Psicologia Hospitalar : atuação e transmissão do psicólogo no Hospital Geral

Isabella Lima Kahn

O Brasil tem sido um dos primeiros países a investir no campo da Psicologia Hospitalar e da Saúde. Nessa nova área do conhecimento, os psicólogos hospitalares têm se preocupado em desenvolver teorias e técnicas específicas para dar atenção às pessoas hospitalizadas.

Na categoria de aluna da graduação de psicologia e de curiosa pela área da psicanálise, eu fui procurar em um hospital particular renomado de Belo Horizonte, um novo olhar sob os processos que envolvem doença, internação e tratamento, e também na complexa e delicada relação entre enfermo, família e equipe multidisciplinar.

No hospital que aqui chamarei de Hospital "X", fui muito bem recebida por uma grande equipe de psicólogos e psicanalistas que sempre foram muito dedicas e engajados na transmissão da psicanálise. Para isso, dois coordenadores da clínica de psicologia do local, mantêm um grupo de estudo de psicanálise Lacaniana semanalmente, acompanhada de supervisão clínica e grupos de estudos em temas referentes á Psicologia e Saúde.
Mesmo sendo aluna de um curso de graduação de Psicologia no Rio de Janeiro, eu tive a oportunidade de aliar o meu conhecimento teórico á prática clínica, fazendo plantões e observações no CTI desse mesmo hospital.

O CTI é um setor do hospital no qual a rotina de cuidados é intensa e realizada por uma equipe multidisciplinar(médicos,enfermagem,fisioterapeutas,psicólogos etc). É também um espaço onde o domínio do discurso da ciência e dos avanços tecnológicos tem como efeito a eliminação da subjetividade, espaço onde o paciente-sujeito é submetido a procedimentos invasivos como monitoração excessiva, exames diários, medicação controlada, banho e alimentação. Um ambiente não só de doenças graves com risco de morte, mas também de luta pela vida.

O psicanalista no hospital, em especial no CTI, se depara com questões referente á angústia, perda, ansiedade e morte. Philippe Áries, em A história da morte no Ocidente chamou a atenção para a forma pela qual encaramos a morte na nossa sociedade contemporânea. Inúmeras características sofreram modificações de acordo em que as décadas foram se passando: transferiu-se a morte do ambiente familiar para o ambiente hospitalar, os cemitérios ficam cada vez mais distantes das cidades, as crianças são "poupadas", afastadas do sujeito enfermo, e muita vezes a doença é tratada como "A doença" e o paciente perde seu nome, recebendo então o do seu diagnóstico.

No CTI em que pude realizar a minha prática, é composto por 4 corredores divididos por unidades (cuidados prolongados, coronariana, neuro-trauma e clínica cirúrgica).Neste ambiente o psicólogo tem algumas funções que fazem parte da rotina da unidade. Há uma "entrevista de admissão" com todos os pacientes e/ou familiares que dão entrada no CTI, e essas entrevistas são realizadas, em geral com o paciente quando este está acordado e com os seus familiares que estiverem presentes no "horário de visita". Essa entrevista tem como objetivo colher informações, tais como referência familiar do paciente, telefones de contato, orientação com relação ao funcionamento do setor e principalmente "acolher" o paciente com a sua família. A entrevista de admissão protocolar torna-se um instrumento para a escuta do singular, instituindo um espaço para a palavra do sujeito da psicanálise.

Além de colher as informações do paciente, esse primeiro contato tem como principal objetivo acolher o sujeito e a sua família. O acolhimento é uma das principais diretrizes que orientam a produção do cuidado em saúde. Quando há a internação de um paciente
no CTI, a família num primeiro momento se sente eliminada do processo, pois cada hospital tem a sua rotina e as suas próprias regras de funcionamento. Torna-se necessário para a família uma reorganização visando adequar-se às regras e aos horários de visitas e as suas limitações. Muitas vezes, uma família vai demandar um pedido de ajuda e cabe ao psicólogo, através da sua presença e da sua escuta acolher aqueles que lá estarão presentes. O que o psicólogo, praticante da psicanálise, fará é bordejar a falta e não tamponá-la, "ele dirigirá o tratamento e não o sujeito" como diz Lacan.

Semanalmente, uma reunião clínica é organizada para a discussão dos casos e dos estudos clínicos. Guiados pela orientação psicanalítica essa reunião tem por objetivo facilitar a circulação de outro discurso, o discurso da psicanálise que aponta para a questão da subjetividade. É uma clínica que pressupõe um sujeito de desejo que pode através da linguagem se implicar no que diz e no que faz. Este é um ponto central nessa clínica que tem na associação livre seu instrumento e na escuta do analista sua ferramenta de trabalho. Nessa reunião é possível levantarmos questões como: o psicólogo/analista tem que atender a todos os pacientes, como acolher as inúmeras demandas? Como manejar a questão do pagamento? É possível escutar o paciente entubado? Como é essa clínica psicanalítica que não tem divã? Como chegar até o "sujeito" que não pediu pelo atendimento do psicólogo?

A partir destas/e ou outras questões é que temos elementos para destacar a importância da formação do psicólogo.

Não existe instituição ideal para a Psicanálise e é por isso que acreditamos que o psicólogo pode ajudar muito com a sua presença, se colocando a disposição do doente e dos seus familiares nesse momento de sofrimento e angústia. A base da presença do psicanalista no hospital é sua direção para a criação de "condições de escutabilidade". Esta posição visa escutar além do que é dito pelo paciente, ou seja, é estar atento ao desejo que perpassa a sua fala nos tropeços de seus dizeres. Para trabalharmos a clínica do inconsciente duas condições são necessárias: a suposição de saber e a função da falta. Estamos no campo da transferência e Lacan nos diz que o encontraremos no começo da análise. A transferência é uma condição fundamental. Sem ela, o trabalho analítico não acontece. No hospital não é diferente. A presença do analista vai sempre revelar algo da sua posição ante o inconsciente. Segundo Lacan é a função-presença do analista que possibilitará a transferência e a forma de manejá-la indicará a presença ou não de um analista que, sabemos, está ligada, ao desejo de analista.

Para ser analista é necessário abrir mão de suas marcas pessoais e estar "aberto" a atenção flutuante. Segundo Freud, é como o analista deve escutar o analisando: não deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso e através do "falar livremente" ele entrará em contato com a sua atividade inconsciente. (Laplanche Pontalis,1998)

Fazendo parte do curso de formação em Psicologia Hospitalar módulo básico, ministrado por duas psicanalistas mineiras estudiosas, são abordadas essas questões sobre a clínica psicanalítica no hospital. Esse espaço é destinado para debates sobre diversos assuntos referentes a essa clínica. Um ponto em especial que é comumente discutido em aula é a respeito do que habilita um analista a se intitular como tal e qual é o seu lugar. Essa é uma questão muito importante e sempre debatida por alunos de psicologia, candidatos a formação psicanalítica e entre os próprios analistas. Freud nos dirá que há um tripé que faz parte da formação do analista: primeiramente pela sua análise pessoal, seguida da experiência clínica e, por fim, a sua supervisão. O analista só levará o seu analisando até onde ele foi em sua análise pessoal. Ele encontrará apoio e "conforto" na teoria e a partir daí terá ferramentas para aliar o seu conhecimento teórico à prática clínica. Lacan também traz contribuições nesse aspecto quando diz que, a experiência não pode ser ensinada, e tampouco treinada. Ela é transmitida, trânsito de uma articulação entre prática e teoria.

E pensando sobre a formação em psicologia na universidade, na graduação, penso na dificuldade dos professores que precisam seguir a risca um planejamento diário e geralmente a maior parte deles não têm a disponibilidade para ficar atento e ajudar os alunos a montarem um planejamento que seja próximo ao interesse de cada um.

E quanto aos estágios, O aluno precisa ser treinado, conhecer as regras da instituição e principalmente, estar motivado para ir de encontro à satisfação das suas necessidades. O estagiário tem que estar disponível para participar e contribuir nas discussões clínicas, discutir as dificuldades que possa haver dentro do grupo, ajudar a estabelecer um clima positivo no grupo, tentando, quando possível, auxiliar os outros, sendo cooperativo e integrar-se totalmente a vida do grupo, sem perder a sua própria individualidade e originalidade.
Na prática temos que estar muito bem respaldados pela teoria e temos que manter um compromisso muito sério com a ética. O compromisso com a ética é o ponto mais importante na área prática. Na área hospitalar, em especial, os profissionais de psicologia e os estagiários lidam no dia -a -dia com o sofrimento do outro e temos que ter consciência que a nossa atuação tem repercussões importantes na vida de cada paciente e/ou família. O erro mais grave que o psicólogo pode cometer é não seguir a ética.

Para o campo da Psicologia pensamos a ética sob diversos pontos, como: estabelecer um ambiente seguro ao paciente, manter registros, relatórios e evoluções clínicas do paciente sempre atualizada, manter o absoluto sigilo a respeito dos casos clínicos, ter cuidado ao gerar aproximação emocional com os pacientes, fazer o encaminhamento do paciente caso ele precise de um profissional especializado em alguma questão em especial, não desvalorizar o trabalho de nenhum outro profissional da equipe multidisciplinar e ter cautela ao comentar casos de pacientes com outros pacientes mesmo que seja para encorajá-los entre outros.

Já, quando falamos da ética para a Psicanálise, privilegiamos outra questão: a do desejo de analista. É o desejo de analista que possibilita que o mesmo tenha uma postura ética e a disponibilidade para ouvir além do dito, de tentar escutar o que aquele sujeito que está perante ele busca, com os mecanismos que possui. Não cabe ao analista fazer promessas de sucesso absoluto sobre o mal-estar humano. O analista não trabalha com a exclusão do sofrimento e muito menos, tamponando a falta, ele trabalha justamente com a realidade psíquica do seu analisando e é através do discurso falado, que juntos, analista e analisando, irão bordejar o que o angustia. A questão da ética pode ser entendida como uma questão inerente ao fazer analítico, e a falta de ética ocorre quando
o analista desvia de seu campo, quando o analista dá respostas antecipadas ao analisante. Freud, dirá que quando o analista toma a função de educador, agindo sob a ótica moral, com planos e respostas para a vida do analisando, ele deixa de ouvir o sujeito que ali está. Portanto, o analista não deve desviar-se da sua função, pois assumir a outra que não lhe cabe, não estará no campo da ética analítica.

As abordagens teóricas da psicologia e da psicanálise estão presentes na prática do psicólogo no hospital, mas são radicalmente diferentes.


Referências bibliográficas:

-LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética em psicanálise. Texto estabelecido por Jacques Alain-Miller.Rio de Janeiro: J.Zahar,1997.

- LACAN, J. O seminário ? livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.Rio de Janeiro : Jorge Zahar,1998b, 270 p .

-MILLER, J-A. Psicoterapia e psicanálise.In: FORBES, J. (Org.).Psicanálise ou psicoterapia.Campinas: Papirus,1997 . cap. 1,p.9-20 , MOURA,M.D. (Org.). Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. 118 p .

-SOARES, C.P. Uma tentativa malograda de atendimento em um centro de tratamento intensivo. In: MOURA,M.D. (Org.). Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro:Revinter,1996. P. 51-60