RECURSOS EXCEPCIONAIS REPETITIVOS:

 Vinculação da tese estabelecida pelos órgãos superiores e o princípio do livre convencimento do Juiz[1]

 

 

Daniela Rocha de Sá[2]

Francisca Maria de Sousa Santos[3]

Christian Barros Pinto[4]

 

 

Sumário: Introdução; 1. Recursos excepcionais no Código de Processo Civil; 2. Análise do art. 543-C e as mudanças trazidas pelo Novo CPC; 3. Vinculação às decisões dos órgãos superiores e o princípio do livre convencimento do Juiz; Considerações Finais, Referências.

 

 

RESUMO

Este trabalho tem como finalidade analisar a possível violação ao princípio do livre convencimento do juiz com o advento do Novo Código de Processo Civil. Neste Código há o aperfeiçoamento do procedimento dos recursos especiais repetitivos. Para averiguar essa possibilidade de violação será feita uma análise acerca do art. 543-C e as mudanças advindas com o Novo CPC, com o mencionado princípio, antes, porém, será feita uma análise dos recursos excepcionais do atual Código.     

 

PALAVRAS – CHAVE: Recurso especial repetitivo; Novo Código de Processo Civil. Princípio do livre convencimento do juiz.

                                                                                              

 

INTRODUÇÃO

 

Os recursos especial e extraordinário, também conhecidos como espécies do recurso excepcional, estão previstos na Constituição Federal em seus arts. 105, III, e 102, II, respectivamente. Atualmente, está em tramitação o projeto de lei que altera o Código de Processo Civil, devendo os recursos citados acima sofrer modificações. Percebe-se pela leitura do Anteprojeto do Código que há uma relevância ao princípio da razoável duração do processo, dentre outros. A observância a esse princípio ocorreu com a criação do incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas, bem como, houve um aprimoramento quanto ao julgamento conjunto dos recursos excepcionais repetitivos. Procurou-se com o Novo Código a uniformização das jurisprudências, desse modo, os órgãos jurisdicionais estarão vinculados às decisões do STF ou do STJ.

O presente artigo irá se valer dos recursos especiais repetitivos. Com o advento do Novo Código haverá um aperfeiçoamento desse tipo de recurso, não apenas os recursos ficarão suspensos, assim como todas as ações que versam sobre o mesmo assunto que ainda estão sendo decididas por juízos singulares, devendo o juiz aplicar a sua decisão no mesmo sentido que a decisão proferida pelo órgão Superior. Esse fato poderá ensejar uma violação ao princípio da persuasão racional do juiz, por conta disso, o presente trabalho fará uma análise acerca das mudanças trazidas pelo Novo CPC no tocante aos recursos especiais repetitivos e o mencionado princípio. Para tanto, o trabalho encontra-se dividido em três partes.

Na primeira delas, será feita um breve esboço sobre os recursos especial e extraordinário do Código atual. Será analisada a forma de cabimento, os pressupostos e o procedimento, dentre outra questões relevantes. Na segunda parte será analisado o art. 543-C acrescentado pela lei 11. 672/2008 e o aperfeiçoamento trazido pelo projeto do Novo CPC referente a esse art. Na terceira, será feita uma análise acerca do princípio do livre convencimento do juiz, e uma possível violação a esse princípio. O trabalho utilizar-se-á o método hipotético – dedutivo e como fontes dados documentais baseados na doutrina e jurisprudência.

1. RECURSOS EXCEPCIONAIS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Ao Supremo Tribunal Federal compete o relevante papel de guardião da Constituição e da integridade do direito nacional e ao Superior Tribunal de Justiça cabe à função de unificar o direito federal no campo do processo civil. Ambos os órgãos formam a cúpula do Poder Judiciário nacional. Cabe-lhes, em princípio, somente a revisão das teses jurídicas federais envolvidas no julgamento impugnado, não se ocupando do exame dos fatos controvertidos, de provas existentes no processo e nem mesmo da justiça ou injustiça do julgado recorrido (THEODORO JR., 2007, p. 714).

Para o STF a Constituição prevê dois tipos de competência recursal, o recurso ordinário (art. 102, II, “a”) e o extraordinário (art. 102, III). Quanto ao STJ a Constituição instituiu duas modalidades de competência recursal civil, que são os recursos ordinário (art.105, II, “b”, “c”) e o especial (art.105, III). (THEODORO JR., 2007, p. 714). Para fins deste trabalho será feita uma breve análise sobre os recursos especial e extraordinário.

A previsão do recurso extraordinário e especial consta nos artigos 102, III e 105, III da Constituição, com a seguinte redação:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

O recurso especial é considerado um recurso de cabimento estrito, cujos pressupostos especiais, somando-se aos gerais, tornam restrita as hipóteses em que será conhecido.  Os pressupostos, além dos pressupostos gerais, podem ser divididos em pressupostos prévios ou preliminares e pressupostos relativos aos permissivos constitucionais (GRECO FILHO, 2007, 371).

São pressupostos prévios: I) a decisão recorrida necessariamente deve ter sido proferida por Tribunal, não se admite recurso especial contra decisão de juízo de primeiro grau; II) que tenha se esgotado todos os recursos ordinários; III) se a matéria for expressamente examinada pelo tribunal, ou seja, foi pré-questionada; IV) é admissível tanto para as questões de mérito quanto para as questões processuais não preclusas; V) só é admissível se o fundamento for em matéria de direito; VI) a matéria que pode servir de fundamento para o recurso especial somente pode ser de interpretação ou aplicação de direito federal; VII) é rigorosa a exigência da regularidade procedimental (GRECO FILHO, 2007, 371-372).   

São pressupostos pertinentes: I) a decisão deve contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência (contrariar significa desatender seu preceito e negar vigência significa declarar revogada ou deixar de aplicar a norma legal federal); II) o acórdão deve julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face de lei federal; III) se o acórdão der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuída outro tribunal (GRECO FILHO, 2007, 372-373).   

Por ser especial não terá efeito suspensivo, seu efeito devolutivo será total ou parcial dependendo da matéria impugnada e da questão que ensejou sua interposição. O seu procedimento será o mesmo do recurso extraordinário conforme o art. 541 do CPC. O recurso será julgado por uma das turmas do STJ, podendo ser indeferido de plano pelo relator se manifestamente incabível, dessa decisão cabendo agravo.  (GRECO FILHO, 2007, 372-373).   

A função do recurso especial é a manutenção da autoridade e unidade da lei federal, pois existem vários organismos judiciários encarregados de aplicar este direito. “Dito remédio de impugnação processual só terá cabimento dentro de uma função política, qual seja, a de resolver uma questão federal controvertida. Através dele não se suscitam nem se resolvem questões de fato nem questões de direito local” (THEODORO JR., 2007, p. 724-725).

O procedimento e julgamento do recurso especial no STJ obedecerão às normas gerais com as devidas especificações do regimento interno. Após ser distribuído o recurso especial, o relator, depois de abrir vistas dos autos, se necessário, ao MP, pedirá dia para julgamento. “Se o recurso estiver prejudicado e for manifestamente inadmissível ou improcedente, ainda se contrariar a Súmula ou a ‘jurisprudência predominante’ do Tribunal ou da Corte Suprema, o próprio relator proferirá decisão” (MOREIRA, 2012, 634).

Caso seja levado a julgamento pela Turma, esta verificará, preliminarmente, se o recurso é cabível, e decidindo pela negativa, dele não conhecerá. Admitido o recurso, o relator submeterá o julgamento à Seção ou à Corte Especial. Na Seção ou na Corte Especial, o recurso especial será julgado com preferência sobre os demais, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Julgado no mérito, a menos na hipótese de invalidar a decisão recorrida, por error in procedendo o acórdão do STJ substitui o recorrido objeto de impugnação. Contra este cabe embargos de declaração (MOREIRA, 2012, 634).  

Para o recurso extraordinário ficou reservada as hipóteses de contrariedade à Constituição Federal e aos casos de negativa de vigência de tratado ou lei federal, em decorrência de sua inconstitucionalidade. Para este, vale os mesmos pressupostos preliminares do recurso especial, salvo quanto à decisão ter sido proferida por tribunal. Basta ter sido proferida a última ou única instância.

Quanto aos pressupostos relativos aos permissivos constitucionais são previstas três hipóteses: I) se a decisão recorrida contrariar disposição da Constituição Federal; II) se a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; III) se a decisão julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal. Não possui efeito suspensivo, apenas devolutivo nos termos do art. 541 e seg. do CPC.

Contudo, em decorrência da EC 45/2004 foi acrescentado à exigência de repercussão geral das questões e a Lei 11.418/06 acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao CPC, regulamentando o procedimento e arguição de repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário, considerando como tal, aquelas questões que relevantes de cunho econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, e também se o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. Ainda nesse sentido, “a decisão de submeter, ou não, a questão da admissibilidade especial ao Pleno é do relator ou da turma, suspendendo o andamento do recurso para a decisão do plenário” (GRECO FILHO, 2007, 375-377).

O procedimento do recurso extraordinário é complexo, pois se desdobra em várias etapas. A primeira consiste na verificação da existência do requisito da repercussão geral, sem a qual o recurso será inadmissível, sendo recusado pelo Tribunal. Porém, quando satisfeito o requisito formal, cumpre averiguar se a questão realmente apresenta relevância geral. Caso falte alguns dos requisitos de admissibilidade o Tribunal dele não conhecerá. Se o extraordinário chegar ao colegiado, por não haver sido recusado nem pelo presidente, nem pelo relator serão oportunizadas aos advogados de ambas as partes a sustentação oral de suas razões na sessão de julgamento (MOREIRA, 2012, 627 – 628).

O recurso especial ou extraordinário retido consiste em:

Um procedimento especial para os recursos em questão, quando contiverem impugnação a decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou em embargo à execução. O recurso especial ou extraordinário não será imediatamente processado. Ficará retido nos autos e somente terá tramitação se, mais tarde, houver recurso da mesma natureza contra decisão final da causa, e se, ainda, a parte o reinterar, no prazo para o novo recurso, ou para as contra- razões. Trata-se de um regime de certa maneira assemelhado ao do agravo retido (art. 523), segundo o qual os respectivos processamento e julgamento dependerão de ulterior apelação da decisão final de primeiro grau e ratificação do primitivo recurso.  (THEODORO JR., 2007, p. 735).

Existe a possibilidade de um acórdão local incorrer tanto nas hipóteses do recurso extraordinário como do recurso especial. Quando ocorrer, o prazo será de 15 dias comum para a interposição de ambos os recursos, mas a parte de terá de elaborar duas petições distintas e produzirá as contra- razões ao Presidente ou Vice- presidente do Tribunal de origem que examinará, separadamente, o cabimento de um e outro recurso. Se for ambos forem denegados caberá agravo de instrumento no prazo, igualmente distinto, no prazo comum de 10 dias, sendo um para o STF e o outro para o STJ. “Se admitidos os dois recursos, os autos subirão em primeiro lugar para o STJ, para julgamento do especial. Após, decidido este, é que haverá a remessa para o STF, para apreciação do extraordinário” (THEODORO JR., 2007, p. 724-725).

2. ANÁLISE ACERCA DO ART. 543-C E AS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO NOVO CPC.

A lei 11.672/2208 acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil, cuja finalidade é regulamentar o procedimento do recurso especial repetitivo. Supracitado art. tem por finalidade a celeridade processual, em decorrência da diminuição da quantidade desmedida de recursos especiais. (JÚNIOR; REIS, 2009. p.51). “A nova lei modifica o trâmite de recursos especiais repetitivos – que apresentam teses idênticas – dirigidos ao STJ e pode reduzir a subida de feitos ao Tribunal, possibilitando a promoção de uma justiça mais rápida”. (FUX, 2008, p. 332).

O parágrafo 1º do referido art. afirma que o Presidente do Tribunal de origem, escolherá um ou dois recursos representativos da controvérsia, e os enviará ao STJ ficando suspensos os demais recursos até a decisão final desta Corte. Há dois aspectos para a escolha desse recurso representativo, o aspecto de quantidade e o de qualidade. Quanto ao primeiro aspecto significa dizer que deverá a questão de direito se repetir por inúmeras vezes em “demandas”. Quanto ao aspecto qualitativo, a controvérsia repetitiva deve unicamente versar sobre questão de direito. “Em termos procedimentais, deve-se escolher-se o recurso que traga mais e melhores argumentos a respeito da interpretação a ser dada à legislação federal sob apreciação do Superior Tribunal de Justiça [...] (JÚNIOR; REIS, 2009, p. 50-52).

Por outro lado, o parágrafo segundo afirma que se não forem tomadas as providências do parágrafo anterior, o relator do STJ pode ordenar a suspensão “dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida nos tribunais de segunda instância”. Havendo o envio do recurso ao STJ e, posteriormente, for constatado que o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade [..] ”impõe o não-conhecimento do aludido recurso especial, a despeito do Tribunal de origem tê-lo identificado como representativo de determinada controvérsia”. (JÚNIOR; REIS, 2009, p. 53-54).

Concluímos, portanto, que, a despeito da admissão de recurso, pelos tribunais a quo, como representativo da matéria, não se afasta a competência do Superior Tribunal de Justiça para reapreciar a admissibilidade do recurso excepcional a ele enviado e, eventualmente, até deixar de conhecê-lo (JÚNIOR; REIS, 2009, p. 53-54).

O relator tem a prerrogativa de pedir informações aos TRF’s e ao TJ sobre a matéria controvertida, bem como poderá admitir a participação de terceiros, “órgãos ou entidades que tenha interesse na controvérsia”. Questão relevante diz respeito à participação do Ministério Público, trazida pelo § 5º, do art. 543-C do CPC. A participação deste órgão torna-se obrigatória porque existe interesse público na apreciação dessas demandas representativas de controvérsia. (JÚNIOR; REIS, 2009. p.55-58) 58. Tal fato ocorre em cumprimento “aos princípios do contraditório e da ampla defesa [...] (FUX, 2008, p. 337).

O novo sistema adotado pela lei que acrescentou o art. 543-C ao CPC, tem por finalidade aprimorar a função primeira do STJ, qual seja: “uniformização da interpretação da lei federal infraconstitucional, [...] nesse sentido, mais avultada fica a presença do interesse público”. (JÚNIOR; REIS, 2009, p. 58).

O julgamento dos recursos excepcionais repetitivos deve ter preferência sobre os demais recursos, com exceção daqueles que abrangem “réu preso e os pedidos de habeas corpus”. Isso ocorre em virtude da função do STJ citada acima. (JÚNIOR, REIS, 2009, p. 60).

O parágrafo 7º afirma que depois de publicado o acórdão do STJ, os recursos especiais suspensos na origem, terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça ou serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do STJ. “Após a decisão do Superior Tribunal de Justiça, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento de imediato. Subirão ao STJ apenas os processos em que a tese contrária à decisão da Corte seja mantida pelo tribunal de origem” (FUX, 2008, p. 331, 337).

É crescente a quantidade de processos enviados ao Superior Tribunal e Justiça, fato que dificulta o julgamento de controvérsias mais relevantes para a sociedade. No ano de 2007 mais da metade dos processos julgados pelo STJ tratava-se de questões que já haviam sido alvo de pacificação por este Órgão Superior. (FUX, 2008, p. 331, 337).

O combate à morosidade é um dos principais objetivos do STJ, coadjuvado pelo firme propósito de diminuir ‘o espólio de processos repetitivos que se acumulam no STJ’ com dispositivos que impeçam a subida para o Tribunal de recursos meramente protelatórios – aqueles que buscam apenas adiar a concessão de um direito ao vencedor da causa. (FUX, 2008, p. 331).

Foi por conta disso, que mais uma vez procurou-se aprimorar o procedimento para os recursos especiais repetitivos através do Novo Projeto do CPC. A primeira mudança trazida diz respeito à possibilidade de suspender todas as demandas que possuem igual controvérsia de direito no primeiro grau de jurisdição, por período que não exceda 12 meses, com exceção de decisão fundamentada pelo relator, ou seja, haverá suspensão dos processos no primeiro grau de jurisdição, e dos recursos nos Tribunais Regionais Federais, nos Tribunas de Justiça e dos recursos do próprio STJ (Anteprojeto do Novo CPC, 2010).

Questão relevante também é trazida pelo art. 958 do Anteprojeto do CPC que fala sobre a aplicação da tese firmada por Tribunal Superior, ou seja, se durante a suspensão dos processos houver decisão sobre o “mérito da controvérsia”, o juiz singular deverá sentenciar o processo aplicando a tese estabelecida pelo Tribunal Superior. É certo que a principal finalidade do Novo Código de Processo Civil é enaltecer os princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010).

3. VINCULAÇÃO ÀS DECISÕES DOS ÓRGÃOS SUPERIORES E O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ.

Segundo a doutrina processual pátria (WAMBIER, 2007, p.68), os princípios são normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos, fazendo com que exista um sistema. Também são considerados como normas jurídicas, pois mesmo quando estão implícitos ou não expressos, são obrigatórios, vinculam o intérprete e aplicador da norma agindo como se regras fossem, impondo assim deveres aos operadores do Direito.    

Utilizando o critério da generalidade pode-se afirmar que os princípios são normas com um grau de generalidade relativamente alto, enquanto que nas regras esse grau é relativamente baixo. Dessa forma, os princípios são sempre razões prima facie, pois, são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, agindo como mandamentos de otimização. (ALEXY, 2011, p.87-90)

O Novo Código Civil aperfeiçoou os recursos especiais repetitivos, como dito no item 2 deste trabalho, a partir da vigência do Novo Código os  processos de primeiro grau e os recursos ficarão suspensos, devendo o juiz singular aplicar a tese estabelecida pelo Tribunal Superior. O grande problema posto em questão diz respeito a uma possível violação ao princípio do livre convencimento do juiz, em decorrência da sistemática adotada pelo Novo CPC, qual seja: empregar maior uniformidade às jurisprudências e estabilidade em respeito aos princípios da legalidade, da isonomia, da segurança jurídica, dentre outros, fazendo com haja uma vinculação aos demais “julgadores”. (GUEDES, 2012, p. 275)

O principio do livre convencimento do juiz está na categoria relativa aos princípios fundamentais, já que são estes menos abstratos e gerais e mais contextuais, referindo-se a um determinado ordenamento jurídico, apesar da sua previsão não constar no art. 5º da CF em que são elencados os princípios fundamentais. Este princípio situa-se como base do sistema normativo processual infraconstitucional. (WAMBIER, 2007, p. 68).   

Mencionado princípio tem por finalidade regulamentar “a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. Situa-se entre o sistema da prova legal e do julgamento secundum conscientiam”. Por prova legal entende-se por conferir às provas valor que não pode ser modificado e que seja determinado, o juiz emprega de forma mecânica, por outro lado, o sistema secundum conscientizam diz que o juiz pode julgar segundo sua própria consciência, independentemente das provas, e até contrárias a elas. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010,  p. 73-74).

 É necessário, no entanto, a motivação da sua decisão, ou seja, o juiz pode decidir segundo sua consciência, mas deverá ditar os motivos pelos quais o levaram a tomar determinada decisão, trata-se de exigência do Estado Democrático de Direito. (SOUZA, 2009, p. 133).

O Brasil também adota o princípio da persuasão racional: o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in acts non et in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 73-74).

Em contrapartida, em virtude desse princípio há a possibilidade de gerar decisões diferentes em situações semelhantes. Por conta de entendimentos divergentes e que não são compatíveis, sobre a mesma “norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de condutas diferentes, ditadas por decisões emanadas de tribunais diversos”, acarretando, dessa forma, inquietude na sociedade. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010, p.17.).

Por conta disso, o Novo Código de Processo Civil:

 

 [...] tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo”. O novo Código de Processo Civil, tem por finalidade, entre outros, a “imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, maior coesão”.  “Levou em conta o princípio da razoável duração do processo. Afinal a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça. A simplificação do sistema recursal, [...], leva a um processo mais ágil. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010, p. 18)

Com o aperfeiçoamento do procedimento relativo aos recursos especiais repetitivos, há intenção que às decisões reiteradas do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais de segundo grau, tornem-se uniformes, gerando, dessa forma, maior segurança para os jurisdicionados. “Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado”. É certo que, para que haja essa uniformização das decisões é necessário que o próprio STJ e tribunais de segundo grau mantenham jurisprudência estabilizada, caso contrário, haverá dano à “segurança jurídica”. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010, p. 16-18).

“O Novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas”. O princípio da persuasão racional do juiz garante “julgamentos independentes e justos, [...] por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba a conduzir distorções do princípio da legalidade e à própria idéia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito”. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010, p. 16-18).

Portanto, com o aperfeiçoamento dos recursos especiais repetitivos, com o advento do Novo Código Civil, haverá redução do número de recursos a serem analisados pelo Superior Tribunal de Justiça, haverá também maior aplicação do princípio da isonomia, uma vez que o princípio do livre convencimento do juiz dar margem a uma possível interpretação errônea da lei, por óbvio, que esse fato só ocorrerá com decisões mais uniformes e estáveis dos órgãos Superiores. (Anteprojeto do Novo CPC, 2010, p.18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve o escopo de garantir um melhor entendimento sobre os recursos excepcionais, principalmente, sobre os recursos especiais repetitivos em virtude da iminente alteração trazida pelo Projeto do Novo CPC e uma provável violação ao princípio da persuasão racional do juiz. Dessa forma, o Legislador do Novo Código de Processo Civil se preocupou em uniformizar as decisões reiteradas, assim como deixá-las mais estáveis, dando maior garantia ao princípio da isonomia. Fato que ocorreu através da criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e do aperfeiçoamento dos recursos especiais repetitivos, dentre outras soluções, garantindo, dessa forma, maior celeridade aos processos.

Nesse diapasão, percebe-se que haverá uma maior eficácia dos princípios da isonomia, da segurança jurídica, da razoável duração do processo, dentre outros, como visto acima, proporcionando a eficiência esperada por todos aqueles que procuram o Sistema Judiciário. Haverá assim, um “desafogamento” do STJ em relação aos recursos que já tenham tese pacificada por este Órgão, assim como, com a imposição da tese estabelecida pelos Órgãos Superiores, haverá uma maior celeridade processual na justiça de primeira instância.

 

REFERÊNCIAS:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad.: Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.  

 

Anteprojeto do Novo CPC. Disponível em: www. senado. gov. br/senado/novo CPC/pdf/anteprojeto.pdf.

 

 

CINTRA, Antônio; DINAMARCO, Cândido; GRINOVER, Ada. Teoria geral do processo. In: ______. Princípios gerais do direito processual. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 73-75.

 

FUX, Luiz. A reforma do processo civil: comentários e análise crítica da reforma infraconstitucional do Poder Judiciário e a reforma do CPC. 2ª ed. rev. ampl. Niterói: Impetus, 2008, p. 325-339.

 

 

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos Tribunais. V.2, 18 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 

 

 

GUEDES, Cintia Regina. Os recursos cíveis no projeto do novo código de processo civil. Revista de processo – REPRO: Revista dos tribunais, São Paulo, SP, ano 37, n. 207, p. 275-277.

 

 

JUNIOR, Marco Aurélio Serau; REIS, Silas Mendes. O procedimento dos recursos repetitivos no STJ. In:_______. Recursos especiais repetitivos no STJ. São Paulo: Método, 2009, p. 49- 64.

 

 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. In: ______. Dos recursos para o Supremo tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. 16 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 577-642.

 

 

SOUZA, Daniel Adensohn de. Reflexão sobre o princípio da motivação das decisões judiciais no processo civil brasileiro. Revista de Processo. Ano 34, n. 167, jan. São Paulo: Revista do Tribunais, 2009, p. 132 – 166.  

 

 

THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. V. I, 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.  

 

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8 ed. rev, amp. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 



[1] Paper apresentado à disciplina Recursos no Processo Civil, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2]Aluna do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluna do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

[4] Professor, orientador.