Crônica

                                    QUANDO O INIMIGO SILENCIA

                                                         Edevaldo Leal

 

                                    Quem diria, convocar à guerra contra um inseto, o inimigo. Ou exterminamos o inseto ou ele nos extermina. Ficção ou realidade? Voluntários, apresentem-se. Não aceitem políticos em suas fileiras. Políticos querem votos, a glória efêmera das manchetes e tenho suspeitas – suspeitas muito fortes – de que alguns deles fizeram alianças com o  inimigo.

                                    O inimigo precisa ser vencido. Vencido, não é suficiente aprisiona-lo. Escorregadio, ousado, mesmo segregado, abre inexplicáveis rotas de fuga para matar. Se não o matarmos primeiro, ele, debochado,  escreverá em nossos túmulos  o epitáfio “ quando o inimigo silencia”.

                                   A certeza do mosquito morto nos liberta. É nosso salvo - conduto para a vida.

                                   O inimigo é um mosquito que fez opção pela morte, a nossa morte. Seremos dizimados aos poucos, como quer e faz, em sua estratégia de ataques alternados, de recuo e avanço. Ele ataca sem aviso. Não respeita tratados internacionais: assesta suas armas para escolas, creches, hospitais, asilos, casas, apartamentos, bares, boates, hotéis, motéis e lugares públicos. Não escolhe sexo, idade, religião e nem cor.  Ele não tem preconceitos:  tanto pode fazer  visitas inesperadas a fiéis   em uma  igreja católica ou evangélica, como picar um casal gay em uma cama de motel. Pobres ou ricos, ele não tem vítimas preferenciais. Do ferrão do bicho saem cápsulas envenenadas contra  quem lhe atravessa o caminho ou duvida do potencial de sua  aparência e tamanho e não move uma palha para exterminá-lo.

                                 Cuidado com  terrenos baldios, com água parada. Cuidado com lixos, detritos e entulhos jogados nas ruas, nas valas ou em volta das casas. Ele também se alimenta da água acumulada em recipientes, como vasos de plantas. E como gosta de pneus velhos e cisternas. É por aí que começaremos a vencer: cortando-lhe a fonte de suprimento.

                                 Não nos deixemos enganar: ele nunca erra o alvo. Quantas de suas vítimas saem dos hospitais direto para os túmulos?

                                 Até quando choraremos nossos mortos sem reagirmos contra um inimigo que ataca à sombra de nossos medos e abre trincheiras em nossa falta de iniciativa?

                                Sabemos que ele é incansável em sua estratégia peculiar: ataca de surpresa, antes do pôr- do- sol e ao amanhecer. Tormento de nossos dias, ladrão de tantas vidas, quantas vezes  tem deixado em sua passagem indesejada o luto que rejeitamos?

                                Afinal, quem é esse  mosquito? Um remanescente das sete pragas do Egito?

                              E é de lá mesmo, do  Egito, que ele veio. Nasceu no século XVI. Foi introduzido no Novo Mundo, após longas viagens nos navios negreiros. Inicialmente, o chamaram Culex aegypty e, de 1818 para cá, Aedes aegypty. Popularmente, mosquito da dengue. E está presente em todo o território nacional. Como veem, não é um mosquito qualquer. Faz parte da História, desde o tempo das colonizações. Perigoso, ataca sem deixar ao menos uma leve coceira. Tem menos de um centímetro e, além da dengue, transmite, também, a temível febre amarela.

                               Como vencer o mosquito da morte? Contar com governantes, políticos e áulicos acompanhantes, que em seu nome gastam (gastam?) milhões de reais em campanhas para erradica-lo? Lembro-me, agora, da entrevista de um pesquisador em  que ele  afirma:"  5% de vinagre na água é suficiente para matar as larvas do mosquito da dengue e nenhum deles resiste a meia colher de vinagre na água parada ".

                                Chove. Pego o guarda- chuva. Atravesso a WE 57 e faço o contorno na arterial 18.Na padaria, compro o pão da tarde. Na volta para casa, levanto os olhos e, à minha frente , o que vejo? Uma, duas, três poças de água. Em casa, pego uma garrafa de vinagre. Vou até à janela e uma frase me acompanha: “ meia colher de vinagre na água parada “. E, na minha cabeça, acorda  uma certeza: eu não serei mais exterminado.

                                                              6 de fevereiro de 2013.