PROTESTO!
(MAIS UMA CRÔNICA SOBRE TEMPOS SOMBRIOS)

"A avó lá do morro diz que pobre não luta, disputa. Vive de teimoso que é, e sua alegria, se tem, fica no dia do pagamento. Que a inflação come, claro. Mas eles remendam, pois... pois é isso."
(João Antônio, in Abraçado ao Meu Rancor, p. 115)

"Do que nasce o sol a que morre, esta gente batalha. Uns entram a trabalhar pela noite nas indústrias, gramam ali, buscando horas extras."
(João Antônio, in Abraçado... p. 120-1)

Alto da Serra do Tombador, divisa do povoado de Lages do Batata, Jacobina, Bahia. Hoje, 25 de novembro de 2010, quinta-feira, por volta das 9 da manhã, estava voltando do meu trabalho, na cidade de Ourolândia, 61 quilômetros de Jacobina. Estava acontecendo, pelo segundo dia consecutivo, um protesto de trabalhadores das pedreiras do Tombador e de Ourolândia, devido às medidas de órgãos de fiscalização ambiental e trabalhista do governo, que interditaram algumas pedreiras irregulares. Dizem que mais de mil pessoas ficarão desempregadas. Uma centena de trabalhadores fecharam a estrada com pneus, paus e pedras. Nenhum carro ou moto passava. Era um protesto de trabalhadores, e não de vândalos, porque estavam deixando as pessoas passarem de um lado para o outro, andando. Eu resolvi vir para casa andando, pois tinha faculdade a tarde. Apenas vinte e cinco quilômetros, coisa pouca. Nos vinte minutos de caminhada, junto com outro rapaz, uma kombi que faz transporte de doentes que precisam fazer hemodiálise em Jacobina, toda semana, passou por nós e nos deu carona. Os protestantes deixaram esse carro passar, então o protesto era de trabalhadores, conscientes do que estavam fazendo. Eles só querem trabalhar! O sociólogo Betinho disse, nos anos 90: "O diabo do capitalismo inventou a produção sem trabalho, mas não conseguiu inventar consumo sem salário." O desemprego é uma doença. Quem já ficou meses à procura de trabalho ? ou conheceu alguém nessa situação ? sabe da angústia, do desespero, da vergonha e da humilhação do pai que não pode sustentar a família, do jovem impedido de pagar seus estudos, da impotência social, da mais cruel perda da cidadania. Gonzaguinha no meu som: "Sem seu trabalho, o homem não tem honra, e sem a sua honra, se morre, se mata." Antes de sair para o trabalho, já na segunda-feira, pela manhã, assisti ao jornal na tv e só o que se falava era dos casos de incêndios nos carros no Rio de Janeiro, por traficantes ou a mando deles. O Rio de Janeiro está pegando fogo, literalmente! O nosso País está um caos! As estradas, esburacadas, violência de todos os tipos, em todos os lugares! A polícia matou uma criança de dez anos, que sonhava em ser mestre de capoeira, quando estava se preparando para dormir... E aí vão dizer o quê? Bandido? Traficante? Conversa para boi ou para gnomo dormir? Isso aconteceu num bairro periférico de Salvador, no início dessa mesma semana. E quantos jovens periféricos e favelados, na sua maioria negros não são mortos em Salvador toda semana? Há programas governamentais para dimensionar a magnitude desses problemas? Quantos mais jovens ainda irão ter de morrer assassinados até que políticas governamentais mais sérias e enérgicas sejam implementadas? Se o crime está organizado, é porque o Estado falhou! Protesto! Lembrei de uma música dos Titãs "A Guerra é Aqui": "Essa noite uma bomba vai explodir/ Quem é que vai conseguir dormir?/ Essa noite, essa noite, muitos tiros!/ Quem é que vai ligar pra isso?/ A guerra é aqui (...) Amanhã outro dia vai nascer/ Amanhã todos vão acordar e a vida vai continuar..." Educação pública em frangalhos! Precisamos de mais escolas e de menos presídios! Vamos educar nossas crianças hoje, para que não sejam os marginais de amanhã! Eu escrevo sobre aquilo que vejo, que sinto. Falo de onde me encontro, do meu ponto de vista, pois sou pai de família, mas também sou filho; sou professor, mas também sou estudante; e viajo todas as semanas por essas estradas da vida; mas antes de tudo, sou cidadão, e tenho direito de protestar, pois pago muitos impostos, trabalho cinco meses do ano só para pagar impostos, então tenho que protestar! Todos os cidadãos desse País têm que protestar, pois nada está bom! Tudo está ruim! A gente olha para um lado, é miséria, olha para o outro, é violência. Resultado: caos! Não sei onde iremos parar, nesse trem desgovernado, nesse "titanic" prestes a naufragar! Vivemos num estado de desamparo e de desorientação. Mas o Milton me lembra, no meu som, que "é preciso ter força, é preciso ter raça"; também acho que é preciso deixarmos a alienação de lado e termos atitude de querer mudar as coisas, pois, como afirma o poeta mexicano Octavio Paz, "se tantos condicionamentos psicológicos, sociais e intelectuais tendem a fazer de nós os expulsos da vida, uma força também nos empurra a voltar, a descer ao seio criador de onde fomos arrancados." É hora de mudança!!

(Márcio Melo. Apenas um cidadão; apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes; apenas mais um jovem que escreve para protestar, como muitos estão fazendo)