Putnam e Nagel. Sobre a impossibilidade de sermos um cérebro numa cuba por conta da singularidade da experiência.
Neste trabalho pretendo fazer uma ligação entre dois importantes pensadores da filosofia da mente, mais especificamente sobre duas de suas obras, a saber: O caso do cérebro numa cuba do pensador norte-americano Hillary Putnam e Como é ser um morcego de Thomas Nagel, filosofo que nasceu na antiga Iugoslávia, porém construiu sua carreira acadêmica nos Estados Unidos. A ligação que pretendo estabelecer entre esses dois pensadores pode não ser por similaridade nem por oposição, mas por complementação. Trata-se de um trabalho meramente introdutório em torno de um tema que segundo Teixeira é um dos princípios norteadores, aliás, uma das questões de primeira grandeza a ser tratada pela filosofia da mente que é a seguinte: será a mente e o corpo a mesma ou o pensamento é apenas produto do meu cérebro?
Para iniciar tratarei resumidamente da questão do cérebro numa cuba, a que seguirá uma breve exposição sobre a obra de Nagel como é ser um morcego. para finalizar demonstrar recorrendo ao Nagel e do próprio Putnam que é impossível sermos um cérebro numa cuba.
Putnam começa sua intrigante fala convidando-nos a imaginar a possibilidade de que algum cientista perverso tivesse nos removido o cérebro, no caso o cérebro do leitor que estivesse lendo as linhas escritas por ele, ou seja, o meu cérebro ou o seu, e mantivesse meu cérebro numa cuba cheia de nutrientes de forma que o organismo permanecesse vivo, não apenas vivo como conectado por meios de fios transistores a um supercomputador que por meio de impulsos elétricos me fizesse ter a sensação que eu quisesse, como sentir o aroma e o sabor de um queijo que meu paladar aprecia ou degustar um vinho de sabor requintado de um safra especial. Inclusive esse supercomputador poderia me fazer pensar ou sentir que estou agora escrevendo estas linhas sobre a impossibilidade de sermos um cérebro numa cuba.
É claro que o problema da relação mente-mundo tratado neste texto não é um problema de fácil resolução, porque, aliás, não é esta a proposta, no entanto este é o objeto de estudo primordial da filosofia da mente e pensar um cérebro numa cuba dissociado de um corpo é com certeza uma teoria que cria mais dificuldades do que a própria disciplina se propõe a resolver. Ainda a isso poderia acrescentar o fato de que não fosse apenas meu cérebro que estivesse em cuba e sim isso fosse uma alucinação coletiva e que realmente estaríamos num tanque, melhor dizendo, apenas os cérebros sem corpos recebendo estímulos de um supercomputador.
E como se isso fosse coisa de pouca monta levar a ideia ao extremo de inferir que não só somos um cérebro numa cuba como todos os seres sencientes que nosso cérebros conhecem como existentes fossem frutos também de estímulos elétricos produzidos pelo supercomputador. Seria como afirmar que não existe além daquilo que minha mente consegue conceber, em outras palavras, tem existência somente aquilo que o supercomputador me pensar ou sentir que existe.
Mas resta perguntar, conforme Putnam, se no caso de que isso fosse realmente verdade, que somos um cérebro numa cuba, seria possível que agora estaríamos refletindo sobre o fato de que somos um cérebro numa cuba?
Putnam aborda seu problema pelo viés de uma relação mente-mundo e pelo fato dos cérebros numa cuba serem desprovidos de corpos, é claro que de forma velada há a ideia da relação mente-corpo. Nagel aborda o assunto diretamente pelo problema mente- corpo e faz asserções importantes que podem corroborar com a tese da impossibilidade de sermos um cérebro numa cuba por conta da singularidade da experiência como consciência fenomenal.
Em um dos textos mais conhecidos de Nagel Como é ser um morcego ele fala sobre a dificuldade ou mesmo impossibilidade de afirmarmos com certo grau de probabilidade se animais tem consciência. Como poderíamos saber se uma baleia, elefante, cachorro ou rato tem consciência? A consciência é o que faz do problema da relação mente-corpo um problema verdadeiramente intratável, afirma Nagel. Porque algumas pessoas afirmam peremptoriamente que a consciência é pertinente apenas aos homens. Partindo desse pressuposto de que não se pode afirmar que outros animais tenham consciência visto que não temos acesso a isso de forma alguma, pois mesmo que outros seres, além dos homens tivesse consciência fenomenal, jamais poderíamos saber.
Mas é possível que ratos, pombos ou morcegos tenham consciência, porém se algum ser extraterreno viesse habitar nosso planeta seria absolutamente impossível que ele soubéssemos como nos sentimos assim estamos diante de da impossibilidade de saber como é ser um morcego. Mas Nagel explica que o que ele pretende não ter a sensação do que é ser um morcego, é antes de qualquer coisa ter a dimensão do que para o morcego ser um morcego. Então temos que se já difícil imaginar como é para mim ou para qualquer outro que tentar como é ser um morcego, como tentar falar sobre um morcego enquanto morcego.
Nagel explica que o morcego é um ser estranho de hábitos notívagos, completamente cego e que se guia por sonares de alta freqüência para encontrar o caminho seu vôo aparentemente desvairado, com bruscas manobras ascendentes e descendentes ele emite um ganido estridente que ricocheteia nas partes sólidas do seu habitat e lhe dá a dimensão do espaço vazio a sua frente por onde ele passa. Vale ressaltar que o morcego é um ser estranho de acordo com análise que fazemos dele em comparação a nós, no entanto, a ideia que fazemos dos morcegos de forma alguma define o que eles realmente é. O que se passa com ele, suas sensações, como ele percebe o mundo a sua volta, ou seja, sua consciência fenomenal é algo que está fora de cogitação afirmamos que seja deste ou daquele modo com algum grau de probabilidade.
Por conta dessa dificuldade, melhor dizendo, diante da impossibilidade de dizer como se dá experiência do morcego em ser morcego é que vamos apontar, levando em conta o problema mente-corpo, mente-mundo.
Teixeira afirma que é possível que seja mapeada os impulsos cerebrais de uma pessoa de forma a descobrir que ela está sentindo calor, no entanto não é seguro determinar qual a intensidade do calor alguém está sentindo, ou seja, um cientista pode até dizer o que estou sentindo, porém está diante da impossibilidade absoluta de dizer como estou sentindo calor ou frio, tristeza ou alegria euforia ou depressão.
Se é impossível aos homens saber se ratos, pombos ou morcegos tem consciência e, se tem qual é o grau dessa consciência, então é um tanto mais complicado para alguém determinara como outro ser humano percebe o mundo. Será da mesma que eu percebo? Quais são as variantes dessa percepção? Portanto concluo o que se propôs no titulo, é impossível que sejamos cérebros numa tina ou cuba por conta da singularidade da experiência.
Vou apresentar dois motivos para tentar provar minha asserção. Primeiro é o próprio Putnam que levanta o questionamento: se fossemos um cérebro poderíamos estar pensando agora sobre a possibilidade de sermos um cérebro numa cuba? Transcrevo na íntegra o que Reale diz sobre isso
Ora, a resposta a tal pergunta é: não! A resposta é negativa, porque a hipótese de que somos um cérebro numa cuba se auto-refuta no sentido de que sua verdade comportas sua falsidade. E Putnam examina a tese, indagando a relação de referencia que as palavras tem com a realidade. As pessoas, em um mundo no qual os cérebros estão em tina, podem certamente proferir palavras, assim como fazemos; elas, todavia, embora usando as mesmas palavras usadas por nós, não podem de modo nenhum se referir a própria coisa á qual nos referimos.
Enquanto com Nagel temos a firmação categórica de que a consciência fenomenal tem caráter subjetivo e é sempre possível dizer que alguém sentindo algo, sem, no entanto determinar como está se dando essas sensações. Decorre daí que se somos cérebros em uma tina o cientista perverso que fez isso deveria estar de fora, como uma infeliz ou feliz exceção, e esse privilegio constitui-se também em seu fracasso. Estando de fora para controlar os cérebros no tanque o cientista perverso pode até emitir estímulos aos cérebros e observar as reações, teria contra ele o fato de que, por conta da singularidade da experiência, só eu sei como estou sentindo, o cientista perverso não poderia determinar minhas reações aos estímulos enviados por ele.


Referencias
NAGEL T. Como é ser um morcego?. Trad. L. M. S. Augusto. Disponível em: www.criticanarede.com Acesso em: 10 de ago. 2011.
PUTNAM, H. Razão, Verdade e História, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992, pp. 28-29.
REALE, Giovanne. ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol VI. De Nietzsche a Escola de Frankfurt. Trad. Ivo Storniolo, Paulus, São Paulo, 2005. pp 232-234.
TEIXEIRA, J. T. Mente, Cérebro e Cognição Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 15-17 Disponível em: www.criticanarede.com Acesso em: 10 ago. 2011.
Filme.
Matrix. Direção: Brother Wachowski. Com Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Laurence Fishburne, Hugo Weaving. 1999, 136 min.