UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA

CURSO DE DIREITO

 

YGOR YVENS TEIXEIRA

 

 

 

 

 

 

PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

 

 

 

 

 

 

 

 

Belo Horizonte

2014

YGOR YVENS TEIXEIRA

 

 

 

 

 

 

 

PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Disciplina de Orientação Metodológica para TCC da Universidade Salgado de Oliveira, como parte dos requisitos para conclusão do curso de Direito.

Orientador: Prof. Carlos Frederico Saraiva de Vasconcelos.    

Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais,

Especialista em Contratos com ênfase em negócios;

Especialista em Direito e Economia da Empresa.

Belo Horizonte

2014

YGOR YVENS TEIXEIRA

 

 

 

PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

 

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira, como parte dos requisitos para conclusão do curso.

Aprovada em ______ de __________________ de 2014.

 

Banca Examinadora:

 

_______________________________________________

Examinador 1 - UNIVERSO

_______________________________________________

Examinador 2 - UNIVERSO

 

_______________________________________________

Carlos Frederico Saraiva de Vasconcelos

Professor Orientador

 

 

Belo Horizonte

Minas Gerais – Brasil

AUTORIZO A CÓPIA E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE DOCUMENTO PARA FINS DE ESTUDOS OU ACADÊMICOS, DESDE QUE CITADA AS FONTES.

 

 

 

 

TEIXEIRA, Ygor Yvens.

DIREITO CONSTITUCIONAL: PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA / Ygor Yvens Teixeira; Orientador: Carlos Frederico Saraiva Vasconcelos – Belo Horizonte - 2014. 44p.

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE BACHREL EM DIREITO, ÁREA DE CONCENTRAÇÃO; UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA – UNIVERSO.

  1. CIÊNCIAS HUMANAS.

 

 

 

 

 

 

 

DEDICATÓRIA

À minha filha Maria Luíza Miranda Teixeira, o “anjo” que Deus colocou em minha

vida, para ser minha fonte de amor, motivação, superação e felicidade.

A todas as pessoas portadoras de necessidades especiais, as quais precisam da atenção e conscientização da sociedade como um todo, para alcançar melhores condições para uma vida digna, justa, solidária e socialmente equilibrada.

AGRADECIMENTOS

 

 

 

 

            Agradeço primeiramente a Deus, por iluminar meu caminho e minha mente para alcançar meus objetivos.

A toda minha família, por me proporcionar uma criação com valores e princípios, dos quais prezo muito para uma vida digna, consciente da realidade social.

Em especial a minha filha, Maria Luíza “Malú”, que transformou minha vida, tornando-me mais forte, mais sensível, mais humano, através do amor incondicional de ser pai, sendo minha fonte de combustível, a quem dedico todo meu esforço, e sou eternamente grato por chegar até aqui.

Aos sábios professores, amigos, nobres colegas de faculdade, aos quais pude conviver ao longo do curso, companheiros nas dificuldades, angústias, aprendizados e principalmente nas vitórias.

Sou grato e sinto orgulho por vocês terem marcado minha trajetória.  

Muito Obrigado!

“Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração.”

(Nelson Mandela)

 

RESUMO

O presente trabalho visa trazer a lume um estudo da plena garantia dos direitos das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista, sendo esses, direitos fundamentais consagrados na Legislação Brasileira, que visam resguardar a dignidade da pessoa humana, sob a luz da Constituição da República Federativa do Brasil e a recente Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

A legislação, as pesquisas científicas, bem como a sociedade brasileira como um todo, tem evoluído em curtos passos em relação ao Transtorno do Espectro Autista, comparando-se com países desenvolvidos. No Brasil o preconceito e a falta de políticas públicas voltadas para atender pessoas com deficiência, constantemente vêm a ferir os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, dentre outros, sendo esses, princípios basilares para construção de uma sociedade justa, livre e solidária, que visam reduzir as desigualdades sociais.

No que tange aos direitos das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista, a Lei 12.764/12 trouxe um avanço legislativo nos direitos dos portadores do transtorno, porém, ainda existe no país uma carência de políticas públicas, que façam valer tais direitos, onde crianças e adultos enquadrados no espectro autista, não alcançam a devida tutela estatal, para atender suas necessidades básicas de saúde, educação, lazer, bem como integração e inclusão social.

PALAVRAS-CHAVE: Transtorno Espectro Autista; Políticas Públicas; Dignidade Pessoa Humana; Inclusão Social.  

ABSTRACT

The present work aims to bring to heat a study of the full guarantee of the rights of people with Autism Spectrum Disorder people, and these fundamental rights enshrined in the Brazilian legislation, which aims to safeguard the dignity of the human person, in the light of the Constitution of the Federal Republic Brazil and the recent Law 12,764 of December 27, 2012, which established the National Policy for the Protection of the Rights of Persons with Autism Spectrum Disorder.

The legislation, scientific research, as well as Brazilian society as a whole has evolved in small steps relative to the Autism Spectrum Disorder, comparing with developed countries. In Brazil prejudice and lack of public policies to serve persons with disabilities, constantly comes to smite the principles of human dignity, equality person, among others, and these, fundamental principles for building a just, free and harmonious society to reduce social inequalities.

Regarding the rights of people with Autism Spectrum Disorder persons, Law 12,764 / 12 brought a legislative advance the rights of holders of the disorder, however, still exists in the country a lack of public policies, which to assert such rights, where children and adults on the autism spectrum framed, do not reach the proper state supervision, to meet their basic needs for health, education, leisure, as well as integration and social inclusion.

KEYWORDS: Autism Spectrum Disorder. Public Policy. Dignity Human Person. Social Inclusion.

SUMÁRIO

  1. 1.    INTRODUÇÃO 11
  2. 2.    OBJETIVOS. 12

2.1 Objetivo Geral. 12

2.2.               Objetivos Específicos 12

  1. 3.    DEFICIÊNCIA MENTAL. 13

3.1.               Visão Geral e Evolução Histórica. 13

3.1.1.   Sistemas Atuais de Classificação. 14

3.2.               Transtorno do Espectro Autista TEA. 15

3.3.               Retratos do Autismo no Brasil. 19

  1. 4.    PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. 21

4.1.               Proteção da pessoa com deficiência com base na garantia plena da cidadania e na promoção dos direitos humanos. 21

4.2.               A Proteção Jurídica das Pessoas Portadoras de Transtorno do Espectro Autista segundo a Lei 12.764/2012 25

  1. 5.    TUTELA ESTATAL E POLÍTICAS PÚBLICAS. 27

5.1.               Políticas Públicas voltadas ao Transtorno do Espectro Autista. 27

5.2.               Políticas Públicas e a Teoria do Mínimo Existencial. 30

5.3.               Responsabilidade Estatal por ineficiência na assistência à saúde. 31

  1. 6.    METODOLOGIA 35
  2. 7.    RESULTADOS 36
  3. 8.    DISCUSSÃO 37
  4. 9.    CONCLUSÃO 41

10. REFERÊNCIAS 43


  1. 1.    INTRODUÇÃO

 

Atualmente no Brasil, onde vivenciamos sérios problemas de desigualdades sociais, ineficiência de serviços públicos como: saúde; educação; transporte; segurança pública; etc., além da existência de preconceito racial, sexual, religioso, bem como preconceito contra os deficientes físicos e mentais. Diante dessa complexidade de problemas sociais, existe, e vem crescendo, uma parcela da população que necessita de uma atenção e tutela jurídica especial, sendo tal parcela os deficientes mentais, especificamente as pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista, sendo os direitos dessas pessoas, o principal objeto de estudo do presente trabalho acadêmico.

            Primeiramente, será necessária a conceituação do que vem a ser o Transtorno do Espectro Autista, abordando suas origens, os aspectos gerais de uma disfunção neurológica que afeta a comunicação e linguagem dos seres humanos.

            Sendo o principal objetivo deste trabalho, o estudo da tutela jurisdicional das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista, se faz necessário, além de entendermos o que é esse transtorno, nos atentarmos em conhecer as necessidades especiais dos portadores, desde o diagnóstico, visando adequar eficientes terapias e projetos pedagógicos multidisciplinares, para almejar uma melhor qualidade de vida.

            A matéria apresentada possui o devido respaldo legal, amparado pela Constituição da República Federativa do Brasil e pela Lei 12.764/12, portanto, configura-se responsabilidade objetiva do Estado, que deve amparar juridicamente os deficientes em questão, devendo promover políticas públicas para resguardar os direitos e garantias fundamentais, trazendo assim uma justiça social humanitária.

  1. 2.    OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

O objetivo geral do trabalho é demonstrar a responsabilidade objetiva do Estado em traçar, promover e executar políticas públicas de saúde, pedagógicas e sociais, que venham a proteger os portadores de Transtorno do Espectro Autista. Portanto, o Estado é responsável, inclusive, pela reparação de quaisquer danos, que venham a recair sobre esses deficientes, em conseqüência da ineficiência dos serviços públicos voltados para atender os mesmos, visando assim, resguardar a dignidade da pessoa humana, bem como a garantia plena dos direitos difusos e fundamentais.

2.2. Objetivos Específicos

Para alcançar o objetivo geral procurar-se-á:

  • Identificar as necessidades especiais dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, demonstrando a importância de uma tutela Estatal adequada para a saúde e educação dos diagnosticados com o transtorno, para garantir de uma condição digna de vida;
  • Discriminar a legislação nacional pertinente à proteção jurídica de pessoas portadoras de deficiência, especificamente os portadores de Transtorno do Espectro Autista;
  • Conjugar a tutela legal com as políticas públicas efetivamente implementadas para alcançar tais direitos.
  1. 3.    DEFICIÊNCIA MENTAL

3.1 . Visão Geral e Evolução Histórica

O século XIX foi o primórdio dos estudos científicos sobre a deficiência mental. Conforme historiadores, o que se tem do período anterior é inconsistente acerca da concepção e caracterização do fenômeno. Posteriormente, a ênfase sobre os aspectos deficitários da deficiência mental foi substituída pelo sentimento de humanidade e valorização pessoal.  O Traité du goitre et du crétinisme, escrito por Fodéré em 1791, constitui a primeira obra importante sobre o tema, sedimentando as produções subseqüentes (CARVALHO & MACIEL, 2003).

Pessotti no ano de 1999 realizou uma revisão histórica importante sobre os diferentes sistemas de classificação das doenças mentais. Seu estudo permite situar a deficiência mental entre os diversos sistemas. A natureza psicopatológica da deficiência mental teve sua inscrição no século XIX, sendo Pinel quem acrescentou o idiotismo à categorização de alienação mental em sua obra clássica Traité Médico-philosophique sur lalienation mentale, de 1809. O idiotismo de Pinel não era concebido como loucura, mas significava carência ou insuficiência intelectual (CARVALHO & MACIEL, 2003).

Assim explica PESSOTTI apud CARVALHO & MACIEL (2003, p. 149):

A classificação de Pinel foi adotada e ampliada por Esquirol em Des maladies mentales considerées sous ses rapports médical, higiénique et médico-legal, de 1838. A imbecilidade ou idiotia, como descrita por Esquirol, devia-se a causas maturacionais. Afirmava que os órgãos responsáveis pelas atividades intelectuais jamais se desenvolveram normalmente. (Pessotti, op. cit., p. 61). Essa posição foi reforçada por Beaugrand na obra Aliénation, de 1865, onde distingue loucura de idiotia, sendo a última incluída dentre ‘os estados de insuficiência radical de algumas aptidões intelectuais e morais’ (Pessotti, p. 97). Beaugrand lhe atribui causa orgânica, congênita, de origem encefálica e provocadora de parada do desenvolvimento. Essa concepção veio a influenciar as demais classificações da época.

A concepção de deficiência mental no final do século XIX estava associada à perspectiva exclusivamente organicista, de natureza neurológica, identificada pelo atraso no desenvolvimento dos processos cognitivos. Diferente da concepção de doença mental (CARVALHO & MACIEL, 2003).

Conforme PESSOTTI apud CARVALHO & MACIEL (2003, p. 149):

Tratado de Psiquiatria de Bleuler, em 1955, já incorpora aspectos dinâmicos às chamadas doenças mentais. Abre espaço para questões subjetivas, admite a perspectiva de multicausalidade e aceita a diversidade de expressões sintomatológicas. A deficiência mental figura como distúrbios congênitos da personalidade, inscrito na categoria das oligofrenias, assim entendidas como “estados deficitários congênitos e precocemente adquiridos” (Pessotti, op. cit., p. 171).

Considerando que as concepções históricas estão na base de atuais idéias sobre deficiência mental, particularmente quanto às concepções clínicas, à perspectiva desenvolvimentista precoce e à centralidade no déficit. As tendências para mudança na direção de uma perspectiva multidimensional encontram-se em andamento (CARVALHO & MACIEL, 2003).

3.1.1.   Sistemas Atuais de Classificação

A AAMR - American Association on Mental Retardation foi criada em 1876, com sede em Washington. Desde então, lidera o campo de estudo sobre deficiência mental, definindo conceituações, classificações, modelos teóricos e orientações de intervenção em diferentes áreas. Os estudos da AAMR dedicam-se à produção de conhecimentos, que tem publicado e divulgado em manuais contendo avanços e informações relativos à deficiência mental (CARVALHO & MACIEL, 2003).

Conforme CARVALHO & MACIEL (2003, p. 150), a definição atual de deficiência mental:

O atual modelo proposto pela AAMR, o Sistema 2002, consiste numa concepção multidimensional, funcional e bioecológica de deficiência mental, agregando sucessivas inovações e reflexões teóricas e empíricas em relação aos seus modelos anteriores. Apresenta a seguinte definição de retardo mental (expressão adota por seus proponentes):

Deficiência caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, como expresso nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos dezoito anos de idade.

Depreende-se da definição que a deficiência mental não representa um atributo pessoal, mas um estado particular de funcionamento. Segundo o sistema de 2002, o processo de diagnóstico, requer a observância, portanto, de três critérios básicos: (a) o funcionamento intelectual; (b) o comportamento adaptativo, e (c) a idade de início das manifestações ou sinais indicativos de atraso no desenvolvimento intelectual (CARVALHO & MACIEL, 2003).

Em relação ao diagnostico, CARVALHO & MACIEL (2003, p. 150) afirma:

Para que o diagnóstico se aplique, é necessário que as limitações intelectuais e adaptativas, identificadas pelos instrumentos de mensuração, sejam culturalmente significadas e qualificadas como deficitárias. Alguns parâmetros influenciam essa qualificação: (a) os padrões de referência do meio circundante, em relação ao que considera desempenho normal ou comportamento desviante; (b) a intensidade e a natureza das demandas sociais; (c) as características do grupo de referência, em relação ao qual a pessoa é avaliada; (d) a demarcação etária do considerado período de desenvolvimento, convencionada e demarcada nos dezoito anos de idade. Os indicadores de atraso devem manifestar-se, portanto, na infância ou adolescência.

3.2.        Transtorno do Espectro Autista TEA

Segundo MONTOAN apud FELÍCIO (2007 p. 11), são muitos os estudiosos que procuram explicações para as causas e conseqüências do Autismo.

O autismo é definido pela Organização Mundial de Saúde como um distúrbio do desenvolvimento, sem cura e severamente incapacitante. Sua incidência é de cinco casos em cada 10.000 nascimentos caso se adote um critério de classificação rigoroso, e três vezes maior se considerarmos casos correlatados, isto é, que necessitem do mesmo tipo de atendimento (MANTOAN, 1997, p. 13).

Uma das primeiras áreas do desenvolvimento a trazer preocupação nas pessoas que cuidam e observam as crianças diagnosticadas como autistas é a de comunicação e interação social, ainda nos dois primeiros anos de vida da criança (FELÍCIO, 2007).

Os estudos a respeito do autismo começaram, com Leo Kanner, um psiquiatra americano que, em 1942, descreveu por meio de um artigo, a condição de 11 crianças consideradas especiais, abordando o autismo sob o nome "distúrbios autísticos do contacto afetivo". Assim, ele parte do pressuposto de que este quadro se caracteriza por um autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia. Kanner também observou que os sintomas surgiram muito precocemente (desde o nascimento), sugerindo até que as crianças autistas poderiam ter um bom potencial cognitivo e até mesmo certas habilidades especiais, como uma memória mecânica (FELÍCIO, 2007).

Conforme descreve KANNER apud FELÍCIO (2007 p. 11-12), é interessante ressaltar o termo autista da psiquiatria adulta:

[...]havia sido empregado por um psiquiatra, Beutler, para definir a tendência de certos pacientes esquizofrênicos a centrarem, em si mesmos, todo seu mundo imaginativo, encerrando-se em imagens auto-referidas. Kanner sugeria uma relação (que foi questionada) entre o distúrbio profundo do desenvolvimento dos seus casos e a esquizofrenia adulta, estimulando uma tendência perigosa a acreditar que nas crianças autistas, também, existe um rico mundo imaginativo, auto-referido e no qual se fecham. (p. 274).

Porém, apesar desta definição do autismo como uma síndrome independente, KANNER não foi o primeiro a descrever crianças com essas características. Desde a antiguidade, sabe-se de acontecimentos, não só de crianças, mas também de adultos que apresentavam comportamentos estranhos, podendo tais comportamentos terem relação com o autismo (FELÍCIO, 2007).

De acordo com a tese inicial de KANNER de que crianças autistas sofreriam de uma incapacidade inata de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas, foi retomada e estudada também por HOBSON, conforme aponta FELÍCIO (2007, p. 12).

[...]a teoria afetiva sugere que o autismo se origina de uma disfunção primária do sistema afetivo, qual seja, uma inabilidade inata básica para interagir emocionalmente com os outros, o que levaria a uma falha no reconhecimento de estados mentais e a um prejuízo na habilidade para abstrair e simbolizar.

Com relação às causas do autismo, existe uma teoria bastante interessante, denominada “lobo frontal”, conforme DUNCAN apud FELÍCIO (2007, p. 13):

[...] muitas das características dessa síndrome, como por exemplo, inflexibilidade (expressa através de atividades ritualizadas e repetitivas), perseveração, foco no detalhe em detrimento de um todo, dificuldade em gerar novos tópicos durante o brinquedo de faz-de-conta e dificuldades no relacionamento interpessoal, podem ser explicadas por comprometimento no funcionamento do lobo cerebral frontal (DUNCAN, 1986 apud BOSA, 2001, p. 2).

A explicação dessa teoria se deu com a comprovação das semelhanças entre os autistas e pessoas com lesão frontal, por meio de resultados do desempenho e desenvolvimento dos autistas analisados, com objetivo principal de obter noções sobre suas funções executivas (FELÍCIO, 2007).

As investigações sobre o autismo, a partir dos anos sessenta demonstraram uma forte característica na deficiência no desenvolvimento dos mundos simbólico e imaginativo, que é acompanhada de uma deficiência também mental, na maioria dos casos. Entretanto, partindo da idéia inicial de um bom potencial cognitivo, o autismo começou a ser estudado não como uma psicose semelhante à esquizofrenia adulta, mas sim como um distúrbio profundo do desenvolvimento (FELÍCIO, 2007).

Tais considerações são mais úteis, sob o aspecto educacional e refletem o resultado obtido do grande número de investigações acerca do assunto, estabelecendo as relações entre o desenvolvimento normal e o autista. Assim também, caracteriza-se por uma tentativa de estabelecer definições mais precisas e aceitáveis universalmente que as defendidas após KANNER.

FELÍCIO (2007, p. 14) demonstra:

Entre as várias definições do autismo mais atuais, é interessante ressaltar a do DSM-III (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1980) que define o autismo e seus distúrbios de desenvolvimento tais quais Kanner. No entanto, nesta nova definição admite-se que o quadro pode ocorrer depois de um desenvolvimento normal até os 30 primeiros meses, ou seja, não é necessariamente inato.

Em relação ao tratamento do Transtorno do Espectro Autista BRENTANI (2013) descreve inúmeras questões a serem abordadas, trata-se de um complexo multidisciplinar, envolvendo desde o diagnóstico precoce, bem como treinamento dos pais, análise aplicada do comportamento, terapia cognitivo comportamental e tratamento farmacológico para sintomas-alvo.

Conforme demonstra BRENTANI (2013, p. s66), as características de intervenções efetivas para criança com Transtorno do Espectro Autista:

1) Iniciar os programas de intervenção o mais cedo possível;

2) Tratamento intensivo, 5 dias por semana, por no mínimo 5 horas por dia;

3) Uso de oportunidades de ensino planejado repetidas, que sejam estruturadas durante breves períodos de tempo;

4) Suficiente atenção adulta, individualizada e diária;

5) Inclusão de um componente familiar, incluindo treinamento para os pais;

6) Mecanismos para avaliação contínua, com ajustes correspondentes na programação.

Nesse sentido BRENTANI (2013, p. s69), conclui as diversas abordagens a serem empregadas que auxiliam o desenvolvimento dos pacientes portadores de Transtorno do Espectro Autista:

A TEA representa uma grande preocupação na saúde pública como sendo um distúrbio do desenvolvimento neurológico prevalente, com risco acentuado para a falha de adaptação em situações sociais, educacionais e psicológicas. Porque a identificação de atrasos e desvios da TEA são possíveis desde os 18-24 meses de idade, pediatras devem se esforçar para identificar e começar a intervenção em crianças com TEA tão cedo quanto os sinais se manifestarem. Escalas e instrumentos específicos devem ser usados para avaliar manifestações clínicas, e guiar a construção e monitoria de programas de tratamento abrangentes. Uma verdadeira recuperação do autismo não foi relatada na história, mas terapias educacionais, psicossociais e linguísticas, frequentemente combinadas com tratamentos adjuvantes, como terapia com drogas para sintomas específicos, estão bem estabelecidas para seus benefícios no TEA. A natureza complexa e persuasiva do TEA requer uma equipe de múltiplos profissionais para um diagnóstico apurado e cuidados clínicos.

 
 
 
 
 

3.3.        Retratos do Autismo no Brasil

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) vem aumentando cada vez mais o no Brasil. Pessoas são diagnosticadas em idade escolar ou já adultas, sendo possível atualmente, detectar as características do transtorno até mesmo antes dos 18 meses de idade (HO & DIAS, 2013).

Relatam HO & DIAS (2013, p. 37) sobre o quadro do diagnóstico no país:

Pouco a pouco a barreira do diagnóstico vem sendo derrubada, apesar de ainda deixar muito a desejar: continua sendo comum mães procurarem uma explicação para as dificuldades do seu filho e não encontrarem respostas nos profissionais de saúde.

Apesar das questões graves e da dor que o autismo pode trazer, o aumento dos diagnósticos é uma vitória, tanto para aqueles que não sabiam como nem onde procurar ajuda, quanto para aqueles cujas possibilidades de superação das suas deficiências são muito maiores ao terem diagnóstico precoce.

Por outro lado, esse aumento, junto com a conscientização das famílias, causa também o crescimento da procura por tratamento e educação para as pessoas com autismo.

O impacto do Transtorno do Espectro Autista sobre as famílias é muito grande dos pontos de vista emocional, social e econômico. Pouquíssimas famílias têm condições econômicas de arcar com o custo do tratamento adequado e, se tornando dependentes de algum apoio institucional, para atender as necessidades dos seus entes familiares portadores do transtorno (HO & DIAS, 2013).

Nesse sentido, HO & DIAS (2013, p. 38) exemplificam:

Talvez por isso a maioria das instituições de assistência a pessoas com autismo tenham sido criadas por pais, como aconteceu com a AMA, em 1983. A Associação de Amigos do Autista começou atendendo menos de 10 pessoas no quintal de uma igreja batista, ficou por um bom tempo atendendo apenas 13, agora assiste 187. A proximidade dos 30 anos de existência da organização trouxe a necessidade de rever sua história e se preparar para o futuro, mas também a possibilidade de aprofundar e ampliar sua contribuição à questão do autismo no Brasil.

Em conjunto com a ABRA, a AMA propôs à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência a realização da Campanha Nacional pelos Direitos e pela Assistência à Pessoa portadora de Transtorno do Espectro Autista, da qual faz parte uma pesquisa sobre a situação da assistência ao autismo no Brasil, cujo objetivo principal é responder inúmeras questões e apresentar seus resultados no livro “Retratos do Autismo no Brasil” (HO & DIAS, 2013).

De maneira mais incisiva HO & DIAS (2013, p. 38) questionam:

Onde e como estão as instituições brasileiras que acolhem, tratam e educam as pessoas com autismo e suas famílias? Essas associações, escolas e órgãos públicos de assistência e educação têm pessoal capacitado e infraestrutura mínima para atender pessoas com autismo? Têm condições de avaliar, elaborar e colocar em prática planos terapêuticos e educacionais adequados? Como se mantêm? Como se atualizam?

O que as instituições precisam para se manter, mas também crescer e se aprimorar, adaptando-se à demanda crescente? Quais os principais papéis que órgãos governamentais, famílias e sociedade podem desempenhar para apoiá-las e ao mesmo tempo avaliar o seu desempenho?

            Sobre a questão do diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, é importante frisar que atualmente no país, estima-se que 90% (noventa por cento) dos brasileiros não são diagnosticados. Devido à falta de informação e por nunca ter sido criada uma campanha de conscientização no Brasil, segundo palavras do psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (SILVEIRA, 2013).

            Por fim, em relação ao diagnóstico e inexistência de entidades que cuidem de portadores de Transtorno do Espectro Autista, HO & DIAS (2013, p. 40) apresentam os números de sua pesquisa:

Tomando como base as regiões brasileiras, organizamos os dados considerando sua população total e uma estimativa da população com autismo a partir da média mundial de prevalência apontada por estudos epidemiológicos. Com esses dados tentamos avaliar quantas instituições seriam necessárias para assistir as pessoas com autismo de cada região, conforme a média de assistidos por instituição. O Brasil teria, conforme essas projeções, cerca de 1,2 milhão de pessoas com autismo e necessitaria de quase 40 mil instituições para cuidar de seus cidadãos com transtornos globais de desenvolvimento.

  1. 4.     PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

4.1.        A proteção da pessoa com deficiência com base na garantia plena da cidadania e na promoção dos direitos humanos

           

Historicamente nota-se que as pessoas com deficiência e portadoras de necessidades especiais, tradicionalmente, sempre foram alvo de sentimento pouco nobre, de pena, tratada de forma misericordiosa, como se fossem vítimas de uma enorme tragédia pessoal, que a acompanharia durante toda a sua vida. Os deficientes visuais, auditivos, físicos ou portadores de algum transtorno mental, automaticamente passava a apresentar a condição de vítima, uma vez que, nessa ordem de idéias, seria incompatível ostentar tais limitações e, ao mesmo tempo, almejar um projeto de vida próprio, concretizar sonhos e ser dono do próprio destino (FERRAZ & LEITE, 2013).

No fim da década de setenta, após reconhecimento da matéria como uma questão de direitos humanos, o quadro das pessoas portadoras de deficiência começou a ser alterado lentamente. Nesse sentido concluiu FERRAZ & LEITE (2013), “tal mudança de paradigma significou o reconhecimento da pessoa com deficiência como verdadeiro sujeito de direitos, a partir da promoção da cidadania plena para todas as pessoas, independentemente de seus atributos ou qualificações”.

Portanto, nota-se que a partir daí, a tutela dos interesses da pessoa com deficiência, deixa de ser uma questão assistencialista passando para uma questão humanitária, acompanhando a evolução dos direitos humanos.

Os autores FERRAZ & LEITE (2013, p. 214), traz à tona a matéria conjugando com Constituição Brasileira de 1988:

Ressalta-se que, na experiência brasileira, a nova tábua axiológica impressa na Carta Magna de 1988 cumpriu papel essencial para a alteração de rota. De acordo com o art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana foi reconhecida expressamente como um dos fundamentos da República. Significa que a proteção da pessoa humana foi definida como prioritária e que toda e qualquer pessoa é merecedora de igual respeito e consideração, na medida em que toda pessoa apresenta valor intrínseco. Com isso, qualquer tratamento desigual, que não esteja amparado em um critério lógico jurídico, viola a Constituição Federal e, por isso, não tem amparo legal.

            Destaca-se que, a proteção da dignidade humana está direta e necessariamente atrelada ao implemento da igualdade material, ou seja, assegurado pelo princípio da isonomia descrito no art. 5º da Constituição Federal. Portanto, a tutela do direito fundamental à igualdade traz a garantia do direito à diferença, uma vez que, a despeito de atributos físicos, étnicos, culturais, ideológicos, intelectuais, sensoriais, orientação sexual, etc., todas as pessoas devem ser tratadas com igualdade, posto que apresentam a mesma dignidade, apesar de eventuais traços que as distingam (FERRAZ & LEITE, 2013).

            É importante frisar que historicamente o prestígio do axioma da Constituição – incluindo os seus preceitos sobre direitos fundamentais – decorre do poder constituinte originário, emanado da soberania de um povo, encontrando-se acima dos poderes constituídos, portanto, não pode ficar absolutamente dependente de uma intermediação legislativa para produzir efeitos (BRANCO, 2012).

            Na sábia explanação de BRANCO (2012, p. 174), podemos concluir a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais:

A Constituição Brasileira de 1988 filiou-se a essa tendência, conforme se lê no § 1º do art. 5º do Texto, em que se diz que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata’. O texto se refere aos direitos fundamentais em geral, não se restringindo apenas aos direitos individuais.

O significado essencial dessa cláusula é ressaltar que as normas que definem direitos fundamentais são normas de caráter preceptivo, e não meramente programático. Explicita-se, além disso, que os direitos fundamentais se fundão na Constituição, e não na lei – como o que se deixa claro que é a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais, não o contrário. Os direitos fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas são também, e sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas.

            Abordando outro ponto, podemos ainda, falar do direito fundamental à identidade pessoal, sendo este, implícito, fruto da expressa garantia constitucional da igualdade, da liberdade, da não discriminação e da privacidade. Trata-se, ademais, de direito que provém diretamente da promoção da dignidade humana (FERRAZ & LEITE, 2013).

            Os referidos autores esclarecem (2013, p. 215) a respeito da identidade pessoal:

A identidade pessoal significa o conjunto de caracteres, atribuídos, ações que individualizam uma pessoa, permitindo dissociá-la das demais. Dito de outro modo, trata-se do conjunto de singularidades que tornam cada pessoa única, a partir de sua própria subjetividade. Com isso, toda pessoa tem assegurada a garantia de exigir que terceiros respeitem tais particularidade, evitando-se, deste modo, seja desfigurada sua individualidade em nome dos padrões sociais dominantes. Trata-se, como visto, de direito de liberdade, em que é reconhecido a cada pessoa o direito de viver conforme suas próprias escolhas, como forma de concretizar o seu projeto de vida, os seus valores e ideais.

            Vale ressaltar que, independente da existência de outros tratados internacionais direcionados à proteção dos direitos humanos da pessoa com deficiência, sem dúvida a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência - CDPD, foi a mais relevante para assegurar os direitos dessa classe atualmente. O referido tratado foi assinado pelo Brasil em 2007, passando a vigorar no país em 2008, com status de emenda constitucional, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, nos moldes descritos no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal (FERRAZ & LEITE, 2013).

            Conforme aponta GALINDO (2013, p. 235-236), do ponto de vista principiológico, a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência traz seus princípios gerais sistematizados no seu art. 3º:

Art. 3º. Os princípios da presente Convenção são:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;

b) A não-discriminação;

c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;

d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;

e) A igualdade de oportunidades;

f) A acessibilidade;

g) A igualdade entre o homem e a mulher;

h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. 

            Nesse sentido, conclui GALINDO (2013, p. 236):

A CDPD e seus princípios e diretrizes têm dado contribuições decisivas na proteção dos direitos da pessoa com deficiência. No âmbito legislativo, aumenta consideravelmente o número de leis nacionais, estaduais e municipais detalhando e especificando os direitos presentes na Convenção. Nos mesmos planos da federação, o poder executivo tem sido mais atuante na elaboração e implementação de políticas públicas pertinentes, não obstante ainda a serem profundamente insuficientes. O próprio judiciário tem sido sensibilizado a participar da concretização da CDPD, provocando com cada vez mais freqüência a decidir ações civis públicas de natureza individual, dirigidas ao Estado e a particulares que tenham obrigações de cumprimento de dispositivos convencionais.

            Abordaremos a seguir no presente trabalho a Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, sendo sem dúvida o mais relevante e atual desdobramento legislativo da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

4.2.        Proteção Jurídica das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista segundo a Lei 12.764/2012

Em 27 de Dezembro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.764/12, também conhecida como Lei Berenice Piana, em homenagem a uma mãe de um portador do Transtorno do Espectro Autista, que lutou durante anos pelos direitos do seu filho.

Essa lei, de forma sucinta, em apenas oito artigos, institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e as diretrizes para sua consecução, elencando um amplo rol de direitos aos portadores do transtorno, bem como as respectivas ações do Poder Público para promover tais direitos (SANTOS, 2014).

Destarte primeiramente enfatizar, que o § 2º da Lei 12.765/2013 define que: “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. Fato que, tornam os autistas detentores de prioridades, conforme afirma SANTOS (2014, p. 22): “Essa prioridade não pode ser relativizada nem comparada, porque é imposta por leis específicas”.

Conforme dispõe a Lei em comento, GALINDO (2013, p. 239) diz que “o art. 3º traz um conjunto de direitos das pessoas com autismo, alguns mais específicos outros mais gerais, reafirmando a dignidade pessoal das mesmas. São eles:”

Art. 3o  São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: 

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; 

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; 

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: 

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; 

IV - o acesso: 

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social. 

Parágrafo único.  Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado. 

            SANTOS (2014, p. 22) enfatiza a importância da lei para garantir a dignidade dos portadores de transtorno do espectro autista, pelo “estabelecimento formal de seus direitos, por meio de legislação específica. Vale lembrar a lição de Gustavo Tepedino:”

O legislador contemporâneo, instado a compor, de maneira harmônica, o complexo de fontes normativas, formais e informais, nacionais e supranacionais, codificadas e extracodificadas, deve valer-se de prescrições narrativas e analíticas, em que consagra expressamente critérios interpretativos, valores a serem preservados, princípios fundamentais como enquadramentos axiológicos com teor normativo e eficácia imediata, de tal modo que todas as demais regras do sistema, respeitado os diversos patamares hierárquicos,  sejam interpretadas e aplicadas de maneira homogênea e segundo conteúdo objetivamente definido.  Supera-se, dessa forma, a desconfiança gerada pelas cláusulas gerais e pelos conceitos indeterminados no passado, cuja definição era subjetivamente atribuída ao magistrado ou à doutrina, sem um critério seguro que respondesse à lógica do sistema.

            Antes da lei os portadores de transtorno do espectro autista não tinham proteção específica às particularidades da síndrome. Ainda, a expressa previsão legal de incluir o autismo como deficiência, apresenta conseqüências positivas no âmbito legal (SANTOS, 2014).

  1. 5.     TUTELA ESTATAL E POLITICAS PÚBLICAS

5.1.   Políticas Públicas voltadas ao Transtorno do Espectro Autista

Conceituando preliminarmente as políticas públicas, podemos dizer que são ferramentas do governo que visam implementar os direitos fundamentais positivos, exigindo do Estado sua prestação direta, ou seja, programação de ação do governamental buscando coordenar  (CÓRDOVA, 2009).

Na visão de BUCCI apud CÓRDOVA (2009, p. 41):

Pode-se dizer que as políticas públicas representam os instrumentos de ação dos governos, numa clara substituição dos "governos por leis" (government by law) pelos "governos por políticas" (government by policies). O fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público (BUCCI, 1996, p. 135).

Necessita-se fazer uma abordagem mais específica quanto à questão das políticas públicas para a saúde mental, gênero de estudo principal em questão, sendo este, o primeiro campo da medicina em que é necessário e obrigatório trabalhar com interdisciplinaridade e a intersetorialidade para apontar novos paradigmas (CÓRDOVA, 2009).

Nesse sentido, conclui CÓRDOVA (2009, p. 43):

Esse novo paradigma configurou as políticas públicas de saúde mental de vários países ocidentais a partir de 1980, dentre eles o Brasil que além de estar passando por algumas experiências inovadoras, teve novo ordenamento jurídico do setor da saúde a partir do ano de 1990, com a promulgação da Lei Orgânica da Saúde. Desde 1991, os regulamentos da Política Nacional de Saúde mental – Portarias número 189/91 e 224/92 - definem claramente a integralidade como componente obrigatório dessas políticas.

Adentrando nas políticas públicas relativas à saúde dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, SPÍNOLA (2014, p. 69) diz que esta questão “carece de maior atenção do Poder Público para implementação de Políticas Públicas capazes de atender às necessidades especiais de cada diagnóstico”.

Analisando a tutela dos direitos dos portadores de TEA, além de elencados na Constituição Federal de 1988, o art. 3º, da Lei n.º 12.764/2012, sendo essa, lei específica, que assegura os direitos à saúde do portador de Transtorno do Espectro Autista, traz em seu inciso III:

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: 

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; 

 

Portanto, os portadores de TEA, passaram a serem protegidos por lei específica, devido às particularidades da síndrome, além do fato de serem esses pacientes, equiparados às pessoas com deficiência (SANTOS, 2014)

Nas palavras de SANTOS (2014, p. 22):

Apesar de haver contrariedade na utilização do termo portador de deficiência para a criança autista, o certo é que para fins legais, como estipulado na Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, a utilização desse termo torna a criança autista detentora de prioridade. Essa prioridade não pode ser relativizada nem comparada, porque é imposta por leis específicas.

Os pacientes portadores de TEA devem ser distinguidos de outros deficientes mentais, pois para seu desenvolvimento com dignidade, assegurado seus direitos fundamentais, necessitam de tratamento inter e multidisciplinar, composto por médicos, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais, estando o Estado obrigado a custear o tratamento, para cumprir o previsto no art. 3º da Constituição Federal (SPÍNOLA, 2014).

Nesse sentido, SPÍNOLA (2013, p. 69) conclui, fazendo menção à importância de atuação do Ministério Público de São Paulo, em relação a um julgado que envolve diretamente o tratamento do Transtorno do Espectro Autista:

A atuação do Ministério Público Paulista foi importante para se avançar na proteção dos direitos dos portadores de autismo naquele estado, pois utilizou-se dos procedimentos investigatórios cabíveis, produziu provas a embasar sua pretensão, utilizou-se da via adequada para implementar a política pública, que é a via coletiva, e atuou de forma incisiva para cessar os abusos do juízo de execução.

Abordando agora as diretrizes da lei para implementação de políticas públicas, vejamos o art. 2º do dispositivo legal:

Art. 2o  São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista: 

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; 

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; 

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; 

IV - (VETADO);

V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990(Estatuto da Criança e do Adolescente); 

VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; 

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; 

VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País. 

Parágrafo único.  Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado. 

            Com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como analisando os direitos assegurados nessa lei, e conjugando com as diretrizes para promoção de políticas públicas para valerem os direitos dos portadores de transtorno do espectro autista, não resta dúvida quanto à responsabilidade objetiva do Estado em promover tais políticas aos destinatários diretos da lei Berenice Piana.

5.2.        Políticas Públicas e a Teoria do Mínimo Existencial

O Transtorno do Espectro Autista traz consigo reflexos na vida dos pacientes e de sua família, nos aspectos, econômico, social e emocional. Em função disso, o paciente e seus familiares, necessitam de uma atenção e ajuda do Poder Público, que na maioria dos casos vem à impossibilidade econômica da família em arcar com as variadas formas de tratamento (SANTOS, 2014).

            Nesta linha de raciocínio, NETO apud SANTOS (2014, p. 23-24) explana:

Nesse diapasão, a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, garante o mínimo necessário à criança autista. Esse mínimo ao tratar da educação vincula a Administração Pública a agir almejando a dignidade da criança autista e de sua família. Eurico Bittencourt Neto66 expõe as consequências do direito ao mínimo existencial, no caso, a educação:

O direito ao mínimo para uma existência digna, ou, como é mais comumente chamado no Brasil, o direito ao mínimo existencial, tem sido objeto de inúmeras e dispares referências em trabalhos jurídico-cientificismo e em decisões judiciais. Tal quadro tem gerado certo desgaste da expressão, seja pela imprecisão com que é empregada, seja pela confusão que muitas vezes se faz entre o mínimo existencial e o regime ordinário de eficácia dos direitos sociais a prestações. [...]Fica claro que os direitos sociais não constituem uma categoria de direitos que só possuem eficácia nos termos da lei.

Todos os direitos fundamentais possuem dimensões de eficácia diretamente fruíveis e dimensões de eficácia dependentes da intervenção do legislador. tais dimensões permitem a escolha entre mais de um meio de concretização, além do que a pluralidade de tarefas estatais, no campo dos direitos fundamentais e em outros campos de sua atuação, demanda priorização na alocação de recursos materiais.

           

            Diante do exposto, ressalta-se que os direitos e garantias da criança autista, demandam de uma abordagem multidisciplinar à luz dos princípios constitucionais. Sendo necessária a aplicação de legislações específicas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases, bem como a Lei Berenice Piana (12.764/2013), em comunicação com os princípios constitucionais de direitos fundamentais (SANTOS, 2014).

A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais; dignidade da pessoa humana; o interesse superior da criança; a garantia do mínimo existencial; a máxima efetividade dos direitos sociais; a proteção específica a criança autista; conforme abordado neste trabalho, são argumentos para constituir os direitos tutelados pela Lei Berenice Piana (SANTOS, 2014).

5.3.        Responsabilidade Estatal por ineficiência na assistência à saúde

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal de 1988. O Estado tem o dever de reduzir o risco de doenças e outros agravos, bem como o dever de garantir um acesso universal isonômico aos serviços de saúde. Portanto, essa responsabilidade do Estado é pressuposto basilar para efetivação da saúde nos padrões de um Estado Democrático de Direito (GOMES, 2009).

            Imprescindível acepção de Estado Democrático de Direito por HUMENHUK apud GOMES (2009, p. 116):

Quando se fala em um Estado Democrático de Direito, se fala em ‘superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize justiça social.’ (Humenhuk, 2005, p. 29)

            O direito à vida e à saúde, é garantia fundamentai irretirável, constitucionalmente resguardado. A responsabilidade do Estado está explicitamente consagrada no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988 (GOMES, 2009, p. 116):

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado presta­doras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regres­so contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

            Diante desse pressuposto, podemos concluir que foi adotado o princípio da responsabilidade objetiva, recaindo ao Estado o dever de indenizar sempre que demonstrada a existência do fato, praticado por agente do serviço público, que nessa qualidade vier a causar dano a outrem (GOMES, 2009).

            Esta responsabilidade está consagrada também no artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que versa:

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente­mente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua na­tureza, risco para os direitos de outrem.

            Verifica-se em princípio, que o Estado responde pelos danos sofridos em consequência do funcionamento anormal ou ineficiente dos serviços de saúde, apenas se exonerando dessa responsabilidade, mediante prova da regularidade ou eficiência do atendimento médico-hospitalar prestado, decorrendo o resultado de fato inevitável da natureza (GOMES, 2009).

            Conforme apresentado, a análise do ato ilícito, que está positivada nos artigos 186 e 187 do Código Civil Brasileiro, dever ser o primeiro ponto a ser abordado, sendo caracterizado pela infração ao dever legal de não violar direitos e não lesar outrem (GOMES, 2009).

            Neste sentido, GOMES (2009, p. 117) conclui sobre a responsabilidade objetiva do estado em relação à ineficiência dos serviços de saúde estatais:

         Ato ilícito é uma fonte de obrigação e, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, contrária à ordem jurídica.

Portanto, fica demonstrado o dano decorrente de ineficiência do serviço de saúde pública, seja por ausência ou por falha, caracterizada a responsabilidade do Estado e, consequentemente, o dever de indenizar.

A indenização deve compor, tanto os danos materiais, ou seja, as perdas patrimoniais causadas ao cidadão, como por exemplo, as despesas com medica­mentos ou tratamentos particulares, quanto os danos morais, caracterizados pelo desconforto pessoal. A doutrina ainda menciona o dano estético, como uma das variantes dos danos indenizáveis.

            O referido autor, ainda traz à tona, para melhor elucidar a matéria, decisões do Superior Tribunal de Justiça, as quais demonstram o entendimento desta Corte Superior a respeito da Responsabilidade do Estado por danos causados aos cidadãos por ausência ou ineficiência na prestação de serviços públicos de saúde. Em especial, para vincular com a matéria apresentado no presente trabalhos, um julgado, onde uma cidadã reivindica indenização pela morte de seu filho, portador de eficiência mental, que foi internado em um hospital público psiquiátrico. Faltando vigilância mais ostensiva, seu filho fugiu do hospital, cometendo suicídio logo em seguida (GOMES, 2009).

            GOMES (2009, p. 120), elucida:

A julgadora salientou que a teoria predominante na doutrina moderna é a objetiva, tendo sido acolhida no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Na responsabilidade objetiva, há sempre o dever de indenizar pela só verificação do dano e do nexo de causalidade entre este e o comportamento do agente estatal, não dependendo do exame do elemento subjetivo por parte dos prepostos esta­tais.

            Segue agora a decisão em comento para análise, conforme GOMES (2009, p. 121) tratando-se do julgamento de Recurso Especial 2003/0192193-2. Relatora Ministra Eliana Calmon:

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTA­DO – ATO OMISSIVO – MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊN­CIA MENTAL INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO ESTADO.

1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.

2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.

3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indeni­zação quando houver culpa do preposto.

4. Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio posterior do paciente.

5. Incidência de indenização por danos morais.

6. Recurso especial provido.

            Portanto, conforme explicado e exemplificado as situações pertinentes à responsabilização objetiva do Estado, em virtude da ineficiência dos serviços públicos de saúde, e consequentemente o dever previsto na Constituição Federal de 1988 de prestação de serviço de saúde condigno e eficaz (GOMES, 2009).

  1. 6.     METODOLOGIA

O alcance do objetivo proposto neste trabalho acadêmico foi propiciado com base na utilização dos métodos de abordagem comparativo, sociológico e histórico.

Vez que, o método comparativo, no momento da atividade de pesquisa e cognitiva, pode ser considerado como parte do processo de construção do conhecimento. O raciocínio comparativo entre grupos do presente e do passado ou contemporâneo, mas, de culturas diferentes, nos permite perceber deslocamentos e transformações, identificar continuidades e descontinuidades e diferença e similaridades entre os indivíduos em relação à resposta aos fenômenos nos diferentes estágios do desenvolvimento social.

O método sociológico aplica-se a compreensão dos fatos sociais, sendo hábitos coletivos, se exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas, morais, costumes populares, são a expressão de uma coletividade referente a algum campo, como leis, comportamento e etc. Servindo assim a compreensão da constituição pormenorizada da constituição de cada coletividade, bem como, seus aspectos a originário e formação ideológica. O fato social seria então:

“toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior [...] apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM; 1977: 11)

A combinação dos métodos de pesquisa apresentados produziu lastros de consistência material ao presente trabalho, sendo primordiais à sua conclusão, as pertinentes orientações do Professor Carlos Frederico S. Vasconcelos. 

  1. 7.     RESULTADOS

A presente monografia dispensa o desenvolvimento deste capítulo devido à ausência de dados estatísticos, gráficos e ou tabelas, conforme orientação do formato META.

  1. 8.     DISCUSSÃO

Conforme demonstrado no presente trabalho, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) vem aumentando consideravelmente no Brasil, porém, sendo ainda baixo o número de pacientes efetivamente diagnosticados. Concluímos que, o TEA necessita de uma abordagem multidisciplinar para que o tratamento tenha uma maior eficácia, envolvendo diversos profissionais, como: psiquiatras; neuro-psiquiatras; psicólogos; fonoaudiólogos; terapeutas ocupacionais; pedagogos; entre outros. Apesar de que, o tratamento, na maioria dos casos, apresenta um caráter mais pedagógico do que clínico, propriamente dito, trata-se de uma questão de saúde dos portadores de TEA.

Diante dessa multidisciplinaridade do tratamento do TEA, podemos observar que a maioria das famílias brasileiras se depara com diversas dificuldades, sendo elas, emocionais, sociais, e principalmente financeiras, em custear o tratamento do transtorno, uma vez que, o mesmo não é fornecido de maneira eficiente e satisfatória pelos serviços públicos de saúde. Essa ineficiência do Estado gera prejuízos imensuráveis para o desenvolvimento e qualidade de vida dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, bem como para seus familiares.

Em contrapartida, a Constituição Federal de 1988 assegura o direto à saúde, além de trazer a dignidade da pessoa humana como princípio basilar. Nota-se também que, com o advento da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, nos anos setenta, a sociedade começou a evoluir para tratar a questão das pessoas com deficiência como um todo, de forma mais igualitária.

Adentrando especificamente na questão do Transtorno do Espectro Autista, além dos direitos assegurados constitucionalmente, houve uma evolução considerável da legislação infraconstitucional, sendo o final do ano de 2012, o marco principal desta evolução, com o advento da Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012, ou seja, os direitos dos portadores de TEA vieram a ser assegurados também por uma lei específica, fato que por si só, já demonstra a necessidade de uma atenção especial do Estado à matéria.

A Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, tutela os direitos dos portadores de Transtorno do Espectro Autista em seu artigo 3º in verbis:

Art. 3o  São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: 

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; 

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; 

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: 

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; 

IV - o acesso: 

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social. 

Parágrafo único.  Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado. 

Além de assegurar os direitos dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, a Lei Berenice Piana, traça as diretrizes para implementação das políticas públicas, portanto, é dever do Estado executar essas diretrizes.

Vejamos o art. 2º do dispositivo legal:

Art. 2o  São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista: 

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; 

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; 

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; 

IV - (VETADO);

V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990(Estatuto da Criança e do Adolescente); 

VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; 

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; 

VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País. 

Parágrafo único.  Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado. 

            Pelo exposto, é obrigação do Estado executar as políticas públicas para atendimento das necessidades dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, respeitando os seus direitos, não podendo relativizá-los, uma vez que, além de tutelados pela Constituição Federal de 1988, estão previstos em Lei Específica. É dever do Estado, portanto, atender ao princípio do mínimo existencial, para que os portadores de TEA, dentro das peculiaridades individuais de cada diagnóstico, alcançarem seus respectivos tratamentos adequados, efetivando assim as condições de uma vida digna.

            Ressalta-se, primeiramente que, os serviços públicos de saúde devem ser eficientes para promoção da vida digna em um Estado Democrático de Direito, recaindo sobre o Estado a reparação de quaisquer danos.    A responsabilidade do Estado está explicitamente consagrada no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado presta­doras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regres­so contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

            Portanto, o direito a saúde é um direito de todos, e obrigação do Estado oferecer os serviços de maneira eficiente. Se o Estado demonstra ineficiência na prestação desses serviços, o mesmo deve ser responsabilizado na reparação dos danos ocasionados aos cidadãos em virtude dessa ineficiência.

            Diante da complexidade e multidisciplinaridade que circundam o Transtorno do Espectro Autista, principalmente no que tange ao diagnóstico e tratamento, é dever do Estado traçar as políticas públicas para suprir a carência de diagnóstico existente no país, capacitar os profissionais da saúde, bem como os profissionais da educação, visando tratamento adequado dos pacientes, de forma humanitária, fazendo valer a dignidade humana, a justiça e a inclusão social dos portadores de Transtorno do Espectro Autista. 

            O presente trabalho tem o tem o condão de abordar os problemas sociais em relação à matéria em questão, podendo servir como fundamento para novas discussões, e apontamentos de quaisquer divergências com a realidade jurídico-social. Podendo ainda, servir como fonte de estudo para outros interessados na matéria, acadêmicos, etc., bem como pela administração pública para averiguar as necessidades de implementação das políticas públicas aqui abordadas.

  1. 9.     CONCLUSÃO

O presente trabalho baseou-se na pesquisa da legislação brasileira, doutrinas, evidências sociais, dentre outras fontes. Visando demonstrar as dificuldades dos portadores de deficiência, especificamente as pessoas enquadradas no espectro autista, enfatizando os direitos previamente consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e majorando esses direitos, à luz da Lei 12.764/2012, sendo essa, uma lei específica, que adveio de uma história de luta e evolução social, para fazer valer tais direitos, bem como traçar as diretrizes para alcance e finalidade da mesma.

Pode-se verificar, sem dúvida alguma, o grande avanço legislativo com a nova Lei 12.764/2012, porém, é notória a carência de políticas públicas implementadas para alcançar os objetivos da Lei Berenice Piana, deixando assim, muitas famílias sem a devida tutela, principalmente sem acesso aos serviços de saúde adequados para diagnóstico e tratamento eficiente dos portadores de Transtorno no Espectro Autista, o que compromete o desenvolvimento, a interação e inclusão social dos pacientes enquadrados nesse transtorno.

Conclui-se, portanto, que o Estado deve obrigatória e imediatamente intervir, planejando, traçando, executando políticas públicas de saúde e educacionais, para amenizar, ou até mesmo reverter, o quadro atual em que se encontram os portadores de Transtorno do Espectro Autista em todo país, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos, atingindo assim, a justiça social tão almejada no Estado Democrático de Direito.

Nesta linha de raciocínio, o conclui-se ainda que, o Estado deve ser responsabilizado por qualquer dano que recaia sobre os cidadãos, em decorrência da ineficiência da prestação dos serviços públicos de saúde. Pode-se, assim, fazer uma analogia dessa responsabilidade objetiva do Estado, com a proteção jurídica das pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista, tuteladas na legislação vigente e abordadas no presente trabalho, com base no princípio dos direitos fundamentais.

10. REFERÊNCIAS

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