RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS: REPERCUSSÃO GERAL E RESTRIÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA[1]

 

Rafael Barros Freire[2]

Thássyo Azevedo da Silva

Christian Barros[3]

 

 

Sumário: Introdução; 1. Os recursos extraordinários e sua aplicação no contexto processual brasileiro; 2. Análise à Repercussão Geral da controvérsia constitucional suscitada no recurso extraordinário; 3. Repercussão Geral e a limitação do acesso à justiça; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar os recursos extraordinários, dando-se principal enfoque à repercussão geral, como condição que é para o conhecimento do recurso extraordinário.Através de um olhar crítico voltado para análise dos recursos extraordinários e sua aplicação no contexto processual brasileiro, observar-se-á a repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada no recurso extraordinário, bem como, através dessa conjectura, a sua relação com o acesso à justiça, já que tal requisito de admissibilidade aos recursos extraordinários suscita importantes discussões no campo processual brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE

Recursos Extraordinários; Repercussão Geral; Acesso à justiça.

Introdução

É sabido que, como está fixado no art. 102, III “a”, “b” e “c”, CF, ao recurso extraordinário reserva-se a suscitação de questões relativas à própria Constituição Federal. Com isso, cabendo ao recurso extraordinário observar causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida observar as causas (“a”, ”b”, ”c”e “d”) do art. 102, III da CF, faz-se importante uma análise acerca deste Recurso, bem como a sua aplicação no contexto processual brasileiro.

Não obstante, em oito de dezembro de 2004, com a promulgaçãoda EC n° 45, deu-se azo à introdução do § 3° no art. 102 da Constituição Federal. Com a inserção de tal dispositivo,surgiu assim a repercussão geral da controvérsia constitucional como nova condição ao conhecimento de recurso extraordinário. Com tal requisito, objetivou-se de certa forma aperfeiçoar a prestação jurisdicional.

Com o fito de regulamentar tal requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, foi editada em 19 de dezembro de 2006 a Lei 11.418, sendo que tal lei adicionou ao Código Processual Civil os artigos 543-A e 543-B, dispositivos estes que versavam acerca da remessa “da disciplina mais pormenorizada do instituto ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal” (MARINONI, MITIDIERO, 2008).

Nesse ínterim, analisando-se finalmente as discussões que são suscitadas acerca da Repercussão Geral como requisito de admissibilidade que leva ao conhecimento do recurso extraordinário, observar-se-á criticamente este requisito de admissibilidade e o acesso à justiça, uma vez que discussões são válidas e muito importantes para se compreender o requisito de admissibilidade em questão, pois também envolve um ponto de extrema relevância, qual seja, o acesso à justiça.

1. Os recursos extraordinários e sua aplicação no contexto processual brasileiro

Os recursos extraordinários possibilitam a análise de questões constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. “O recurso extraordinário tem por finalidade principal assegurar o regime federativo, por meio de controle da aplicação da lei federal e da Constituição Federal ao caso concreto.” (MARINONI; ARENHART, 2007). Desse modo, tem o objetivo de fazer com que as leis federais e as constitucionais sejam aplicadas de maneira correta, assegurando-lhe validade e uniformidade de entendimento.

No recurso extraordinário, não é possível que se discutam matérias de fato, somente sendo possíveis matérias de direito. Nesse ponto vem a súmula nº 279 que fala que “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Sua fundamentação é vinculada, ou seja, é necessário mostrar alguma divergência em relação à aplicação ou interpretação de lei federal ou dispositivo constitucional federal.

Em relação ao cabimento do recurso extraordinário, estabelece o art. 102, III da Constituição Federal:

Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

É importante destacar o termo “em única ou ultima instância” presente no inciso III. É que o recurso extraordinário somente é cabível quando esgotado as vias ordinárias, não podendo mais ter nenhum outro recurso cabível. Desse modo, “tem-se considerado cabível recurso extraordinário contra decisões proferidas por quaisquer órgãos jurisdicionais, desde que contra elas não se admita qualquer recurso ordinário” (CAMARA, 2007)

Os legitimados para interpor o recurso são os previstos no art. 499 do CPC que são as partes, o terceiro prejudicado e o Ministério Público, que devem mostrar interesse, ou seja, necessidade e utilidade do recurso para tentar melhorar um prejuízo jurídico. Além disso, é necessário a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, que acontece pela desistência do recurso (art. 501 CPC), pela renúncia (art. 269, V CPC) ou pelo reconhecimento jurídico do pedido.  Deverá, ainda, ser comprovado o preparo pelo recorrente de acordo com o art. 511 do CPC. Em caso contrário haverá a deserção. Em relação à tempestividade do recurso, este tem o prazo de 15 dias contados a partir da data da intimação da sentença (art. 508 CPC). Detém prazo em dobro para recorrer: A Fazenda Pública e o Ministério Público (art. 188 CPC), litisconsortes com procuradores distintos (art. 191 CPC) e a Defensoria Pública.

O recurso extraordinário devera ser interposto por petição escrita, perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, devendo o recorrido apresentar as contrarrazões no prazo de 15 dias. Depois das contrarrazões da parte recorrida, deverá o presidente ou o vice-presidente, no prazo de 15 dias (prazo impróprio) fazer o juízo de admissibilidade para se verificar se todos os requisitos legais foram preenchidos. Em caso de indeferimento do recurso, caberá agravo de instrumento. Existe a modalidade retida, no recurso extraordinário de acordo com o art. 542 §3 do CPC que fala:

§ - O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interposto contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões.

Em relação aos seus efeitos, os recursos extraordinários possuem apenas o efeito devolutivo, ou seja, “o que atribui ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão jurisdicional recorrido (juízo a quo)” (MARINONI; ARENHART, 2007). Entretanto, cabe ressaltar que esse efeito devolutivo é restrito, devendo o STF se limitar a “examinar a questão constitucional controvertida no recurso, sem estender sua analise a outros temas – ainda que constitucionais, e ainda que presentes no julgamento recorrido.” (MARINONI; ARENHART, 2007). O efeito suspensivo opa legis não existe aqui, podendo se ter a execução provisória da sentença, mas caso exista a probabilidade de existir algum dano de difícil ou impossível reparação, ações cautelares são admitidas para dar ao recurso extraordinário efeito suspensivo, “ou mais precisamente para suspender os efeitos das decisões impugnadas por esses recursos”(MARINONI; ARENHART, 2007). Entretanto, vale ressaltar que o recurso extraordinário deve ter sido admitido para que caiba a ação cautelar. Nesse sentido vem a súmula nº 634 do STF: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”. Logo em seguida a súmula 635 do STF esclarece: “cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”.

Segundo a doutrina majoritária, existe um requisito específico de admissibilidade, que é o prequestionamento, devendo a controvérsia constitucional já ter sido levantada pela parte ou juiz e debatida na instância inferior, já devendo estar presente nos autos anteriormente à interposição do recurso, não sendo possível o debate de questões inéditas que não tenham sido apreciadas pelo órgão a quo. (CÂMARA 2007.) Desse modo, o STF é impedido de analisar até mesmo as questões de ordem pública que não tenham sido alvo de prequestionamento. Nesse ponto vem a súmula 282 do STJ: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.” Conforme Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, pode-se utilizar os embargos de declaração pelo interessado para efeito de prequestionamento no caso do juiz não se manifestar expressamente sobre a aplicação ou interpretação da lei federal ou da regra constitucional. A súmula 356 do STF fala: “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. Entretanto, Didier Jr. e Leonardo da Cunha discordam.

 a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não pode criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal. Trata-se na verdade, de etapa no exame do cabimento dos recursos extraordinários (DIDIER; CUNHA, 2007)

O referido prequestionamento é dividido em três pela doutrina: explícito implícito e ficto. No primeiro, se mencionaria expressamente o dispositivo da lei federal ou da constituição que seria objeto do recurso. Antigamente somente essa forma era adotada pelo STF, que mudou seu entendimento por restringir demais a interpretação da Constituição e dificultava o acesso à justiça. No caso do prequestionamento implícito, ocorre o pronunciamento sobre a questão controvertida, mas não ocorre a expressa menção do artigo da constituição ou da lei federal (DIDIER; CUNHA, 2007)

 Em relação ao prequestionamento ficto ocorreria no caso da parte interpor embargos de declaração para suprir a omissão do tribunal de origem quanto à lei federal ou constitucional que foi levantada e mesmo assim a omissão continuasse. Todavia, existem discussões dos tribunais superiores. Segundo o STF, caso os embargos de declaração sejam desprovidos, se considera satisfeito o prequestionamento com a simples interposição do embargo de declaração independentemente do êxito do mesmo, de acordo com a súmula 356. Entretanto o STJ é contrário a essa posição, afirmando que não haverá prequestionamento no caso do embargo de declaração ser desprovido, de acordo com a sua sumula 2011. Sobre esse ponto falam Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha

Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, consagrada no enunciado nº 211 da súmula da sua jurisprudência predominante, não haverá prequestionamento, devendo o recorrente interpor recurso especial por violação ao art. 535 do CPC, por exemplo, para forçar o pronunciamento do tribunal de origem. Da mesma forma, se já houver pronunciamento judicial sobre a questão, pouco importa se tenha havido ou não a provocação da parte, desnecessária a interposição dos embargos de declaração, porquanto já se tenha satisfeito a exigência. Trata-se de posicionamento em tudo conforme a lição de Nelson Nery Jr., que tentou emprestar ao exame do tema um mínimo de coerência e cientificidade. (DIDIER; CUNHA. 2007)

Desse modo, para o STF, é admitido o prequestionamento ficto. Para o STJ, não é admitido, só sendo admitido o explícito e o implícito.

Um outro requisito específico de admissibilidade do recurso é a repercussão geral da questão constitucional, fazendo com que o STF só julgue casos realmente relevantes para toda a sociedade. Segundo Alexandre Câmara, “[...] a questão constitucional suscitada no recurso extraordinário deve ter transcendência. Tal questão deve transcender das partes e provocar reflexos nos destinos da coletividade. (CÂMARA, 2007). Tal requisito está previsto no §3 do art. 102 da Constituição Federal:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros

Segundo o art. 545-A do Código de Processo Civil, é irrecorrível a decisão do STF de não conhecer do recurso por não ter repercussão geral.

2. Análise à Repercussão Geral da controvérsia constitucional suscitada no recurso extraordinário

Como fora lembrado anteriormente, a Emenda à constituição n° 45 de 2004 criou um novo requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários, conhecido como Repercussão Geral da controvérsia constitucional. Tal Emenda Constitucional adicionou o §3° ao art. 102, CF, sendo que a matéria foi regulamentada pela Lei 11.418/06. Além disso, pode-se observar acerca da matéria no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em seus artigos 322-A e 328 (Emenda Regimental 21/07).

A EC n. 45/2004 acrescentou o §3° ao art. 102 da CF/88, inovando em matéria de cabimento do recurso extraordinário. Prescreve o dispositivo o ônus do recorrente de demonstrar ‘a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso’, a fim de que o ‘tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros’. (DIDIER JR; CUNHA, 2007)

Com o objetivo de racionalizar o processo, mediante uma padronização dos procedimentos recursais, a repercussão geral surgiu como um verdadeiro filtro às demandas que se acumulamno Supremo Tribunal Federal, buscando-se de certa forma que sejam analisadas pelo STF apenas aquelas questões de grande relevância, que sejam importantes à nação.

Em um primeiro momento, insere-se a repercussão geral como uma técnica processual que conspira para realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (que é necessariamente prestada em prazo razoável), estimulando ainda a compatibilização vertical das decisões judiciais, prestando homenagem ao valor da igualdade e perseguindo a racionalização da atividade judiciária. (MARINONI, MITIDIERO, 2008)

É de grande importância lembrar a marcha histórica da função dos Tribunais, que como bem asseveram Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, pode ser observado três fases distintas. Primeiramente “outorgava-se ao Tribunal apenas a defesa da lei em abstrato” (MARINONI, MITIDIERO, 2008). Posteriormente, a função dos tribunais foi modificada, tendo agora como objetivo a uniformização da jurisprudência. Finalmente, em um terceiro momento, há como função aos tribunais controlar os casos decididos.

Sendo assim, se de um lado o Supremo Tribunal Federal claramente possui como função a guarda da Constituição, “de outro, à Constituição compete um papel unificador do Direito no Estado Constitucional” (MARINONI; MITIDIERO, 2008). Dessa forma, extrai-se do pensamento acima que o Supremo deve contribuir para a uniformização do Direito, sendo que tal uniformização e padronização passam pelo direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, e foi com esse propósito que surgiu a repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada no Recurso Extraordinário.

Com competência exclusiva do STF (art. 102, §3° da CF e art. 543-A, CPC), apenas o Supremo Tribunal Federal decidirá se existe a repercussão geral da controvérsia constitucional como requisito de admissibilidade ao Recurso Extraordinário. Quanto à vinculação das decisões do STF no tocante à repercussão geral da questão em análise, é sabido que tal decisão vincula o próprio STF bem como os Tribunais originários.

Anteriormente, existia como requisito de admissibilidade aos Recursos Extraordinários a “arguição de relevância” da questão para o seu conhecimento pelo STF. Constando no art. 119, III, alíneas “a”, “d” e “c” § 1°, CF de 1967, e alterada pela EC n°1 de 1969, a arguição de relevância guarda semelhanças com a repercussão geral, mas os dois requisitos de admissibilidade não devem ser confundidos.

Enquanto a arguição de relevância tinha um viés mais inclusivo, visando possibilitar o conhecimento do recurso, a repercussão geral possui característica contrária, ou seja, excluir do conhecimento do STF recurso que não possua relevância e transcendentalidade.

Há processualistas que entendem, por seu turno, que há no tocante á repercussão geral uma presunção de sua existência, mas é claro que tal presunção depende do entendimento do STF quanto a existência ou não de repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada no recurso extraordinário. Como bem asseveram Fredie Didier Jr. e Cunha, “é razoável afirmar, assim, que existe uma presunção em favor da existência da repercussão geral”, mas é importante ressaltar que “somente cabendo ao plenário do STF (por 2/3 de seus membros) deixar de conhecer do recurso extraordinário por falta de repercussão geral”.

Além disso, os conceitos de repercussão geral e arguição de relevância são distintos. “Enquanto este está focado fundamentalmente no conceito de ‘relevância’, aquele exige, para além da relevância da controvérsia constitucional, a transcendentalidade da questão debatida” (MARINONI; MITIDIERO, 2008). O tema que é discutido no recurso extraordinário, havendo assim repercussão geral,"tem relevância que transcende aquele caso concreto, revestindo-se de interesse geral, institucional, semelhante ao que já ocorria no passado, quando vigorava no sistema processual brasileiro, o instituto da arguição de relevância" (MEDINA; WAMBIER, WAMBIER, 2007).

Outra diferença pode ser observada no que tange ao formalismo processual. Enquanto a repercussão geral, na forma do art. 93, IX da CF, deve ser analisada publicamente e com julgamento motivado a arguição de relevância era secreta e dispensava-se fundamentação.

Observadas tais distinções entre a arguição de relevância e a repercussão geral, ressalte-se a conceituação jurídica da repercussão geral enquanto requisito de admissibilidade ao recurso extraordinário. Conforme o art. 543-A, § 1°, preceitua-se repercussão geral, aonde “será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Desta forma, é de fundamental importância que se compreenda acerca de tais pontos de vista.

i)repercussão geral jurídica: a definição da noção de um instituto básico de nosso direito, de molde a que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente; ii) repercussão geral política: quando de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estado estrangeiros ou organismos internacionais; iii) repercussão geral social: quando se discutisse problemas relacionados à escola, moradia ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações; iv) repercussão geral econômica: quando se discutisse, por exemplo, o sistema financeiro de habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais. (MEDINA; WAMBIER; WAMBIER, 2007)

A doutrina busca, dessa maneira, compreender acerca de um conceito jurídico indeterminado, objetivando assim que não haja insegurança jurídica, entendendo que embora a definição de repercussão geral necessite de um caso concreto, o conceito jurídico indeterminado em verdade “pode permitir, ademais, um controle social, pelas partes e demais interessados, da atividade do Supremo Tribunal Federal mediante um cotejo de casos já decididos pela própria Corte” (MARINONI; MITIDIERO, 2008).

A definição de "repercussão geral" deverá ser construída pela interpretação do STF. Contudo, é importante que se perceba que jamais será possível, ao STF delinear, em abstrato e para todos os casos, o que é questão constitucional de repercussão geral, pois essa fórmula é dependente das circunstâncias concretas - sociais e políticas - em que a questão constitucional, discutida no caso concreto, está inserida. (MARINONI; ARENHART, 2007)

Corroboram assim com o entendimento de que o legislador agiu corretamente ao valer-se de conceitos jurídicos indeterminados para a conceituação da repercussão geral os autores Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, que bem preceituam “como foi visto, o legislador valeu-se, corretamente, de conceitos jurídicos indeterminados para a aferição da repercussão geral”.

É de grande importância ressaltar também que, conforme o art. 543-A, em seu §6°, CPC, nos termos do Regimento Interno do STF, é possível a participação de terceiros no processo para que se amplie o debate acerca da existência ou não da repercussão geral. Seria esse terceiro o amicus curiae, que intervém na fase de apreciação do recurso extraordinário perante o STF.

Abriu ao Relator, é certo, a possibilidade de admitir, ‘na análise de repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, § 6°). Costuma-se designar como amicus curiae o terceiro que assim se manifesta, a favor do reconhecimento da presença da ´repercussão geral’ ou contra ele. (BARBOSA MOREIRA, 2011)

Destarte, a decisão do relator de admitir ou não a participação de terceiro no tocante à existência ou não da repercussão geral é irrecorrível, conforme pode ser observado pela análise do art. 323, § 2° do Regimento Interno do STF.

Quanto ao ônus da demonstração da repercussão geral, cabe ao recorrente demonstrar a existência da repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada no Recurso Extraordinário, conforme versa o § 2°, art. 543-A, CPC. Compactuam com o exposto acima Marinoni e Mitidiero que afirmam que “tem o recorrente o ônus de demonstrar a existência da repercussão geral da questão debatida em sede de recurso extraordinário. Não o desempenhando, fadado à inadmissibilidade estará o recurso extraordinário”.

Conforme o art. 102, §3° da CF, “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso,... a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros” (grifo nosso). Atingindo-se assim o mínimo de quatro votos, como versa o art. 543-A, § 4°, CPC, é dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

Outro importante ponto a ser lembrado é o efeito substitutivo que se opera no recurso. Sendo reconhecida a repercussão geral, bem como os demais requisitos de admissibilidade, é necessário que o STF conheça o recurso extraordinário. A partir desse ponto, a decisão recorrida será substituída pela decisão do Supremo acerca do recurso, revestindo-se assim de efeito substitutivo, como citado acima. Contudo, se a decisão do Supremo Tribunal Federal for pela ausência de repercussão geral, negar-se-á o seguimento do recurso extraordinário, não sendo a decisão recorrida substituída pela decisão do STF.

Versa ainda o art. 543-A, caput, do CPC, que aquela decisão que, por falta de relevância e transcendentalidade (repercussão geral), não conhece o recurso extraordinário, é irrecorrível. Contudo, não se exclui a possibilidade de cabimento de embargos de declaração, em caso de obscuridade, contradição ou omissão do STF (art. 535, CPC). Ressaltam Marinoni e Mitidiero que “ainda que os embargos de declaração não visem a modificar o julgado, é imprescindível que se viabilize a todos os jurisdicionados uma perfeita compreensão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal”.

3 - “Repercussão Geral” e a limitação do acesso à Justiça

É certo que nossa Constituição garante o acesso à justiça como um direito fundamental. Tal fato está previsto no art. 5, XXXV da Constituição Federal que fala que “nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desse modo, por direito a acesso a justiça “entende-se o direito à preordenarão de procedimentos realmente capazes de prestar a tutela adequada, tempestiva e efetiva” (MARINONI, 2005), pois a autotutela é proibida no nosso ordenamento jurídico.

Desse modo, esse novo requisito de admissibilidade é inconstitucional por violar uma garantia fundamental do indivíduo, ferindo a isonomia e o principio da ampla defesa e contraditório, não podendo a parte fazer uso do recurso se não obedecer a tal requisito. Além disso, viola o princípio do duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de revisão da decisão de primeiro grau por um órgão, não necessariamente de hierarquia superior (MARINONI; ARENHART, 2007). Segundo Calmon de Passos não há injustiça irrelevante, pois a justiça é uma exigência fundamental, além de ser tal requisito muito vago. Qualquer afronta à lei federal ou dispositivo da Constituição é importante e deverá ser analisado. Este requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que cria uma barreira ao acesso à justiça, está ferindo uma cláusula pétrea prevista no art. 60, parágrafo 4, IV da nossa Constituição, pois fala que nenhuma emenda constitucional pode abolir os direitos e garantias individuais. Roberto Busato, então presidente da OAB, se posicionou contra tal requisito. Segundo ele, “A OAB se posiciona contra o retorno, ainda que dissimulado sob novas denominações, do fracassado instituto da argüição de relevância que, na prática, gerou a inexistência da própria prestação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal”

Uma parte da doutrina, como Alexandre Câmara e Luiz Guilherme Marinoni, concorda com esse novo requisito de admissibilidade, pois dessa forma o STF só resolveria questões realmente relevantes, deixando de lado “brigas de vizinhos” e também seria uma forma de desafogar o judiciário. Por sua vez, José Edvaldo Albuquerque Lima é contrário a tal requisito.

 [...], criar mais um requisito de admissibilidade recursal não é sinônimo de desafogamento de processos. Como se sabe, a questão de morosidade do poder judiciário e do grande número de processos para julgamento perante o STF não é culpa dos processos repetitivos, que podem ser eliminados liminarmente pelo relator, mas uma questão estrutural. Temos um crescimento populacional exagerado para um número reduzido de ministros na nossa maior Corte de Justiça. Realmente, é humanamente impossível, para onze ministros, dar conta da crescente demanda.(LIMA, 2005)

Portanto, claramente há argumentos bem embasados que sustentam que a repercussão geral é em verdade um obstáculo ao livre acesso á justiça pelos jurisdicionados. Tal requisito de admissibilidade seria desnecessário e insuficiente para buscar soluções à morosidade do judiciário. O problema seria estrutural, e desta forma, criar mais um requisito de admissibilidade seria obstaculizar o princípio constitucional do livre acesso à justiça pelo cidadão.

Conforme ainda complementa José Edvaldo Albuquerque Lima, o STF sempre exerceu sua função de protetor e guardião da Constituição Federal. Desta forma, mais este requisito de admissibilidade em verdade fere o acesso à justiça, que sendo garantia fundamental, é previsto constitucionalmente, devendo ser portanto observado. 

Ora, o Supremo Tribunal Federal sempre exerceu o seu papel de guardião da Constituição Federal, analisando apenas questões de direito com violação direta a nossa Carta Magna. Se algum operador do direito menos desavisado insistia em levar ao conhecimento da Excelsa Corte matéria de fato, ao relator caberia, tão somente, aplicar o contido no Art 557 do CPC. Da mesma forma, quando contrariasse súmula ou jurisprudência dominante do STF. (LIMA, 2008)

Deve-se observar que a repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada no recurso extraordinário é um filtro que restringe o acesso ao STF. É importante lembra ainda que a repercussão geral é regra, sendo pois exceção a sua negativa. O acesso à justiça como garantia fundamental deve ser observado, pois os direitos fundamentais são bases para um Estado Democrático de direito, devendo assim guiar a atividade estatal e as relações jurídicas.

Podemos afirmar que importante conseqüência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é a sua "eficácia irradiante" (Daniel Sarmento), seja para o legislativo ao elaborar a lei, seja para a administração pública ao "governar", seja para o Judiciário ao resolver eventuais conflitos. (LENZA, 2008)

Portanto, a instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade, objetivando inicialmente melhorar a qualidade e rapidez dos julgados do STF, estaria em verdade tolhendo as partes de exercer seu direito, que é garantia fundamental salvaguardada pela Constituição.  

Conclusão

A emenda à constituição n° 45 de 2004 adicionou um novo requisito de admissibilidade aos recursos extraordinários, chamado “repercussão geral”, com o objetivo de limitar os recursos que chegarão ao STF.  O objetivo disso seria desafogar o judiciário, havendo uma filtragem do grande número de processos, somente chegando ao Supremo aqueles que obedecessem ao requisito da “repercussão geral”.

Conforme foi falado, concordamos com a parte da doutrina que fala que tal requisito é inconstitucional por restringir o acesso à justiça previsto na Constituição Federal, art. 5º, XXXV, ferindo o princípio isonomia, por distinguir questões constitucionais mais importantes que outras, alem de ferir princípios como o do duplo grau de jurisdição, ampla defesa e contraditório. O grande problema é que onze ministros não são capazes de dar conta do grande número de processos que hoje existem, devendo haver um aumento do número de ministros, pois uma medida antidemocrática que visa restringir garantias individuais não seria a solução.

Desse modo, conclui-se que tal requisito deveria ser excluído do nosso ordenamento jurídico, em benefício da democracia e baseado nos princípios constitucionais.

REFERÊNCIAS

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume II. 14ª ed. Editora Lumen Juris, São Paulo, 2007

DANTAS, Ivo. Da repercussão geral como pressuposto específico e como filtro ou barreira de qualificação. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2200, 10 jul.2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13128>. Acesso em: 1 nov. 2012.

DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. Curso de Direito Processual Civil. 3 ed. Salvador: Podivm, 2007, v.3.

FILHO, José dos Santos Carvalho. A Repercussão Geral do recurso extraordinário e o princípio do acesso à Justiça.

LIMA, José Edvaldo Albuquerque de. Recursos Ordinário, Extraordinário e Especial: teoria, prática, jurisprudência e legislação. 3ª ed. Leme/SP: Mundo Jurídico Editora, 2008, pág. 201.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12ª edição rev. , atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pág 593.

MOREIRA, Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6ª ed. rev., atual. eampl. da obra Manual do pr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. PAG. 103-104.

PINHEIRO, Paulo César Morais. Aspectos processuais do recurso extraordinário. Objetivação do controle difuso e aplicação da repercussão geral. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22770>. Acesso em: 1 nov. 2012.



[1]Trabalho destinado à disciplina de Recursos no Processo Civil

[2]Acadêmicos do 7º período vespertino do curso de Direito da UNDB – Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[3]Professor que ministra a disciplina de Recursos no Processo Civil