Esta reflexão busca enfatizar a questão educativa em meio às grandes transformações que ocorreram no período de transição da Idade Média para a Idade Moderna. No período de transição feudal para o capitalista, que adentra a modernidade, a educação é posta a equilibrar os desajustes oriundos das mudanças nas formas de ser e de pensar do homem, em momentos de crises agudas e de rupturas com os valores e princípios da Idade Média. Percebe-se que educar o ser para o exercício de uma vida útil, para as necessidades apresentadas no interior do processo de existência humana, foi a tónica de muitos discursos sobre a educação, apresentadas nas idéias de muitos pensadores. Formar o indivíduo com mérito pessoal e uma personalidade enriquecida pela cultura geral e universal, em contato estreito com a prática existente no cotidiano do homem, esteve presente no discurso sobre educação. A utilidade da educação corresponde aos anseios de formação do ser aberto às diversidades do mundo e ao resgate da dignidade, da moral e da ética, consideradas por muitos perdidas em meio às turbulências da sociedade em transição.

                 Todos os grandes pensadores da época também assumiram tal atitude por considerarem a escolástica como uma praga pública. Assim, no século XVI a tradição escolar pára de se desenvolver na mesma direção do passado, para tomar um rumo inteiramente novo, o que significava não apenas enunciar o pensamento novo, mas elaborar a sua teoria, o que fez eclodir, pela primeira vez na história, segundo Durkheim, a “educação é fato social que exige mais que opiniões para que seja apreendida na sua totalidade e que depende de ciência social com método apropriado e análise rigorosa para ser compreendida na sua complexidade”. (SOUSA, 2007, p. 112)

                  Para durkheim a educação tinha o papel de coesão e formador de uma sociedade/nação, ela era tão importante que ele pregava que deveria ser controlada, ordenada e regulada somente pelo estado. A escola tinha a função coletiva de preparar os jovens para a vida social e de adaptá-los aos meios para os quais eles entendiam e viviam em seus grupos sociais distintos. Para Durkheim, as diferentes camadas e grupos sociais formavam um organismo chamado sociedade e para mantê-la unida, controlada e regulada era preciso, através da educação definir os caminhos que esta sociedade deveria seguir e qual papel cada indivíduo deveria ter dentro dela. O coletivo valia mais que o individual. E, portanto a educação ou a falta dela servia para definir o papel do cidadão no grupo social que vivia, conseqüentemente a função deste grupo dentro do organismo maior que seria o estado/nação. Segundo Durkheim, a educação é também e, deve ser entendida como uma Instituição Social. E como tal, necessita de regras, deveres e direitos que são partilhados socialmente. Nesta perspectiva, a educação era entendida como uma composição cujas ordens e estratégias eram fortemente determinadas por uma estrutura social, e que via-se contra mudanças que abalassem a manutenção da ordem. Esta seria um dos pontos mais importantes para a evolução desta Instituição.

                  Já fazendo uma correlação com o conceito de anomia, esta era vista como uma "inimiga" para o desenvolvimento social. A ausência de leis, normas, prejudicaria a sociedade quanto ao alcance da Liberdade. Faço esta relação porque, segundo Epicteto, -" só a educação liberta" - assim, para alcançar e assegurar a liberdade, o indivíduo precisa obedecer a um conjunto de regras, direitos e deveres. Caso contrário, a educação estaria prejudicada, "doente" e enfraquecida, pois, a desordem debilitaria a Instituição. A divisão do trabalho social surge na tentativa de estabelecer meios para combater a anomia através da repartição de ações especializadas, onde cada indivíduo sentir-se-ia como parte integrante de um todo orgânico e interiorizado e não meramente mecânico.

                 Na concepção durheimiana o papel do professor é de transmissor de saberes e, por sua responsabilidade na formação de indivíduos, na construção do ser social, feita em boa parte pela educação, a assimilação de uma série de normas e princípios sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento que balizam a conduta do indivíduo no grupo. Assim sendo ele criador de condições para que a educação cumpra seu papel social e político. Muitos pensadores apresentam suas idéias pedagógicas ao longo dos séculos que configuram o que se chama, de modo geral, de “moderno”, “modernidade”, “modernização”, e “modernismo” contudo, neste artigo, destacamos algumas delas, partindo do século XVI. O texto visa discutir algumas idéias educacionais que se desenvolveram na modernidade e como essas idéias se apresentam na modernização da instrução pública no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, manifestadas na renovação da concepção de educação e na implantação de novos métodos de ensino, destacando-se o ensino mútuo/monitorial. O que é o moderno? Desde a sua origem, por volta do século V, a palavra moderno significa a produção do novo em relação ao antigo. O autor nos mostra em “A centralidade da escola no mundo moderno”, que:

 

A palavra “modernidade” é muito mais recente, isto é, do final da Idade Moderna – alguns vão situá-la no século XIX – e se refere à produção do novo em larga escala, num período de tempo cada vez mais curto, atingindo um número cada vez maior de pessoas, a cada momento com maior intensidade. [...] a modernidade ultrapassa a própria Idade Moderna e como a dialética da modernização e do modernismo está no centro da dinâmica social que faz do mundo onde vivemos um lugar em que já não é tão difícil perceber porque é que “tudo que é sólido desmancha no ar”. Finalmente, veremos alguns dos elementos constitutivos da modernidade como projeto e como a educação estava no centro desse projeto. (SOUZA, 2003, p. 114)

 

 

                  Como se pode perceber neste fragmento acima, a palavra modernidade é muito mais recente (século XIX) e refere-se à ampliação da produção do novo, isto é, ao fato de a novidade passar a ser produzida em larga escala, num período cada vez mais curto, e a atingir um número cada vez maior de pessoas. Contudo, entende-se que é no contexto das Revoluções Burguesas, que traziam novidades tanto no modo de produzir quanto no modo de pensar, a modernidade passou a expressar, ao mesmo tempo, a percepção de que as pessoas partilhavam novas experiências e o desejo que essas experiências fossem ampliadas para todo o mundo. Isto significa dizer que a idéia de progresso, tal qual a conhecemos hoje, é herdeira dessa concepção de produção do novo.

                 A palavra modernização é ainda mais recente. A partir do final do século XIX, com a consolidação do capitalismo, modernizar passou a significar universalizar o modo capitalista de organizar a produção e o saber, isto é, expandir o modo de produção capitalista. A modernização é vista, portanto, como o motor que dá vida às mudanças, no contexto do modo de produção capitalista. A modernização passou a se associar, cada vez mais, à relação entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, uma relação em que estes últimos passaram a ser forçados a se organizar nos mesmos moldes daqueles.  Modernizar quer dizer, também, racionalizar, isto é, submeter toda a organização da produção de bens materiais e do saber a critérios definidos racionalmente. Ficamos pasmados diante das mídias, dos fatos, do excessivo volume de informação. Estagnados estamos ou ficamos diante do medo, da solidão e "tudo que é sólido desmancha no ar", famosa frase de Karl Marx, que virou título de uma excelente obra de Marshall Berman.

                 Souza coloca que Marshall Berman simplificou o texto de Marx (1977) que era mais complexo no original. Na melhor tradução a que tive acesso, Marx escreveu que tudo o que era sólido e estável evaporou-se no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e por fim os homens são obrigados a encarar com serenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações com os demais homens. Encarar com serenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações com os demais homens, depois de derrubados todos os ídolos e mitos, eis uma intenção de descrever a situação de há 150 anos atrás, mas não pode haver descrição melhor da situação enfrentada hoje pela humanidade, apesar de todas as mudanças ocorridas. Uma das preocupações em “Tudo que é Sólido Desmancha no Ar” é a de que as pessoas possam reivindicar a rua e a cidade onde vivem como o seu lugar, ou seja, o cientista político norte-americano Marshall Berman realiza “um estudo da dialética da modernização e do modernismo”, tentando encontrar nesse estudo, por “inúmeros caminhos de leitura”, em alguns dos diversos “sentidos possíveis da modernidade”, a modernidade como o conjunto de experiências compartilhadas por homens e mulheres dentro do espaço ambiental da modernidade em todo o mundo, no presente momento, mas para ele a modernidade é, sobretudo, paradoxo, contradição, ambigüidade, incerteza e angústia.

                  E o modernismo? Num sentido bem genérico e primário, vamos tomar o modernismo como o modo pelo qual esses processos de modernização são apreendidos e expressos na arte, na literatura, na filosofia ou na pedagogia. A arte moderna expressa uma sensibilidade do artista aos acontecimentos do seu tempo, assim como toda e qualquer expressão artística, literária, filosófica ou pedagógica. Todavia, que tipo de sensibilidade caracterizou os pedagogos modernos, a ponto de podermos falar em uma pedagogia moderna, ou estabelecer tão íntima associação entre educação e modernidade?                   Você já deve ter percebido que tudo o que já leu sobre o século XVIII refere-se a ele como o "Século das Luzes", "Idade da Razão", "Era da Ilustração", "Iluminismo", etc. São termos que remetem à idéia de "luz" em contraposição às "trevas" da Idade Média.

                  É interessante assinalar que os grandes pensadores desse período são conhecidos como Iluministas, porque todos estavam imbuídos da concepção racionalista de René Descartes (1596-1650), segundo a qual a razão é uma luz natural inata, que nos permite conhecer a verdade. A lógica cartesiana dá conta de entender a cultura moderna? O projeto iluminista (racionalista) abarca todos os anseios das atuais sociedades ocidentais? Essa perspectiva racionalista, associada aos avanços da ciência moderna, permitiu a esses pensadores como Francis Bacon, Galileu Galilei, Isaac Newton, Durkheim, Jacques Lê Goff, Maquiavel, Max Weber, Immanuel Kant, Marshall Berman, e muito outros realizadores de grandes descobertas que revolucionária no campo da ciência e da tecnologia, particularmente formularam um juízo bastante otimista em relação ao futuro da humanidade. Emergia e se consolidava a idéia de que o homem é o sujeito da história, bastando para isso que ele desenvolvesse a sua capacidade de planejar racionalmente o seu futuro e de compreender o mundo. Se a razão era algo natural nos indivíduos, todos deveriam desenvolvê-la. E o lugar onde essa capacidade racional seria desenvolvida era a escola. Daí a reivindicação da educação como direito do cidadão e dever do Estado.

                  Em conseqüência disto, os pensadores modernos, entretanto, trouxeram algo novo a esse respeito. Eles trouxeram a idéia de que havia uma igualdade natural e universal entre os homens. O fato de haver servos e nobres, escravos e senhores era um acidente histórico, um desvio que deveria ser corrigido por meio da luta política. E uma das formas de realizar essa correção era educando os indivíduos e garantindo-lhes liberdade e autonomia. Afirma o filósofo Sérgio Paulo Rouanet, este foi o propósito do projeto civilizatório da modernidade, ou Ilustração. É neste sentido que os filósofos que elaboraram essas idéias foram os iluministas. O que pretendia esse projeto? O que havia de elevado e grandioso nos ideais do projeto civilizatório da modernidade e seu ideal emancipacionista, e que, ainda hoje, continuam inspirando muitas lutas no interior da escola e na sociedade em geral? Havia o ideal da universalidade. A universalidade foi um dos mais elevados ideais trazidos pela modernidade. A filosofia de René Descartes segundo a qual a razão é uma luz inata, permitiu estabelecer um princípio de igualdade natural entre os homens, isto é, permitiu afirmar que todos são iguais diante da razão. Por isso Rouanet afirma que o projeto civilizatório visava a todos os seres humanos, independentemente de fronteiras nacionais, étnicas ou culturais. Desde então, intensas lutas foram travadas na tentativa de realizar esse ideal de igualdade entre todos os homens.

                  Havia, também, o ideal da individualidade. O indivíduo tal qual conhecemos é produto da modernidade. No mundo medieval, o indivíduo só existia como produto da matriz coletiva, seja a aldeia, o reino ou a Igreja. Quando o indivíduo ousava fugir às determinações, as punições eram severas, como demonstra a sangrenta história da Inquisição. Lutero, na época da Reforma protestante, por meio da defesa do livre-arbítrio, desencadeou a luta pelas liberdades individuais, mas a sua luta resumia-se à defesa da liberdade de crença do fiel. Com o desenvolvimento do capitalismo, a defesa da livre iniciativa, do indivíduo empreendedor e da livre concorrência foram constituindo elementos cada vez mais fortes de "liberação" do indivíduo, condição necessária à existência do próprio capitalismo. Vem daí o termo liberal, a partir do qual se formula a doutrina do liberalismo. E havia, ainda, o ideal da autonomia. Segundo diz Rouanet, a autonomia significava que os indivíduos deveriam ser aptos a pensar por si mesmos, sem a tutela da religião ou da ideologia, a agir no espaço público como membros participantes e ativos do contrato social e a adquirir, pelo seu trabalho, os bens e serviços necessários à sua sobrevivência. Dentre esses ideais, o da autonomia é o que mais se ligou ao mundo da educação, porque dela reivindicou-se, a partir de então, a formação de cidadãos críticos, livres, autônomos e participativos da vida em sociedade.

                  Diversos autores discutem o papel que Sociologia da Educação para uma compreensão crítica da realidade social, política, econômica e cultura na qual a escola e a educação estão inseridas e contribui para uma formação de educadores com uma visão crítica que possa formar indivíduos para compreenderem e transformarem a realidade onde vivem. A educação entendida como uma prática social que busca formar indivíduos para a vida em sociedade deve proporcionar uma visão que os permita uma compreensão da sociedade em todas as suas dimensões. Para tanto se torna necessário um currículo que em seus conteúdos e em suas práticas possibilitem uma problematização e reflexão crítica das relações sociais, das relações de poder existentes na sociedade.

                  Concluímos que a partir desta perspectiva buscaremos entender o papel que a educação cumpri na Sociedade Capitalista através dos clássicos da sociologia. Em Karl Marx podemos encontrar em vários de seus escritos referências críticas ao papel da educação na sociedade capitalista e sua superação, apesar de não ter escrito nenhuma obra específica sobre educação. Como diria Marx, talvez o aprisionamento no horizonte burguês. Eu diria que pensam a educação sem enfrentar a condição essencial da estrutura da sociedade capitalista. Vários limites da educação escolar nas sociedades modernas estão precipuamente ligados às desigualdades econômicas e sociais produzidas pelas relações de produção baseadas na acumulação e apropriação privada dos bens materiais e espirituais.

                  Com relação a Émile Durkheim, a educação tem papel fundamental na própria constituição e manutenção da sociedade. A educação no pensamento sociológico do autor é fundamental, pois é através dela que o homem se socializa, se constitui enquanto ser social. A diferença da sociologia em relação à filosofia, afirma Durkheim é que a sociologia deve identificar como é a educação nas diferentes sociedades ao longo dos tempos. Durkheim a vê como um fato social, uma coisa, que existe externamente ao individuo e se impõe a ele de modo irresistível. A filosofia se ocupa de pensar como a educação deveria ser e propõe modelos de homem, sociedade e de educação, portanto. É nesse sentido, a sociologia tende a “incomodar” porque sempre está buscando desnaturalizar o que parece natural. Até bem pouco tempo, a maioria dos nossos costumes eram vistos como algo natural, com existência mágica. O iluminismo traz a razão para a história e propaga que tudo é criação dos homens. Quando Giambatista Vico, no século XVIII, afirmou que o homem é sujeito da história, provocou uma revolução em termos da compreensão dos fenômenos sociais.

                  A idéia durkheiminiana de que a consciência coletiva se impõe ao indivíduo não é de toda descartável, como faz a crítica do funcionalismo. As sociedades criam as religiões, a moral e o direito que são homogeneizados e internalizados nos processos de socialização, sobretudo nos processos educativos implícitos nos ambientes sociais e explícitos em ambientes especializados nas artes de ensinar, doutrinar e domesticar. As diferentes teorias sociológicas pensam a escola e o sistema de ensino a partir de projetos sócio-educativos coerentes com seus pressupostos. Dessa forma, a sociologia que se inspirou em Durkheim, destacou a educação escolar como fator essencial do equilíbrio, da harmonia e do progresso da sociedade capitalista.

                  Por último, cabe anunciar a contribuição de Max Weber, ele não produziu muitos estudos específicos sobre a educação e a escola se comparado com o que produziu Durkheim. Entretanto, nos seus estudos sobre racionalização, desencantamento, burocratização do Estado e das empresas, formação dos quadros para as burocracias, problematizou sobre os rumos da educação racional e burocratizada das sociedades modernas. Weber era “pessimista” com esses processos de racionalização porque aprisionava os indivíduos em processos técnicos sofisticados, mas com o fim em si mesmos. Com o tempo os esquemas racionais, como as burocracias, passavam a ter autonomia relativa em relação às necessidades sociais, tornando-se máquinas centradas em sua própria reprodução.  Fugindo ao pessimismo weberiano, propõe que a sociologia sirva de embasamento teórico para educadores e educandos no objetivo de compreenderem a situação educacional moderna. Concordava com Weber que a educação escolar moderna levou a um declínio da formação do homem integral, porém, a democratização da educação arejou as relações sociais, permitindo a criação de personalidades mais racionais e mais democráticas. Se os Estados convocassem intelectuais para organizarem e planejarem detalhadamente os serviços sociais, entre eles a educação, a racionalização se efetivaria em favor do desenvolvimento da democracia, da paz e da prosperidade.

                

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

 

·        SOUZA, João Valdir de. A centralidade da escola no mundo moderno. In Introdução à Sociologia da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 11-135.