Recursos excepcionais e as mudanças no Código de Processo Civil: Preponderância da celeridade processual em face da redução de instâncias jurídicas e suposta violação de princípios individuais constitucionalmente garantidos.

Maiana Bastos e Bárbara Abreu[1]

 

 

Sumário: Introdução; 1 A PEC dos Recursos e críticas acerca da violação à princípios constitucionais; 2. Consequências da Morosidade: injustiça, impunidade e instabilidade jurídica; 3. Cláusula de Repercussão Geral para o Recurso Extraordinário; Conclusão.

 

 

 

RESUMO:

Sendo sabido que a PEC dos Recursos tem sido articulada para dar celeridade às decisões judiciais proferidas em segunda instância, minimizando a quantidade de recursos levada ao STF e ao STJ, através do trânsito em julgado definitivo de uma decisão proferida, o presente paper visa esclarecer a necessidade de aceitação da PEC dos Recursos em prol do combate à morosidade judicial, bem como contestar as críticas, realizadas à determinada PEC, acerca de supostas violações de princípios constitucionalmente garantidos à parte autora, retratando, sobretudo, a melhora na prestação jurisdicional que será possibilitada à ambas partes do processo, ainda que as instâncias jurídicas sejam reduzidas;

 

Introdução

 

É bem verdade que alunos de cursos de Direito aprendem nos bancos escolares da faculdade que existem apenas dois graus de jurisdição, mas na realidade, o nosso sistema judicial, como a maioria dos outros países, possui três graus de jurisdição, contando com os Tribunais Superiores, em que se discute desde o mérito até a sistemática do  andamento processual.

Todavia, com a grande variedade de recursos, há situações em que se verificam até seis graus de jurisdição. Seriam eles: Juízo Singular (1º grau); Câmara do Tribunal de Justiça ou Turma Regional Federal (2º grau); Grupo de Câmaras do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal (3º grau); Turma do Superior Tribunal de Justiça (4º grau), Seção do STJ – Tribunal Superior de Justiça e Turma do STF – Supremo Tribunal Federal (5º grau); e, por último, Corte Especial do STJ e Pleno do Supremo Tribunal Federal (6º grau). (BEAL, 2006, p.139)

A Proposta de Emenda Constitucional dos Recursos (PEC nº 15/2011), apresentada por Ricardo Ferraço (Senador/PMDB – ES), apoiado pelo Ministro Cezar Peluso (Presidente do Supremo Tribunal Federal). Esta,tem por finalidade primordial a melhora na celeridade no Judiciário, por meio da alteração dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal de 1988. O recurso extraordinário será transformado, permitindo a execução imediata das sentenças após a segunda instância.

Tal mudança faz-se deveras necessária, posto que ainda que parte da doutrina sustente conseqüências negativas ante a violação de princípios constitucionais ao requerente da ação, como o princípio da ampla defesa, do acesso à justiça e princípio do devido processo legal, será analisado que tal violação ocorre, porém, não devido à introdução da Proposta de Emenda, mas tão somente devido as conseqüências da morosidade do judiciário, problema este que começará a ser sanado com a redução das instâncias jurídicas, de modo que a cláusula de Repercussão Geral funcionará como filtro capaz de selecionar as matérias devidamente apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal(STF) e Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

1 A PEC dos Recursos e críticas acerca da violação à princípios constitucionais

Dentre as alterações propostas pela PEC dos Recursos, visando a agilidade nos julgamentos das demandas judiciais, uma está chamando particular atenção, consistindo no Art 105-A, o qual declara que “a admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.”       
            A proposta de acréscimo do artigo 105-A, por certo trouxe inquietação aos operadores do direito, particularmente aos advogados, e por certo terá consequências preocupantes aos jurisdicionados em geral, uma vez que se vitoriosa a proposta do Ministro Cezar Peluso, incidirá diretamente nas demandas cíveis, trabalhistas, penais, tributárias, etc.
          Conforme formulação de críticas destes operadores, tal iniciativa do Presidente do Supremo Tribunal Federal, que na prática altera a conceituação de coisa julgada, a qual se consolida quando não existe mais recurso pendente, por certo, atenta contra o direito ao devido processo legal (CF, art. 5º inc. LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) e à ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV – aos litigantes, em processos judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes),  expondo à risco a segurança jurídica que deve nortear toda a prestação jurisdicional.

            Os mesmos críticos acrescentam ainda que tal mudança prejudicará também ao princípio do acesso à justiça, uma vez que além de “perderem” o direito de recorrer às instâncias superiores, interrompendo o trâmite tradicional do processo, a parte insatisfeita será impedida de alcançar sua pretensão perante a impossibilidade de recorrer à decisão colegiado.      Todavia, basta mera análise da situação jurídica social para que seja percebida tais violações de princípios, os quais são freqüentemente feridos, violações estas ocasionadas exatamente pela ausência de celeridade nas decisões judiciais, haja vista que tal morosidade prejudica simultaneamente os três princípios supra, no instante em que conforme entendimento doutrinário mais moderno, que estatui que o acesso à justiça não se restringe à garantia de levar ao conhecimento do Judiciário as alegações de ameaça ou de lesão a direito, mas de ver os conflitos resolvidos, através de uma

prestação jurisdicional qualificada pela especificidade da tutela e pela duração razoável

do processo, o legislador emendou a Constituição de 1988, acrescendo ao seu art. 5º o

inciso LXXVIII, que assim dispõe:  

Art. 5º (...)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Neste contexto, Luiz Guilherme Marinoni já advogava a idéia de que o direito à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva consistia um direito fundamental, ressalvando que o direito a um processo  com duração razoável é conseqüência direta do devido processo legal, que já estava expressamente previsto no art. 5º, LIV, da Carta Constitucional de 1988, como explica:

É claro que este princípio [do acesso à justiça] não mais apenas significa que todos podem ir ao Poder Judiciário em caso de lesão ou ameaça a direito, mas sim que todos têm o direito a uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.  A garantia constitucional de uma tutela tempestiva  e efetiva obviamente incide sobre aestruturação técnica do processo, seja “de iure condendo” seja “de iure condito”.  O legislador infraconstitucional tem o dever de estruturar o processo de modo a atender a esse princípio, estabelecendo regras que conduzam à tempestividade da tutela jurisdicional. (...) (MARINONI, 1999, p. 152)

Cumpre elucidar, por oportuno, como um exemplo de morosidade processual, em decorrência da utilização das garantias constitucionais, e que gerou celeuma de âmbito nacional nos últimos tempos, o caso do jornalista Pimenta Neves. Trata-se da prática de um homicídio ocorrido no ano de 2000, em que este foi condenado pelo Tribunal do Júri, no ano de 2006, mas só começou a cumprir a sanção que lhe foi imposta em 2011, depois de esgotados todos os recursos jurisdicionais possíveis. A demora para o cumprimento da pena trouxe discussões acerca da adoção de mudanças processuais penais que visem acabar com tal morosidade, como a denominada ‘PEC dos Recursos’.

Depreende-se da situação esposada, que a morosidade da Justiça em julgar os casos, em momento algum, ocorreu por motivo de violação às garantias estabelecidas constitucionalmente. Deve-se, portanto, fazer com que haja uma maior eficiência por parte do Poder Judiciário no que tange, especificamente, ao tempo do processo, buscando alternativas que levem em conta estabelecer em lei prazos para se julgar os recursos interpostos, o que resultará em uma decisão judicial célere e eficaz.

2. Consequências da Morosidade: injustiça, impunidade e instabilidade jurídica

Não é difícil interpretar que a justiça é “boa” para aqueles que cometem crimes, pois pagando um bom advogado, a lei ajuda e o judiciário consente através de sua morosidade, ou, quase inércia. O ganhador de uma ação nem sempre é o autor que teve seu pedido procedente e após 20 anos recebeu uma indenização, mas sim, o réu, que mesmo cometendo um ilícito, viveu em paz durante os 20 anos, para só então compensar o erro cometido.

O professor e advogado Flávio Beal retrata bem esta realidade:

O cidadão cumpridor de seus deveres, ao ver seu direito lesado, recorre ao Poder Judiciário acreditando ver reparado o dano sofrido num prazo máximo de dois anos. Ninguém procura o Judiciário para ver seu direito reconhecido em 5, 10 ou até 20  anos depois. Sempre acredita que sua demanda, por ser justa, será vitoriosa judicialmente num curto espaço de tempo. Não poderá ela aguardar tanto tempo para  ter uma sentença depois de investir em custas processuais, advogado defensor,  provável perícia, oficial de justiça e outras despesas. (...) Mas valeu a pena? Sete a oito anos de espera não é apenas um incômodo, mas  principalmente injusto. Não no sentido de a sentença ter sido injusta, mas de que a  demora não trouxe a esperada justiça, tornando-se menos justa ou menos injusta. A  reparação que traria justiça entre um e dois anos, depois de tanto tempo, não  somente faz perder o valor monetário da demanda, mas, principalmente, a paciência,  a esperança e a crença na Justiça dos homens. (BEAL, 2006, p. 178)

Deste modo, pode-se dizer que junto com a morosidade, vem a injustiça e, principalmente, a impunidade. Em muitos casos, o autor desiste do processo por desilusão, ou, em casos de execução, o réu vende ou dispõe de seus bens para não servirem de garantia; e ainda, tratando-se de crimes, o réu pode fugir da aplicação da lei mudando de endereço, país ou identidade.

Encontram-se diversas doutrinas defendendo a proteção do acusado e o respeito aos princípios constitucionais, como o duplo grau de jurisdição, o contraditório e a inocência.

Infelizmente, são poucos os que se preocupam com o outro lado da moeda, o autor, o ofendido, aquele que teve seu direito lesado, sua vida perturbada. Este fica esquecido no tempo, juntamente com seu processo. 

O que se espera em relação ao direito penal é sua utilização equilibrada, proporcionada, de tal forma que assegure a convivência social. (GOMES, 2002, p. 47) Não se quer enfatizar aqui a pena privativa de liberdade, mas sim, a punição em sentido amplo, seja na aplicação de medidas socioeducativas, preventivas ou de segurança, quando uma conduta efetivamente perturbou a tranquilidade alheia.

Isto posto, aceitação da PEC dos Recursos seria o início de uma mudança necessária para a sociedade e, consequentemente, para o Direito,  na medida em que  diminuirá a angústia de ver a impunidade bem diante dos olhos, posto que o cidadão de bem paga caros honorários ao advogado, propõe a ação, espera anos e anos pelo julgamento de sua causa, e quando menos espera, é surpreendido pela prescrição. Lá se foram todas as esperanças de justiça, de Estado Democrático de Direito, de Princípio da Dignidade Humana.

3. Cláusula de Repercussão Geral para o Recurso Extraordinário

 

O Recurso Extraordinário é um recurso excepcional que objetiva tutelar o direito objetivo diante de afronta à norma constitucional. Referindo-se ao recurso extraordinário, Humberto Theodoro Júnior, no livro Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, página 682, afirma: “Trata-se de um recurso excepcional, admissível apenas em hipóteses restritas, previstas na Constituição com o fito específico de tutelar a autoridade a aplicação da Carta Magna”. Desse modo, este é conhecido como extraordinário por ser específico dos casos elencados no artigo 102 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)

 III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, o Recurso Extraordinário sofreu importantes alterações, dentre as quais pode-se destacar a estabelecida no §3º, acrescido ao artigo 102 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(...)

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Pode-se verificar, portanto, que o legislador teve a preocupação de criar um conceito flexível, o qual admite a mutação do significado do termo Repercussão Geral e respeita as mais variadas situações em que possam surgir e confrontar o disposto na Carta Magna.

No mesmo sentido, afirmam José Medina, Luis Rodrigues Wambier e Teresa Wambier, citados no artigo Considerações sobre o instituto da repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário do professor Henrique Lopes Dornelas,que:

“Inútil ou pelo menos muitíssimo improdutivo, para efeito de gerar resultados desejados, seria se o legislador constitucional tivesse resolvido elencar quais matérias teriam repercussão geral, pois inexoravelmente acabaria por deixar causas realmente relevantes para o País de fora, já que a realidade é infinitivamente mais rica do que a imaginação dos que fazem as leis. Exatamente pelas mesmas razões, o legislador constitucional chegou a utilizar-se da expressão argüição de relevância. É relevante que aqui se sublinhe que a interpretação dos conceitos vagos vem adquirindo cada vez mais importância no mundo contemporâneo, porque o uso destes conceitos consiste numa técnica legislativa marcadamente afeiçoada à realidade em que hoje vivemos que se caracteriza justamente pela sua instabilidade, pela imensa velocidade com que acontecem os fatos, com que se transmitem as informações, se alteram "verdades sociais"”. (MEDINA;WAMBIER;WAMBIER,2005)

            Ainda em relação à normatização da repercussão geral, o artigo 523-A do Código de Processo Civil dispõe:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).



            Desse modo, de acordo com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Francisco Mitidiero: “Repercussão geral é algo que deve transcender os limites subjetivos da causa, sendo um assunto de relevância extrema e que repercuta para muitas pessoas ou para diversos segmentos da sociedade, devendo ser analisado em cada caso concreto, já que cada situação é diferente da outra”. Segundo Barbosa Moreira, repercussão geral é a “Questão capaz de influir concretamente, de maneira generalizada, numa grande quantidade de casos (...)”.

                Quanto às finalidade desse instituto, este visa conferir maior legitimidade ao recurso extraordinário e a referida inovação relaciona-se diretamente com a atual situação do Supremo Tribunal Federal frente ao grande número de recursos à espera de julgamento. De acordo com o próprio endereço eletrônico do STF, o instituto da repercussão geral tem as precípuas finalidades de:

a)             Delimitar a competência do STF, no julgamento de recursos extraordinários, às questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os interesses subjetivos da causa;

b)             Uniformizar a interpretação constitucional sem exigir que o STF decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional.

c) Firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não comi instância recursal.

d) Ensejar que o STF só analise questões relevantes para a ordem constitucional, cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes.

e) Fazer com que o STF decida uma única vez cada questão constitucional, não se pronunciando em outros processos com idêntica matéria.

Esse filtro recursal tem como efeito uma redução no número de processos encaminhados à Suprema Corte e se encontra diretamente ligado à idéia do direito fundamental a um processo justo e eficaz.  Partindo dessa premissa, Humberto Theodoro Jr destaca que:

“Foi a falta de filtragem da relevância do recurso extraordinário que levou o Supremo Tribunal Federal a acumular milhares e milhares de processos, desnaturando por completo seu verdadeiro papel institucional e impedindo que as questões de verdadeira dimensão pública pudessem merecer a apreciação detida e ponderada exigível de uma autêntica corte nacional” (JUNIOR, 2007,pg 6)

            Dessa forma, esse requisito funciona como um instrumento de delimitação dos processos a serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, assim como acontece na Suprema Corte dos Estados Unidos, no Writ Of Certionari, no qual para ser reconhecida a

transcendência da causa, é mister, no mínimo, o voto de quatro ministros, a fim de que o caso chegue ao plenário, dessa forma o recorrente deve aguardar essa deliberação para que possa recorrer à Suprema Corte. Dessa maneira, filtra-se os processos de maneira a selecionar os casos que substancialmente possuem relevância.

Confirmando esse entendimento, tem-se o posicionamento do autor Candido Rangel Dinamarco:

“Essa exigência, muito semelhante a uma que já houve no passado (a argüição de relevância), tem o nítido objetivo de reduzir a quantidade dos recursos extraordinários a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal e busca apoio em uma razão de ordem política: mirando o exemplo da Corte Suprema norte-americana, quer agora a Constituição que também a nossa Corte só se ocupe de casos de interesse geral, cuja decisão não se confine à esfera de direitos exclusivamente dos litigantes e possa ser útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas. Daí falar em repercussão geral - e não porque toda decisão que vier a ser tomada em recurso extraordinário vincule todos, com eficácia ou autoridade  erga omnes, mas porque certamente exercerá influência em julgamentos futuros e poderá até abrir caminho para a edição de uma súmula vinculante.” (DINAMARCO, 2008)

Conforme já foi dito, a repercussão geral constitui um requisito de admissibilidade para interposição dos recursos extraordinários, não se tratando, porém, de requisito de recurso pelo fato de não ter o intuito de obter a reforma ou a invalidação da decisão. Sobre o assunto, desvinculando a repercussão geral dos pressupostos constitucionais de admissibilidade e enfatizando o seu caráter especifico, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero afirmam:

“Trata-se de mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, com a diferença de que não se coloca no mesmo plano daqueles requisitos elencados na letra III do artigo 102, pois o recorrente, a partir de agora, além de ter que fundamentar o extraordinário em uma das letras, terá que demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. (MARINONI, MITIDIERO, 2008,pg 575).

Nesse sentido, a análise se a questão discutida no recurso extraordinário possui efetivamente relevância e transcendência é um requisito intrínseco de admissibilidade ligado à existência ou não do poder de recorrer. Além disso, esta avaliação é de competência exclusiva do STF que deverá examinar como questão prévia, antes de adentrar no mérito do recurso extraordinário, a repercussão geral da questão constitucional veiculada no recurso.

Outra questão é a roupagem formal da repercussão geral, sendo requisito extrínseco de admissibilidade do recurso e analisado pelo Tribunal a quo, visto que este apenas analisará se formalmente, na petição do recurso extraordinário, a preliminar consta na petição de interposição.

Nesse sentido, tem-se entendimento jurisprudencial da Ministra do STF Carmem Lúcia:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PRELIMINAR FORMAL DE REPERCUSSÃO GERAL: IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO RECURSO. LEI N. 11.418/2006: NORMAS GERAIS APLICÁVEIS A TODOS OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. REPERCUSSÃO GERAL IMPLÍCITA: INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO” (AI 703.114-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 17.4.2009).

                                            

“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Apresentação expressa de preliminar formal e fundamentada sobre repercussão geral no recurso extraordinário. Necessidade. Art. 543-A, § 2º, do CPC. 3. Preliminar formal. Hipótese de presunção de existência da repercussão geral prevista no art. 323, § 1º, do RISTF. Necessidade. Precedente. 4. Ausência da preliminar formal. Negativa liminar pela Presidência no recurso extraordinário e no agravo de instrumento. Possibilidade. Art. 13, V, c, e 327, caput e § 1º, do RISTF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 744.686-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 26.6.2009).

 

            Desse modo, destaca-se que o recorrente tem o dever de evidenciar, de forma expressa e formal, fundamentadamente, que a questão constitucional ventilada no recurso obedece à repercussão geral, incluindo tópico tratando sobre a preliminar de repercussão geral na mesma petição de interposição do recurso extraordinário, sob pena do mesmo não ser acolhido.

Na análise da roupagem formal, no exame apenas se no recurso consta a preliminar da repercussão geral, o órgão a quo não usurpa competência exclusiva do STF, pelo fato de que a decisão do órgão originário não acolher o recurso extraordinário, esta poderá ser recorrida através de agravo de instrumento, dirigido ao STF, de acordo com a regra estabelecida no artigo 544 do CPC.

Sobre a preliminar de alegação da Repercussão Geral e a apreciação da mesma pelo juízo a quo, o processualista Ernane Fidélis dos Santos afirma:

“A novidade que traz o novo requisito de admissibilidade do recurso é a de que o recorrente, em preliminar, deverá apresentar fundamentação específica que demonstre a repercussão geral. Nesta hipótese, a ausência de preliminar introdutória será motivo de não-recebimento do recurso, inclusive no juízo de origem, com possibilidade de reexame do Supremo Tribunal Federal, seja no caso no não-recebimento, por agravo de instrumento, seja no caso de reexame prévio no próprio juízo ad quem” (SANTOS, 2011,pg 690)

Ainda sobre o procedimento do Recurso Extraordinário quanto à analise da repercussão geral destaca-se o § 6º do art. 543-A, do CPC: “O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”. Ou seja, há a previsão de uma possível intervenção do  amicus curiae, o qual representa o terceiro que pode trazer elementos técnicos e de interesse da sociedade que poderão ajudar na decisão da causa, no recurso extraordinário. Ressaltando o valor do “amicus curiae”, Martha Rosinha, no artigo “Amicus curiae” - A legitimação do procedimento - repercussão geral e súmula vinculante, citando André de Albuquerque Cavalcanti Abbud, afirma:

“A admissão do amicus curiae tem o propósito de ampliar os mecanismos de participação da sociedade no processo, contribuindo assim para acentuar o caráter democrático e pluralista deste e, nessa medida, conferir maior legitimidade à decisão judicial. A previsão do anteprojeto foi, assim, bastante feliz. Tendo em vista a enorme força por ele atribuída aos precedentes do STF no juízo sobre a repercussão geral, os quais terão larga influência sobre o julgamento de outros recursos, nada melhor que abrir à sociedade, na figura do amicus, a possibilidade de participar ativamente da formação do convencimento e tomada de decisão da corte”. (ABBUD,2005).

            Desse modo, é imprescindível a participação de terceiros na análise da Repercussão Geral pelo fato de que esta terá eficácia para casos idênticos futuramente, devendo buscar-se, dessa forma, maior qualidade no debate da questão controvertida bem como uma adequada definição do que se amolda ou não ao requisito.

            Por fim, sabe-se que a condição de Repercussão Geral pode ser reconhecida ou recusada. Caso exista a repercussão geral, o recurso deve ser admitido e o mérito deverá ser julgado. Ao contrário, se inexistente a repercussão geral, negar-se-á seguimento ao recurso extraordinário e a decisão do Pleno atingirá todos os recursos sobre matéria idêntica, estes ainda pendentes de apreciação, sendo todos indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese nos termos do regimento interno do STF (artigo 543-A, §5º do CPC). Portanto, a decisão na dão existência de Repercussão Geral terá efeitos direitos nos recursos sobrestados, causando a inadmissão destes. Quanto ao reconhecimento da repercussão geral, Luis Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, afirmam:

“Tendo sido reconhecida a repercussão geral da questão debatida e julgado o mérito recursal, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de uniformização ou pelas Turmas Recursais. Nesse caso, poderão retratar-se de suas decisões, adequando-se à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo-lhes facultado, ainda, declará-los “prejudicados”, porque manejados em sentido contrário à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal.” (MARINONI,MITIDIEDRO,2008,pg 61)

            Desse modo, se o recurso representativo for provido, o órgão prolator da decisão deverá exercer juízo de retratação e proferir nova decisão em consonância com o entendimento externado pelo STF, se assim não fizer, o STF poderá cassar ou reformar liminarmente a decisão não retratada.

            Por conseguinte, conclui-se que, na análise do requisito da Repercussão Geral, será ponderada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Além disso, existirá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. Salientando, ainda, que quem decida a respeito da existência ou não de repercussão geral é o Supremo Tribunal Federal.  

CONCLUSÃO

Como dito alhures, a morosidade processual tratada neste artigo é prejudicial a ambas as partes do processo. Considerando que, todos aqueles que procuram o Poder Judiciário possuem um conflito a ser resolvido, a espera incansável pela sentença durante muitos anos constitui afronta direta ao princípio da celeridade processual, contido no artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal. Uma decisão tardia não pode ser avaliada como justa. Tanto o requerente, como o réu, são prejudicados pela espera, eis o processo perde sua função.

Quanto ao requisito de admissibilidade dos Recursos Extraordinários representado pela Repercussão Geral, conforme já destacado anteriormente, na qualidade de pressuposto intrínseco, deverá ser observado pelos juízes a quo e a quem, competindo somente ao Supremo Tribunal Federal a manifestação acerca da presença ou não do referido requisito. A tarefa do órgão a quo também será imprescindível de modo que efetive a função de filtro recursal atribuída ao instituto da Repercussão Geral, objetivando que o Supremo Tribunal Federal aprecie exclusivamente questões concernentes à proteção da unidade e autoridade da Carta Magna, relevantes do ponto de vista econômico, político, jurídico ou social, que transcendam os interesses subjetivos das partes e da causa.



[1] Alunas do 6° período do curso de direito da UNDB.