Crônica

                                 RECEITA MALUCA PARA EMAGRECER                                  Edevaldo Leal

                  

                                     Todos os anos é a mesma coisa: há alguns meses do verão, as academias (as de ginástica) engordam a lista de matrícula de mulheres que desejam definir vaidades para indisfarçados olhares. Os caçadores urbanos precisam estimular apetites a cada mergulho do olhar. Há outras mulheres, porém, que desejam emagrecer por razões menos dissimuladas. Desejam emagrecer para seduzir a própria vida.

                                       A baiana Adriana Santos, lá da periferia de Salvador, tem pressa para não perder a vida. Maltratada pela falta de ingestão de alimentos pouco calóricos ou por um desequilíbrio hormonal, já não suporta o próprio peso e os olhares de compaixão. O que falta à Adriana, e a tanta gente acima do peso, não é só reeducação alimentar. Falta-lhe uma renda digna para pôr à mesa alimentos mais saudáveis. As saladas coloridas e os alimentos integrais não fazem bem a todos os bolsos.

Adriana sabe que o tempo fora da mesa, para caminhar nas esteiras das academias ou nas calçadas das praças, é importante. Mas ela não tem o dom da transformação para alongar o tempo. Como num ritual diário, Adriana acorda antes do Sol, arruma a casa, deixa as crianças na creche pública e, às 8 horas em ponto, começa o trabalho de empregada doméstica. Ao findar a tarde, ela volta a contar as horas, para começar tudo de novo. Além da vida dura que leva, a baiana Adriana tem o problema do excesso de peso, que precisa ser eliminado sem demora, para não fazer o tempo encurtar de vez: o tempo voltando-se contra ela, a sombra da morte à espreita, emboscadas de gorduras a qualquer hora explodindo arterias cardíacas. Um ponto final na vida.

Agarrada à vontade de prolongar os anos de sua vida, Adriana pensou em Deus, em Orixás e Babalorixás e até quase pensou em procurar um Pajé. Quase.Numa pausa de sensatez, decidiu, mesmo, procurar um médico. O que Adriana não sabia era que, após longas horas numa fila do SUS, incluindo parte da madrugada, em vez de médico, foi, na verdade, atendida por um maluco vestido de branco.

O cronista não está inventando. A notícia deu na Band, no jornal do inicio da noite de 9 de novembro de 2012. O jornal diz que Adriana foi atendida por um médico. Mas que médico, numa receita de papel timbrado, receitaria para Adriana emagrecer o uso de cadeados na boca, na geladeira, no armário, no freezer, no congelador e no cofre da casa? E Adriana, meu Deus, lá tem cofre? O homem de branco, cujo nome a notícia não revelou,  na receita estranhamente intitulada ''cadialina'', além de cadeado, receitou água somente às segundas e sextas e, nos outro dias da semana, completo jejum. Segundo o Conselho Regional de Medicina da Bahia, a situação será apurada por meio de uma sindicância. E, caso haja indícios de infração, um processo ético profissional será aberto. Ou seja, uma receita maluca para emagrecer, à base de cadeados e jejuns, pode ou não ser uma infração ética profissional. Ocorre que os conselhos de medicina apuram somente condutas médicas e essa é uma conduta de que profissional, mesmo?

Adriana não foi atendida por médico. Quem a atendeu nem pajé era, com o devido respeito às crenças tribais. Um pajé reza, benze, o que a deixaria relaxada; recomendaria chás e banhos de ervas aromáticas, o que alimentaria a esperança de Adriana. Quem atendeu Adriana? Sabe-se apenas que Adriana, experiente em abrir portas, foi atendida por alguém que se propôs a fechar-lhe, de vez,  a porta para a vida.