RESUMO

Este trabalho evidencia a relação entre a massificação que leva ao desejo desmedido do consumo e aquilo que provisoriamente se pode chamar de “inversão de valores”, sendo esta expressão perfeitamente questionável, mas didaticamente necessária, no âmbito das Instituições de Ensino (IE). “Inversão de valores” deve ser entendida aqui como todo processo onde se tem como parâmetros de referência critérios que priorizam o consumo material e o que por definição se aproxima da noção de futilidade em detrimento à própria sobrevivência, o desenvolvimento emocional, pessoal e cultural. Apresenta-se aqui, uma reavaliação dos parâmetros que ditam os valores que dão base aos trabalhos realizados nas IE no Brasil. Aqui esses parâmetros passam por um levantamento mostrando seu estado atual e o que hegemonicamente se tem como referenciais gerais, seguido de questionamentos, sobretudo no tocante aos efeitos relacionados à justiça social e à democracia em seu acesso e relevância pública. Ao final, algumas alternativas novas e já em uso, apresentadas pelas IE, que representam exceções e conseguiram aliar ideologias que vão ao encontro do interesse público e à manutenção de sua existência quanto instituição.

INTRODUÇÃO

Em tempos nos quais as questões fundamentais da existência humana são aprofundadas, em paralelo a uma alienação ainda existente por outros setores da sociedade, e o consumo de bens materiais é visto por muitos como base da felicidade, podemos admitir a existência de um cenário apropriado para a discussão do que norteia as ações coletivas dos homens, das instituições e aí estão incluídas as IE.

A substituição do culto ao trabalho e, consequentemente, dos bens de consumo excedentes, para o culto à pessoa e o prazer das relações humanas colaborativas, aparece como opção e será tomada como referência aqui.

No que se observa da realidade de algumas IE, pode-se afirmar que as relações de mercado representam o principal norteador. Com efeito, constata-se a formação de boa parte dos profissionais com essa dependência de critérios mercantis e com pouco ou nenhum ideal coletivo que contemple os anseios da construção de uma sociedade mais justa, mais crítica e por conseqüência, mais ativa em suas reivindicações e participação política.

Esse panorama representa os alicerces que justificam o título deste trabalho: "Reavaliação dos Parâmetros Regentes da Educação e suas Relações com os Ideais de Consumo".

Reavaliar os parâmetros remete a um mecanismo de questionamento do que há de mais básico e profundo no âmago de um indivíduo em seu processo de amadurecimento, processo o qual pode se estender até organizações não individuais como uma Instituição de Ensino. Um resultado desejável desse questionamento está relacionado à necessidade premente da compreensão da função chave que a educação tem em nossa sociedade.

Isto posto, leva à consciência do que se tem como objetivo principal deste trabalho, que é a confirmação da necessidade da incorporação de valores de base mais ligados ao indivíduo, tendo a certeza que este carece de bens materiais, mas que estes não devem representar um fim, mas um meio, e que a vida não deve estar submetida exclusivamente a padrões de consumo, inclusive em um dos aparelhos ideológicos mais significativos da sociedade a Instituição de Ensino.

No capítulo 1 (Felicidade e Consumo), analisam-se as relações e a mística em torno desses termos, tendo como objetivo melhorar o entendimento das reações dos indivíduos, sobretudo frente aos impulsos de consumo.

No capítulo 2 (Neoliberalismo na Educação), procura-se entender a influência desse padrão da economia na dinâmica da educação no Brasil e suas consequências.

No capítulo 3 (Visão Geral dos Norteadores Atuais das IE), há a busca da compreensão geral do que orienta as decisões e atividades das IE no Brasil e algumas alternativas aos padrões hegemônicos atuais, servindo como contraponto da análise.

No capítulo 4 (Alternativas às bases atuais regentes das IE), faz-se uma análise das alternativas aos padrões atuais hegemônicos nas atividades educacionais e os seus resultados sobretudo no que diz respeito à formação dos indivíduos e a busca de iniciativas que mostram a eficácia do pensamento teórico educador, sendo este não mais apenas uma teoria e sim uma comprovação empírica.

CAPÍTULO 1 - FELICIDADE E CONSUMO

A tônica deste trabalho está pautada na discussão e no questionamento dos valores regidos ou aceitos pelas IE no Brasil e suas consequências. Nesse contexto, a diferenciação entre sucesso e felicidade deve ser enfatizada. Afinal, avaliar os parâmetros que dão os rumos às decisões estratégicas dos projetos de educação no Brasil devem, invariavelmente, passar por esse questionamento.

A sociedade tem no ato de consumir a atividade que pode trazer as satisfações e realizações últimas da existência humana nas sociedades baseadas na acumulação de riqueza pelos donos dos meios de produção. Consumo e felicidade associam-se quando a cultura industrial mostra, em suas produções (novelas, filmes, propagandas, videoclipes), personagens realizados porque adquiriram algum objeto material.

Ter a roupa da última moda, o modelo mais novo do carro, o cartão de crédito ilimitado, fazer a viagem ao destino mais procurado, ir à festa mais esperada, adquirir o celular e o computador pessoal mais avançados, têm uma conexão muito forte com o prestígio, riqueza e poder.

O filósofo Baudrillard desenvolveu os conceitos de "Kitsch, o Gadget e o Lúdico" para representar uma simbologia que procura estruturar a relação de felicidade e consumo. O primeiro é o conjunto de artefatos da tradição de uma determinada cultura que se torna mercadoria de consumo. Fora do contexto de seu significado histórico, o kitsch se transforma em adornos, bugigangas, quinquilharias como estatuetas, bibelôs e colares. São objetos que, além de perder seu significado por estarem sendo comercializados fora de seu contexto, não se têm valor de uso. É o consumir por consumir. Para assim, tentar incansavelmente encontrar alguma realização plena. (Baudrillard, 1970)

A reciclagem cultural industrializada caracteriza também o kitsch. O que era antigo é relançado como novo alimentando o ciclo vicioso de seguir a moda das tendências atuais mesmo que sejam velhas novidades. Isso garante a circulação do mercado que impossibilita o acúmulo de riqueza pelos consumidores.[1]

Da mesma forma, mostra-se também o gadget. Alguns produtos que têm utilidade prática passam a ter mais valor pelos seus acessórios que tornam tão importantes ou até mais do que sua função principal. Isso leva a lembrar dos telefones celulares. Estes incorporaram tantas funções (mpx, vídeos, internet...) e a função original de fazer ligações telefônicas acabou entrando nesse conjunto como mais um item.[2]

Outra característica da sociedade de consumo é a importância do lúdico. A realização plena se tornou fuga da realidade. Os indivíduos procuram nas festas, passeios, novelas, filmes, músicas, entorpecentes, os raros momentos de felicidade. O êxtase se tornou possibilidade de realização. [3]

Nesse sentido diversão significa o não pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. Na sua base do divertimento, planta-se a impotência. É, de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode haver deixado (HORKHEIMER, & ADORNO, APUD LIMA, 1990, p. 364).

Os produtos de consumo estão associados aos prazeres de, por exemplo, pertencer a um grupo social, de ter um (a) parceiro (a) sexual, de degustar um alimento, de enfrentar o medo ou de aliviar o estresse. [4]

Em síntese, mesmo que não se possa generalizar a associação obrigatória da felicidade com os ideais de consumo por todos, pelo exposto aqui, e pelo que observamos nas nossas relações humanas cotidianas, a afirmação de que há uma parcela significativa da sociedade que faz esse vínculo é razoável.

Questionar essa supervalorização da necessidade de consumo e seu efeito real na felicidade integral está no centro do que se pretende despertar nesse trabalho e será um dos referenciais para a condução de uma análise conclusiva, quando os parâmetros que norteiam as ações das instituições estão em pauta.

CAPÍTULO 2 - NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO

Atualmente, o termo neoliberalismo é amplamente mencionado particularmente pelos segmentos da sociedade que vêem neste alvo de críticas e de afinidade com os interesses diversos que não se alinham com os ideais democráticos e de interesse público de maior relevância social e de promoção da justiça.

Devido às ocorrências frequentes desse termo neste trabalho, é natural que se dedique um espaço aqui para uma compreensão maior de sua representatividade, até para minimizarmos os efeitos de alguma exposição parcial ou até mesmo radical, no posicionamento ideológico.

Oficialmente, podemos definir o neoliberalismo como um conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois, sob esta perspectiva, este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país. Surgiu na década de 1970, através da Escola Monetarista do economista Milton Friedman, como uma solução para a crise que atingiu a economia mundial em 1973, provocada pelo aumento excessivo no preço do petróleo (Superbia, 2008).

Um resumo dos princípios básicos do neoliberalismo é exposto a seguir:

- Mínima participação estatal nos rumos da economia de um país;

- Pouca intervenção do governo no mercado de trabalho;

- Política de privatização de empresas estatais;

- Livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização;

- Abertura da economia para a entrada de multinacionais;

- Adoção de medidas contra o protecionismo econômico;

- Desburocratização do estado: leis e regras econômicas mais simplificadas para facilitar o funcionamento das atividades econômicas;

- Diminuição do tamanho do estado, tornando-o mais eficiente;

- Posição contrária aos impostos e tributos excessivos;

- Aumento da produção, como objetivo básico para atingir o desenvolvimento econômico;

- Contra o controle de preços dos produtos e serviços por parte do estado, ou seja, a lei da oferta e demanda é suficiente para regular os preços;

- A base da economia deve ser formada por empresas privadas;

- Defesa dos princípios econômicos do capitalismo.

Com o passar dos anos, e com o crescimento da influência desses princípios, o neoliberalismo torna-se ideologia dominante numa época em que os EUA detêm hegemonia no planeta. É uma ideologia que procura responder à crise do estado nacional ocasionada de interligação crescente das economias das nações industrializadas por meio do comércio e das novas tecnologias. Enquanto o liberalismo clássico, da época da burguesia nascente, propôs os direitos do homem e do cidadão, entre os quais, o direito à educação, o neoliberalismo enfatiza mais os direitos do consumidor do que as liberdades públicas e democráticas e contesta a participação do estado no amparo aos direitos sociais (Marrach, 1996).

Tendo como base alguns resultados oriundos de dados e estudos sociológicos, setores mais críticos da sociedade deram início à geração de uma série de argumentos que tentam provar o saldo negativo da aplicação desses ideais, ou, na melhor das hipóteses, a comprovação de que o neoliberalismo já não mais merece representar a base das relações econômicas, políticas e sociais de nossa sociedade.

Dados como o aumento da quantidade de ricos no Brasil de 507 mil famílias ricas em 1980, para 1,16 milhão em 2000, sem um crescimento proporcional das outras camadas, fortalecem a idéia de que o neoliberalismo representa uma regressão do campo social e político e corresponde a um mundo em que o senso social e a solidariedade atravessam uma grande crise (Revista O Retrato do Brasil – Outubro de 2004). Nessa perspectiva, o neoliberalismo se configura como uma ideologia neoconservadora social e politicamente alinhada à sociedade administrada pelos chamados países avançados, em que o cidadão foi reduzido a mero consumidor, crescendo no Brasil e em outros países da América Latina, se vinculado à cultura política predominantemente conservadora. O neoliberalismo, então, parte do pressuposto de que a economia internacional é auto-regulável, capaz de vencer as crises e, progressivamente, distribuir benefícios pela aldeia global, sem a necessidade de intervenção do Estado (Gomes, 2009).

Enquanto o liberalismo tinha por base o indivíduo, o neoliberalismo está na base das atividades do FMI, do Banco Mundial, dos grandes conglomerados e das corporações internacionais. A liberdade que postula é a liberdade econômica das grandes organizações, desprovida do conteúdo político democrático proposto pelo liberalismo clássico (Celestino & Marrach, 1996).

Liberalização do comércio, produtos internacionais, novas tecnologias de informação e comunicação, privatização, começam a modificar o desempenho dos mercados dos países latino-americanos, africanos e dos ex-países socialistas. Pode-se então usar a expressão "globalização da globalização" para se referir à incorporação destas regiões anteriormente colocadas à margem do processo, agora articuladas por meio de uma nova modernização.

Talvez seja interessante nesse momento, distinguir modernidade de modernização. A primeira, na perspectiva desse trabalho, decorre de um movimento espontâneo da sociedade, da economia, capaz de modificar o papel dos atores sociais e de revitalizar a vida social, econômica, cultural e política dos indivíduos, grupos e classes sociais. A segunda é uma reforma do alto, implementada por um grupo ou classe dirigente que procura adequar a sociedade vista como atrasada ao modelo dos países avançados (Candido & Faoro, 2002).

A modernização chega à sociedade por meio de um grupo condutor que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Tem um caráter voluntarista, certa dose de imposição.

No decorrer da história, o Brasil passou por diversas modernizações. Uma que merece destaque, na passagem do Império à República, foi a tentativa de reforma projetada e frustrada, de militares, médicos e engenheiros educados. Tratava-se de uma elite que "não conseguia dar as cartas no estamento imperial". A reforma projetada não modificou a sociedade, apenas criou um novo estamento que ocupou o lugar do antigo (Marrach, 1996).

Atualmente assistimos à realização de reformas neoliberais empreendidas por sociólogos - antes críticos dos "donos do poder" (Faoro, 1958) - agora amalgamados ao grupo dirigente em uma nova modernização de cúpula.

No Brasil, a modernização em curso pretende reformar o Estado para transformá-lo em Estado-mínimo, desenvolver a economia, fazer a reforma educacional e aumentar o poder da iniciativa privada transnacional.

Quando se tem um presidente democraticamente eleito, que tem o respeito da esquerda devido ao seu passado político e intelectual, e o respaldo da direita devido à conciliação da social-democracia com o neoliberalismo, a conciliação é a estratégia política conservadora que assume uma face progressista, isto é, a de estar com a história, no caso, com o processo de globalização e a inserção de um país na "nova ordem mundial", e que, ao mesmo tempo, reage à atuação do Estado na política social. Eis a sua fórmula: um máximo de liberdade econômica, combinando com o respeito formal aos direitos políticos e um mínimo de direitos sociais. A educação está entre estes.

No discurso neoliberal a educação deixa de ser parte do campo social e político para ingressar no mercado e funcionar à sua semelhança. Este discurso se apóia na "tese da ameaça", isto é, num artifício retórico da reação, que enfatiza os riscos de estagnação que o Estado do Bem-Estar Social representa para a livre iniciativa: para a produção de bens de consumo, maquinário, para o mercado, para a nova ordem mundial (Hirschsman, 1985).

No Brasil, embora não haja Estado do Bem-Estar Social, a retórica neoliberal é basicamente a mesma. Atribui à participação do Estado em políticas sociais a fonte de todos os males da situação econômica e social, tais como a inflação, a corrupção, o desperdício, a ineficiência dos serviços, os privilégios dos funcionários. Defende uma reforma administrativa, fala em reengenharia do Estado para criar um "Estado mínimo", afirmando que sem essa reforma o país corre o risco de não ingressar na "nova ordem mundial".

A retórica neoliberal atribui um papel estratégico à educação e determina-lhe basicamente três objetivos:

Atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. Assegura que o mundo empresarial tem interesse na educação porque deseja uma força de trabalho qualificada, apta para a competição no mercado nacional e internacional. Valoriza as técnicas de organização, o raciocínio de dimensão estratégica e a capacidade de trabalho cooperativo.

Tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em questão é a adequação da escola à ideologia dominante. Essa precisa sustentar-se também no plano das visões do mundo, por isso, a hegemonia passa pela construção da realidade simbólica. Em nossa sociedade a função de construir a realidade simbólica é, em grande parte, preenchida pelos meios de comunicação de massa, mas a escola tem um papel importante na difusão da ideologia oficial.

Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da informática. O que, aliás, é coerente com a idéia de fazer a escola funcionar de forma semelhante ao mercado. Mas é contraditório porque, enquanto, no discurso, os neoliberais condenam a participação direta do Estado no financiamento da educação, na prática, não hesitam em aproveitar os subsídios estatais para divulgar seus produtos didáticos e paradidáticos no mercado escolar (Gomes, 2009).

Fazendo uma análise dos reflexos dos ideais neoliberais na educação, pode-se detectar a ausência de um princípio que fomente o resgate da formação do indivíduo crítico-reflexivo, componente básico e essencial a qualquer representação social que almeje uma posição de destaque na condução de caráter decisório global. Se os Parâmetros Regentes da Educação de qualquer sociedade, em particular os defendidos por essa ideologia neoliberal ligada a nomes como o próprio Milton Friedman, se limitam a esses critérios propostos pelos ideais neoliberais, então essa sociedade em questão estará subordinada e condicionada passivamente às deliberações de terceiros. Qualquer dirigente, ministro, líder do legislativo, ou reitor com a mínima intenção de desenvolvimento real, em todos os sentidos das potencialidades humanas, não podem ignorar a necessidade da ampliação desses critérios. [5]

No fim dos anos 80 e nos anos 90 começaram a circular, no meio educacional, palavras como: qualidade total, modernização do ensino, adequação ao mercado de trabalho, competitividade, eficiência e produtividade, fruto da ideologia neoliberal. Atribuiu-se à educação a responsabilidade de dar sustentação à competitividade do país, pois, enquanto consenso mundial, disseminou- se a idéia de que para sobreviver à concorrência do mercado, para conseguir ou manter um emprego, para ser um cidadão do século XXI, seria preciso dominar os códigos da modernidade (SHIROMA et alii, 2004, p. 54).

Documentos provenientes de organismos internacionais como: Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização Mundial do Comércio (OMC), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento Industrial e Social (ALADIS), propalaram soluções consideradas cabíveis aos países em desenvolvimento, no que tange tanto à educação quanto à economia. [6]

A partir da Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), realizada em Jontien (Tailândia), financiada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o PNUD e BM, ficou acordado com representantes de diversos governos e entidades não-governamentais, associações profissionais e educadores do mundo inteiro, que todos se comprometeriam em garantir uma educação básica de qualidade para todas as crianças, jovens e adultos do seu país (SANDER, 2008).

Para tais organizações, a Educação Básica deveria dar conta de atender as necessidades básicas da aprendizagem, visando: à redução da pobreza; ao aumento da produtividade dos trabalhadores; à redução da fecundidade; à melhoria da saúde, além de dotar as pessoas de atitudes necessárias para participar plenamente da economia e da sociedade. Ou seja, investir na educação básica contribuiria para formar trabalhadores mais adaptáveis, capazes de adquirir novos conhecimentos sem grandes dificuldades, atendendo assim, à nova demanda do mercado globalizado.

O que se coloca em questão aqui, não é a melhoria da educação tendo como consequência a melhora geral da vida dos indivíduos, o que se questiona é o tipo de barganha que se esconde nessa aparente boa vontade internacional.

Essas reformas consistem na retomada dos pressupostos liberais, impondo aos países em desenvolvimento diretrizes políticas de ajuste estrutural conveniente aos interesses do capital estrangeiro, como: redução dos gastos públicos com os setores sociais: uniformização e integração dos países às políticas econômicas globais; restrição da criação científica e tecnológica para os países pobres; e um investimento da educação, principalmente, com o objetivo de proporcionar à população a aquisição de competências, habilidades e valores mínimos necessários ao mercado. [7]

No caso do Brasil, a implementação dessas políticas internacionais teve início no governo Itamar Franco, a partir da elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos. Foi, porém, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que a reforma anunciada se concretizou. Essas reformas educacionais realizaram-se "como elemento do projeto neoliberal de sociedade, num processo histórico de mundialização do capital". [8]

Em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394), uma lei de educação que objetivou a aquisição de novas competências e habilidades pelos indivíduos, no intuito de promover a uniformização global do mercado.

Segundo Demo (1997), a nova LDB possibilitou alguns avanços, o autor ressalta: a integração da educação infantil como parte do sistema educacional; a obrigatoriedade da escolarização no Ensino Fundamental, ligada a padrões de qualidade (embora não sejam claramente explicitados); ênfase na gestão democrática (pedagógica e administrativa); avanço na concepção de educação básica (vista como sistema de educação e não de ensino); institucionalização da Década da Educação. [9]

Apesar do avanço nos processos avaliativos do rendimento escolar, nem sempre a aprendizagem é o fim maior, passando a idéia de que o aluno tem de progredir a qualquer custo; a valorização do magistério não acontece no sentido de melhoria, tanto do salário quanto da formação continuada dos professores no ensino, pesquisa e extensão, mas na aplicação prática de conhecimento.

Quanto à atual LDB, "trata-se de um saber pensar que, de maneira alguma, basta-se com o pensar, pois sua razão de ser é a de intervir", estabelecendo uma relação muito próxima entre educação e qualificação profissional, faltando-lhe a percepção da importância da educação como processo de humanização e reconstrução social. [10]

Neste contexto, a proposta educativa referendada pela lei máxima da educação em nosso país tem provocado, entre outras coisas, o desmonte dos sistemas educativos públicos e estimulado a privatização do ensino de forma competitiva; restringindo e separando os diferentes níveis de ensino (dificultando, inclusive, o acesso ao conhecimento). Ou seja, por meio da desregulamentação dos critérios legais, foi ampliado o setor educativo privado, fazendo com que a oferta escolar pública fosse deslocada para a particular, desresponsabilizando, assim, o Estado da tarefa de educar (Giron, 2008).

Essa estratégia de desresponsabilização do Estado para com a educação está contribuindo para a redução de ofertas dos serviços educacionais ao povo brasileiro, uma vez que, ao ser transferida para a esfera do mercado, a educação deixa de ser direito universal e passa a ser condição de privilégio (torna-se seletiva e excludente), na medida em que só alguns conseguem ter acesso ao manter-se no sistema educativo.

Por meio de entidades públicas não governamentais, o Estado convoca a iniciativa privada a compartilhar das responsabilidades pela educação, reafirmando a velha tese da social-democracia de que a educação é uma questão pública não necessariamente estatal.

Na edição do jornal Folha de São Paulo, de junho de 2002, o então reitor da Unicamp, engenheiro eletrônico pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Carlos Henrique de Brito Cruz, reitera sua concordância com as discussões realizadas em um seminário nesta mesma universidade, onde se reuniram empresários, acadêmicos e representantes do governo, para analisar qual é o papel da empresa, da universidade e do Estado na sociedade brasileira.

A idéia central, discutida durante o seminário, e a qual o reitor defende, é a de que, à universidade cabe o papel de formar doutores qualitativamente capacitados para exercerem a pesquisa nas empresas, nas quais, segundo Cruz, é o lugar próprio da pesquisa. Em suas próprias palavras o reitor afirma que: "(...) a empresa é o lugar da pesquisa tanto quanto a universidade, [ou até mais]."

Em outros termos, os componentes do seminário propõem a transferência da pesquisa do âmbito acadêmico para as empresas, ou seja, não compete mais à universidade, a busca e execução de pesquisas, as descobertas científicas, mas a formação de profissionais homogêneos que se adequem à lógica e metas das empresas, pois a universidade não conseguiu acompanhar o "bonde da História", já que não entende de mercado e não está apta a aproveitar as oportunidades. Sobre isto, Cruz salienta: "À empresa cabe fazer a inovação tecnológica, porque é ela que entende de mercado, possui a cultura de analisar demandas e está apta a aproveitar as oportunidades. Por outro lado, o papel da universidade nessa economia do conhecimento está na formação dos quadros que, dentro da empresa, vão promover a inovação tecnológica e garantir a riqueza".

Para atingir este objetivo, Cruz enfatiza, claro, a necessidade do "apoio" do Estado às atividades de pesquisa dentro das empresas, além do auxílio das universidades e dos institutos de pesquisa, ou seja, como o título do artigo sugere: Uma aliança pelo conhecimento, aliança entre universidade-empresa-Estado. Com isso, a universidade perde a autonomia em matéria de pesquisa, se é que não perderá a própria prática da pesquisa, por falta de financiamento estatal; a empresa fica com todo o mérito científico, e ainda o lucro que a pesquisa vier a produzir, visto que o Estado é quem vai ceder o "apoio" de que a empresa necessita; e o Estado, além de não ter que arcar com subsídios para pesquisas nas universidades, diretamente contribui para que estas percam ainda mais seu prestígio, já que sua função máxima, a de executar a pesquisa, estará sendo retirada.

A questão da educação pública no Brasil, porém, é uma via de mão dupla, e se por um lado alguns setores tentam depreciar o ensino público (em particular aqueles que vêem na ignorância uma ferramenta importante de domínio), buscando transformá-lo em uma mera mercadoria, outros procuram defendê-lo (em particular aqueles que vêem na educação uma ferramenta de resistência em favor da justiça) demonstrando tanto o seu valor moral, em um momento histórico em que tudo se dá de acordo com as leis do mercado, quanto o seu valor científico - no caso do ensino superior - que poderia fornecer um melhor retorno à sociedade, se o mesmo recebesse o apoio adequado do Estado.

Pode-se deduzir, dessa passagem extraída do artigo da Folha, que mesmo os gestores da educação pública, enquadrados num âmbito qualquer, também podem estar submetidos a esses critérios de mercado questionados aqui.

Para não haver uma limitação na exaltação dos erros, admitindo que este levantamento comprova erros, um caminho reafirmado mais adiante seria o de satisfazer todos os setores da sociedade sem perder de vista os ideais que sustentam o que se defende neste trabalho. Para tanto, a exemplo do que os organismos mais maduros de defesa ao meio ambiente fazem, cabe uma política que mobilize todos esses setores, de forma mais efetiva, através da compreensão ampla da necessidade de mudança contemplando com muito mais justiça toda a sociedade.

CAPÍTULO 3 - VISÃO GERAL DOS NORTEADORES ATUAIS DAS IE.

Frequentemente surgem diversas discussões a respeito de como se deveria processar a educação superior em nosso país. Poderia ser defendida a exclusividade governamental nas instituições de ensino superior, dada a sua gratuidade e qualidade, e ainda, a liberdade das gestões privadas desses tipos de instituições. [11]

Contudo, o monopólio governamental da educação superior se utilizando dos recursos e metodologias discriminatórias comuns hoje em dia (vestibulares onde os diferentes são avaliados igualitariamente em uma concorrência desleal), certamente iria causar uma grande dicotomia, pois, enquanto se prezaria pelo "verdadeiro ensino de qualidade" ao mesmo tempo, acabaríamos por impedir que grande parte dos brasileiros pudessem adentrar a universidade graças ao número diminuto de vagas e formato de seleção dessas instituições públicas. Desta forma as instituições privadas, embora não possuam a mesma estrutura de algumas universidades federais e estaduais, surgem como uma alternativa para a problemática do ensino superior brasileiro. [12]

Dentro dessa temática, o prezar pela verdadeira construção do conhecimento por parte dos alunos das IE privadas visto que, são comumente vinculados na mídia estudos e pesquisas avaliativas relatando que os pilares da educação, que seriam o ensinar a ser, ensinar a ver, ensinar a viver, ensinar a pensar e aprender a aprender não estão sendo alcançados por essas instituições. Um dos principais motivos dessa situação poderia ser a falta de consciência de algumas IE que prezam mais o ter do que o ser, ou seja, foca-se mais no campo mercadológico-financeiro do que na temática da construção do conhecimento e formação profissional digna.

Todavia o jargão construído pela mídia e pelo senso comum, de que as faculdades e universidades particulares são de qualidade duvidosa, acaba por prejudicar instituições sérias e que realmente têm compromisso com o eficaz desenvolvimento de seus alunos.

De acordo com o estudo sobre "O Ensino Superior no Brasil" [13], ficam evidentes as transformações que o setor vem passando nos últimos anos. Segundo a autora, as Instituições de Ensino Superior (IES) estão imersas em um contexto de transformações nas diversas instâncias de organização da sociedade e que atingem a todos os países (ainda que de diferentes formas e com resultados díspares), pois elas enfrentam um duplo desafio: por um lado, devem atualizar-se e inserir-se nesta nova realidade, revendo suas formas de organização e de relacionamento com seus atores-chave e dando um novo sentido ao seu papel social, e de outro lado, devem buscar entender, interpretar e apontar soluções para os problemas que tais transformações colocam aos indivíduos, grupos sociais, sistemas produtivos e governos.

A autora ressalta ainda, dentre vários outros cenários e tendências apontadas no referido estudo, o aumento da demanda para além da capacidade de atendimento, pois se nota a emergência de um conjunto de instituições dos mais diversos tipos com vistas a ocupar as "janelas de oportunidades abertas". Algumas são mantidas pelo Estado. Muitas são instituições sem fins lucrativos ou com propósitos filantrópicos. Outras, no entanto, são instituições criadas por empreendedores que visam obter lucros e que são geridas segundo os métodos e práticas mercadológicas. Tais empreendedores enxergam no ensino superior um campo fértil para a expansão dos negócios.

O estudo ainda aponta outras tendências ou mudanças (quebra do monopólio geográfico, regional ou local, com o surgimento de novas forças competitivas, transformação de universidades amplas, fortes e verticalmente integradas em instituições mais especializadas e centradas no aluno e não no professor, consolidação do mercado a partir da aquisição e fusão de IES, entrada de novos atores não-tradicionais no mercado da educação - universidades corporativas, universidades virtuais, empresas de intermediação e organizações educacionais de ensino livre não-regulamentado, introdução de novos sistemas de aprendizagem, como a aprendizagem assíncrona e a continuada, atendimento a um maior leque de demandas dos alunos, não apenas às educacionais, forte influência da indústria do entretenimento na estrutura pedagógica das IE, inserção de novas tecnologias da informação no binômio ensino-aprendizagem, aumento da flexibilidade na modalidade de ofertas de cursos e também nos tipos de cursos superiores, interiorização do ensino superior, segmentação da demanda, crescimento do percentual de alunos oriundos da PEA - população economicamente ativa).