Ivair da Silva Costa [1]

Este artigo enfoca temas atuais referentes a questões que envolvem o debate sobre racionalidade tecnológica, ecologia e sustentabilidade na Amazônia. O objetivo fundamental é mostrar como esse debate se dá nas diversas esferas sociais e apontar as implicações dessas questões na realidade amazônica. Como pano de fundo para o debate buscou-se apoio em filósofos críticos da sociedade tecnológica que analisam os efeitos decorrentes do avanço da sociedade burguesa e em E. Leff, teórico latino-americano, que propõe uma “cultura ecológica”, conjunto de ações que visa a equidade e promove os valores simbólicos da cultura em oposição à racionalidade destruidora da sociedade contemporânea.   Na Amazônia, situações de degradação ambiental e descaso pela vida aparecem como resultados do encontro entre o desenvolvimento tecnológico com os projetos capitalistas e as populações da região que são afetadas em sua cultura e no modo de ser e viver.

Palavras-chave: Amazônia, racionalidade tecnológica, cultura.

 

Abstract

This article focuses on current topics relating to issues involving the debate on technological rationality, ecology and sustainability in the Amazon. The fundamental issue and show how this debate is in the various social spheres and the prospects for the deepening of the implications of these issues in the Amazon. As background for the discussion we sought support in philosophers critical of technological society that examine the effects of the advance of bourgeois society and in E. Leff, theoretical latin american, that proposes a "ecological culture", set of actions that aims at the equity and promotes symbolic values of the culture in opposition to destructive rationality of contemporary society. In the Amazonian, situations of environmental degradation and disregard for the life, they show up as results of the encounter between the technological development that is imposed with the capitalist projects and the population of the area that it suffers the consequences in the culture and in the social organizations.

 

Word-key: Amazonian, technological rationality, culture

Introdução

 

         É comum na história da humanidade discussões em torno do confronto entre racionalidade tecnológica, cultura e agir ético. Na Amazônia, essas questões saltam à reflexão por meio do paradoxo desenvolvimento x sustentabilidade, onde temas envolventes como ecologia, cultura e política alcançam relevada importância, merecendo, por isso mesmo, maiores considerações.

         Desde tempos remotos, o ser humano tem se esforçado em construir um mundo que seja ordenado razoavelmente e que expresse um sentido, embora tal esforço tenha privilegiado uma caminhada modelada por princípios de determinada normatividade moral que se caracteriza, por vezes, em atitude que não leva em conta as alterações substanciais causadas pelo domínio da técnica sobre a natureza. [2] De fato, o homem da técnica (homo faber), com sua capacidade produtiva e transformadora, comprovadamente é uma ameaça à natureza. Suas ações alteram a normalidade dos complexos sociais, assim como alguns ecossistemas que são gravemente atingidos e modificados devido a implantação de grandes projetos capitalistas.

         Esta realidade sui generis da Amazônia despertou um olhar crítico onde a técnica moderna é vista agora como um impulso infinito diante das espécies, cujo êxito é obter o domínio máximo sobre a natureza e sobre os próprios homens. Isso fez surgir também uma consciência mais esclarecida na população amazônida, sobretudo quando se analisa a relação do homem com o ambiente natural e as ações projetadas para a região. Tal quadro faz saltar um debate acirrado entre aqueles que operam a defesa de projetos desenvolvimentistas e os que são contra, o que demonstra o real dilema imposto pelo projeto da racionalidade tecnológica que não deixa transparecer suas reais pretensões, mas somente as conseqüências de suas ações.

 

  1. Poder político e debate cultural na Amazônia

 

         Como era previsto no campo teórico, a discussão acerca da relação entre ciência, técnica e meio ambiente leva normalmente ao tema da cultura. Grandes encontros mundiais sobre o desenvolvimento e as formas de preservação da natureza, ao se pronunciarem sobre a realidade ambiental, demonstraram a íntima relação entre as políticas desenvolvimentistas dos governos em relação aos recursos naturais e os efeitos delas nos processos culturais vividos, manifestados e cultivados pelas populações. [3]

         Os encontros, tanto de nível mundial quanto os regionais, se tornaram, na verdade, espaços nos quais as discussões sobre os problemas ecológicos, tão concretos e urgentes, se transformaram em debate político-cultural. Por quê? Qual a razão de tudo isso?

         Segundo Krischke, uma das razões é a controvérsia entre opositores e defensores de projetos que pretendem oferecer soluções concretas, corretivos práticos, prazos para intervenções ou modelos de planejamento e perspectivas para o futuro. Essas disputas assumem um caráter político-cultural porque partem de diferentes pontos de vistas que conduzem a diferentes prognósticos da realidade ecológica.

         De fato, as querelas, muitas vezes, resultaram, por parte dos economistas representantes do poder hegemônico que está atuando, na taxação de “catastrofistas” aos prognósticos dos movimentos ecologistas e aos políticos que estudam o assunto. Observa-se, nessas críticas, a defesa de uma posição materialista e individualista, indiferente aos problemas coletivos da humanidade.[4]

         Na realidade amazônica atual o acirramento dessas discussões provoca divisão de opiniões que resulta, em alguns casos, em situações trágicas, como perseguição, morte, conspirações, difamações, manifestações populares, reivindicações das populações minoritárias mais carentes, processos judiciais que se arrastam por décadas sem solução etc.

       Além disso, permanece, no fundo, uma contenda que repete o dilema mundial em nível regional, ao suscitar questionamentos sobre o tipo de desenvolvimento que se deseja alcançar; quais os meios para realizá-lo e quais as perdas necessárias para sua aplicação prática. Com isso já se percebe que as questões regionais ultrapassam a própria fronteira amazônica e que os dilemas mundiais acabam respingando nessa que é considerada uma das últimas reservas mundiais de riqueza útil para a humanidade.

         Ademais, a cultura do amazônida acaba envolvida por esses dilemas que quase sempre a impossibilitam de situar-se em sua subjetividade e posicionar-se de forma racional acerca das investidas tecno-científicas que caminham quase sempre acompanhadas pelas promessas falsas e soluções paliativas aos agudos problemas sociais da população.

         Para David Bell, [5] este debate polêmico pode ser resfriado quando o estilo de sustentabilidade for proposto tendo como identificação principal o tipo de mudança cultural. Segundo ele, três aspectos devem ser levados em conta, tais como: compreender a dinâmica da mudança de valores ou transformação cultural; compreender a “cultura da sustentabilidade”; experimentar formas para promover a mudança cultural, no sentido da sustentabilidade.

         O autor se apóia em dois significados do termo cultura (double entendre): um como substantivo e outro como verbo. Como substantivo refere-se, no cotidiano, às artes e à literatura; nas ciências sociais tem sentido mais amplo, pois diz respeito também aos modos de ação da sociedade. Baseia-se ele na definição de cultura adotada na Conferência Mundial sobre política cultural, realizada no México, em 1985: [A cultura] é o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e emocionais, que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Inclui, além das artes e da literatura, modos de vida, direitos humanos, sistemas de valores, crenças e tradições.[6]

         Como verbo, a cultura tem sentido muito diferente, particularmente na Biologia - onde se fala na “cultura” (ou cultivo) de um microorganismo, proporcionando-lhe um meio adequado e condições de crescimento e reprodução. O autor acentua ainda que a cultura da sustentabilidade tem como dupla tarefa promover a aplicação das práticas e princípios da sustentabilidade e apoiar a preparação de um medium cultural favorável, para garantir o sucesso desta tarefa.

         Além disso, são envolvidos no conceito cultura elementos como: valores, crenças e atitudes dos indivíduos acerca da política; símbolos que catalisam sentimentos e crenças sobre a política e a ação política; conhecimentos e percepções politicamente relevantes, inclusive percepções de experiências históricas e noções de identidade; e ideologias como agregações de valores e crenças que mantém coerência e coesão à identidade interna.

         Ao tratar de questões ecológicas na Amazônia e, sobretudo quando se envolve temas como desenvolvimento sustentável, não deveria ser levado em conta tais proposições? Segundo a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento das nações Unidas, no relatório intitulado: Nosso Futuro Comum, desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades da presente geração sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades”. [7]

         Não deveria, por isso mesmo, ser declarado um desenvolvimento sustentável que não somente leve em conta, mas que garanta a transmissão para as gerações futuras de um estoque igual, e preferencialmente aumentado, do capital econômico, natural, social e humano das sociedades contemporâneas?

         Com isso, desenvolve-se uma nova perspectiva sobre os temas e desafios cotidianos da atualidade, pois são exigidos maior apreciação e um maior debate das complexas inter-relações entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Merece destaque aqui o entendimento de desenvolvimento sustentável proveniente do mesmo relatório citado que serve como novo paradigma para todos os setores da sociedade na Amazônia em relação às políticas ambientais e sua eficácia: “as políticas sociais devem ser eficazes econômica e ambientalmente; e as políticas econômicas necessitam ter eficácia social e ambiental.”

         Algumas forças organizadas da sociedade desempenham um papel importante nesse processo. Entre elas merecem destaque a educação, os meios de comunicação social e a academia de ciências. Segundo a proposta da Agenda 21, a educação foi reconhecida como uma base fundamental para a sustentabilidade (é mencionada 600 vezes, com referências ao tema em cada capítulo). Além disso, o documento identifica três modalidades de educação, conforme é detalhado a seguir: educação formal (a que acontece em sala de aula); não-formal (compreende o trabalho educativo fora do sistema escolar, pelos governos, ONGs, e empresas); educação informal (envolve as múltiplas influências culturais, que afetam tudo aquilo que as pessoas pensam, acreditam e valorizam).

         Os meios de comunicação de massa são agentes de educação informal que, em conjunto com a religião, o teatro e os debates comunitários, organizados pela sociedade civil, constituem-se em modalidades importantes de educação informal. Na Amazônia se apresentam como espaços específicos de participação popular, inclusive em parceria com as instituições de ensino superior.

         De fato, a academia amazônica está empreendendo esforços no sentido de comprometer-se com temas socioambientais voltados para as questões que estão sendo debatidas. Algumas incluíram temas afins no currículo regular de alguns cursos. Trata-se de iniciativas que demonstram que esses espaços do saber, além de estarem voltados para o campo técnico através dos cursos tecnológicos, em vista dos grandes projetos mineradores instalados na região, também se abrem para as questões ecológicas e humano-sociais. Ao fazerem isso, estampam para o mundo o retrato da região como um espaço degradado e uma população abandonada, ao mesmo tempo em que colaboram na gestação de uma nova história amazônica, construída a partir da própria identidade cultural e no reconhecimento das potencialidades reais que a capacitam para construir conhecimento e abrir perspectivas para o futuro.

 

2. Racionalidade tecnológica e mudanças provocadas pela ação humana

     

         O conceito “racionalidade tecnológica”, introduzido por Max Weber nas discussões modernas, envolve poder técnico e ação humana sobre a natureza. [8] Traduz uma forma da atividade econômica capitalista burguesa, caracterizada pelo tráfego social regido pelo direito privado burguês e pela dominação burocrática. J. Habermas amplia essa perspectiva fazendo a ligação com as esferas sociais que ficam submetidas aos critérios da decisão racional, resultando que a “ação instrumental,” própria da técnica, provoca conseqüências em vários âmbitos da vida, envolvendo “urbanização das formas de existência, tecnificação do tráfego e da comunicação”. [9]

         A contribuição de Habermas à proposição de Weber conduz ao entendimento da racionalização da sociedade como um processo que penetra todos os setores da sociedade e institucionaliza o progresso científico e técnico. Além da ação eficaz sobre os recursos da natureza, esse processo atinge também a cultura e as tradições das populações, vítimas dos projetos técnico-científicos e das transformações substanciais operadas nas relações sociais. [10]

         H. Marcuse, por sua vez, introduz na discussão sobre a racionalização da sociedade o aspecto político. Ao analisar a sociedade tecnológica aplica o termo Eindimensionale Mensch para caracterizar o homem que vive em uma sociedade sem oposição, isto é, que teve sua visão crítica paralisada pela força atrofiadora do controle total promovido pela sociedade tecnológica. Trata-se de uma forma de dominação política oculta. [11] Marcuse, Apud Habermas, Afirma:

O que eu quero realçar é que a ciência, em virtude do seu próprio método e dos seus conceitos, projetou e fomentou um universo no qual a dominação da natureza se vinculou com a dominação dos homens – vínculo que tende a afectar fatalmente este universo enquanto todo. A natureza, compreendida e dominada pela ciência, surge de novo no aparelho de produção e de destruição, que mantém e melhora a vida dos indivíduos e, ao mesmo tempo, os submete aos senhores do aparelho. [12]

 

         Eficiente no seu modo de ser, a aplicação demonstra correta eleição de estratégias e “adequada utilização de tecnologias à instauração de sistemas que exige somente uma coisa: dominação sobre a natureza e sobre a sociedade”. [13] Mais ainda: por trás do material da ciência e da técnica se oculta um projeto de mundo determinado por interesses de classe e pela situação histórica.

         À luz da perspectiva de Marcuse, o amazônida (construtor de cultura), envolvido por este universo globalizante e inevitável, perde sua liberdade e passa a demonstrar uma impossibilidade “técnica” de ser autônomo, de determinar pessoalmente sua história e sua vida. Torna-se submisso ao aparelho técnico que causa efeitos como a ampliação da comodidade da vida e intensificação da produtividade do trabalho; proteção da legalidade da dominação em vez de eliminá-la e o horizonte instrumentalista da razão que se abre para uma sociedade totalitária de base racional, como fim de si mesma. [14]

         Percebe-se que a ciência e a técnica, por ocuparem em seu processo natural um caráter instrumental de controle da produção, ampliaram, na Amazônia, a dominação sobre a natureza e sobre os próprios homens. Isso se deu não somente por meio da tecnologia e sua eficiência, mas pela justificação de sua ação, ao serem amparadas pelo poder político que se auto-promove como aquele que tem a missão de assumir para si todas as esferas da cultura.

         Várias críticas com bases teóricas fortes ajudam na tomada de posição oposicionista a esta realidade. Marcuse, por exemplo, sugere uma atitude alternativa diante do relacionamento desastroso da técnica para com a natureza, destacando a ação dos marginalizados e explorados como capazes de oferecer esperança de libertação; Habermas detalha tal proposta destacando os seguintes pressupostos: a) tratar a natureza não como objeto de uma “disposição possível”, mas como o interlocutor de uma possível interação. E o reconhecimento da natureza como o outro, valorizando sua subjetividade. Assim ele se posiciona:

Em vez da natureza explorada podemos buscar a natureza fraternal. Na esfera de uma intersubjetividade ainda incompleta podemos presumir subjectividade nos animais, nas plantas e até nas pedras, e comunicar com a natureza, em vez de nos limitarmos a trabalhá-la com rotura da comunicação. [15]

 

         C. Brandão, analisando estes aspectos do pensamento de Habermas, afirma que sua proposta sugere “uma completa inversão em tais relacionamentos tornados possíveis por um saber de ciência através da técnica, onde se elimine, de uma vez, a verticalidade do domínio utilitário.” Domínio este regido por uma racionalidade submetida aos princípios do “agir-racional-com-respeito-a-fins” que age de modo arbitrário, partindo do suposto de o homem ser sujeito único e solitário, senhor absoluto de tudo. A inversão se daria na construção de relações que em nome de uma horizontalidade regida por princípios de uma troca entre parceiros, passaria de um agir sobre a natureza a um trocar recíprocos com a natureza. [16] 

       Na realidade específica da região amazônica todas as prerrogativas colocadas por Habermas são verificáveis; basta, para isso, dar maior atenção ao campo político e ao debate ecológico que são fomentados pela condição desgastante imposta à natureza pelos projetos destruidores dos ecossistemas e sua biodiversidade.

         Além disso, a proposição de Habermas sugere o resgate de novos valores, que, mesmo reafirmando a validade e a operatividade da técnica e das forças produtivas orientadas por ela, sofreria o agravante de ter sua regulação modificada. Isto é, esses novos valores tenderiam a tarefas tecnicamente solucionáveis e direcionaria o progresso para fins e máximas de uma ação comunicativa, entendida por Habermas como “interação simbolicamente mediada”.[17]

 

3. Racionalidade tecnológica e ética ecológica        

 

         Pela urgente necessidade de fomentar o debate que envolve questões relacionadas à racionalidade tecnológica e políticas de sustentabilidade, faz-se necessário ampliar a questão e incluir temáticas como a ética e a ecologia, que dialoga respectivamente com a tecnologia e a cultura. [18] Para Leff, trata-se de temas convergentes, o que o faz propor uma nova postura, denominada de “cultura ecológica”. Um conjunto de ações que visam alcançar a equidade social, a diversidade cultural e a democracia ambiental entrelaçando-se na perspectiva do desenvolvimento sustentável. [19]

         Com essa proposta, Leff, ao contrário do que parece apregoar, não defende um simples retorno às técnicas tradicionais e à aplicação de métodos pouco produtivos, mas leva em conta o sistema de crenças e saberes de mitos e ritos que estão intimamente relacionados com a organização econômica e as práticas produtivas das sociedades tradicionais que, para o autor,

são fundadas na simbolização de seu ambiente, nas suas crenças religiosas e no significado social dos recursos e geraram diversas formas de percepção e apropriação, regras sociais de acesso, práticas de manejo dos ecossistemas e padrões culturais de uso e consumo dos recursos. [20]

 

         A conjugação desses fatores na realidade concreta é defendida por Leff e enquadrada nos conceitos de cultura ecológica e racionalidade ambiental, temas incorporados na reflexão como eminentemente necessários para a discussão do assunto proposto. Cultura é entendida como formas de organização simbólica do gênero humano, remetendo a um conjunto de valores, formações ideológicas e sistemas de significação, que orientam o desenvolvimento técnico e as práticas produtivas, e que definem os diversos estilos de vida das populações humanas no processo de assimilação e transformação da natureza. [21]

         Como aplicar esse conceito na realidade concreta de uma Amazônia que se apresenta como o paradigma da ausência de dignidade humana, em primeiro lugar, e onde a ética está relegada ao segundo plano? Primeiro Leff propõe uma revisão dos princípios morais que guiam a conduta dos homens e que legitimam a tomada de decisões sobre as práticas de uso e exploração dos recursos naturais; depois, abre novas perspectivas interligando a cultura com a racionalidade ambiental.

         Leff acentua a valorização da cultura ao incorporar como pressupostos para sua harmonia certos princípios éticos e morais como “valores universais do homem”. [22] Necessário se faz, para isso, que a ética e suas disciplinas correlatas, enquanto teoria e ação práticas se tornem indispensáveis no planejamento, elaboração e execução dos projetos de desenvolvimento. Dispensar a ética é provocar o “desequilíbrio ecológico” como tem acontecido. Desequilíbrio manifestado na destruição da base de recursos naturais, na contaminação ambiental e na degradação da qualidade de vida.

         Outro conceito importante para Leff é o da racionalidade ambiental, entendida como “um sistema integrado de esferas de racionalidade, que articula a fundamentação dos valores e a organização do conhecimento em torno dos processos materiais que dão suporte a um paradigma ecotecnológico de produção e à instrumentalização dos processos de gestão ambiental”. [23]

         Para a efetivação dessa racionalidade é indispensável a coerência entre os princípios de racionalidade ambiental e os conceitos de sua racionalidade teórica com os processos produtivos que lhe dão suporte material e com os instrumentos da racionalidade técnica que asseguram a sua eficácia. Para Leff, somente assim se estabelece uma articulação de racionalidades, que vai dos princípios éticos às práticas produtivas do ecodesenvolvimento. [24]

         Tais proposições colidem no palco amazônico com um substrato diferente, em que a região, por força da inferência do sistema capitalista fundado numa racionalidade econômica dirigida à maximização do lucro em curto prazo, tem sido freqüentemente assolada e as conseqüências aparecem na degradação dos ecossistemas e na transformação/destruição de valores culturais e sociais do ethos do povo. Com isso, os princípios de igualdade dos direitos individualistas, do acúmulo e do lucro têm gerado uma tendência à desestabilização dos processos ecológicos, inclusive a separação das práticas tradicionais de uso dos recursos, a desintegração da identidade e solidariedade dos grupos culturais e a dissipação dos significados existenciais que fundamentam a vida humana.[25]

         A reflexão filosófica analisa a realidade pelo olhar de agente de transformação social, cujo esforço se detém em sustentar e motivar nos indivíduos, grupos sociais e nos governos a adesão a uma ética intercultural para a praxe política. [26] Uma ética sustentada por valores que, ao serem propostos e vividos na Amazônia, deve promover o resgate de princípios planetários que possam ser incorporados aos regionais em vista do desenvolvimento de uma consciência que prima pela busca de soluções para os problemas ecológicos, onde se possa ver o mundo transformado sem guerra, com os direitos plenamente respeitados, com a libertação da miséria e do advento de uma nova relação com a natureza. [27] Dessa forma, a cultura regional, localizada, autóctone e conservada tem um papel fundamental no desenvolvimento do processo que envolve tecnologia, cultura e tradição, destruição e conservação. [28]

         De modo concreto, a aplicação de tal conceito na realidade se daria com os objetivos explícitos de reorientar os comportamentos individuais e coletivos relacionados às práticas de uso dos recursos naturais e energéticos; a promoção da vigilância dos agentes sociais sobre os impactos ambientais e os riscos ecológicos; a organização da sociedade civil pela defesa de seus direitos ambientais e a participação das comunidades na autogestão de seus recursos naturais. [29]

        

Conclusão

 

          O artigo fez uma análise crítica da situação que a humanidade está vivendo particularmente a Amazônia, ao oferecer um indicativo teórico para a avaliação da realidade concreta. Tecendo uma crítica à racionalidade tecnológica e os efeitos sobre a cultura e práticas de sustentabilidade das populações, atingiu-se em cheio o modelo de desenvolvimento proposto que cria a realidade de desumanização e degradação socioambiental. o global do homem e da humanidade, cumprindo a sua miss dar respostas a partir da visçeesn individual para ser coletivo.666666

         Na Amazônia, situações de luta contra as formas destruidoras dos projetos desenvolvimentistas manifestadas na depredação dos ecossistemas informam o fracasso econômico, social e ecológico de algumas políticas públicas aplicadas nas últimas décadas. Novos modelos de organização territorial não destrutivo e viável em longo prazo são atualmente estimulados. O extrativismo e as práticas tradicionais de sustentabilidade são também resgatados como alternativas ao desenvolvimento. Práticas simbólicas, do mesmo modo, são valorizadas em vista do resgate das muitas informações autóctones que visualizam traços culturais potencialmente carregados de sinais pró-ecológicos que fundamentam a luta de defesa da vida e a salvaguarda da criação.

        

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências bibliográficas

 

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[1] Mestre e doutor pela PUC/SP (2010), professor de ciência política, ética e filosofia no IESPES e Faculdade UNAMA. ([email protected])

[2] Cf. PIKAZA, Xabier. El fenómeno religioso. Curso fundamental de religión. Madrid: Editorial Trotta, 1999.   p 128.

[3] Cf. KRISCHKE, P. J. (org.), Ecologia, juventude e cultura política: a cultura da juventude, a democratização e a ecologia nos países do cone sul. Florianópolis: Editora da UFSC, 2000. p. 11-12.

[4] Cf. Id., p.13.

[5] Cf. BELL, D. V. J. A cultura da sustentabilidade.  In: KRISCHKE, P. J. (org.), Ecologia, juventude e cultura política: a cultura da juventude, a democratização e a ecologia nos países do cone sul. Florianópolis: Editora da UFSC, 2000. p.  28.

[6] Id., p. 29.

[7] Ibid., p. 32.

[8] Cf. HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1987.  p. 45.

[9] Id., p. 45.

[10] Cf. Ibid., p. 45-46.

[11] Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do romantismo até nossos dias. V. III. São Paulo: Paulinas, 1991. p. 854.

[12] Apud HABERMAS, J. Técnica e ciência, p. 50-51.

[13] Id., p. 46.

[14] Cf. MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 230.

[15] HABERMAS, J. Técnica e ciência, p. 53.

[16] Cf. BRANDÃO, C. R. Somos as águas puras. Campinas: Papirus, 1994. p. 75-76.

[17]  Para Brandão, “Habermas e Marcuse convocam a uma posição extremamente simples: trazer o mundo da natureza ao palco da subjetividade. Alargar o lugar social do diálogo até o ponto em que outros seres, dotados de outras sensibilidades e, por certo, de outras disposições à comunicação, possam participar de uma mesma e muito diferenciada rede de comunicações conosco, ainda que não necessariamente sempre através de nós. Assim, a natureza e seus seres individuais, apropriados até aqui de acordo com os nossos interesses, devem ser libertados de serem considerados como uma dimensão outra da existência – o que não significa negar a alteridade de suas diferenças... [...] Devem ser, assim, liberados para converterem-se numa alargada dimensão de diálogo e comunicação com/entre os humanos. Desde logo, a dominação [...] poderia passar a ser a comunicação e a troca de dons entre dois pólos aos quais caberia o desafio de estabelecer os novos termos de uma lógica e de uma ética de reciprocidades.” Id., p. 76-77.

[18] Cf. LEFF, E. Ecologia, Capital e culturas: racionalização ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau: Editora da UNIFURB, 2000.

[19] Cultura “como estilos de vida e de desenvolvimento, como direitos das comunidades sobre os seus territórios e seus espaços étnicos e como um conjunto de valores, práticas e instituições para a autogestão de seus recursos, livre dos paradigmas dominantes da economia.” Id., p. 81-82.

[20] Ibid., 81-82.

[21] Ibid., p. 122-123.

[22] Cf. Ibid., p. 124.

[23] Ibid., p. 211.

[24] Cf. Ibid., p. 214.

[25] Cf. Ibid., p. 216.

[26] Cf. MANCINI, R et al. Éticas da mundialidade: o nascimento de uma consciência planetária. São Paulo: Paulinas, 2000.  p.202.

[27] Tais mudanças, exatamente pela radicalização e pela unanimidade com que deveriam advir, são impossíveis sem uma profunda transformação cultural. Id., p. 202.

[28] “Para que mude a práxis consolidada na política e na economia, nas relações internacionais ou na relação com o ambiente natural, é preciso que as culturas colaborem para modificar as coordenadas orientadoras, as idéias, as representações, as linguagens, os códigos jurídicos que até agora de forma abrangente justificaram pela práxis.” Ibid., p. 203.

[29] LEFF, E. Ecologia, Capital e culturas, p. 122-123.