Após um choque, percebo que estou em um quarto escuro, com imagens à minha volta de filmes do subconsciente, são imagens boas, felizes, familiares… Na minha frente há um tipo de vidro, fino. Me pego olhando fixamente para uma menina nua, pálida. Vejo seus pés juntos, seus ombros caídos para frente, cansada. Seus traços me lembram o de uma criança, seus olhos estão vermelhos, sua boca rosada estava cortada, assim como seus pulsos e tornozelos, e seu rosto, inchado.

Sua boca cortada mostra que passara a noite inteira mordendo seus lábios e cortando sua pele para deixar escapar a dor que havia dentro de si em forma de feridas externas. Seus olhos vermelhos já não choram por dor, mas por irritação de tanto que ardem. Seus ombros carregam palavras duras e pesadas que lhe disseram ao decorrer da vida. Seus pés juntos, demonstram medo.

Ela suspira, erguendo a mão para secar seu rosto; reparo em seus pequenos movimentos, ela está tremendo.

— O que houve? — pergunto-lhe com a intenção de ajudá-la.
— Você me deixou sozinha quando estava sem forças, largou-me como se eu pudesse tomar conta de tudo. Agora que já se foi, pretendo ir e não voltar. — disse ela, entre soluços.
— Nunca larguei ninguém! Eu mal sei quem você é, você está me confundindo com outra pessoa, eu só quero ajudar!
— Você me abandonou quando eu mais precisava de você. Quando me largou eu não sabia se chorava por você não estar mais comigo ou se chorava por causa da situação na qual me encontrava, sem saber o que fazer; na situação difícil que você desistiu, você deixou o físico ir embora! Como pôde? — disse a menina, apertando os olhos e apontando para um corpo em cima de uma cama de hospital, envolvido em aparelhos.

— O que?!  falei, não querendo acreditar no que ela dizia, não querendo entender.
— Você sabe. Ela precisava de nós duas unidas. Razão e Emoção. Você se foi, o que restou para ela foi apenas a emoção. Ela já não pensava mais direito, não sabia se organizar, ela delirou, ferida por dentro por todas aquelas pessoas, ferida por fora por si mesma, ao tentar deixar escapar aquilo que sentira por todos esses dias.

— Eu… Eu…  gaguejei, sem saber o que falar.

        Silêncio.

— Como você pôde? — disse Emoção.

Eu estava olhando para o meu reflexo, a menina nua e pálida era eu, a minha outra parte. Não me reconheci. Eu estava discutindo comigo mesma, com minha emoção. Como pude deixar tudo isso transparecer, como não prestei atenção no que eu estava me tornando? Por que não prestei atenção que estava me deixando levar?  Eu não sabia o que estava acontecendo!

— Você se perdeu primeiro e eu estava tentando te puxar de volta, mas você simplesmente se foi… Desistiu. Agora já está tudo perdido. Deixe-me ir!

Segurei forte seu braço, levando minha mão ao seu rosto  Não se vá!
— Por que ficaria?! — gritou, me empurrando para longe.
— Porque eu preciso de você. E ela, de nós. — disse, já em lágrimas apontando para a garota na cama. Ajoelhei no chão cobrindo minha face com as mãos, olhei para cima, e lá ainda estava Emoção, desamparada, com raiva.

— Você desistiu de mim quando eu mais precisava de você, e agora, quem desistiu de você, sou eu.  disse Emoção com desprezo, olhando profundamente em meus olhos. Senti teu olhar perfurar-me como lanças afiadas em chamas.
— Mas e a garota? O que farei? 
— Ela se sairá bem só com você, Razão, porém, não amará, não sofrerá, não sentirá, não terá relacionamento algum… Será fria como uma cobra e solitária como uma rainha. — disse Emoção, já virando as costas para ir. Suas lindas asas se abriram diante de mim, e se foi.

— Não se vá!  gritei exaustivamente, em tentativas nulas de pular o mais alto que pude para alcançá-la.  Não se vá!… Não! 

— Não se vá…