A Lei 11.101/2005 em seu capítulo III disciplina o instituto da recuperação de empresas, que surgiu em substituição do sistema de concordatas. Esse sistema era regulado pelo Decreto-Lei nº. 7.661/45 e tornou-se insatisfatório, pois não exibia feições contratuais, era profundamente formal, submetia os credores que a ele estavam sujeitos (quirografários) a um modelo pronto e único traçado na lei, impedindo que os mesmos manifestassem sua vontade. Se o devedor preenchesse os requisitos impostos pela lei, passava a ter direito a esse favor, que possuía como meta a concessão de uma simples moratória.
Para Manoel Justino Bezerra Filho :
A falência e também a concordata, na forma como se encontravam estruturadas no Dec.-Lei 7.661/1945, não ofereciam possibilidade de solução no sentido de propiciarem ao então comerciante, hoje empresário ou sociedade empresária, em situação em crise, a possibilidade de se recuperarem.
Para Jorge Lobo apud Bezerra Filho :
O que se verificava é que o sistema anterior não conseguia proteger os credores da empresa concordatária ou falida e não conseguia também, por outro lado, preservar a atividade empresária, apresentando-se como sistema incapaz de preservar qualquer tipo de interesse, atendendo apenas, na grade maioria das vezes, ao empresário oportunista e desonesto.
A evolução das relações comerciais e surgimento do conceito de empresa como fonte geradora de bens econômicos, patrimoniais e sociais, fez com que o sistema de concordatas se tornasse anacrônico. Raramente uma empresa que adotava esse sistema conseguia sobreviver, e ainda mais raro eram os casos em que a empresa falida continuava a desenvolver seus negócios, como o próprio Decreto- Lei previa. Esse quadro trouxe a necessidade de realização de uma reforma na Lei de Falências.
Porquanto, a Lei 11.101/2005 foi instituída com o intuito de sanar as imperfeições do extinto Decreto-Lei, viabilizando a superação da crise econômico-financeira em que se encontra o devedor, por meio de uma proposta apreciada pelos credores, que darão assentimento expresso em assembléia, e restringindo a atuação do Juiz à verificação das disposições legais aplicáveis ao plano.
A situação das micro e pequenas empresas, que não era regulada pelo Decreto-Lei, agora é regida pela Lei de Recuperação de Empresas, que garante às mesmas um plano especial (art. 70 da Lei).
Outra novidade trazida pela aludida lei, é a possibilidade de o devedor resolver a crise econômico-financeira da empresa sem que haja intervenção estatal, por meio da recuperação extrajudicial, convocando extrajudicialmente os credores, para negociar seus créditos com o mesmo.
O processo de recuperação extrajudicial apresenta-se, assim, como a primeira tentativa de solução amigável das dívidas do empresário.
O art. 47 da Lei 11.101/2005 demonstra que o instituto da recuperação de empresas apresenta-se como um somatório de providências por meio das quais a capacidade produtiva da empresa em crise possa, da melhor forma possível, ser reestruturada e aproveitada, superando o momento em que se encontra, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a composição do interesse dos credores.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho , os objetivos da recuperação judicial são: "saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores".
Assim, podemos afirmas que a recuperação judicial possui duas finalidades, uma mediata, outra imediata. A finalidade mediata é preservar a empresa, promovendo sua função social e estimulando a atividade econômica, tanto por meio da manutenção dos fatores de produção, quanto por meio da tutela de interesse de credores. A finalidade imediata é auxiliar o empresário, atuando como mecanismo apto a permitir a superação da crise econômico-financeira de sua empresa.
Neste sentido:
1.EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DAS CUSTAS E DEPÓSITO RECURSAL. A recuperação judicial, que tem por objetivo possibilitar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, preservando a função social da empresa e lhe proporcionando estímulo à atividade econômica (artigo 47 da Lei nº 11.105/2005), é um instituto diferente da decretação de falência, principalmente porque sua adoção permite a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Neste contexto, é possível inferir que as empresas, em recuperação judicial, não tem direito à isenção do recolhimento do depósito recursal e das custas, ou mais precisamente, o processo de recuperação judicial não comprova a incapacidade financeira da empresa. À míngua desta prova, indefere-se o pedido de concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça.
2. Recurso ordinário não conhecido.
(RO 141200901810002 DF 00141-2009-018-10-00-2, 2ª Turma TRT, Rel. Des. Ribamar Lima Junior, julgado em 27/10/2009). Grifo nosso.
O art. 170 da nossa Carta Magna estabelece os fundamentos e princípios que norteiam a ordem econômica. A análise desse dispositivo nos faz inferir que a Constituição, baseando-se no neoliberalismo, concede à iniciativa privada a prioridade para a prática da atividade econômica, pois assenta a ordem econômica na propriedade privada e na livre iniciativa e limita a atuação do Estado à regulação dessas atividades. Porquanto, é atribuído à empresa não somente o papel de organizar e manter os fatores de produção no meio social, gerando e circulando riquezas, mas o de atuar como mecanismo de sustentação e transformação da ordem social.
Esse é motivo de a recuperação judicial agir como remédio às empresas em crise. Não são somente os interesses do devedor e dos credores que estão em jogo, mas de toda coletividade. Há uma preocupação com o papel social que as empresas exercem, o que justifica todos os esforços no sentido de salvaguardá-las. Elas despontam no cenário econômico como propulsoras de produção e circulação de bens e serviços, além de serem importantes fontes de emprego e de receitas fiscais para os Estados.
Para Fábio Konder Comparato a função social da empresa é "o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com os interesses da coletividade".
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald afirmam que:
A alteração de paradigmas é acentuada na moderna noção de empresa. [...] Com o processo de globalização, a empresa assume papel ainda mais decisivo na ordem jurídica contemporânea. Se dela provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos, urge, em contrapartida, que a sua função social deva resultar de uma ampliação de sua responsabilidade social, redefinindo e valorizando sua missão perante a coletividade. Essa contribuição social não importa em diminuição de lucros, tampouco em desoneração do Estado sobre as funções que lhe são inerentes. A empresa não pode renunciar à sua finalidade lucrativa, mas é tão responsável quanto o Poder Público em assegurar direitos fundamentais ao indivíduo, por meio de políticas ambientais e culturais e oferta de benefícios diretos e indiretos à sociedade.
Assim, conferir função social à empresa não significa desvinculá-la da obtenção de lucros, mas orientar a atividade empresarial para fins sociais, para objetivos coerentes com o interesse da coletividade.
O Estado não possui interesse na preservação de empresas que possuem metas particulares e são descompromissadas com a sociedade. E é por esse mesmo motivo que os empresários irregulares não são agraciados por esse instituto. Ele estaria desestimulando a regularização das empresas se garantisse à todas os mesmos benefícios. Assim, estabelece o art. 48 da 11.101/2005, que somente o empresário que se sujeita ao controle estatal, ou seja, que está regularmente inscrito na Junta Comercial, é que pode requerer a recuperação judicial.
Além disso, é necessário que ele exerça a atividade empresarial há mais de dois anos. Esse prazo nos faz inferir que a empresa era estável, possuía intenção de permanecer atuante no mercado, ou seja, não realizava uma atividade temporária.
Porquanto é necessário que além de função social, a empresa apresente viabilidade econômica, ou seja, esteja apta a ser recuperar.
Em nossa realidade, a doutrina econômica defende, genericamente, que as empresas que possuem fluxo de caixa positivo e apresentam perspectivas de pagamento de suas dívidas, têm condições concretas de recuperação. E que por outro lado, as empresas com fluxo de caixa negativo, mas exercem uma atividade viável economicamente, devem apresentar alternativas que permitam a continuidade do negócio. Já as empresas inviáveis, com valor negativo, não teriam razão econômica para continuar, sendo seu encerramento necessário.
Nossos tribunais têm relativizado esse posicionamento. Interpretando as situações de acordo com a capacidade da empresa em atender os interesses que vêm priorizados pela norma legal e constitucional, quais sejam eles: dos trabalhadores, de consumidores, credores e de interesses da própria coletividade. Portanto, o atendimento de interesses não deve ser somente quantitativo, como também qualitativo. Até porque, como já fora dito anteriormente, a recuperação de empresas possui como finalidade a superação da crise econômico-financeira da empresa e a promoção da função social da mesma.
Não obstante, é fundamental a adoção de um plano reorganizacional. Os arts. 50 e 53 da Lei 11.101/2005 estabelecem que se a empresa demonstrar que está apta a se recuperar, preenchendo os requisitos formais do art. 51, da Lei 11.101/2005, deverá apresentar um plano de recuperação que será apreciado pelos credores.
O plano de recuperação tem como peça principal a projeção do fluxo de caixa da empresa para os anos seguintes, permitindo que se visualize como a empresa reunirá condições para continuar operante. Ele deve abordar aspectos relevantes do negócio e as ações previstas para a solução das dificuldades financeiras.
Uma vez aprovado o plano, a empresa deve emitir relatórios mensais que demonstrem suas operações, comprovando que o plano está sendo seguido e que os resultados esperados estão sendo alcançados.
Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SENTENÇA QUE CONVOLA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO CONDICIONAL. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE AS CONDIÇÕES PREESTABELECIDAS FORAM IMPLEMENTADAS. INVIABILIDADE DA EMPRESA. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Empresarial da Comarca da Capital que convolou a recuperação judicial em falência da agravante. A recuperação judicial tem por escopo permitir a reestruturação dos empresários individuais e das sociedades em crise, em reconhecimento à função social da empresa e em homenagem ao princípio da preservação da empresa. Todavia, a recuperação só deve ser facultada aos devedores que realmente se mostrarem em condições de se recuperar. Se a situação de crise que acomete o devedor é de tal monta que se mostra insuperável, o caminho da recuperação lhe deve ser negado, não restando alternativa a não ser a decretação de sua falência. No caso em questão, constata-se que o Juízo a quo, com muita propriedade, diligência e perspicácia, observou a inviabilidade da empresa. De nada adianta demonstrar a relevância sócio-econômica regional da atividade do devedor, se o descompasso entre o ativo e passivo, bem como o diminuto faturamento anual, deixam entrever a inviabilidade da empresa, sublinhado com ênfase pela magistrada de 1º grau. A lei de regência (Lei n.º 11.101/2005) não prevê a possibilidade de aprovação do plano de recuperação judicial com votos condicionais. De fato, infere-se da ata da última Assembléia Geral de Credores, realizada em 22.06.2009, que os credores reais (os maiores representando 80% do valor dos créditos), isto é, a FINEP e o BDMG, estabeleceram inúmeras condições à aprovação do plano de recuperação judicial, que, diante do que consta nos autos, não foram devidamente implementadas pela agravante. Assim sendo, não obstante a falta de previsão legal dos votos condicionais, a agravante não comprovou, de forma cabal, que implementou as aludidas condições, não havendo, pois, como exercer o direito condicional. Recurso a que se nega seguimento, com esteio no art. 557, caput do CPC. (AI 420104520098190000 RJ 0042010-45.2009.8.19.0000, 15ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Bento de Souza, julgado em 08/04/2010). Grifo nosso.
Ex positis, percebe-se que para que uma empresa possa beneficiar-se do instituto de recuperação judicial, é imperioso que possua viabilidade econômico-financeira, demonstrando também função social relevante.
A função social implica a proteção dos direitos dos funcionários, dos consumidores, dos acionistas e cotistas, do meio ambiente, enfim, de toda coletividade. Ela importa também, na preservação da atividade econômica, a circulação de bens, obtenção de receitas tributárias e diversas relações jurídicas que estão interligadas ao exercício da empresa. Trata-se, portanto, de importante mecanismo para o desenvolvimento econômico e social do país, como meio de efetivação dos preceitos maiores da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
















REFERÊNCIAS:

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falência comentada. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

BRASIL, Lei nº 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em: 26 maio 2011.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.3., São Paulo: Saraiva, 2005.

COMPARATO, Fabio Konder. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990.

FARIAS, Cristiano Chaves de; Nelson Rosenvald. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MARZAGÃO, Lídia Valério. Recuperação judicial. In MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

Jurisprudências do STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=recupera%E7%E3o+judicial+fun%E7%E3o+social&b=ACOR > Acesso em: 26 de maio de 2011.