Stephano Pereira Serejo

Sumário: Introdução; 1. Processo Penal como garantia do acusado; 2. A reconstrução dos fatos através da prova e a necessidade de limitações ao Estado; 3. A Lei n.º 11.690/2008 e suas inovações acerca das provas ilícitas; 4. A relação sujeito x objeto e as provas ilícitas (o vetado § 4º); Disposições Finais.

RESUMO
Analisa o grau de realização do princípio do devido processo legal, a partir da novel redação emprestada ao artigo 157 do Código Processual Penal brasileiro pela Lei n.º 11.690/2008, referente à matéria de inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas ilicitamente.

PALAVRAS-CHAVE
Devido Processo Legal. Direitos e Garantias Fundamentais do Acusado. Provas Ilícitas. Sistema de Inadmissibilidade. Sistema de Nulidade. Imparcialidade.

Introdução

Previsto no art. 5º, inciso LIV, o princípio do devido processo legal figura como direito e garantia fundamental àquele que se encontra sob o alvo de um processo judicial ou administrativo. Entender um processo como devido significa dizer que em todos os seus momentos devam ser obedecidas regras e princípios que o torne salutar e o faça atingir seu primordial objetivo de prestação efetiva da tutela jurisdicional. Dentre tais princípios decorrentes do processo devido, encontra-se a vedação constitucional inserta no inciso LVI do mesmo artigo, que diz serem "inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".
Com o fito de aumentar o grau de realização desse valor-princípio, a Lei n.º 11.690, de 10 de junho de 2008, trouxe inovações ao texto legal do Código de Processo Penal, alterando a redação de seu artigo 157 e acrescentando parágrafos ao mesmo, concernente ao tema da inadmissão de provas obtidas ilicitamente para o processo penal, de maneira a tornar uníssono, em âmbito constitucional e infraconstitucional, o discurso sobre a matéria, que já possuía assentos doutrinário e jurisprudencial bem firmados.
Tendo como ponto de partida a trilogia valorativa da citada lei reformadora, qual seja, buscar alterações com o escopo dar maior celeridade, simplicidade e segurança ao processo penal e com isso alcançar a efetiva prestação jurisdicional, verificar-se-á em qual medida a novel redação emprestada ao artigo 157 do Código Processual Penal realizará tais valores, sem, contudo, implicar em possíveis furtos aos direitos e garantias fundamentais do acusado.
Dar-se-á especial importância à vedação imposta pela Presidência da República ao § 4º do mencionado artigo do tabulário processual penalista, uma vez que desconsiderou a figura do juiz da causa como sujeito capaz de sofrer influenciações das provas obtidas ilicitamente e expurgadas do processo.
Ao desenvolvimento, pois.


1 Processo Penal como garantia do acusado

Antes do advento da Carta Política de 1988, o princípio fundamental que norteava o Código Processual Penal brasileiro era o da presunção de culpabilidade do acusado, sendo este apontado como potencial e virtual culpado. Dentro dessa perspectiva, o processo penal apresentava peculiares características de conotação evidentemente autoritárias, onde, na balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual, prevalecia a preocupação quase que exclusiva com a primeira, e a busca da verdade real dava azo a práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos.
O caráter rígido que permeava o processo penal foi sofrendo flexibilizações com o passar dos tempos, sendo alteradas inúmeras regras restritivas do direito à liberdade. Com o advento da Constituição Federal de 1988, tais alterações operaram no sentido diametralmente oposto ao que apontava o antigo regime penal-processualista.
Segundo aponta Eugênio Pacelli , "enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais". Continua o renomado autor, explicitando a mudança de ares trazida com o novo diploma político: "A mudança foi radical. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo da aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado".
O processo penal, portanto, passou a ser instrumento em favor do acusado, passando a ser devido, ou seja, deve obediência a uma série de princípios dos quais este (due process of law) é fonte fundamental. Desse modo, o processo penal é uma garantia que, antes de ser meio para a condenação, é meio de defesa efetiva do acusado, pois todos os seus princípios devem ser observados.
Nessa esteira, César Dario Mariano da Silva aponta:
"O processo, como o meio pelo qual o Estado exerce a jurisdição, tem de ser pautado pela estrita legalidade. Essa legalidade nada mais é do que a observância aos mandamentos constitucionais e legais que regem tanto o processo civil quanto o penal. É uma garantia das partes, que vêem no Estado o mecanismo para a solução de seus conflitos de interesses. Assim, há necessidade da perfeição do ato judicial para que ele possa produzir seus efeitos, sob pena de ser declarado inválido ou ineficaz".

As características que passaram a figurar no processo penal, dessa forma, apresentaram conotação amplamente garantista, de um processo construído sob os rigores da lei, da ética (na conduta) e do Direito, cuja observância passou a ser imposta a todos os agentes do Poder Público, de maneira que a verdade, agora judicial, fosse o resultado da atividade probatória licitamente desenvolvida.
Para o momento, todavia, analisam-se, como garantias que devem ser asseguradas no processo penal, apenas a inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente e a imparcialidade do órgão julgador, quando em contato com as referidas provas de procedência ilícita, de acordo com a reformadora Lei Federal n.º 11.690/2008.
Primeiramente, mostrar-se-á em breves linhas como se deu a necessidade de imposição de limitações ao Estado, quando da persecução penal. Em seguida, discorre-se sobre as alterações advindas com a lei reformadora, visando a manifestação legal infraconstitucional a respeito da inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas, para, finalmente, tecer-se alguns comentários acerca da imparcialidade do juiz no tocante à matéria.


2 A reconstrução dos fatos através da prova e a necessidade de limitações ao Estado

Antes de se apontar as inovações trazidas pela Lei n.º 11.690/2008, mister fazer um breve incurso sobre o tema da realização da atividade probatória desenvolvida pelo Estado, quando funcionando em razão da persecutio criminis. Trata-se, simplesmente, da tentativa de busca da verdade para a aplicação do direito ao caso em espécie.
Conforme descreve Eugênio Pacelli ,
Ao longo de toda a sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, experimentando diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as ordálias e juízo de deus (ou dos deuses), na Idade Média, em que o acusado submetia-se a determinada provação física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de prova.

A partir dessa visão racionalista, onde se buscaram meios para a construção da realidade histórica dos fatos (delituosos), é que começaram a surgir limitações impostas ao Estado, no momento da persecução penal. Isto porque ele, o Estado, é o detentor monopolista da atividade jurisdicional e rejeita toda e qualquer forma de solução privada e unilateral dos conflitos, mormente os de natureza penal . Desse modo,
Para a consecução de tão gigantesca tarefa, são disponibilizados diversos meios ou métodos de prova, com os quais (e mediante os quais) se espera chegar o mais próximo possível da realidade dos fatos investigados, submetidos, porém, a um limite previamente definido na Constituição Federal: o respeito aos direitos e às garantias individuais, dos acusados e de terceiros, protegidos pelo imenso manto da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. (grifo do autor).

A Lei n.º 11.690/08, em consonância com a limitação constitucional prevista, acabou por disciplinar a matéria da provas ilícitas no Código Processual Penal. Vejamos suas nuances.


3 A Lei n.º 11.690/2008 e suas inovações acerca das provas ilícitas

O já mencionado princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente encontra previsão expressa em nossa Carta Constitucional, em seu artigo 5º, inc. LVI, e sofreu regulamentação da recente Lei reformadora do Código Processual Penal brasileiro, que alterou o seu artigo 157 e acrescentou parágrafos ao mesmo, passando a ter a seguinte redação:
"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão. (VETADO)".

À época, Luiz Flávio Gomes já noticiava alguns dos benefícios mais evidentes trazidos pela alteração legal. Segundo o respeitado jurista, o artigo dava dois passos à frente, o primeiro determinando que as provas ilícitas deveriam ser desentranhadas do processo, e o segundo estando no conceito de provas ilícitas contido no corpo do artigo, qual seja: "as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais". Para LFG, a nova regulamentação do art. 157, além de a) coibir práticas infracionais do próprio Estado e assegurar direitos e garantias individuais de todos, acabou por b) fixar parâmetros legais dentro dos quais não mais se poderá alegar nulidade.
A questão de se coibirem práticas abusivas do Estado (primeiro ponto), quando da persecução penal, no que tange à obtenção de provas, já figurava como um discurso de rotina no âmbito jurisprudencial e doutrinário, sempre destacando a tutela das garantias individuais do acusado em face do aparato estatal. Significa dizer que o Estado não poderá a todo custo e de qualquer modo promover a persecução penal, podendo fazê-la somente de acordo com a estrita legalidade, a fim de encontrar a verdade judicial a partir de uma atividade probatória licitamente desenvolvida.
Quanto à fixação de parâmetros legais (segundo ponto), a nova redação dada ao art. 157, caput, do CPP diz serem ilícitas as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Todavia, pondera César Dario, tal violação não se opera a todo e qualquer tipo de norma ou princípio constitucional, mas apenas naqueles casos em que houver desrespeito a normas ou princípios de direito material relacionados com a proteção das liberdades públicas (colhida mediante tortura, violação do domicílio, sigilo das conversações telefônicas, da correspondência, da intimidade, v.g.).
Luiz Flávio Gomes, complementando o raciocínio exposto, entende que a prova ilícita, além de se enquadrar como aquela obtida mediante ofensa a direito material tocante às liberdades públicas, possui natureza extraprocessual, ou seja, é externa ao processo penal.
Diferentemente ocorre com a denominada prova ilegítima, que possui natureza processual e não implica em qualquer infração de norma material, mas, tão-somente, em infração de norma processual. Desse modo, a violação de norma de natureza processual não levará à ilicitude da prova (sistema de inadmissibilidade), mas à sua nulidade (sistema de nulidade) .
Poder-se-ia tomar, assim, a prova ilegal como gênero, das quais são espécies a prova ilegítima (que atenta contra norma processual) e a prova ilícita (que viola princípio constitucional).
Entender a diferenciação entre os sistemas (inadmissibilidade e nulidade) possibilita realizar a seguinte inferência prática: toda prova ilícita será processualmente ilegítima, mas nem toda prova ilegítima será considerada ilícita, salvo quando a nulidade também caracterizar violação a norma de direito constitucional, relacionada à proteção das liberdades públicas, bem como violação a norma legal, que implique infração a direito material. -
Para Luiz Flávio Gomes ,
o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus da sua obtenção: dentro ou fora do processo. De qualquer maneira, combinando-se o que diz a CF, art. 5º, inc. LVI ("São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos) com o que ficou assentado no novo art. 157 do CPP ("ilícitas são as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais"), se vê que umas e outras (ilícitas ou ilegítimas) passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis (cf. PACHECO, Denílson Feitoza, Direito processual penal, 3. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 812). (grifo nosso).

A inserção do § 1º, no art. 157, foi a primeira manifestação positivada em nosso ordenamento jurídico a respeito da inadmissibilidade de provas ilícitas por derivação, posição já consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, referente à teoria criada pela Suprema Corte norte-americana, denominada fruit of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada), onde o defeito da árvore se transmite a seus frutos, ou seja, em sendo a prova obtida ilicitamente, as que dela decorrerem e guardarem nexo de causalidade também assim o serão.
A própria redação do mencionado dispositivo faz a ressalva dos casos em que não há a necessária correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda, quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras. No § 2º, o legislador trouxe o entendimento do que se considera por fonte independente.
A dicção do § 3º, segundo LFG,
tem por objetivo sepultar, de vez, qualquer possibilidade de consulta a tal prova (ilícita). Se ela foi reconhecida como ilícita, assim declarada por decisão judicial transitada em julgado, não há qualquer razão lógica para sua manutenção no processo. Evita-se, assim, que a parte interessada se sinta tentada a invocá-la e, pior, que as instâncias superiores eventualmente se impressionem com seu teor. Melhor seu desentranhamento e posterior inutilização.

Feitas essas breves observações acerca das mudanças imprimidas pela Lei 11.690/2008, destina-se tópico próprio para a análise do § 4º do art. 157, do CPP, que foi vetado pelo Presidente da República.


4 A relação sujeito x objeto e as provas ilícitas (o vetado § 4º)

Nas linhas anteriores, falou-se a respeito de como o legislador infraconstitucional tratou a matéria das provas ilícitas no tabulário processual penalista. Há de se notar, contudo, como fez LFG , que, durante os sete anos de tramitação pelo Congresso, foram apresentadas dezoito emendas ao PL 4.205/2001 (que resultou na Lei n.º 11.690/2008), restando rejeitadas oito. Dentre as rejeitadas merece a nossa atenção a emenda de nº. 2, pois ela foi uma tentativa do Senado suprimir o parágrafo 4º do art. 157, in verbis:
"§ 4º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão".
Veja-se que a tentativa do legislador foi a de otimização do já mencionado dispositivo-guia constante no inciso LVI, do art. 5º da CF/88, pois a vedação das provas obtidas ilicitamente no processo penal, numa visão constitucional e radicalmente garantista, não levaria em consideração a comunicação realizada única e exclusivamente entre a prova e o processo, ou a prova e as provas derivadas (fruto da árvore envenenada), mas, também, a relação entre o sujeito intérprete e o objeto contaminado de ilicitude.
Sua argumentação se baseava nos seguintes dados, segundo colação de Luiz Flávio Gomes : "O dispositivo [...] visa a afastar do julgamento o juiz que tiver sido ?contaminado? pelo conhecimento de prova declarada ilícita, de forma a proteger as garantias do acusado e assegurar a imparcialidade do julgador. Ora, o simples fato de impedir que o juiz se valha de provas declaradas inadmissíveis para fundamentar sua decisão não basta para preservar os mencionados princípios norteadores do processo se o magistrado tiver conhecimento de tais provas. Esse mecanismo é insuficiente para garantir que o magistrado não tenha sua convicção - e, portanto, sua decisão - influenciada pelo conhecimento de provas inadmissíveis. Ademais, acredito que o referido dispositivo, com a redação dada por esta Casa, atende melhor a vontade constitucional de impedir que provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos possam contaminar a subjetividade do julgador".
Desse modo, já que o juiz não fica tolhido pela certeza moral do legislador, poderá atuar livremente, observadas as limitações legais para tanto, formando sua convicção de uma ou de outra forma, desde que o arcabouço probatório assim o permita. Destarte, a prova ilícita, por ventura apresentada pela acusação, não deixará de figurar como elemento da convicção constituída pelo órgão julgador singular, contaminando-o de fato.
Aqui, mostra-se pertinente fazer menção à doutrina de RICOEUR que diz:
"nas ciências do espírito, como já foi monstrado várias vezes, o sujeito e o objeto se implicam mutuamente. O sujeito se dá a si mesmo no conhecimento do objeto. Em contrapartida, é determinado, em sua mais subjetiva disposição, pela tomada que o objeto exerce sobre o sujeito, antes mesmo que este empreenda seu conhecimento".

Seria, portanto, uma ilusão acreditar que o juiz se mostra impermeável à verdade (percepção de verdade) trazida pela prova ilicitamente obtida. Condenaria, só não fundamentando com base na prova ilícita, vez que o ordenamento legal não concede tal permissivo, mas nas demais provas que assim o permitissem. Tem-se, aqui, materialmente falando, um retorno ao sistema da íntima convicção , pautada na certeza moral do juiz.
O sistema da íntima convicção só não se apresentaria de forma legítima e transparente ? quando do juiz que tivesse contato com a prova ilicitamente obtida ?, pois existem limitações constitucionais (sobretudo em observância ao devido processo legal) que devem ser obrigatoriamente observadas pelo magistrado, a exemplo da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX), da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente (art. 5º, LVI), e da ?virtual? baliza que demarca o campo probatório constante dos autos de um processo, devendo o magistrado se ater a tal espaço definido processualmente, nunca além dele.
De todo modo, as referidas limitações restam como válvula de escape para a parte que se veja alvo de um julgamento injusto por parte do juízo a quo, pois que
surge a imperiosa necessidade do julgador em motivar sua decisão, isto é, pode julgar da forma que melhor lhe parecer, acertada ou equivocadamente, desde que fundamente tal decisum, já que o Juiz "deve convencer-se e procurar convencer os outros. Se não persuade qualquer das partes, essa recorre. E se não convence o Tribunal ad quem, esse reforma a sentença ou, mais corretamente, substitui-a por outra" [...]. Com isso, ademais, observa, por um lado, o princípio constitucional que exige a motivação das decisões judiciais (art. 93, IX) e, de outra banda, demonstra sua imparcialidade na análise da prova que poderá ser refutada pelas partes. - (grifamos em negrito).

Se o referido § 4º tivesse acolhida a sua redação, por projeção de seus efeitos (grosso modo), tornar-se-ia possível a promoção da exceção de suspeição do magistrado ?contaminado? pela prova ilicitamente obtida, ou, ainda, a nulidade absoluta do processo que restasse fulminado com sentença por ele proferida.
Todavia, não obstante a argumentação despendida, o destino que tomou o referido § 4º foi o de sofrer o veto da Presidência da República, fundamentado em contra-argumento proferido pela Advocacia-Geral da União e do Ministério da Justiça, que o entenderam como contrário ao interesse público, nesses termos: "O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso".
Veja-se que, juntamente ao fato de haver uma válvula de escape, que permite a observância dos direitos e garantias fundamentais do acusado ainda que com a vedação do discutido § 4º, tem-se, também, a observância do princípio da identidade física do juiz, segundo o qual o juiz que tiver realizado a audiência de instrução e julgamento do processo ou seja, realizado toda a instrução processual, a este ficará vinculado, proferindo sentença no mesmo, ressalvadas as hipóteses legais (art. 132, CPC) ? lançando-se mão de um diálogo de fontes jurídicas.
Na interação de todos esses princípios, como o da celeridade, simplicidade e identidade física do juiz, bem como a observância das limitações constitucionais e legais pertinentes ao processo penal, face à redação constante do vetado § 4º, tem-se, num juízo de proporcionalidade, que andou bem das pernas o legislador brasileiro ao optar por dar viabilidade àqueles primeiros.
Inegável que o sujeito interpretador se veja condicionado pelo objeto que apreende, contudo, mostrar-se-ia desarrazoada a retirada de um magistrado do processo penal, tão-somente em razão de seu contato com uma prova ilícita. As limitações constitucionais para tanto são previstas, devendo ser observadas, caso contrário, poderá a decisão do juízo a quo ser atacada mediante recurso interposto pela parte que se vir prejudicada.


Disposições Finais

Ante toda a argumentação despendida ao longo do presente trabalho, viu-se que o processo penal, antes de ser um meio para a condenação do acusado, passou a ser uma garantia do cidadão em face da investida estatal, quando da persecução penal, principalmente com o sistema jurídico garantista instaurado pela Carta Política de 1988.
Sob essa ótica, todo e qualquer processo judicial ou administrativo passou a ser devido, ou seja, em obediência a uma série de princípios e sub-princípios legais, figurando dentre eles a vedação constitucionalmente expressa das provas ilicitamente obtidas, devendo estas ser desentranhadas do processo no qual se deu sua frustrada tentativa de ingresso.
A Lei nº. 11.690/2008 inseriu dispositivo referente à matéria no Código de Processo Penal, alterando o caput do art. 157 e acrescentando parágrafos ao mesmo, positivando entendimento já consolidado pela doutrina e jurisprudência acerca do tema das provas ilicitamente obtidas.
Deu-se especial importância, destinando-se tópico distinto, à vedação imposta ao § 4º, do art. 157, do CPP, trazendo-se à tona os argumentos que envolveram o debate acerca de sua mantença no intento reformista. Viu-se que, não obstante o juiz ser condicionado pela prova ilicitamente obtida, ainda que a mesma desentranhada seja do processo, para que o mesmo se mantenha como juiz da causa, outros valores hão de ser considerados, tais como a economia e celeridade processuais, a identidade física do juiz, bem como o interesse público.
Tem-se, portanto, a ampla observância do devido processo legal, vez que se possibilita a realização de um processo célere, simples e seguro ? tal como propôs a lei reformista ?, não deixando de ser observadas as garantias inerentes ao indivíduo que se vê alvo de um processo penal que lhe move o Estado.






REFERÊNCIAS

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