Quando menino li uma historia sobre daltonismo na revista do Readers Digest e fiquei impressionado sobre como pode ocorrer um defeito congênito em que uma pessoa nasce sem a capacidade de distinguir as cores. Tempos depois, já adulto, fui trabalhar numa empresa em que meu chefe, chamado José Eduardo, era daltônico ou ainda é, caso esteja vivo. No início nunca comentou sobre o seu problema e só percebi quando ele, fazendo correções em um relatório que eu havia escrito, pediu que eu observasse as anotações em vermelho. Tudo bem, mas o estranho que as anotações estavam em azul. Não havia nada escrito em vermelho. Precisei perguntar a ele onde estavam as anotações em vermelho. Ele respondeu prontamente mostrando os pontos a serem corrigidos. Mas as anotações estão em azul, respondi. Então ele disse: Se estão em azul, faça as correções que estão em azul. Feitas as correções ele leu novamente e assinou o relatório. Deu vontade de perguntar se ele era daltônico, mas como não tinha ainda muita liberdade, preferi continuar com a dúvida. Mas aos poucos ele foi dando pistas. Em sua mesa ele tinha sob o vidro, um papel com as cores vermelha amarela e verde. Tempos depois quando lhe perguntei para que serviam aquelas três cores ele explicou que estava tirando a carta de motorista e precisava decorar a sequência das cores do semáforo para fazer o exame. Achei estranho o fato precisar saber a sequência de cores. Para uma pessoa normal bastaria ver a cor, mas não para ele. O vermelho às vezes parecia azul, o azul poderia parecer vermelho, o verde poderia parecer um amarelo e assim por diante. Enfim, ele conseguiu tirar a sua carta de motorista decorando a sequência das cores, o que seria um problema mais no trânsito, pois nem sempre o semáforo apresenta as três cores na mesma sequência. Pelo menos durante o tempo em que trabalhei com ele, nunca soube de nenhum acidente, pois parecia ser muito cuidadoso. Na época imaginava os problemas que ele deveria ter com as suas roupas e as da esposa ou as cores que deveria pintar sua casa. Ele corria o risco de comprar uma blusa cor de rosa e sofrer bullying sem saber a razão. Com o tempo ele acabou confessando o daltonismo, pois eu sempre o provocava com as cores. Ora fazia algum comentário sobre sua gravata azul, que ele pensava que fosse vermelha ou às vezes amarela. Num dia ele precisava decidir sobre a cor da pintura de sua sala nova e pediu a minha opinião. Estava indeciso entre o amarelo canário, que ela pensava ser bege e o azul turquesa que imaginava ser um rosa claro. Ainda bem que conversamos antes, pois a sala ficaria carnavalesca e ele seria motivo de chacota na empresa. José Eduardo além de ser daltônico, era estrábico e era difícil saber para quem ele estava olhando. Era uma ótima pessoa, mesmo tendo uma visão conservadora do mundo, mas aceitava dialogar com prazer qualquer tema ou assunto, por mais espinhoso que fosse. Naqueles tempos quase colocou em risco seu cargo ao contrariar um diretor que queria derrubar uma velha árvore. No final venceu a contenda argumentando sobre a importância das árvores num ambiente árido como o da empresa. Eu mesmo cheguei a ser acusado de subversivo por um chefe de segurança, mas ele não deu a mínima importância ao caso, mesmo considerando que estávamos numa ferrenha ditadura. Como o mundo está convergindo para a diversidade, respeitando-se todas as diferenças, sejam elas de cor, sexo, religião etc. seria um bom momento para que os daltônicos sejam respeitados em suas dificuldades com as cores, colocando-se outras formas de identificação nos semáforos, como 1 – pare; 2- atenção e 3-siga. Não há dados sobre isso, mas talvez muitos acidentes ocorram em razão das dificuldades que algumas pessoas têm para distinguir cores. E por essas e outras, vamos divulgar mais um slogan: “Daltônicos do mundo, uni-vos contra a intolerância”.