Das Grafias da Vida à Otobiografia

A biografia, segundo Vilas Boas, consiste em um gênero literário de não ficção, cujo principal objetivo é apresentar a vida de alguém. Para ele, a vida é o ponto central da obra biográfica e elaborá-la é uma verdadeira arte[1]. Logo, este gênero, consiste na exposição de experiências vividas por um sujeito, seja a próprio punho ou com o auxílio de um escritor.

A biografia de acordo com Monteiro, foi um dos principais pontos de aproximação de Friedrich Wilhelm Nietzsche à escrita filosófica[2]. Não é por acaso que Nietzsche é conhecido por muitos como o filósofo da vida.

Jacques Derrida, leitor de Nietzsche, assim como Monteiro, criou o conceito Otobiografia. Em seu livro intitulado Otobiographies, publicado no ano de 1984, escreveu que Nietzsche talvez tenha sido o único a pôr seu nome – seus nomes – e suas biografias na trincheira, correndo, deste modo, mais riscos do que isso requer: para ‘ele’, para ‘eles’, para suas vidas, seus nomes e seu futuro, e, particularmente, para a política futura que ele deixou ser assinada. ”[3]

Analisando etimologicamente a palavra Otobiografia teremos: Oto, orelha ou ouvido; bio, vida e grafia, escrita, sendo assim Otobiografia, de maneira geral, significa ouvir a vida presente nos escritos: essa é a compreensão que se tem nesse trabalho.

            Os ouvidos são utilizados metaforicamente por Nietzsche para dizer algo sobre as orelhas de Ariadne: princesa da mitologia grega que libertou Teseu de um labirinto por meio de um novelo de linha, mais conhecido como Fio de Ariadne. Nada mais adequado do que o labirinto para simbolizar o conceito criado por Derrida, pois esse nos remete à idéia de não linearidade ou caminho tortuoso que o investigador terá de percorrer na tentativa de ouvir as vivências presentes nos escritos. Com isso, já é sinalizado que a escuta das vivências requer flexibilidade e sintonia à complexidade própria da experiência de vida.

            E não se pode esquecer que, para Nietzsche, “não se tem ouvido para aquilo que não se tem acesso a partir de vivências” [4], isto é, só se tem ouvidos para aquilo que, de certa forma, seja comungado por vivências comuns.

            O método otobiográfico nasce a partir dessa perspectiva: ouvir a vida presente nos escritos. Tem seu primeiro ensaio na tese de doutorado de Silas Borges Monteiro intitulada “Quando a Pedagogia Forma Professores. Uma investigação otobiográfica”, defendida no ano de 2004, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Esse método, embora esteja ainda em construção, tem como proposta ouvir as vivências presentes em textos; até o momento, as pesquisas tomaram como objeto, narrativas autobiográficas. De acordo com   Monteiro, o conceito de vivências, tirado de Nietzsche, funciona como produtor de sentido para a escuta estas atuam no corpo e na alma[5].

Ao utilizar-se deste método, Monteiro enfatiza que não é possível separar um texto da vida de seu autor [6]. No entanto, este método não tem como objetivo investigar uma personagem e sua trama psicológica, por meio dos escritos; a Otobiografia tem como objetivo ouvir os escritos e não o que está por trás deles.

O ponto fundamental da Otobiografia para Monteiro é atribuir ao texto o nome, ou a assinatura com suas cetras, o estilo, as marcas, a estampa, os sinais que permitem identificar a autoria, buscando o que quer a obra, o que quer a autobiografia, o querem as vivências[7].

Este processo também é um ponto diferenciador dos outros métodos de pesquisa, pois nele além de não se trabalhar com objetos de pesquisa e sim com sujeitos, o nome dos mesmos são identificados integralmente. Até porque seria contraditório à pesquisa otobiográfica idealizar uma pessoa, como vemos em outras investigações, através de letras iniciais ou pseudônimos.

Como trabalho empírico, o método parte de textos autobiográficos ou da gravação de narrativas, que foi o caso desta pesquisa, em que as narrativas foram registradas em áudio. Posteriormente, foram transcritas com adaptação para estilo de texto autobiográfico e, então, devolvidos a seus autores a fim de que esses dissessem se reconheciam-se na escrita e dessem seu consentimento, ou otobiograficamente dizendo, dessem sua assinatura.

Esta pesquisa procura fazer soar as vivências de pedagogos que se tornaram mestrandos do Programa de Pós Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT, e que são integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em Didática, Filosofia e Formação do Educador- GEDFFE.

Logo, investigo aqui o que querem esses mestrandos quando falam o que falam e o que falam suas vivências. Não se entende pelo método otobiográfico que essas vivências são puramente verdadeiras, ou seja, não se trata de uma verdade policial, mas a verdade da pessoa naquele momento, daquela vontade; vivências perfeitamente mutáveis.

O processo de escuta das vivências presentes nos escritos não é no sentido de coleta, em outras palavras, não tem como objetivo gerar dados estatísticos de possíveis recorrências ou de arriscar a interpretar psicologicamente suas narrativas. Mas sim no sentido de disseminar as vivências presentes nos escritos, acreditando que essas falam da formação dos pedagogos pesquisados, hoje, mestrandos em educação.

Quando Pedagogos Tornam-se Mestrandos

            Apresento-lhes nesse momento os colaborados dessa pesquisa, que narraram suas vidas, e como disse Santana, seus textos são eles[8].

Faço a escuta das narrativas de Eliete Borges Lopes, 28 anos, Reinaldo de Souza Marchesi, 27 anos, Marlene Alves dos Santos, 50 anos, Lucivan Augusto, 36 anos e Daniela de Freitas Coelho, 23 anos. Vale ressaltar que as narrativas tiveram apenas como ponto de partida a seguinte proposição: fale sobre você e sobre a sua vida até chegar ao mestrado em educação.

            Os textos dos autores, as narrativas, apesar de não estarem integralmente nesse trabalho, foram organizados da seguinte forma: breve apresentação, incluindo o município de origem, a constituição de sua família, e o processo de formação escolar inicial, seqüencialmente a formação em Pedagogia e o ingresso no PPGE/UFMT...