal comum, com aplicação de penas, não significando, porém, que o mesmo é irresponsável por seus atos, uma vez que existe uma legislação especial sujeitando-o à aplicação de medidas sócioeducativas, entre elas, até mesmo, a de privação de liberdade com a internação.

3 – AS PROPOSTAS DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. ASPECTOS CRÍTICOS.

3.1 - As propostas legilativas

Muitas têm sido as propostas apresentadas nas Casas Legislativas, sendo que não haveria como tratar de todos estes trabalhos nesta abordagem. Portanto, será dado destaque apenas a algumas dessas propostas a título exemplificativo, às quais, consideramos como mais importantes dentre os diversos tipos de manifestação dos legisladores.

Dentre os trabalhos mais antigos, pode-se destacar o Projeto de Emenda Constitucional nº 171/93, da autoria do Deputado Benedito Domingos e outros, que pretendia alterar o art. 228 da Constituição Federal para reduzir a 16 anos a inimputabilidade penal.

No ano de 2004, foram apresentados dois projetos importantes que merecem destaque, quais sejam, a proposta de Emenda a Constituição nº 242/2004, do Deputado Nelson Marquezelli, que visava a alteração do art. 228 da Constituição, para instituir a menoridade penal como sendo no limite de 14 anos, enquanto que, a proposta de Emenda à Constituição nº 272/2004, de autoria do Deputado Pedro Corrêa, pretendia alterar este mesmo artigo do diploma constitucional, para estabelecer em 16 anos a maioridade penal.

Já em 2005, foi apresentado um projeto de Decreto Legislativo nº 1579/2005, pelo Deputado Luiz Antônio Fleury, que trazia a proposta da realização de plebiscito a fim de se consultar a população sobre a necessidade de se adequar a maioridade penal reduzindo-a para a idade de 16 anos.

Dentre os mais recentes, destaca-se o Projeto de Lei nº 189/2007, do Deputado Carlos Alberto Leréia, que sugere o acréscimo de um parágrafo único ao artigo 27, do Código Penal Brasileiro, para que em caso de crimes hediondos, menores de 18 anos sejam considerados imputáveis. E o Requerimento n° 05/2007, feito pelo Deputado João Campos à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, objetivando a promoção de um seminário para discutir o tema "Redução da Maioridade Penal e Medidas Sócioeducativas".

3.2 – A Influência da Mídia. Propostas com soluções aparentes.

Percebe-se claramente que, está aumentando a ocorrência de condutas delituosas por indivíduos que se encontram abaixo da faixa etária estabelecida na legislação brasileira como o limite para se aferir responsabilidade penal.

No entanto, não há uma preocupação verdadeira em buscar solucionar tal fato. Em verdade, o Poder Legislativo do Brasil tem se limitado apenas a demonstrar prováveis soluções através da alteração das normas que estabelecem o limite de 18 anos, como sendo a maioridade penal.

Ocorre que, tais propostas objetivando reduzir o limite de imputabilidade penal não possuem um fundamento jurídico e científico quanto à real eficácia desta alteração. Ao contrário disto, essas manifestações legislativas surgem geralmente que a sociedade, impulsionada pelo destaque promovido pela mídia, demonstrando um espírito de insatisfação e indignação em relação à ocorrência de fatos criminosos envolvendo jovens com menos de 18 anos. É possível a constatação desse fato, através da leitura de algumas justificativas de desses trabalhos legislativos, como por exemplo:

“Devido à comoção nacional em decorrência dos assassinatos do menor João Hélio e de um casal na cidade de São Paulo, ambos cometidos recentemente com a participação de menores, a questão da redução da maioridade penal e a eficácia das medidas sócio-educativas entraram na ordem do dia, provocando reações de autoridades, pessoas públicas e da sociedade em geral.” (Requerimento nº 05/2007).

“Não só em razão dos recentes acontecimentos, ligados ao bárbaro homicídio do casal de jovens Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé, mas em virtude da constante escalada da violência em nosso País, entendemos ter chegado a hora de modificarmos a política legislativa concernente à imputabilidade penal, hoje alcançada aos 18 (dezoito) anos de idade.” (Projeto de Emenda a Constituição nº 242/2004)

Fica claro que, apesar da ocorrência cotidiana de crimes brutais, inclusive com a participação de menores de idade, não há uma busca constante de qualquer solução para essa celeuma. Em verdade, apenas os fatos para os quais a mídia direciona o seu foco, dando amplo destaque em suas manchetes, é que geram uma iniciativa por parte dos poderes públicos, em apresentar projetos que destoam totalmente da conjuntura social e jurídica.

Portanto, as propostas de redução da maioridade, possuem o condão de aquietar o animus da sociedade, visando demonstrar apenas uma idéia de que será alcançada a justiça com o fim da existência da “impunidade”, mesmo porque é um momento muito oportuno para tais legisladores desfazerem a real imagem do parlamentar existente na cabeça dos brasileiros. Sendo assim, utilizam o poder da mídia, que no momento direciona as atenções para o caso, para realizar uma auto-propaganda, com o intuito de demonstrar serviço e zelo pelos interesses da nação, que na verdade não existe.

Essas propostas, em sua maioria, apresentam medidas que não implicam em uma real solução para o problema, sendo apenas meros paliativos. Ainda, resoluções impossíveis de aplicação no mundo jurídico, em virtude da descaracterização e rompimento de preceitos legais já existentes.

3.3 - Argumentos para a redução.

Ao analisar as propostas de mudança da maioridade penal, percebe-se que todas elas possuem uma linha de raciocínio em comum, qual seja, a suposta inviabilidade de estipulação do limite de idade da imputabilidade através do critério biológico partindo de uma comparação a outras épocas e lugares.

Inicialmente, insta salientar que, o critério adotado pelo Brasil para a estipulação da maioridade penal é o critério biológico, o qual visa estabelecer uma idade fixa em que se presume uma razoável formação do indivíduo, a ponto de compreender com clareza a repercussão de seus atos.

A fundamentação encontrada em todos os projetos que visam reduzir a maioridade penal, direcionam seus argumentos no sentido de demonstrar que o critério biológico é incompatível com a atual realidade social. Para eles, nos dias de hoje, devido ao maior acesso as informações, seria cada vez mais precoce a formação da maturidade de uma pessoa.

Sendo assim, antes mesmo de atingir a idade limite de 18 anos, os jovens já possuiriam discernimento suficiente para entender o caráter ilícito de condutas criminosas. Defendem, portanto, a adoção do critério psicológico para a estipulação da maioridade penal, levando-se em conta que um indivíduo a partir de 16 ou até 14 anos, já possuiria a plena consciência e responsabilidade por seus atos.

No entanto, este posicionamento não pode prosperar, pois, embora o jovem possua amplo acesso a todas as informações, isso de maneira alguma pode significar formação de maturidade. Ou seja, no mundo de hoje, os jovens adquirem mais cedo o conhecimento quanto ao lícito e ao ilícito, porém, não possuem ainda a experiência de vida necessária para um real discernimento quanto a sua responsabilidade frente aos seus atos.

Destarte, a possibilidade de aquisição de informações não pode de forma alguma ensejar uma redução da maioridade penal, mesmo porque, verificamos atualmente nesse mundo "globalizado" uma certa involução com relação a aquisição de maturidade.

Ora, o que se percebe é a permanência dos jovens sob a responsabilidade dos pais por mais e mais tempo, fato esse que não se verificava no passado. Assim, embora mergulhado no mundo informatizado, o amadurecimento nos dias de hoje demora mais para ocorrer, podendo, portanto, chegar a conclusão que o acesso a informação não pode ser fato determinante para a redução do limite de imputabilidade.

Outro fundamento apontado pelos projetos de alteração que merece uma explanação é a redução da maioridade penal, apenas com o único objetivo de aplicar uma punição para o menor que venha a cometer um crime bárbaro.

Ocorre que, o sistema punitivo brasileiro segue o mesmo posicionamento dos estudiosos do direito penal moderno, e sendo assim, todo o nosso sistema penal é voltado para a aplicação da pena com caráter majoritariamente ressociativo, haja vista ser a melhor forma de garantir a segurança social.

Sendo assim, a proposta de redução da maioridade penal, apenas com o intuito da aplicação de uma pena meramente retributiva foge totalmente das diretrizes do sistema penal brasileiro, fato esse que deveria ser conhecido por nossos parlamentares ou por seus assessores.

3.4 - Aspectos críticos

Embora se mostre patente a falta de uma fundamentação contundente, faz-se também necessário a análise do problema discutido quanto a eficácia da norma que seria aprovada, ou seja, se a mesma pode alcançar os objetivos que se propõe, qual seja, a extinção ou pelo menos a diminuição dos crimes praticados por menores infratores.

Ora, não existe qualquer dúvida quanto ao fato de que a redução da maioridade penal não irá sequer diminuir a criminalidade entre os jovens porque a raiz do problema não tem origem legal, e sim social.

Insta ainda salientar que, aqueles que defendem a pena privativa de liberdade aos menores de 18 anos, não conhecem a verdadeira realidade das instituições de reabilitação para jovens. Atualmente, são raras as exceções em que se verificam instituições devidamente aparelhadas com recursos materiais e pessoas capazes de proporcionar a reabilitação daquele menor.

Destarte, poucas diferenças podem ser percebidas entre um estabelecimento penal e uma instituição voltada para a reabilitação do menor infrator. Ora, no momento em que esses jovens são privados de sua liberdade sem, porém, a realização de qualquer programa de reabilitação, se verifica a aplicação da pena privativa de liberdade por excelência.

O aumento do número de jovens envolvidos com o crime não se origina apenas da idéia de impunidade que por ventura exista, mas também, é necessário levar-se em conta que a maior parte das crianças e adolescentes envolvidas com o crime integram a camada social de baixa renda que, consequentemente, convivem em ambientes onde a violência e a marginalidade são meios comuns de vida.

Sendo assim, através do simples raciocínio lógico acerca do problema, conclui-se que, a única forma de diminuir o envolvimento de jovens com o crime é através da adoção de políticas sociais voltadas a inclusão dessas crianças e adolescentes. Ao invés de propor mudanças acerca da maioridade penal, deveria os nossos parlamentares, votarem projetos voltados a programas sociais, que possibilitasse principalmente uma melhoria rápida no sistema educacional.

II – Considerações Finais

Por todo o exposto, percebe-se que os projetos de redução da maioridade penal não trariam qualquer solução para o problema da criminalidade juvenil, apenas dariam a sociedade uma pseudo idéia de segurança que em pouco tempo iria se revelar inexistente.

O jovem tem que ser visto como um ser ainda em formação e carecedor de cuidados específicos, e não como um problema que deve ser jogado para baixo do tapete como todos os outros problemas que se apresentam no Brasil. Devemos pensar em políticas públicas e não em colocar nossas crianças e adolescentes atrás das grades.

III – BIBLIOGRAFIA

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