IURI ALEX SALES E SILVA

RESUMO: Este trabalho confronta entendimentos doutrinários demonstrando a desnecessidade da redução da maioridade penal e deixa claro que a violência juvenil deve ser combatida através de políticas públicas, pois desemprego, miséria, falta de educação, dentre outras, são causas que influenciam o aumento da criminalidade. A imputabilidade penal aos dezoito anos é garantia individual fundamental das crianças e adolescentes e não pode ser objeto de deliberação por proposta de emenda constitucional, pois trata-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por nova Assembléia Constituinte. Desse modo, reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade penal significa um retrocesso.

Palavras-chave: Maioridade Penal. Violência Juvenil. Políticas Públicas. Criminalidade. Criança. Adolescente. Imputabilidade Penal.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda a redução da maioridade penal, tema que tem ensejado as mais calorosas discussões, principalmente devido ao gradativo aumento da criminalidade dos jovens infratores, tornando-se, assim, um campo fértil para debates dos mais variados vieses. O sentimento de insegurança social em relação ao jovem infrator menor de dezoito anos surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando este é o autor da infração penal.
Seguramente, a noção errônea de impunidade tem se revelado como o maior obstáculo à plena efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente ? ECA, principalmente diante da crescente onda de violência em níveis alarmantes. Nessa dimensão a sanção socioeducativa, enquanto imposição, sem o consentimento do afetado, tem evidente natureza de penalidade. Vale lembrar que o ECA que tem sido alvo de discussão é uma medida de direitos e deveres de todas as crianças e adolescentes, e não somente dos infratores, e é inegável que o mesmo construiu um novo modelo de responsabilização do adolescente infrator.
O tema gera mais clamor quando a mídia anuncia o envolvimento de adolescentes em crimes hediondos. Nesses momentos que excedem os limites razoáveis ou verdadeiros, motivados pelo sensacionalismo dos meios de comunicação, as propostas tendem a ser políticas imediatistas, impulsionadas pelo calor dos acontecimentos, pela ingenuidade das pessoas que não conseguem fazer uma análise do fato inserido num contexto socioeconômico e político.
Além do mais, ilude-se a população mais vulnerável à sua influência que, diminuindo-se as garantias e tornando mais rigorosa a norma jurisdicional penal, se estará obtendo como resultado uma redução dos delitos praticados por menores. A história revela que quando a mídia denuncia um crime praticado por sujeitos nesse período de desenvolvimento existe a tendência de um clamor por redução da maioridade, quase sempre desprovido de conhecimentos científicos e pesquisas, aspectos relevantes na tomada de decisões e elaboração de políticas públicas. Daí a crença de que é necessário reduzir a idade de imputabilidade penal para responsabilizar os menores infratores.
Não se pode perder de vista, inclusive, que o adolescente é um sujeito que está vivenciando uma etapa muito significativa de sua existência. É um período em que surgem questionamentos, dúvidas, transformações físicas, ansiedades, e emergem novas necessidades, sente emoções diferentes e, consequentemente, precisa aprender a lidar e relacionar-se consigo mesmo, com a família e com a sociedade por causa dessas mudanças. É uma fase de novas emoções, sensações e sentimentos que, antes, eram completamente desconhecidos, e essas mudanças ocorrem muito rapidamente.
A questão da adolescência e a violência no mundo de hoje não pode ser analisada como fenômeno isolado. É preciso compreender o contexto social, cultural, político e econômico que influencia nas características psicológicas e, notadamente, em sua construção da identidade pessoal. O adolescente presencia hoje um mundo sem definições políticas claras, um contexto econômico que priva grande parte desses jovens das necessidades básicas de sobrevivência e sem referências para suas identificações tão necessárias.
Reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso. Embora o número de adolescentes autores de ato infracional seja percentualmente insignificante em face do conjunto da população infanto-juvenil brasileira, a ação deste pequeno grupo tem grande visibilidade. É bom destacar que se está falando de menos de um por cento da população infanto-juvenil do Brasil, se comparados os números daqueles adolescentes incluídos em medidas socioeducativas (de privação de liberdade e de meio aberto) com o conjunto da população com menos de dezoito anos.
O objetivo deste estudo é demonstrar a inutilidade da redução da maioridade penal para 16 anos, mostrando que essa medida em nada contribuirá para a redução da criminalidade. Para isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo conservando-se a imputabilidade penal aos dezoito anos, prevê que o menor que praticar algum ato infracional seja punido com medidas socioeducativas visando a sua reeducação e reintegração à sociedade. Assim, fica evidente que, ao contrário do que muitos pensam, não há no ECA um sistema de impunidade.
Justifica-se, no presente estudo, a escolha do tema pelas acaloradas discussões acerca da redução da maioridade penal. Os defensores de tal medida alegam que a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente não está conseguindo atingir seus objetivos através de medidas socioeducativas, por isso pleiteiam a redução para 16 anos. Em suas invecções, arrastam consigo boa parte da opinião pública, que se deixa levar pela efervescência momentânea do debate e acaba vendo nessa medida a panaceia para todos os males referentes à violência em que estamos imersos.