PUBLICIDADE INFANTIL – DEBATE SURREAL

Por Marcelo C. P. Diniz, baseado no livro “Será a propaganda culpada?” (www.serapropagandaculpada.com.br) de sua autoria.  

O CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente publicou recentemente uma resolução que pretende abolir a comunicação mercadológica do universo de todas as pessoas com idade até 12 anos. Assim mesmo, passaram a régua nos 12 anos, como se todas as crianças fossem iguais em desenvolvimento.

O debate é surreal.

__ O consumo vai levar o planeta ao desastre total.

__ Entretanto, até Marx defendeu o consumo, pois se você fabrica um vestido e não tem quem o queira, sua fabricação não tem razão de ser. O mundo sem consumo é um trem fantasma: sem comércio, sem produção, empregos, renda, impostos, investimentos públicos e privados, sem escola, saúde... Estaremos todos sustentados na miséria, e ainda precisando consumir, necessidade que remonta aos seios das nossas mães.

__ Mas a publicidade estimula os desejos.

__ Sim, ela estimula o que já existe. Um sobrinho em idade pré-escolar cutucou meu cunhado: “pai, acho que estou apaixonado”. E mostrou uma ereção. Naquele momento, ele relacionava um fenômeno físico ao relacionamento com outra pessoa, uma paixão. Vamos cortar o desejo do garoto? Tesouras, por favor! Foi determinado que este e todos os demais desejos estão automaticamente proibidos!

__ Crianças não têm senso crítico, não podemos lhes direcionar mensagens para que façam o que não têm capacidade de avaliar.

__ Que crianças são essas? As de melhor escolaridade, nível social e cultural, ou aquelas cujo desenvolvimento cerebral compete com o direcionamento ao combate a doenças trazidas pela falta de esgoto? Theodore Levitt já dizia: se você não estiver pensando em segmentos, não estará pensando. O programa Media Smart, existente em vários países da Europa, ensina milhares de crianças a avaliar propaganda. Apenas no Reino Unidos, 10 mil escolas primárias requisitaram seus materiais.

__ Precisamos urgentemente dar um basta em tudo isso. Precisamos construir um mundo melhor.

__ Sim, porém o mundo melhor de amanhã inclui o tempo presente. Em um exemplo: a seleção brasileira de futebol foi campeã em 1970 e considerada o pulmão da Copa, orientada pelo Dr. Cooper.  Claudio Coutinho, naquela época o preparador físico, foi um incentivador do jogging daí pra frente. Fazer um Cooper vendeu muitos tênis da Nike, mas tem gente que não correu 100 metros até hoje. A febre do culto ao corpo e das academias é coisa muito mais recente. Projetar um mundo melhor exige entender as condições de hoje. Empresas como a Volkswagen e a Petrobras pesquisam combustíveis limpos e materiais menos agressivos ao ambiente. É a economia de hoje que financia a economia verde. Quer acelerar? Acelere as consciências: economia verde precisa de consumidores, de escala e preços. E de um empurrãozinho da área fiscal. A publicidade vai ajudar, quer ver? Quando você quiser saber aonde encontrar aquele carro que abastece na tomada, pergunte num Posto Ipiranga.

__ Eu não entendo porque se fala tanto em consumo, quando o assunto é proteger as crianças, que não têm capacidade de avaliar as mensagens mercadológicas.

__ Então, faça o seguinte: proíba a publicidade infantil na TV, mas não se esqueça de colocar uma tarja preta nas embalagens destinadas aos pequenos, tapar as vitrines das lojas de brinquedos como se fossem Sexy Shop, cercar as seções de ovos de Páscoa nos supermercados, onde só poderão entrar maiores de 12 anos, e com dinheiro no bolso, pois geralmente são os pais que têm capacidade de pagamento e decisão. Também proíba as viagens à Disneyworld, o acesso dos menores à internet, pois eles já são milhões nas redes sociais e, a exemplo das suas interações pessoais com amiguinhos e parentes, hoje são emissores de mensagens, são influenciadores.  Quer um absurdo maior? Cegue e ensurdeça as crianças. A propósito, Bienal do Livro é consumismo infantil?

__ Crianças deveriam voltar às suas brincadeiras saudáveis, nos parques, nas praças, nas áreas livres.

__ 84% da população brasileira são urbanas, segundo o IBGE. São Paulo tem 7.000 habitantes por quilômetro quadrado. São João do Meriti tem 13.000. E mais de 50% das nossas escolas públicas não têm sequer uma quadra de esportes (ONG Contas Abertas). Pais trabalham fora, não podem deixar seus filhos cruzando grandes distâncias para encontrar uma área de lazer, porque é perigoso. Você quer ver os pequenos no play do prédio, quando ele existe? Fazendo o que? Pulando corda e amarelinha o ano inteiro?  Então saiba o que a Neurociência nos diz: a novidade domina a atenção do ser humano. Os quadrúpedes dão de cara com o chão, cheiram e lambem. E os bípedes ampliaram seus horizontes, a visão predomina, daí a importância crescente das imagens. Buscamos a novidade para encontrar sustento, nos defender de perigos, encontrar soluções. Por isso os eletrônicos, que oferecem novidades a toda hora, são mais atrativos que os playgrounds dos edifícios. É preciso entender as motivações das crianças.

__ Há uma epidemia de obesidade infantil por causa disso.

Não é só infantil. O IBGE demonstra que todas as idades, todas as classes sociais, todos os sexos apresentam índices preocupantes de obesidade. Além da falta de exercícios e outros fatores, há que salientar os aspectos culturais da nossa alimentação. 82,6% do açúcar adicionado em nossa comida são de responsabilidade das nossas mães, esposas e domésticas, além dos restaurantes que copiam aquelas receitas. Frituras, então? Que sabor! Mas, segundo a Organização Mundial de Saúde, se formos ao Japão veremos que a população só tem 5,5% de obesos (homens) e 3,5% (mulheres), contra 18,2% e 15% respectivamente, na Suécia, que tem sérias restrições à publicidade infantil há muitas décadas.

Aliás, outras estatísticas são igualmente intrigantes: dizem que criança não deve ser modelo de publicidade, que personagens infantis não podem fazer merchandising, que os videogames incitam a violência. No Japão tem tudo isso, a população é mais magra e as estatísticas apontavam, segundo um artigo recente de Nelson Motta, em O Globo, 1,7 assassinatos por ano em cada grupo de 100 mil pessoas. Na Venezuela foram 75 pessoas.  E o New York Times registra: o número de jovens com ficha criminal caiu para menos da metade entre 1994 e 2010; as vendas de jogos mais que dobraram a partir de 1996.

__ O que estão defendendo é um consumismo exacerbado. Não podemos permitir que as crianças fiquem expostas.

__ Consumismo é um distúrbio psiquiátrico chamado oneomania, que leva alguns a comprar mais do que podem pagar e até mesmo esconder as compras da família. Consumo, por outro lado, é imprescindível. Mas as crianças não têm capacidade de pagamento. Cabe aos pais impor limites, o que não é nenhuma novidade. É legítimo sonhar com uma Ferrari, com uma casa popular ou com um sorvete de morango. Faz parte da vida aprender sobre as nossas carências, quando não há solução à vista.