PROVAS ILÍCITAS: A relativização da sua inadmissibilidade através da ponderação 

Iron Valério Costa de Albuquerque[1]

Luana Batista da Cruz[2] 

Sumário: Introdução; 1 Provas; 2 Das provas ilícitas 2.1 Os frutos da árvore envenenada; 3 O princípio da proporcionalidade; Considerações Finais; Referências. 

RESUMO

O presente artigo científico analisa uma matéria de suma relevância, já que as provas são elementos fundamentais para o provimento da função jurisdicional, através da busca de reconstrução de fatos indispensáveis para o convencimento do magistrado e resolução da lide, através da verdade formal. Para que seja eficiente são indispensáveis certos requisitos de validade e eficácia, dentre eles a licitude. Destarte, analisaremos a prova ilícita e sua possível admissão no caso concreto, utilizando se para isso os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 

PALAVRAS-CHAVE

Provas ilícitas. Frutos. Ponderação. Provas. 

INTRODUÇÃO 

A ordem jurídica tem o escopo de promoção de harmonia entre as relações sociais intersubjetivas, através do critério do justo e do equitativo. Quando um indivíduo “bate as portas” do judiciário, tenta formar a convicção do magistrado, para que seu pedido seja atendido. Sendo assim, deve promover instrução na causa, tendo iniciativa quanto às provas e as alegações que fundamentarão seu pedido.

A prova é, portanto, a necessidade de entendimento sobre os fatos determinados, relevantes e controversos, por parte do magistrado, que julgará atendendo ao princípio da imparcialidade, com o intuito de chegar à verdade formal, em regra, analisando os fatos, e não os direitos.

Devido a imensa importância no processo, a prova deve atender a critérios de validade, dentre eles o da licitude, sob pena de não apreciação. Existem ainda, hipóteses em que uma prova decorre de uma ilícita, conforme a teoria dos frutos das árvores envenenadas. Todavia, refutando a ideia de não apreciação das provas ilícitas, temos as teorias da proporcionalidade e razoabilidade aplicadas ao caso concreto como forma de prevalecimento de uma decisão justa.

1 PROVAS

O instrumento de atuação do indivíduo para busca da tutela estatal é o processo, sendo o veículo que a parte obterá provimento que garanta a atuação jurídica. O juiz, devendo atuar de forma satisfatória, tem o dever de conhecer os fatos, já que sem estes será impossível dizer a solução jurídica correta. (WAMBIER, 2008, p. 449-450)

Ato contínuo, a definição de prova segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “vem ligada à idéia de reconstrução (pesquisa) de um fato que é demonstrado ao magistrado, capacitando-o a ter ‘certeza’ sobre os eventos ocorridos e permitindo-lhe exercer sua função.” (2008, p. 263) Portanto, a prova é um instrumento pelo qual o juiz forma sua convicção a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 373)

Além dos fatos controvertidos, são objetos de prova os fatos principais, mais importantes para a formação do convencimento, no entanto, quando não for possível, os fatos secundários servirão como indícios; e os fatos pertinentes, que são aqueles relevantes para o processo.

O ônus da prova, de acordo com o artigo 333 do Código de Processo civil, é do autor quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. As partes deverão, através do princípio do dispositivo, requerer e utilizá-las como forma de convicção do magistrado, pelo princípio da persuasão racional do juiz.

Tais provas podem ser produzidas de várias formas, dentre elas, a realização de perícia (prova pericial), a oitiva de testemunhas (prova testemunhal), o depoimento das partes, a juntada de documentos (prova documental), dentre outros, como forma de prova da verdade material, real, colaborando com o juízo e salvaguardando a imparcialidade do juiz.

As provas são mecanismos para a realização de um justo processo, destarte, devem atender a requisitos e princípios para efetividade e aplicabilidade sem ferir preceitos fundamentais, já que, pelo contrário, existe uma oponibilidade às provas ilícitas por violarem princípios constitucionais.

2 DAS PROVAS ILÍCITAS 

Primordialmente, deve-se deixar claro que a Constituição Federal do Brasil veda explicitamente as provas ilícitas, nos termos do seu art. 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

A prova ilícita é por definição aquela que afronta um princípio constitucional (CUNHA; PINTO, 2008, p. 91). Especificando o tema, existem inúmeras formas de provas ilícitas, dentre elas: a violação de correspondência; quebra de sigilo bancário sem autorização judicial; confissão produzida mediante tortura, dentre outras.

Notório assim, que a prova ilícita pode ser produzida antes da instauração do processo ou depois. Não importando tampouco que quem violou a norma foi quem gerou a ilicitude, se foi um funcionário público ou particular, visto que a reprovabilidade da conduta é semelhante. (MARINONI; ARENHART, 2008, p. VER PAGINA)

Atualmente, existem três correntes que versam sobre o assunto, quais sejam: a obstativa, não admite em nenhuma hipótese e sobre nenhum argumento a utilização da prova ilícita. Derivado dessa corrente é que veremos os frutos da árvore envenenada; a permissiva, que aceita a prova ilícita, visto que o vício encontra-se na obtenção e não no seu conteúdo, logo, deve ser punido quem obteve a prova ilícita, e esta deverá ser considerada; e por fim, a intermediária, aludindo que em regra, a prova ilícita não é aceita, mas dependendo do caso concreto, dos valores jurídicos e morais, podem ser aplicadas através do uso do princípio da proporcionalidade. (WAMBIER, 2008, p. 460, Grifo Nosso).

Sobre a prova ilícita, existe classificação doutrinária que abrange de forma mais ampla a proibição da prova. Ou seja, a proibição ou vedação é o gênero, que tem como espécies: as provas ilícitas, que são as violadoras de direito material ou princípios constitucionais penais, por exemplo, a confissão obtida mediante tortura e a interceptação telefônica realizada sem autorização judicial; as provas ilegítimas, que são as que violam normas processuais e os princípios constitucionais da mesma espécie, como por exemplo, o laudo pericial subscrito por apenas um perito não oficial (§1º, art. 159, CPP); e as provas irregulares, aquelas que são permitidas pela legislação processual, no entanto, não atende a formalidades legais, como a busca e apreensão domiciliar sem mencionar os motivos e os fins da diligência, que são requisitos formais básicos exigidos pelo artigo 243 do Código de Processo Penal. (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 312-313. G.N.).

 

 

2.1 Os frutos das provas ilícitas: A teoria da árvore envenenada

 

 

Segundo a Teoria dos frutos da Árvore Envenenada, conforme asseveram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar:

 

 

a produção de prova ilícita pode ser de extrema prejudicialidade ao processo. Os efeitos da ilicitude podem transcender a prova viciada, contaminando todo o material dela decorrente. Em um juízo de causa e efeito, tudo que é originário de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser desentranhado dos autos. (2009, p. 314)

 

 

 

A teoria do fruits of poisonous tree, é, de acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira, uma “simples conseqüência lógica da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas”. (2006, p. 312)

A prova ilícita é por analogia uma árvore, que contaminaria as provas decorrentes dela, ou seja, os seus frutos, mesmo que lícitos.

Esta teoria tem seu nascedouro na Suprema Corte norte-americana, no entanto, quando recepcionada no direito brasileiro, gera controvérsias, uma vez que com o exposto no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) há uma vedação das provas ilícitas, e não as derivadas dela. (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 315).

O entendimento de parte da doutrina é de que,

 

 

na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova ilícita transmite-se às provas derivadas, que são assim, igualmente banidas do processo. (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2001 apud TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 315, Grifo Meu).

 

 

Já outra parte da doutrina, defende que a Constituição Federal de 1988 é omissa com relação as provas derivadas, e segundo Paulo Rangel onde “a lei (Constituição) não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.” (RANGEL, 2003 apud TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 315).

Podem ocorrer hipóteses em que a prova ilícita não contaminará os frutos dela decorrente, são elas: 1) as provas absolutamente independentes, já que não ocorrerá derivação das provas ilícitas, ou seja, não existe relação de dependência e nem o condão de contaminar os frutos; 2) descoberta inevitável, quando a prova seria conseguida de qualquer forma; 3) conexão atenuada, quando a relação entre as provas forem superficiais; 4) boa fé, quando os agentes responsáveis pela obtenção das provas, o fizerem sem dolo de infringir a Lei. (TÁVORA; ALENCAR, 2009, p. 316-320).

 

 

3 Princípio da proporcionalidade

 

 

Como se sabe o art. 5º da Constituição Federal é uma cláusula pétrea, não sujeita a qualquer modificação nem mesmo por emenda constitucional. Tal artigo, somente poderia ser revogado através de uma nova constituinte, sendo por isso o núcleo intangível do nosso ordenamento jurídico.

Pode-se concluir assim, que as provas ilícitas por estarem no rol dos incisos do art. 5º não poderiam sofrer qualquer limitação, sendo por isso aplicada indiscutivelmente em qualquer caso concreto. Porém, “cabe lembrar que quase todos os países que acolheram a proibição da prova ilícita foram obrigados a admitir exceções, a fim de preservarem determinados bens e valores dignos de proteção.” (ARENHART; MARINONI, 2008, P. VER PÁGINA, Grifo Nosso).

O princípio da proporcionalidade é o mecanismo que permite sopesar os princípios e direitos fundamentais. Resultando assim em uma solução que seja a mais justa possível, respeitando ao máximo todos os interesses envolvidos. (SILVA, p. 3).

Para o melhor entendimento da questão, deve-se primeiramente estabelecer uma distinção entre regras e princípios. Segundo Robert Alexy, “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes (...) Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas.” (2008, p. 90-91, Grifo Nosso)

Após essa breve distinção, é necessário entendermos se o exposto no art. 5º, inciso LVI é uma regra ou um princípio. No entanto, existe divergências doutrinárias sobre essa classificação, que nos ajudará a entender o prevalecimento sobre a segurança jurídica ou a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Conforme aduz Luiz Roberto Barroso, “A Constituição brasileira, por disposição expressa, retirou a matéria da discricionariedade do julgador e vedou a possibilidade de ponderação de bens e valores em jogo. Elegeu ela própria o valor mais elevado: a segurança das relações sociais pela proscrição da prova ilícita”. (apud ARENHART; MARINONI, 2008, P. VER REFERENCIA).

Tal posicionamento tem também como percussor Vicente Greco Filho, o qual assevera que a tendência moderna é rejeitar a prova que tenha violado princípio ou norma de direito material, especialmente se a norma violada é garantia constitucional, se para provar seu pedido a parte precisa se valer de provas ilícitas, perderia automaticamente a demanda, visto que o dano ao bem jurídico afetado seria grande com o aceite da prova. (1997 apud RAMIRES, p.9)

Já para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, o juiz pode ponderar a vedação expressa no art. 5º, LVI, se for para proteger a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e bens jurídicos possivelmente afetados, dependendo, portanto, de uma análise do caso concreto. (2008, P. VER PÁGINA).

Posição esta corroborada também por Luciana Vieira Silva que afirma:

 

 

O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. (p. 6, Grifo Nosso).

 

 

Cumpre saliente que para que seja ponderada uma prova ilícita, para assim ser admitida no processo, deve primeiro se ver comprovado que não existia outra maneira de se demonstrar os fatos em juízo. (SILVA, p. 8)

Portanto, o princípio da proibição das provas ilícitas, segundo Alexandre Freitas Câmara, pode ser analisado com a aplicação do chamado princípio da proporcionalidade, originário do Direito Processual Penal alemão, segundo o qual a prova obtida ilicitamente poderia ser utilizada em favor do réu, como aplicação da garantia de defesa. Logo, a parte que praticar ato lícito para obter determinada prova poderia utilizá-la no processo de forma válida, devendo por outro lado responder pelo ilícito cometido, desde que o bem sacrificado pelo ilícito fosse menos relevante que o interesse que se quer tutelar com a prova assim obtida. (2005, p. 410)

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

As provas ilícitas, mesmo sobre a proteção constitucional e com o status de cláusula pétrea, podem ser utilizadas, pelos pontos de vista das correntes permissiva e intermediária, que afirmam que a prova decorrente de vícios podem ser utilizadas, já que a ilicitude não ocorreu na obtenção, mas no conteúdo, devendo punir quem obteve a prova, que será aceita, e, dependendo do caso concreto, visando promover a garantia de defesa, proteção de bem jurídico tutelado e valores jurídicos e morais, serão aceitas pelo princípio da proporcionalidade.

A teoria dos frutos das árvores envenenadas é compreendida, também de forma plausível quando apreciada pelos defensores do princípio/regra da proporcionalidade, corroborando a admissibilidade das provas derivadas das ilícitas em casos excepcionais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil – volume 1. 12 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento – volume 2. 7 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

RAMIRES, Luciano Henrique Diniz. Das provas ilícitas. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/19835/Das%20provas%20ilicitas.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 de maio de 2010.

 

SILVA, Luciana Vieira. Prova ilícita no processo civil à luz do princípio da proporcionalidade. Disponível em: < http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/9236/8802>. Acesso em: 25 de maio de 2010.

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.


[1] Graduando do 10º período do curso de Direito Noturno da UNDB
[2] Graduanda do 10º período do curso de Direito Noturno da UNDB