Por Samuel Amorim Oliveira*
Em 18 de Outubro de 2010

Um dia desses fui agraciado por um amigo com o valioso empréstimo de seu veículo. Nele, ao retrovisor, um crucifixo, que imediatamente retirei, guardando-o, e somente voltando a colocá-lo no momento da devolução do automóvel. Sabendo da existência da referida peça, e intrigado com sua retirada, alguém muito querido me indagou o motivo pelo qual eu havia procedido daquela maneira. Dado o pequeno tempo entre o questionamento e a possibilidade de sua resposta, não pude explicar àquela pessoa a razão de meu ato, o que farei assim que tiver oportunidade. Pelo desapontamento que percebi naquela pessoa diante do ato, me senti na obrigação de explicar a razão e porque assim procedi e procedo, o que também faço aproveitando a democracia da intenet, afim de produzir alguma reflexão sobre o assunto raramente refeltido.

Para ser mais didático em minhas colocações, imaginemos uma situação:

Suponhamos que um filho seu, ou um ente muito querido, chegando a uma cidade distante, encontre sua população apavorada ante a iminente condenação. Há uma enorme dívida a ser paga, e em poucos instantes chegará um justiceiro para cobrá-la, e caso essa não seja plenamente saldada, executará fria e cruelmente a todos: homens, mulheres, velhos e crianças. A condenação é justa, pois este foi o preço previamente acordado por todos daquela cidade.

Consternado com a execução certa daquela população, e percebendo-os completamente perdidos - jamais conseguiriam pagar aquela enorme dívida acrescida dos seus escorchantes juros -, seu filho resolve pagar o débito oferecendo-se a si próprio para ser executado em lugar de todos, e assim faz, recebendo um cruel e mortífero golpe de faca para cada elemento daquela população, agora livre do débito que os escravizava.

Passado algum tempo, você decide visitar aquela cidade afim de ver em que mudou o seu povo após o ato martírico de seu filho, e para sua surpresa e desapontamento, encontra uma população que ainda vive e se imagina como que condenados, e para seu maior espanto, adorando, reverenciando aquele que foi o instrumento de sua morte: a faca. Há réplicas por todos os cantos: maiores, menores, enormes; nos prédios religiosos encontra-se inclusive uma em tamanho real, de seu filho dilacerado pelas facadas, e ainda com o instrumento cravado em seu coração sangrento; curva-se diante da faca; reverencia-se; tem-se como amuleto dos carros e pescoços; é sinal da justeza dos tribunais.

Por que motivo você mais choraria: pela morte do filho, ou pela comprovada inoquidade de seu grande sacrifício de amor por aquelas pessoas? Eles nada entenderam do significado daquele ato. Continuam vivendo miseravelmente, imaginam-se ainda condenados, arrepiam-se ante a imaginação da chegada do justiceiro já vencido, não aceitam sequer falar que já não mais precisam assim viver e que há uma nova realidade de liberdade possível, e ainda acima de tudo... reverenciam cegamente um objeto de morte, em um culto sem sentido, sem sequer se aterem ao sacrifício, seu autor e seu significado.

Não pretendo atacar este ou aquele credo, especialmente a igreja católica e aqueles que dela participam, mas em realidade, toda e qualquer pessoa que se diga cristã, e que busque honestamente viver essa realidade em sua vida, tem como obrigação refeltir sobre o sentido de seus atos de vida e culto. Precisamos saber responder prontamente a razão de nossa fé, esperança e atos (I Pedro 3:15), pois a repetição de atos automáticos e ditados não nos exime da culpa de sua prática. Temos a faculdade da reflexão e nos está plenamente acessível o conhecimento da verdade.

Precisamos saber que assim como o pai de nossa hipotética histórica, nosso Pai nos contempla, e um dia voltará para julgar todos os nossos atos, crenças e o significado prático do enorme sacrifício de Amor de seu filho Jesus Cristo.

É grave adorar, reverenciar a cruz, pois além de reverenciarmos o objeto de morte em lugar daquele que se sacrificou em meu e seu lugar? Jesus Cristo -, ainda estamos dizendo que Cristo parou ali, que a morte o deteve e que Ele não a venceu, outorgando-nos a possibilidade gratuita da liberdade plena e definitiva. Vivemos, assim, uma crença vã (I Corintios 15:1-14), com aparência exterior de reverência e respeito extremados.

Se cremos que Cristo venceu a cruz, a morte, outorgando-nos a nova e única possibilidade de religação plena com Deus, e resgate de nosso impagável débito de pecado, é absurda, inconcebível e tem sentido de negação de nossa fé, a reverência à cruz, ainda mais extremada pela presença do cristo pendurado, vencido, dos crucifixos.

A cruz com Cristo vencido é o troféu que o inimigo de nossas almas mais gostaria de poder nos mostrar para acrescentar-nos pavor a nossa condenação, todavia, sabe que ali está a sua derrota confirmada e condenação certa. Resta a nós, seres humanos, entender toda a extensão da vitória de Cristo, vivê-la em nossa vida, com a radical e condizente mudança que produz, e jamais reverenciar ou permitir que se reverencie, algo que nos cega à verdadeira realidade das coisas e nossa possibilidade de vitória e liberdade plenas.

Eis porque não reverencio o crucifixo, e gostaria que você também não mais o fizesse, se cristão(a).
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Samuel Amorim Oliveira é Engenheiro Agrônomo atuante na área de Perícias Agronômicas, Ambientais e Geotecnologias, área em que ministra cursos. É Graduando em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Goiás ? UFG e tem prazer em escrever...E-mail: [email protected]