Andam falando que eu sou nostálgico. Gosto de historia. Gosto do passado. O presente. O hoje precisa ser vivido e não contado. O futuro pode ser um exercício de imaginação. Uma ficção. Em outros tempos existiam os desfiles escolares, principalmente em cidades do interior. Desde os meus primeiros anos na escola ao termino do segundo grau o desfile de sete de setembro era um acontecimento que parava a cidade. Cada escola queria fazer o melhor. As turmas sentiam o prazer de criar e montar um carro alegórico retratando algum tema importante. A questão maior era a independência do Brasil. Era comum a montagem de apresentações retratando o dia da independência, quando a margem do Rio Ipiranga D. Pedro I arrancou a espada e disse a celebre frase: Independência ou morte. Pois bem. A Escola Job Pimentel queria retratar o ato de bravura de D.Pedro I na frente do palanque das autoridades, onde normalmente estavam o prefeito, o padre, os vereadores, diretores de escola, gerente de banco, fazendeiros, etc. A diretora da minha escola não achou ninguém que quisesse fazer o papel do Imperador. A mulher me colocou contra a parede e quase me obrigou a aceitar o trono. Na época eu devia ter uns quinze anos. A cena seria a seguinte: Eu chegaria montado num cavalo alto e bonito e pararia em frente ao palanque. O aluno que representaria o Jose Bonifacio também viria de cavalo e gritaria: Dom Pedro, Dom Pedro, a carta. Jose Bonifacio se aproximaria de Dom Pedro I, no caso eu mesmo, e entregaria a carta. Dom Pedro I leria a carta e então bradaria a repedida frase: Independência ou morte. Eu que nunca tinha montado cavalo sem que alguém segurasse a rédea, fui obrigado a deixar o medo de lado. No momento em que montei o animal vi que ele não gostou e muito menos eu. O Jose Bonifacio grita para Dom Pedro e o cavalo já fica inquieto. Quando a carta me foi entregue e dado brado que livraria o Brasil do julgo de Portal, o cavalo se assustou e deu uma empinada e saiu em desabalada carreira Avenida Presidente Vargas acima. Eu puxava a rédea e nada do cavalo parar. O meu coração quase saia pela boca. O animal era alto e eu temia pular e me machucar todo. As calçadas da avenida estavam tomadas de gente, que eram contidas por uma corda e por policiais militares. Em frente ao Bar do Gordo um fiel súdito do imperador correu para o meio da avenida e abriu os braços. Aquele literalmente filho de uma egua levou um susto e parou. Pulei de cima do arisco cavalo e fui embora. Não fiquei nem para a cerimônia do lava pés. O que me conforta se reside no fato de que o meu cavalo era bem mais bonito do que a egua de D. Pedro. O livro 1822, de Laurentino Gomes, garante que o Imperador estava cavalgando uma egua e não um cavalo. Correu a boca miúda na época, isto não esta em nenhum livro, que quando Jose Bonifacio gritou: D. Pedro D. Pedro o papel. Este teria falado obrigado, já me limpei com sabugo mesmo. Não se fazem desfile escolar como antigamente. Outra coisa, todo mundo sabe que o Imperador estava fazendo a viagem a Santos para visitar a Domitila, a Marquesa de Santos, mas aproveitaria para tratar de assuntos do reino. Tem um amigo meu que quando vai à casa da amante, quando volta fala que estava em diligencias.