Depois de se acabar no carnaval do Rio de Janeiro brincando em todos os blocos que estiveram ao seu alcance, em todos os trios elétricos em que pôde estar, bem ali, no meio daquela tremenda multidão, atravessando as madrugadas na mais pura fantasia, segurando um copo em sua mão e agitando a outra para o alto na intenção de extravasar a sua suposta alegria, Hugo voltou para casa.
Ele morava na rua mais alta do morro na Comunidade do Chapéu, nos arredores do subúrbio carioca. O rapaz, com seus 19 anos, subiu a escadaria que era a etapa final da subida da última rua. Nesta quarta-feira de cinzas a cidade estava dormindo, como que de ressaca. Muita sujeira pelas ruas emoldurava o panorama do Rio de Janeiro. Antes de chegar em casa, Hugo teve que atravessar muitas ruas desertas e outras, não tão desertas, habitadas pelos últimos que insistiram em aproveitar o carnaval até a última gota. Por diversas vezes ele foi obrigado e contornar várias pessoas que dormiam pelas calçadas bêbadas e ainda de fantasias, rasgadas ou amassadas.
Ele também estava assim: com restos de fantasias em seu corpo, rosto pintado, cansado e bêbado. Precisou se esforçar para não se deixar levar pelo cansaço e sono, pois seu corpo pedia que ele arriasse em qualquer cantinho e dormisse um bom pedaço do dia antes de continuar. Mas Ele sabia que sua mãe o aguardava em casa. Ele não poderia deixar de voltar naquele dia, depois de quatro fora de casa, sua consciência começou a martelar em sua cabeça cheia de álcool, pois sua mãe era doente e só tinha a ele.
Pronto, chegou na porta de sua casa, ou melhor, um barraco de madeira com algumas melhorias que o faziam ser o melhor barraco daquela parte da rua, que na verdade também não parecia muito com uma rua comum. Não tinha asfalto e a lama se espalhava na frente das casas. Não tinha muita largura e não passava carro. Poderia-se dizer que era um beco ou uma entrada comum para as poucas casas (barracos) que ali estavam instalados.
Hugo entrou no cômodo que eles chamavam de sala e encontrou sua mãe com os olhos inchados de chorar. Ele ainda um pouco bêbado perguntou-lhe o motivo da tristeza. Seu estado estava amenizando, o efeito do álcool já não estava tão acentuado como há duas horas atrás, talvez pela longa caminhada e esforço físico que precisou fazer para chegar em casa e por ser jovem e forte e estar acostumado a beber pelas madrugadas.
Sua mão não precisou explicar muito o motivo de seu choro e desespero. A preocupação era muito grande já que Hugo estava começando a se envolver com jovens traficantes do local e quando saiu para o carnaval estava na companhia deles.
Sua mãe doente e sem poder caminhar pediu-lhe que fosse ligar a bomba d'água na rua de baixo e emendar as mangueiras até que a água chegasse na caixa d'água deles. Desde o início do carnaval que ela estava sem água em casa e sem ninguém para ajudar. Chego quase às vésperas de sentir sede e não ter o que beber.
Hugo saiu e desceu a escada de barro precária nos fundos para chegar na casa de baixo. Estando ali, ligou a bomba e sentou-se na beira de uma caixa de madeira para aguardar as próximas duas horas. Nisso o Sol começou a surgir. De onde estava conseguia ver ao longe o contorno do mar na Bahia de Guanabara. O visual realmente era arrebatador.
Hugo foi conduzido por uma aura interior à pensamentos profundos. O som do motor elétrico da bomba era monótono e constante. Em seus ouvidos já quase não mais chegava esse ruído. Realmente ele estava absorvido por viagens em seu interior.
O que fez com sua vida até então? Morava naquele lugar com sua mãe doente e isso o entristecia. Mais pelo fato de ela ser doente, mas também por nunca ter conseguido sair dali com ela. A recente embriaguez fazia de sua mente um entulho amortecido. Seu estômago revirava e contribuía para que seus pensamentos não fossem bons. A melancolia invadiu completamente aquele jovem.
Mas ele olhava o nascer do Sol. Aquela imagem tão linda trazia alguma coisa de bom para ele. mesmo no declínio de sua depressão momentânea, ao olhar para o horizonte ele sentia algo de bom, muito bom. A noite escura já não era tão escura. A negro céu agora estava azul escuro. A claridade do Sol já surgia mesmo que o próprio ainda não tivesse mostrado sua face. Hugo pensou: "Que poder enorme era aquele. Que visão fantástica. Que Deus imenso e infinito criou tudo aquilo."
Seus pensamentos foram se dirigindo para o ser supremo criador dos céus e da terra. Ali mesmo, ao lado da bomba d'água, vendo o Sol nascer, Hugo chorou. Derramou rios de lágrimas por estar arrependido já que não conduzia da melhor forma a vida preciosa doada a ele por Deus. O Senhor Todo-Poderoso o visitou naquela manhã. O único Deus aproveitou que Hugo estava contemplando sua arte, sua criação, seu poder e derramou a sua paz sobre o jovem.
Ao desligar a bomba Hugo subiu para sua casa e foi dar um beijo em sua querida mãe. Ao chegar na pequenina sala deparou com uma cena triste. A mãe do rapaz estava deitada no sofá, sem se mover, talvez dormindo. Não, ela não se movia, não respirava, não vivia mais. Em sua mão uma Bíblia ainda estava apoiada. Hugo chorando pegou o livro e abriu na parte marcada com um papei de caderno. O Jovem abriu o papel e viu uma carta escrita com a caligrafia torta e difícil de sua mãe.
O que ele leu trouxe ao seu coração um misto de muita tristeza e uma tremenda alegria. Era uma oração ao Pai para que o Espírito Santo tocasse no coração de Hugo. Ela pedia a seu querido Deus, que tanto amava, que seu filho tivesse um encontro com Ele, assim como ela tivera Há anos atrás.
Hugo percebeu que ela foi para Deus e que, feliz aguardava pelo filho que um dia encontraria com ela no lar celestial.

PAZ,

SERGIO MATOS