A velhinha fazia aquilo porque julgava estar prestando algum serviço a Deus. Com sua foice de cortar lenha, todas as vezes que chegava algum crente à sua casa e batia a porta para tentar entregar-lhe um folheto evangelístico, ela saia deixando o crente apavorado.

Muitas vezes alguns irmãos saíram correndo de lá, porque ela os ameaçava com aquela foice. Apesar do desejo de evangelizar, a maioria não estava muito disposta a perder a cabeça.

Conheci-a certo dia, quando sua filha que já era uma mulher de bastante idade e que era membro de nossa igreja em Surubim, interior de Pernambuco, apontou-a de longe e disse:

-Aquela é a minha mãe.

Todos já conheciam a fama terrível daquela velha senhora. Sua expressão era muito séria, muito fechada e suas roupas eram as roupas usadas pelas velhas beatas - tecidos grossos e escuros, muitas vezes pretos, descendo até o tornozelo, e mangas compridas, até o punho. Era uma daquelas instituições que ainda permaneciam, até aquele tempo, no interior do Nordeste.

Não perdia missa, não perdia bênção, não perdia terço, não perdia novena, não perdia velório. Às tardinhas sentava-se à soleira de sua porta, pitando um velho cachimbo, feito de miolo de jaqueira, o qual tinha sido comprado em uma feira no ano de 1945 e estava sendo pitado, desde então, até o tempo quando a conheci.

Apesar dos muitos avisos que me deram, senti um desejo profundo de falar do evangelho para aquela velhinha. Preparei-me um dia em oração e jejum e dirigi-me à sua casa. Chegando lá bati à porta e ela veio atender. Eram umas quatro horas da tarde, mais ou menos. As pessoas da rua, que moravam ali por perto, vendo-me com a Bíblia na mão e alguns folhetos evangelísticos, ficaram curiosamente à espera da reação da velhinha.

Já esperavam que ela corresse lá e buscasse sua foice.

Naquele dia, porém, Deus havia preparado algo diferente para aquela pobre mulher, cuja casinha era de chão batido e as paredes de taipa não tinham nem reboco, as quais mostravam grandes frestas, resultantes do ressecamento do barro.

Ao atender-me, olhou para minha mão e viu a Bíblia, o que logo provocou uma pergunta:

-Você é crente?

-Sou, sim senhora, graças a Deus, respondi.

-E o que você quer aqui na minha casa? voltou a perguntar.

-Queria conversar com a senhora. Vim lhe dizer que Jesus ama muito a senhora e é por isso que eu vim aqui.

Ela me olhou bem dentro dos olhos, com uma expressão séria, e perguntou-me algo que me deixou momentaneamente atônito:

-Que sede é essa que vocês crentes têm em mim?

Este diálogo estava se processando da seguinte maneira: eu do lado de fora e ela do lado de dentro, com uma porta entre nós dois, dessas portas do interior, com duas bandeiras, abrindo uma em cima e outra em baixo. Só estava aberta a de cima.

Da melhor maneira que eu pude falar, expliquei-lhe que aquela sede não estava em mim, nem nas pessoas que tinham vindo até ali para falar do Evangelho, mas essa sede estava no próprio coração de Deus, que tinha enviado seu filho para morrer no lugar dela e que ela precisava arrepender-se de todos os seus pecados, e entregar sua vida ao Filho de Deus e deixar que ele, dali em diante, pudesse tomar conta dela.

Terminando de falar, convidei-a para ir ao culto logo mais à noite. Ela disse:

-E você acha que eu vou para a sua igreja?

-Não só acho, como gostaria muito que a senhora fosse.

Muitas pessoas já estavam a rodear-nos, admiradas de ver que aquela velhinha, que era tão brava com tantos irmãos, de repente "amansara" comigo. E nem fora buscar sua foice.

Eu também fiquei admirado por causa da reação diferente que estava se processando nela. O que eu não sabia era que Deus havia planejado tudo e que seu tempo determinado havia chegado.

Ela respondeu:

-Pois hoje à noite vou à sua igreja.

Fiquei simplesmente maravilhado. Que bênção grandiosa! Se aquela senhora fosse à igreja, muitas pessoas iriam ver que o Evangelho é realmente o poder de Deus que liberta e transforma as criaturas, pois naquela idade uma decisão era algum muito difícil de acontecer.

À noite ela procurou, dentre seus vestidões, o mais decente que podia encontrar. Preparou-se, vestiu-se, fez um "cocó" com seu longo cabelo branco, calçou uma "alpercata" que só havia usado há muito tempo, quando fora votar, e depois, no batizado de um neto.

Dirigiu-se à igreja, decididamente, enquanto uma verdadeira multidão a acompanhava, para ver se realmente ela iria cumprir o que prometera. O próprio vigário, ao ver passar aquele grande grupo de pessoas, perguntou:

-O que está acontecendo?

Alguém respondeu ao padre:

-A véia Maria da Paz vai prá igreja dos crente.

O padre riu e fez um comentário:

-Aquela velha vai aprontar alguma besteira por lá.

Chegando ao templo, ficou bem quietinha em seu lugar. As pessoas olhavam-na admiradas.

O culto foi iniciado com orações, cânticos, leitura bíblica e algumas palavras candentes, pronunciadas por irmãos consagrados.

Após a mensagem e o apelo, a primeira mão que se levantou, decidida, de uma maneira vibrante, foi a da velhinha.

Fiquei admirado, e continuei:

-Aqueles que desejarem entregar sua vida a Jesus, por favor, venham até à frente, para que façamos uma oração por vocês e com vocês.

A anciã veio decididamente à frente.

Naquele momento um murmúrio se ouviu. Outras pessoas da sua família, parentes próximos e distantes, e vizinhos, também estavam se decidindo.

Fizemos uma grande colheita naquela noite, colheita de almas para o Reino de Deus. Foi algo bem maior do que imaginávamos.

Depois da oração especial apertei efusivamente a mão daquela velha e querida irmã, um novo membro da igreja visível do Senhor aqui na terra.

Terminado o culto ela voltou para sua casa e chegando lá, pegou o cachimbo e um pedaço de fumo de corda e colocou ambos em uma rachadura na parede. Em seguida, pegou um "tamborete", sentou-se, e ficou olhando para o cachimbo e para o pedaço de fumo, e disse, como se falasse para um ser vivo que a pudesse compreender:

-Cachimbo, vamos ver agora quem é mais forte, eu ou você!

À medida que aumentava a vontade de fumar, sua "oração" atrapalhada se repetia:

-Vou te mostrar, cachimbo, quem é mais forte se sou eu ou se é você!

E naquela conversa grotesca passou quase todo o resto da noite. Só foi dormir, quando descobriu que nunca mais colocaria na boca seu antigo companheiro.

O tempo é uma entidade estranha, esquisita, traiçoeira, imprevisível. Aquela irmã passou mais alguns dias aqui na terra, testemunhando de sua nova fé, falando abertamente, com muita convicção, do glorioso amor de Jesus que agora dominava seu coração.

Poucos dias depois de sua decisão por Cristo foi recolhida aos páramos da glória.