PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

 

Camilla Carolline Santos Fróes e Susane Belchior de Sousa

 

Sumário: Introdução; 1 Noções Gerais; 2 Características dos direitos humanos; 3 Gênese do Direito Internacional dos Direitos Humanos; 4 Direito Internacional dos Direitos Humanos; 5 Tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro; 6 Sistema internacional de proteção aos direitos humanos; 7 sistema regional interamericano; Conclusão.

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RESUMO

No presente trabalho será abordado a proteção internacional dos direitos humanos, notadamente, suas características gerais, o que vem a ser a gênese desses direitos no cenário brasileiro e o tratados internacionais aplicáveis. Será objeto de análise ainda o sistema nacional de proteção dos direitos humanos, que engloba a declaração dos direitos humanos e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, e além disso o sistema interamericano do DH.

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PALAVRAS-CHAVE

Direitos Humanos. Internacional. Estados-Membro. Tribunal Penal.

 

1 INTRODUÇÃO

 O estudo da proteção internacional dos direitos humanos é de suma importância para a compreensão de como vem sendo tratada a proteção à pessoa humana perante o direito internacional.

A partir disto, será iniciado o presente trabalho com as noções gerais acerca dos Direitos Internacionais dos Direitos Humanos, demonstrando suas funções e características principais e ainda, a questão da divisão dos direitos humanos em três gerações.

Será objeto de análise ainda a origem dos direitos internacionais dos direitos humanos e dos tratados internacional relativos a estes direitos, ressaltando que após a Segunda Guerra Mundial os direitos humanos ganharam força no cenário internacional, em decorrência dos horrores sofridos pela população à época, que, diante do autoritarismo estatal ficavam submetidos a tratamento desumanos, degradantes que violavam à toda evidência a dignidade destes. Com o surgimento  dessa valorização do homem, afasta-se a ideia de soberania absoluta dos Estados e passa-se a valorizar o individuo que é visto, a partir de então não apenas como objeto mas como sujeito do direito internacional público.

Tratar-se-á, também sobre a Declaração dos direitos humanos enquanto norma de garantias individuais, o seu surgimento e características a fim de compreender sobre a proteção dos direitos inerentes a pessoa humana no cenário mundial, bem como sobre a universalidade frente às diversidades culturais.

Por fim, será tratado ainda, acerca dos sistemas regionais, que, para além do já citado sistema global de proteção dos direitos humanos, conferem especificidade à proteção desses direitos. Destacando-se o Sistema Regional Interamericano, que possui dois instrumentos principais, quais sejam, a Carta da OEA e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Dentro desse tópico, serão analisados os órgãos que compõem a Convenção Americana, bem como processamento do Estado perante a Corte, órgão jurisdicional da referida Convenção. E ainda, a eficácia no Brasil das sentenças internacionais e o problema de sua execução.

Em remate será analisado o Tribunal Penal internacional e sua importância na garantia dos direitos fundamentais, considerando ainda a universalidade e a responsabilidade individual.

2 NOÇÕES GERAIS

O Direito Internacional dos Direitos Humanos engloba diversos tratados, que buscam justamente proteger a pessoa humana de determinadas condutas que violam direitos humanos garantidos. Assim, “basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus direitos violados, tanto no plano interno quanto no contexto internacional.” (MAZZUOLI, 2012, p. 821)

Como bem dito por Mazzuoli, todos, sem exceção, podem reivindicar qualquer direito violado referente à pessoa, independente de qualquer outra condição, a não ser a de tratar-se de pessoa humana. Resta clara, portanto, uma das características principais dos direitos humanos no direito internacional, qual seja, a universalidade, a ser tratada mais a frente.

É de se ver que “até a Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos eram assunto interno dos Estados.” (PETERKE, 2009, p. 24), somente ganhando abrangência internacional após esta.

Inicialmente, faz mister analisar alguns conceitos que irão facilitar a compreensão acerca da proteção internacional dos direitos humanos, quais sejam: os chamados direitos do homem; os direitos fundamentais e propriamente, os direitos humanos.

Os direitos do homem correspondem “àqueles direitos que se sabe ter, mas não por que se tem, cuja existência se justifica apenas no plano jusnaturalista.” (MAZZUOLI, 2012, p. 822). Isto é, dizem respeito aos direitos naturais, que ainda não estão positivados.

Já os direitos fundamentais, conforme se detém do próprio nome, são direitos que fundamentam a própria sociedade e que, sem eles, não há base para a convivência social. Dessa forma, Mazzuoli os caracteriza da seguinte forma.

São direitos garantidos e limitados no tempo e no espaço, objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. Tais direitos devem constar de todos os textos constitucionais, sob pena de o instrumento chamado Constituição perder totalmente o sentido de existência [...] (2012, p. 822)

Assim, os direitos fundamentais são aqueles que embasam a Constituição do país, sem os quais não há como se estabelecer um convívio social capaz de trazer uma harmonia nas relações.

Já os direitos humanos propriamente ditos, estão em um patamar acima dos direitos fundamentais, uma vez que vão além da Constituição e estão positivados pela legislação internacional. Em outras palavras, “são, por sua vez, direitos inscritos (positivados) em tratado ou em costumes internacionais. Ou seja, são aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público.” (MAZZUOLI, 2012, p. 822)

2.1 Características dos Direitos Humanos

As principais características dos direitos humanos podem ser resumidas em: universalidade; historicidade; essencialidade; irrenunciabilidade; inalienabilidade; inexauribilidade; imprescritibilidade e vedação ao retrocesso.

Inicialmente, como dito anteriormente, tem-se a universalidade, em que “são titulares dos direitos humanos todas as pessoas, o que significa que basta ter a condição de “ser humano” para se poder invocar a proteção desses mesmos direitos, tanto no plano interno como no plano internacional [...]” (MAZZUOLI, 2012, p. 825)

Cumpre ressaltar que a única condição exigida é a de ser humano, podendo ser reivindicada a referida proteção por pessoas em qualquer condição de sexo, raça, religião, entre outras peculiaridades.

A segunda característica diz respeito à historicidade que, conforme se detém da própria nomenclatura, decorre da história, se consolida no decorrer dos tempos. “Foi tão somente a partir de 1945 (com o fim da Segunda Guerra e com o nascimento da Organização das Nações Unidas) que os direitos humanos começaram a, efetivamente, desenvolver-se no plano internacional [...]” (MAZZUOLI, 2012, p. 825)

     A essencialidade trata os direitos humanos como essenciais desde sua origem.Segundo Mazzuoli, essa essencialidade tem por conteúdo

os valores supremos do ser humano e a prevalência da dignidade humana (conteúdo material), relevando-se essencial, também, pela sua especial posição normativa (conteúdo formal, permitindo-se a revelação de outros direitos fundamentais fora do rol de direitos expresso nos textos constitucionais.(2012, p. 825 e 826)

A irrenunciabilidade traz a ideia de que, mesmo sendo, implicitamente, aceita pela pessoa, este fato não justifica a sua violação, que não poderá ocorrer de maneira nenhuma.

Quanto a inalienabilidade, esta não permite que se disponha dos direitos humanos, isto é, não se pode transferi-los e nem concedê-los a outras pessoas, ele é inerente à pessoa.

“São os direitos humanos inexauríveis, no sentido de que têm a possibilidade de expansão, a eles podendo ser sempre acrescido novos direitos, a qualquer tempo [...]” (MAZZUOLI, 2012, p. 826)

Os direitos humanos, assim como são indisponíveis, são ainda imprescritíveis, uma vez que não prescrevem, não se perdem com o decorrer do tempo

A vedação ao retrocesso, como é sabido, diz respeito a irretroatividade, isto é, um direito já concedido não poderá ser diminuído ou retirado, as mudanças devem trazer melhorias e não retirar direitos.

2.2 Dimensões de direitos

O direitos humanos são divididos, comumente, em três gerações. A primeira geração correspondem aos direitos de liberdade latu sensu, “a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, sob o ponto de vista teórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo ocidental.” (MAZZUOLI, 2012, p. 827)

A segunda geração trazem os direitos de igualdade latu sensu, “a saber, os direitos sociais, econômicos e culturais, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo do Estado social [...] (MAZZUOLI, 2012, p. 827)

Em relação à terceira geração, esta abrange os direitos que surgem do princípio da fraternidade, quais sejam, “o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (MAZZUOLI, 2012, p. 827)

Mazzuoli coloca ainda uma quarta geração, trazendo a baila os direitos humanos, que resultam da globalização dos direitos fundamentais, que tornam os direitos fundamentais como universais. (2012, p. 828), tal como, o direito à informação.

Vale destacar que a essa classificação geracional dos direitos humanos é criticada pela doutrina, que acredita não haver ligação entre a referida divisão e processo histórico de criação dos direitos humanos. “O que ocorre não é a sucessão de uma geração pela outra, mas sim a junção de uma nova dimensão de direitos humanos que se une à outra já existente, e assim por diante.” (MAZZUOLI, 2012, p. 829)

3. Gênese do Direito Internacional dos Direitos Humanos

Os direitos humanos ganharam força no Direito Internacional Contemporâneo a partir da II Guerra Mundial após os inúmeros horrores sofridos pela população à época. Ademais, tais direitos vêm ganhando força em virtude da globalização e consequente estreitamento das relações internacionais, principalmente em decorrência da expansão dos meios de comunicação e desenvolvimento constante do comércio internacional (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

As normas internacionais de garantia dos direitos do homem são fruto de um constante processo de internacionalização e universalização desses direitos. Tais normas surgiram também a partir de lutas históricas (MAZZUOLI, 2012.p. 829) de uma população que almejava tratamento mais humanitário não só no contexto das relações privadas, como também no âmbito estatal. 

O primeiro e mais longínquo antecedente histórico do Direito Internacional dos Direitos Humanos são os tratados de paz de Westfália de 1648 que, como cediço, deram termo à Guerra dos Trinta Anos. Contudo, tem-se que, em verdade, a base histórica do atual sistema internacional são o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

Embora existam outros antecedentes, aquele que mais contribuiu para a formação Direito Internacional dos Direitos Humanos foi a OIT que surgiu após a I Guerra Mundial com a finalidade de criar critérios básicos de proteção ao trabalhador e a proteção de sua dignidade diante as relações de trabalho (MAZZUOLI, 2012.p. 829).  

Os três precedentes históricos supramencionados foram de suma importância para a formação da ideia de que a proteção dos direitos humanos deve incidir além das fronteiras estatais, indo além dos contornos da soberania territorial dos Estados tornando-se matéria de ordem internacional. A nova concepção criada afasta o antigo conceito de soberania estatal absoluta, segundo o qual os Estados eram os únicos sujeitos do Direito Internacional Público (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

Segundo Mazzuoli, é nesse contexto que começam a aparecer os primeiros contornos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com o afastamento da ideia de soberania absoluta dos Estados, e com a consideração a partir de então dos cidadãos como sujeitos do direito das gentes, conferindo-os mecanismos processuais para garantir seus direitos internacionais protegidos. Em suma, a partir desse momento o indivíduo não mais é visto como mero objeto do Direito Internacional Público, mas também como sujeito deste (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

 

4. Direito Internacional dos Direitos Humanos

José Antônio Rivera Santivañez (2004, p.14 apud MAZZUOLI, 2012. p. 832) define o Direito Internacional dos Direitos Humanos como sendo:

A disciplina encarregada de estudar o conjunto de normas internacionais, convencionais ou consuetudinárias, onde são estipulados o comportamento e os benefícios que as pessoas ou grupos de pessoas podem esperar ou exigir dos governos, tendo por objeto de estudo o conjunto de normas previstas pelas declarações, tratados ou convenções sobre direitos humanos adotados pela Comunidade Internacional em nível universal ou regional, aquelas normas internacionais que consagram os direitos humanos, que criam e regulam os sistemas supranacionais de promoção e proteção dos direitos humanos, assim como as que regulam os procedimentos possíveis de serem levados ante ditos organismos  para o conhecimento e consideração das petições, denúnicias e queixas pela violação dos direitos humanos.

O fato gerador de toda a proteção conferida aos homens foi o genocídio cometido contra milhares de pessoas no holocausto nazista (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

A sistemática internacional de proteção aos direitos do homem torna possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internamente, os órgãos competentes não apresentem respostas satisfatórias na proteção dos direitos humanos. A doutrina da soberania estatal absoluta perde força após a Segunda Guerra em decorrência da expansão da preocupação com os direitos humanos no plano internacional, com a sua sujeição aos limites decorrentes dos direitos humanos (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

A partir da criação da ONU em 1945 e consequente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o direito internacional dos direitos humanos começou a dar origem às diversas normas internacionais (tratados) que tinham por objetivo principal a garantia de direitos básicos dos indivíduos (MAZZUOLI, 2012.p. 829).

Com a ONU surge um sistema global de proteção aos direitos humanos, não só de caráter geral (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais como também de caráter mais específico como, por exemplo, as convenções internacionais de combate à tortura, à discriminação racial, à discriminação contra as mulheres, etc (MAZZUOLI, 2012.p. 835).

O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge como novo ramo do Direito Internacional Público com princípios próprios, autonomia e especificidade. (MAZZUOLI, 2012.p. 835).

Ainda tratando sobre o direito internacional dos direitos humanos Mazzuoli (2012.p.835) ressalta que este teve grande influência no constitucionalismo contemporâneo que:

se fez sentir na reforma constitucional brasileira, conhecida como Reforma do Judiciário, advinda por meio da Emenda Constitucional nº45/2004, que possibilitou a federalização dos crimes contra os direitos humanos, no art. 109, inciso V-A  e § 5º do mesmo artigo, segundo o qual, respectivamente, compete aos juízes federais processar e julgar as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo, dispondo este último, por sua vez, que: Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça  Federal.

 

5. Tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seus artigos 21 e 49 que a função de celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional, compete privativamente ao Presidente da República. Assim, uma vez tenha o presidente celebrado um tratado internacional, deverá submetê-lo ao Congresso Nacional, a quem compete exclusivamente resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou ato internacionais.

Para aprovação do tratado, ele deverá ser submetido primeiramente à Câmara dos Deputados e, posteriormente, ao Senado. Uma vez desaprovada na Câmara, o processo terá fim, não sendo nem mesmo enviado ao Senado. Contudo, caso seja aprovado em ambas as turmas, o Congresso irá expedir decreto legislativo, promulgado pelo Presidente do Senado. Na hipótese de rejeição do tratado, não haverá necessidade de expedição de decreto, havendo apenas a comunicação da decisão ao presidente (LEMOS, p.04).

Ocorre que, o simples decreto legislativo ainda não pode gerar efeitos práticos, que só vêm a acontecer após a ratificação desse decreto pelo executivo por meio do decreto de promulgação. Ainda que aprovado pelo legislativo, o executivo não fica obrigado a ratificá-lo, possuindo plena liberdade para ratificá-lo ou não.

Tudo continua do mesmo jeito mesmo após a EC 45/04, devendo o tratado ser aprovado pelo Congresso por decreto legislativo, mas podendo o Parlamento decidir se com o quorum de emenda constitucional ou sem ele.

O Brasil já ratificou quase todos os tratados internacionais de direitos humanos, dentre os quais Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Protocolo sobre o estatuto dos refugiados, Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, dentre outros. Isso sem falar nos tratados de direito sociais, como as convenções da OIT e em matéria ambiental. Isso também se dá com o sistema interamericano de direitos humanos , a exemplo da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos de 1969.

Todos esses tratados por objeto o alcance dos interesses da pessoa e não apenas os interesses do governo. Em síntese, todos esses tratados tem por objetivo o gozo efetivo pelos cidadãos de todos os Estados, dos direitos e liberdades fundamentais, sendo esta uma verdadeira questão de direito das gentes.

A Constituição de 1988 trouxe em seu texto a dignidade da pessoa humana e a proteção aos direitos humanos, instituindo princípios bases que regem todo o sistema normativo. Ademais, a Constituição de 1988 deu extraordinária abertura ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos inserindo, inclusive em seu texto que:

Art.5 (...)

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Quanto a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, tem-se que após a EC n. 45/que acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º, os mesmos, caso aprovado nos termos do artigo supra,serão equivalentes às emendas à constituição. Os Tratados Internacionais sobre Direitos humanos, detém, pois,  status de norma constitucional, conforme o art. 5º, §2º da Constituição Federal .

Cumpre ressaltar, entretanto, que o status constitucional dos referidos Tratados remanesce incólume, pois, ainda que não sejam aprovados pelo procedimento previsto no §3º do art.5º, estes instrumentos de proteção dos direitos humanos são materialmente constitucionais, integrando assim o chamado bloco de constitucionalidade (VIEIRA SEGUNDO, 2009.p. 01).

Ainda que o STF tenha passado a atribuir aos tratados de direitos humanos (quando não aprovados pela sistemática do art. 5º, § 3º, da Constituição) o nível de norma supralegal, o certo é que a doutrina mais abalizada entende que tais tratados têm status de norma constitucional (MAZZUOLI, 2012.p. 844-845)

Importa esclarecer que o Congresso Nacional pode aprovar o tratado conforme o §3º do artigo 5º da CF, mas tal aprovação não coloca o tratado em vigor no plano interno com equivalência de emenda constitucional, que somente se dará  com a ratificação do tratado e desde que já tenha entrado em vigor no plano internacional MAZZUOLI, 2012.p. 852)

6.  Sistema internacional de proteção aos direitos humanos

6.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos

A declaração dos direitos humanos foi instituída em 1948 pela Carta das Nações Unidas tendo como principal finalidade “a positivação internacional dos direitos mínimos dos seres humanos, em complementos aos propósitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião” (MAZZUOLI, 2012, p.873/874).

A declaração dos direitos humanos tem como causa a dignidade da pessoa humana, consubstanciando como uma norma que atribui a todos os indivíduos indistintamente esses direitos. Sob a égide desta declaração, os direitos humanos são universais, sendo esta um padrão mínimo de sua garantia. Razão disso é que tal instrumento normativo vem sendo “fonte de inspiração dos instrumentos internacionais de proteção e das decisões judiciárias internacionais e interna” (MAZZUOLI, 2012, p.874/875).

É formada por trinta artigos e engloba tanto direitos civis quanto direitos políticos, assegurando aos indivíduos direitos como a igualdade, liberdade, presunção de inocência, direito de propriedade, liberdade religiosa, de locomoção,  direito a vida, a liberdade, a educação, entre outros. È de grande importância na defesa da dignidade humana, contudo, não instituiu um órgãos para assegurar que suas previsões fossem asseguradas ((MAZZUOLI, 2012, p.875-877).

A declaração de direitos humanos embora não tenha sido implementada como um tratado, tendo natureza de recomendação das nações unidas adotada  sob forma de resolução da Assembleia-Geral da ONU, esta declaração tem força vinculante aos Estado no que tange sua prescrição. São segundo a doutrina de Mazzuoli, parte da Carta da ONU, sendo sua interpretação literal, principalmente no que tange à qualificação jurídica da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”. Em virtude disso foi reconhecida como “um código ético universal de direitos humanos” (MAZZUOLI, 2012, p.877-879).

Foi com a conferência de direitos humanos, realizada em Viena em 1993 que os direitos humanos foram consagrados como universais, ou seja, devem ser respeitados por todos os Estado. Passando a ser norteados pelos princípios da indivisibilidade, onde os direitos humanos  se unem e fortalecem no decorrer dos anos; o da interdependência; e o da inter-relacionariedade, segundo o qual os Estados devem ser “interagir em prol  de garantia efetiva” (MAZZUOLI, 2012, p.880).

Dito isso, importa destacar que a universalidade dos direitos humanos, afastou quaisquer hipóteses em que a diversidade cultural era invocada para justificar as violações aos seus direitos. Nesses moldes, esta diversidade passou a ser utilizada como “um somatório ao processo de asserção dos direitos humanos, e não um empecilho a este” (MAZZUOLI, 2012, p. 880/881).

Os grandes impactos dessa declaração foram que esta serve de parâmetros para inúmeros tratados internacionais, no Brasil, a própria Constituição Federal adotou seu preceitos, dispondo em seus artigos dos mesmos direitos assegurados na Declaração de direitos humanos. Assim, “o direito constitucional brasileiro atual está perfeitamente integrado com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos” (MAZZUOLI, 2012, p.882).

 6.2 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional foi instituído em 1998 com o Estatuto de Roma, “que efetivamente impulsionou a teoria da responsabilidade penal internacional dos indivíduos, na medida em que se previu a punição individual à aqueles praticantes dos lícitos elencados no Estatuto (MAZZUOLI, 2012, p.953)

No Brasil, foi com a emenda constitucional nº 45/2004, que introduziu o parágrafo quarto ao art.5º prevendo “se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão” (MAZZUOLI, 2012, p.953) (BRASIL, 1990).

Mazuolli acrescenta ainda que (2012, p.960)

Aprovado em 17 de julho de 1998, em Roma, na Conferência Diplomática do Penipotenciário das Nações Unidas, o oficialmente chamado estatuto de Roma do Tribunal Penal internacional teve por finalidade constituir um tribunal internacional com jurisdição criminal permanente, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na Haia, na Holanda. Foi aprovado por 120 Estados, contra apenas sete votos contrários – China, Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia e quatar- e 21 abstenções. Não obstante sua posição original, os Estados Unidos e Israel, levando em conta a má repercussão internacional ocasionada pelos votos em contrário, acabaram assinando o Estatuto em 31 de dezembro de 2000.

Dito isso, importa destacar que os EUA e o Afeganistão não aderiram ao tratado do TPI, em razão dos atentados terroristas que ocorreram no primeiro e a dominação territorial neste último (MAZZUOLI, 2012, p.961).

Foi julho de 2002 que o TPI entrou em vigor internacionalmente, tal data corresponde “ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, nos termos do art. 126 parágrafo 1º” (MAZZUOLI, 2012, p.961).

No Brasil, o TPI foi aderido primordialmente pelo ato de disposições transitórias em seu artigo 7º, segundo o qual, o “Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Sendo posteriormente, como dito, prevista pelo artigo 5º. A aprovação do tratado em nosso país se deu mediante o decreto 112/2002, com promulgação pelo decreto 4.388/2002 (MAZZUOLI, 2012, p.962)

A respeito da ratificação do Estatuto de Roma, Mazzuoli acrescenta que “o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao direito brasileiro com status de norma constitucional, não podendo quaisquer dos direitos e garantias nele constante ser abolidos por qualquer meio no Brasil, inclusive por emenda constitucional” (MAZZUOLI, 2012, p..962)

Assevera ainda o autor que este tratado tem “natureza supraconstitucional” cuja normas ultrapassam as normas internas, constituindo-se o TPI como único órgão universalmente competente. Dentre suas características está a independência, ou seja, este Tribunal não precisa ser adotado pelos Estados para ter sua competência exercida (MAZZUOLI, 2012, p962/963).

Outra característica do TPI é a sua competência complementar, segundo Elio Cardoso ( 2012, p.44) significa

O mecanismo teria, assim, como fundamento, a primazia da jurisdição estatal diante do caráter excepcional e complementar da jurisdição do TPI: este último somente a exerceria em caso de patente incapacidade ou falta de disposição de um Estado em abrir inquéritos ou instaurar processos relativos aos crimes elencados no Estatuto de Roma. A atuação do Tribunal não seria cabível se o caso fora ou estivesse sendo genuinamente investigado ou processado por um Estado que tenha competência para fazê-lo. O processo judicial internacional somente se viabilizaria na medida em que as instituições nacionais ora não quisessem, ora não pudessem agir. Mas, diante da amplitude dos termos “incapacidade” e “falta de disposição”, seriam incorporados ao Estatuto parâmetros para reduzir o grau de discricionariedade na aplicação pelo TPI dos referidos critérios.

Disto ressai, que o TPI só poderá atuar nos casos em que a legislação interna não for apta a apreciar os crimes ou não procederem a sua apuração. Aplicando-se, assim, o princípio da complementaridade (MAZZUOLI, 2012, p.964).

O TPI é pessoa jurídica de direito internacional, sendo sua jurisdição aplicada a todo território dos Estados da ONU, após sua instituição. Os crimes de sua competência podem ser divididos em crime de genocídio, humanidade, agressão, e crimes de guerra. Cumpre salientar que quanto a competência em relação a pessoa dos indivíduos,  “o Tribunal só exerce jurisdição para pessoas físicas maiores de 18 anos” (MAZZUOLI, 2012, p.964).

Sua formação é feita por 18 juízes, e para que um brasileiro ocupe tal cargo é preciso que ser “Ministro do Supremo Tribunal Federal, inclusive a relativa idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos, além do notável saber jurídico e da reputação ilibada” (BRASIL, 1988)

Os juízes serão eleitos por um mandato de nove anos e não poderão ser reeleitos. Na primeira eleição, um terço dos juízes eleitos será selecionado por sorteio para exercer um mandato de três anos; outro terço será selecionado, também por sorteio, para exercer um mandato de seis anos; e os restantes exercerão um mandato de nove anos.  Um juiz selecionado para exercer um mandato de três anos, poderá ser reeleito para um mandato completo; 10. Por fim, um juiz afeto a um Juízo de Julgamento em Primeira Instância ou de Recurso, em conformidade com o artigo 39, permanecerá em funções até à conclusão do julgamento ou do recurso dos casos que tiver a seu cargo (art.. 36 ER)

O Tribunal será composto pelos seguintes órgãos: a) A Presidência; b) Uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução; c) O Gabinete do Procurador; d) A Secretaria (art. 34 do ER).

Em que pese o Gabinete do Procurador, este atuará de forma independente, enquanto órgão autônomo do Tribunal. Competir-lhe-á recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal. Os membros do Gabinete do Procurador não solicitarão nem cumprirão ordens de fontes externas ao Tribunal (art. 42 ER)

Em razão do princípio da complementaridade, os Estado membro nos casos em que não venham a atuação, assumindo o TPI, aqueles tem o dever de cooperação, em outros termos, o Estados devem fornecer as informações necessárias para o deslinde do caso, e por conseguinte, facilitar seu acesso. “Tais pedidos serão transmitidos pela via diplomática ou por qualquer outra via apropriada escolhida pelo Estado -parte no momento da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão ao Estatuto (MAZUOLLI, 2012, p.966).

Ademais, quanto a não admissibilidade dos casos o artigo 17 do Estatuto de Roma, prevê: a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer;  b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.

       Em sequência, o parágrafo segundo, acrescenta ainda: A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o; b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;    c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça.

Por fim, quanto à capacidade o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo (art. 17, parágrafo 3 do ER)

Apresentadas as principais características do TPI, passa-se a análise da responsabilidade penal individual, segundo o qual, “a responsabilidade penal por atos violadores do Direito Internacional deve recair sobre os indivíduos que os perpetraram, deixando de ter efeito as eventuais imunidades e privilégios ou mesmo a posição ou os cargos oficiais que os mesmos porventura ostentem”. O afastamento destes privilégios implica em uma antinomia com o direito brasileiro, tendo em vista que este assegura imunidade aos seus parlamentares. Nestes casos aplica-se a previsão do Estatuto de Roma. (MAZZUOLI, 2012, p.976)

O artigo 25 do Estatuto de Roma prevê a competência do TPI para julgar e sancionar pessoa física que cometa crimes contra o direito internacional, elencando ao longo do parágrafo 3º quais os indivíduos poderão ser considerados criminalmente responsáveis pela prática de um crime cuja competência seja do TPI. Dentro da responsabilidade revela-se também importante a cooperação dos Estados junto ao TPI, fornecendo informações que permitam a este chegar resolução do caso de forma mais célere (MAZZUOLI, 2012, p.978)

7. SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO

Como visto anteriormente, para além do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, existem também sistemas regionais, que possuem um caráter mais específico, tais como o sistema europeu, americano e africano. (MAZZUOLI, 2012, p. 833).

A partir desse prisma, o sistema regional que ganha destaque é o sistema interamericano, que surgiu com a proclamação da Carta da Organização dos Estados Americanos, aprovada na 9ª Conferência Interamericana em 1948, momento no qual aprovou-se também a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Declaração esta, que serviu como base normativa, anterior Convenção Americana, para a proteção no sistema americano. (MAZZUOLI, 2012, p. 896)

Cumpre destacar ainda, a criação pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1960, de um órgão denominado Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tratada inicialmente como “unidade autônoma”, com objetivo de promover os direitos humanos proclamados na declaração dos direitos e deveres do homem. (PETERKE, 2010, p. 73).

O sistema interamericano é composto de quatro instrumentos principais: a Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem também de 1948; Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San Jose da Costa Rica); e por fim, o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador). (MAZZUOLI, 2012, p. 895)

É de se ver que, a Organização dos Estados Americanos (OEA), possui objetivos específicos com a criação desse sistema interamericano, trazidos por Peterke da seguinte maneira:

O objetivo da OEA é fortalecer a paz e a segurança do continente americano, promover e consolidar a democracia representativa, com todo o respeito pelo princípio da não intervenção, prevenir possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica de eventuais confrontos entre os Estados-Membros. Em adição, a organização estabelece como meta a viabilização de uma ação conjunta por parte dos Estados envolvidos em casos de agressão, a busca por soluções para eventuais problemas políticos, legais ou econômicos entre os países, a promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural das nações por meio de uma ação conjunta, bem como a eliminação da pobreza absoluta como um obstáculo para o desenvolvimento democrático pleno dos povos do hemisfério. (2009, p. 72 e 73)

Com vista desses objetivos, cumpre destacar dois dos instrumentos que compõem o sistema interamericano, que merecem atenção, uma vez que são as principais bases legais do referido sistema, quais sejam, a Carta da OEA e a Convenção americana sobre direitos humanos.

A Carta da OEA, como dito anteriormente, foi proclamada em 1948, deixando dúvidas quanto às disposições sobre a proteção dos direitos humanos, uma vez que “anunciou, como princípio da organização, os direitos fundamentais dos indivíduos, independentemente de raça, nacionalidade, crença ou sexo, sem, no entanto, definir o que se entende por ‘direitos fundamentais dos indivíduos’.” (PETERKE, 2009, p. 73)

Essa definição acerca dos direitos fundamentais dos indivíduos só aconteceu com a Declaração americana dos direitos e deveres do homem, que juntamente com a Carta da OEA representaram, até a criação da Convenção americana de direitos humanos, a única base legal para a defesa dos direitos humanos no continente americano. (PETERKE, 2009, p. 73).

A Convenção americana de direitos humanos, como visto, foi criada em 1969, entretanto somente entrou em vigor em 1978. Destaca-se que o Brasil só a ratificou em 1992, através do Decreto nº 678 de 1992. (MAZZUOLI, 2012, p. 8997)

Segundo Mazzuoli, os direitos estabelecidos na referida convenção, são complementares ao direito interno dos estados membros, ou seja, o amparo previsto é como forma subsidiária ao direito interno, uma vez que só irá agir quando houver falta de proteção ou ausência de garantias. (2012, p. 897)

A base da Convenção traz a proteção dos direitos humanos de forma mais abrangente, garantindo “o direito à vida, à integridade social, à liberdade da pessoa, ao processo judicial justo, à privacidade, a um nome, à nacionalidade, à participação em tomada de decisão estatal, à igualdade e à proteção legal.” (PETERKE, 2009, p. 73)

Cumpre frisar que estes direitos são garantidos a toda pessoa que está sujeita a jurisdição da Convenção. Isto quer dizer que a proteção estabelecida no referido instrumento independe da condição de nacionalidade, pois abrange àqueles que estão em determinando Estado no momento em que ocorreu à violação aos direitos humanos. (MAZZUOLI, 2012, p. 898)

Objetivando proteger e monitorar os direitos previstos na Convenção Americana, foram instituídos dois órgãos para proteção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O primeiro deles, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi criado, como visto acima, pela OEA em 1960, que, “permanece um órgão da OEA, entretanto atua também como órgão da CADH.” (PETERKE, 2009, p. 74)

Dessa forma, a Comissão além de promover os direitos estabelecidos na Carta da OEA, também fomentará a Convenção Americana, protegendo e resguardando os direitos humanos em ambas previstos.

Vale ressaltar que “embora todos os Estados-partes da Convenção Americana sejam obrigatoriamente membros da OEA, a recíproca não é verdadeira, uma vez que nem todos os membros da OEA são parte na Convenção Americana.” (MAZZUOLI, 2012, p. 899)

Em resumo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

É composta por sete peritos votados pela Assembleia Geral da OEA. Eles são escolhidos por suas qualidades individuais e não como representantes de seus governos. Sua tarefa principal é promover o respeito e a defesa dos direitos humanos no continente americano. Para realizar essa tarefa, a CADH dispõe de uma variedade de instrumentos.(PETERKE, 2009, p.74)

Destaca-se que, o mandato dos componentes da comissão é de quatro anos, só podendo ser reeleitos uma vez, e ainda só podem fazer parte dela mais de um nacional do mesmo país. (MAZZUOLI, 2012, p. 899)

A Comissão possui determinadas atribuições, tais como: estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; formular recomendações aos governos dos Estados-membros; preparar estudos para o desempenho de suas funções; solicitar informações aos governos acerca das medidas adotadas em matéria de direitos humanos; atender às consultas e prestar assessoramento aos Estados-membros; apresentar relatório anual para a Assembleia-Geral da OEA, dentre outras. (MAZZUOLI, 2012, P. 900)

A Comissão pode, por exemplo, apresentar aos governos dos Estados-Membros recomendações de medidas progressivas em prol dos direitos humanos nos termos da constituição e de leis e de medidas adequadas para a promoção do respeito desses direitos. Ela está habilitada a conduzir investigações in loco em um Estado-Membro, preparar relatórios dos Estados e enviar missões de “observadores”. Além disso, está habilitada a lidar com petições individuais, que podem ser levantadas por grupos de pessoas ou por pessoas que não forem vítimas de violação da convenção. Finalmente, ela é destinatária de queixas facultativas dos Estados, desde que ambos os Estados tenham entregue uma declaração, adicionalmente à ratificação, com a qual reconheçam a competência da Comissão para procedimentos intergovernamentais.(PETERKE, 2009, p. 74)

Conforme ressalva Mazzuoli (2012, p. 901), a Comissão só poderá aceitar essas petições individuais ou de grupo de indivíduos, se atendidos alguns requisitos previstos no artigo 46, §1º da Convenção Americana, que tenham sido interpostos e esgotados os recursos na jurisdição interna; que sejam apresentadas dentro do prazo de seis meses, a partir da decisão definitiva; que não haja litispendência e que constem as exigências previstas no artigo 44 do mesmo instrumento.

Entretanto parece haver certa mitigação desses requisitos, quando a vítima que sofreu a violação dos direitos humanos, comprovadamente, não possuir meios e condições necessárias para o esgotamento dos recursos da jurisdição interna. (MAZZUOLI, 2012, p. 901)

O procedimento a ser feito quando do recebimento das referidas petições, será realizado da seguinte forma.

Se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aceita um recurso como válido, examina o mérito. Para esse fim, ela busca informações do governo em questão, investiga fatos e realiza audiências, das quais tanto o governo quanto o autor do recurso podem participar. Durante o estudo, a Comissão esforça-se para que as partes cheguem a uma solução amigável. Se tiver êxito, a Comissão elabora um relatório e o encaminha ao Secretário-Geral da OEA. Caso uma solução amigável não possa ser alcançada, da mesma maneira a comissão elabora um relatório com conclusões de como a disputa se apresenta em sua investigação. Esse relatório é apresentado às partes envolvidas com a possibilidade facultativa de comentá-lo dentro de três meses. Durante esse prazo, a disputa pode ser solucionada ou ser apresentada ao tribunal interamericano de direitos humanos pela comissão ou por uma das partes. (PETERKE, 2009, p. 75)

     Assim, a Comissão buscará sempre uma solução amigável, entretanto, se está não ocorrer, a referida Comissão poderá fazer recomendações que julgar adequadas. Essas recomendações, se não cumpridas pelos Estados-membros, fazem com que o caso seja encaminhado para Corte, que, como veremos adiante, é o órgão jurisdicional. (MAZZUOLI, 2012, p. 902)

O segundo órgão que compõe a Convenção Americana é a chamada Corte Interamericana de Direitos Humanos, que corresponde ao órgão jurisdicional da referida convenção, que resolve sobre os casos de violação dos direitos humanos. Ressalta-se, que a função jurisdicional da Corte só abrange os estados-partes da Convenção, isto é, àqueles que a tenham ratificado. (MAZZUOLI, 2012, p. 904). O que não se pode confundir com os estados-membros da OEA, que, como vimos, não tem a mesma correspondência.

A Corte é composta por sete juízes, de nacionalidades diferentes, advindos dos Estados membros da OEA, eleitos por um período de seis anos e com apenas uma reeleição. A Corte possui competência consultiva, para interpretar as disposições da Convenção, e competência contenciosa, que conforme já dito, tem caráter jurisdicional para julgar casos concretos em que houve violação dos direitos humanos. (MAZZUOLI, 2012, p. 905)

Cumpre destacar ainda, que a ratificação da Convenção Americana não faz com que se aceite automaticamente ambas as competências da Corte, isso porque, a Convenção Americana buscou um meio de fazer com os estados ratificassem a Convenção, sem que estes fossem de pronto demandados. Assim, ao ratificarem, a competência automática é a consultiva, já a contenciosa poderá ser aceita posteriormente. (MAZZUOLI, 2012, p. 905)

Conforme delineado anteriormente, o Brasil ratificou a Convenção Americana em 1992, porém somente em 1998 (Decreto Legislativo nº 89 de 1998) foi aceita a competência contenciosa da Corte, só podendo o Brasil ser demandado após esse reconhecimento. (MAZZUOLI, 2012, p. 905)

Portanto, diferente do trabalho que realiza a Comissão, a Corte profere decisões que tem caráter obrigatório, e não somente elabora recomendações.

8.1 Processamento do Estado perante a Corte

Como visto ao longo do tópico anterior, caso as recomendações da Comissão não sejam seguidas, a Corte, desde que o estado a tenha aceitado, poderá ser acionada para dirimir o conflito. Essa resolução do conflito será feita por meio de ação judicial, nos moldes do Código de Processo Civil. (MAZZUOLI, 2012, p. 907)

Mas não é só a Comissão que pode acionar a Corte, os Estados sujeitos a jurisdição contenciosa também poderão acionar outros Estados, casos não muito comuns, uma vez que tratam de conflito direto entre Estados. (MAZZUOLI, 2012, p. 907)

O procedimento se realizará da seguinte forma, segundo explica Mazzuoli:

A ação da Comissão é proposta perante a Secretaria da Corte (em San José, Costa Rica), por meio de protocolização de petição inicial da demanda nos idiomas de trabalho (que são o espanhol, o inglês, o português e o francês) [...] Depois de proposta a ação, à maneira do que ocorre no direito processual civil brasileiro, poderá o Presidente da Corte examinar preliminarmente a demanda, verificando se foram ou não cumpridos todos os requisitos necessários à sua propositura, podendo solicitar ao demandante que supra eventuais lacunas em vinte dias. [...] A esta fase de exame preliminar da demanda segue-se a citação do Estado réu, bem como a intimação da Comissão Interamericana, quando esta não for a autora da ação. [...] Nada obsta que as partes cheguem a uma solução amigável de disputa, levando ao conhecimento da Corte a solução a que chegaram, caso em que a Corte poderá homologar a conciliação [...] Mas nada impede também que a Corte não homologue a conciliação das partes, levando em conta alguns aspectos do acordo concertado entre elas. [...] O demandado. no prazo improrrogável de quatro meses, seguintes à notificação da causa, terá o direito de apresentar contestação [...] Encerrada a fase probatória (com os debates, as perguntas durante os debates, etc.) a Corte passa à deliberação, proferindo sentença de mérito. (2012, p 909 e 910)

O que se pode perceber é que o processamento segue realmente às regras do processo civil, ressalvando-se algumas peculiaridades, como por exemplo, o prazo de quatro meses para contestar, que se dá em razão da própria demanda.

8.2 Eficácia interna das sentenças proferidas pela CIDH e o problema da execução das sentenças desta Corte no Brasil

Inicialmente, é preciso diferenciar as chamadas sentenças estrangeiras das sentenças internacionais. “Por sentença estrangeira deve-se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os seus próprios Estados-partes.” (MAZZUOLI, 2012, p. 911)

É de se ver, o tratamento dado a estes dois tipos de sentenças no Brasil é diferente, uma vez que a sentença estrangeira é proferida por um tribunal que não é no Brasil e a sentença internacional tem um poder jurisdicional sobre os estados que dela fazem parte, isto é, tem função de regulamentar normas internacionais.

Assim, a regra contida no artigo 105, I, “i”, da Constituição Federal e no artigo 483 do CPC não tem aplicação para as sentenças internacionais, uma vez que tratam das sentenças estrangeiras. Dessa forma, prescinde de homologação pelo STF a eficácia das sentenças internacionais.

Em suma, as sentenças da Corte Interamericana proferidas contra o Brasil, pelo teor do art. 68, I, da Convenção Americana, têm eficácia imediata na nossa ordem jurídica interna, devendo ser cumpridas de plano (sponte sua) pelas autoridades do Estado brasileiro. (MAZZUOLI, 2012, p. 913)

Ocorre que, esse cumprimento nem sempre é realizado facilmente, pois ainda não há um sistema eficaz estabelecido pela Convenção, capaz de executar as sentenças da Corte nos ordenamentos internos dos Estados-membros. (MAZZUOLI, 2012, p. 913)

Segundo Mazzuoli (2012, p. 914), o grande problema não está nem na indenização, mas sim na dificuldade de se cumprir no direito interno, os deveres de investigação e punição dos agentes violadores.

Com isso, o país incorrerá em mais uma violação, qual seja, o não cumprimento da sentença, que, como visto, tem eficácia imediata nos países membros, podendo ser deflagrada uma ação judicial a fim de garantir o efetivo cumprimento da sentença. (MAZZUOLI, 2012, p. 915)

9 CONCLUSÃO

Conforme pôde se deter do presente trabalho, a proteção aos direitos humanos tem grande relevância internacionalmente, uma vez que várias são as regulamentações a seu respeito.

A declaração dos direitos humanos foi instituída para resguardar que os indivíduos tenham assegurados os direitos mínimos de sobrevivência e respeito, tendo como base a dignidade da pessoa humana. Dentre outras características a declaração foi implantada pelo princípio da universalidade, que afasta qualquer divergência quanto as diversidades culturais, sustentando que estas devem somar-se aos preceitos que de os direitos humanos são de todo indistintamente.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, por sua vez, emergiu na necessidade de se tutelar crimes contra os direitos internacionais, tem natureza de convenção e foi adotada pelo Brasil, tendo como previsões legais o artigo 7º do ADCT e o artigo 5º da CF.

Dentre suas principais características estão à independência, segundo o qual sua jurisdição se aplica a todos os Estado. O TPI tem jurisdição competente para crime de guerra, contra humanidade, genocídios e entres outros. A importância deste tribunal revela-se a medida que os crimes contra o direitos internacional passaram a ser tutelados e aos autores destes foram estabelecidas punições mais severas, afastando quaisquer imunidades que estes venham a ter.

É de se ver que um dos grandes vilões dos tratados internacionais é ainda a eficácia executiva de suas decisões perante a jurisdição interna do Estado. Assim, como demonstrado, em que pese existirem diversas regulamentações, ainda não há um sistema eficaz para a execução das sentenças internacional. Essa consideração é facilmente encontrada quando da análise da execução das sentenças proferidas pela Corte Interamericana no Brasil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

CARDOSO, Elio. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: Conceitos, Realidades e Implicações para o Brasil. Ministério das Relações Exteriores, 2012. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/Tribunal_Penal_Internacional_CONCEITOS.pdf> Acesso em: 13/04/2013

LEMOS, Tayara Talita. A emenda constitucional 45/04 e as alterações na recepção dos tratados internacionais de direitos humanos, 2008. Disponível em: <http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/artigos>. Acesso em: 12 de maio de 2013.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 6 ed. rev.,atual. e amp.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

PETERKE, Sven (coord.). Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais. Brasilia: Escola Superior do Ministério Público da União, 2009. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-humanos/Manual_Pratico_Direitos_Humanos_Internacioais.pdf> Acesso em: 10 de maio de 2013.