INTRODUÇÃO

 

O professor do Ensino Fundamental tem se empenhado muito para realizar o seu trabalho da melhor forma possível. Falta-lhe, no entanto, apoio teórico para que consiga sistematizar metodologicamente sua prática especialmente no que se refere ao ensino de literatura. Acredita-se, ainda, que não seja viável apontar receitas de como se trabalhar o texto literário. Este projeto de estímulo à leitura literária, também, não tem tal objetivo quando aqui se elege uma metodologia a ser empregada no desenvolvimento do Método Recepcional, proposto por Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar. O método em questão, ainda, tem como fonte norteadora a teoria da Estética da Recepção de Hans Robert Jauss.

O trabalho com o texto literário em sala de aula, muitas vezes, falha, justamente, por faltar ao professor um encaminhamento metodológico teoricamente sustentado conforme se afirmou acima. Este projeto se apresenta como um possível apoio pedagógico para que o professor elabore sua própria metodologia de trabalho, cabendo a ele, em sala de aula, considerar a importância da aplicação de tal método, levando em consideração os elementos como: condições físicas, clientela, elemento humano, material didático e material de apoio.

Neste projeto, buscou-se a criação de uma Oficina de Leitura de Literatura Infantil que pudesse assegurar a professores e alunos o prazer intelectual e emocional que a poesia e a prosa literária podem proporcionar.

Com este projeto objetiva-se sugerir ao professor do Ensino Fundamental – segundo ciclo –  a inserção da Oficina de Leitura em suas aulas como mais uma fonte para a descoisificação dos sujeitos integrantes de sua ação-pedagógica, inclusive dele próprio. E como objetivos específicos:

- Tornar o texto literário um elemento constitutivo da sala de aula acessível aos sujeitos no processo de ensino-aprendizagem: professor e alunos;

- Permitir a alunos e professores o livre exercício de seus direitos de serem cidadãos “sonhadores” e “senhores” na arte literária por meio das palavras, emoções e sentimentos.

 

Este projeto está organizado da seguinte maneira: introdução e justificativa; considerações teóricas da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, de Hans R. Jauss e Wolfgang Iser, respectivamente, da Escola de Constança, Alemanha; descrição da metodologia proposta para o desenvolvimento da Oficina de Leitura, bem como algumas considerações teóricas sobre a opção metodológica; descrição da proposta de trabalho e considerações finais.

2 PERCURSO TEÓRICO

2.1 Literatura

 

A discussão que busca uma concepção do que seja literatura é bastante antiga. Dentre as várias existentes, destaca-se a professada pelo crítico literário Antonio Candido:

 

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando uma atitude de gratuidade. Gratuidade tanto do criador, no momento de conceber e executar, quanto do receptor, no momento de sentir e apreciar. Isto ocorre em qualquer tipo de arte, primitiva ou civilizada (CANDIDO, 1985, p.53).

 

A arte passa sempre por uma ótica particular do seu criador não podendo, portanto, ser encarada como representação fiel do real. O real constitui um meio para a percepção do artista fornecendo-lhe elementos para ser transformado em uma obra de arte. Não é propriedade dela fazer uma descrição do real ainda que, muitas vezes, o leitor possa ser levado a crer que isso seja possível. No instante em que o artista transfere suas sensações do real para o papel, tela, ou escultura, não é mais o real que se pode ver, embora se possa verificar e mesmo identificar aspectos que parecem pertencer ao real, pois ali está a representação do real modificado, segundo o ponto de vista do artista que o recria. A arte é, por assim dizer, a transfiguração do real num outro objeto pelo trabalho de reflexão do artista.

Wolfgang Iser, também, compartilha de tal pensamento no tocante à experiência do autor e do leitor no momento de produção. O primeiro na construção do texto e, o segundo na construção do significado no ato da leitura.

 

O texto literário se origina da reação de um autor ao mundo e ganha caráter de acontecimento à medida que traz uma perspectiva para o mundo presente que não está nele contida. Mesmo quando um texto literário não faz senão copiar o mundo presente, sua repetição no texto já o altera, pois repetir a realidade a partir de um ponto de vista já é excedê-la (ISER, 1996, p.11).

 

 

Para os Formalistas Russos, a literatura era definível por empregar linguagem peculiar fazendo uso de um gênero que chama a atenção sobre si mesma e exibe sua existência material. Os formalistas usavam a aplicação da lingüística ao estudo do texto literário e se preocupavam em analisar a forma, estruturas de linguagem e não a semântica do texto. A obra literária era vista como uma reunião de elementos formais: ritmo, som, sintaxe, métrica, etc.

Contrapondo-se a tal pensamento, Eagleton (1997, p.6), defende que a linguagem literária usa de artifícios para manter o leitor atento – suspense, quebra de seqüência narrativa - e, que os Formalistas Russos, ao afirmarem que “o caráter literário ‘literário’ advinha das relações diferenciais entre um discurso e outro” estariam buscando definir “literaturidade” e não “literatura”. Ele acredita que é o contexto que mostra se o texto é ou não literário e não a linguagem, uma vez que o uso de linguagem especial, também, se faz presente no discurso cotidiano. A literatura é um discurso não pragmático. Não tem nenhuma finalidade prática imediata.

Já para Barthes (1997, p.16), a literatura é a única alternativa que o homem tem para escapar do poder da linguagem que é fechada e sem exterior. Ela é o logro magnífico. É no texto que a língua deve ser combatida e não na mensagem, de quem ela é apenas instrumento.

 

2.2 Leitura

 

A leitura é uma das formas de conhecimento da realidade e apresenta-se com uma possibilidade de interação do homem. Deve ser entendida como atividade dinâmica que transforma o leitor em co-autor da obra. Em literatura, leitor e autor têm a mesma importância, pois o texto só tem valor literário pela significação que lhe é atribuída pelo leitor com a prática da leitura. Tal exercício raramente é percebido pelo leitor no ato da leitura (ISER, 1996).

A leitura é uma atividade especificamente humana, consciente e intencional que se constitui numa tarefa complexa e difícil de se investigar e se analisar.

A esse respeito, Jean Foucambert coloca que é difícil definir o que é leitura por se tratar de uma atividade eminentemente polimorfa. Para ele, ler é atribuir significado, uma vez que este não se encontra no texto pronto e acabado, de modo que possa ser extraído. É o trabalho de parceria entre autor e leitor que possibilita a atribuição de significado a qualquer texto. O autor dá índices do que pode ser interpretado, mas cabe ao leitor atribuir sentido ao que lê.

 

A leitura, como qualquer comunicação, supõe que quem lida com a mensagem invista nela uma quantidade de informações bastante superior àquela que extrai (não confundir com aquelas que o autor já colocou, conscientemente ou não). [...] Um texto nunca existe sozinho, mas por referência, oposição ou contribuição a outros textos, com os quais ele abre um diálogo no mais das vezes implícito. Ele é lido, então, em dois níveis: do ponto de vista que tenta elaborar - a partir da experiência com que trabalha - e no universo em que esse ponto de vista se insere (FOUCAMBERT, 1997, p.106 e 111).

 

Na verdade, em se tratando de escola, todos sabem e aprendem a ler, mas há uma gama muito grande de possibilidades de leituras. Por isso, é preciso, ao professor, ter claro que leitura se espera que o aluno saiba. Nesse sentido, a teoria da recepção, que valoriza o papel do leitor como parte do processo de produção da obra, vem contribuir para um melhor entendimento do que seja leitura, especialmente leitura do texto literário.

Considerada a mais recente manifestação da hermenêutica – estudo do significado do texto –, a teoria da recepção opõe-se a Gadamer, hermeneuta alemão, uma vez que ela não se concentra em estudar apenas obras do passado. A estética da recepção dá grande importância para o papel do leitor na literatura, conforme já foi dito antes. Considera que leitor e autor são igualmente importantes, pois o texto só tem valor literário pela significação que lhe é atribuída pelo leitor, com a prática da leitura.

Para a teoria da recepção o ato da leitura se dá num processo dinâmico no qual o leitor tem seu horizonte de expectativas modificado mesmo quando este é reafirmado:

 

[...] A leitura não é um movimento linear progressivo, uma questão meramente cumulativa: nossas especulações iniciais geram um quadro de referências para a interpretação do que vem a seguir, [...] cada frase abre um horizonte que é confirmado, questionado ou destruído pela frase seguinte. Lemos simultaneamente para trás e para frente, prevendo e recordando, talvez conscientes de outras concretizações possíveis do texto que a nossa leitura negou (INGARDEN apud EAGLETON, 1997, p.106-107).

 

Disso decorre que o julgamento que se faz de uma obra literária não deve ser pautado muito no que se sabe do seu autor, conforme pensava Gadamer porque, nem sempre isso necessariamente se confirma na obra. É evidente que se deva considerar o contexto de produção de uma obra e seu autor também, nas devidas proporções, pois a construção de uma obra e de seu significado só se concretiza com a participação do leitor. Enquanto o leitor lê um texto literário cria suposições para resolver possíveis problemas, dúvidas em relação ao texto lido e, na continuidade do ato de leitura novos problemas lhe são oferecidos num ciclo atraente que o faz conhecer fatos anteriormente não conhecidos. Contudo, tal exercício dificilmente é percebido pelo leitor.

Outro teórico da recepção, Wolfgang Iser, da chamada Escola de Constância afirma que para ler, o leitor deve ter conhecimento das técnicas e convenções literárias adotadas por uma determinada obra; deve saber distinguir entre o código social e o literário que possuem diferenças entre si e nem sempre é fácil de verificá-las. Quando se lê um texto literário não se tem como pensar em adequação perfeita uma vez que a obra literária mais eficiente é aquela que força o leitor a uma nova consciência crítica de seus códigos e expectativas habituais. “O leitor contudo nunca retirará do texto a certeza explícita de que sua compreensão é a justa” (ISER, 1979, p.87).

Iser atribui ao leitor a tarefa de combinar os elementos ditos e os não-ditos no texto, pois a ausência, significa presença e é justamente o leitor quem vai preencher os espaços vazios do texto.

 

O texto é um sistema de tais combinações e assim deve haver também um lugar dentro do sistema para aquele a quem cabe realizar a combinação. Este lugar é dado pelos vazios (Leerstellen) no texto, que assim se oferecem para a ocupação pelo leitor. Como eles não podem ser preenchidos pelo próprio sistema, só o podem ser por meio doutro sistema. Quando isso sucede, se inicia a atividade de constituição, pela qual tais vazios funcionam como um comutador central da interação do texto com o leitor (ISER,1979, p.91).

 

 

O autor acredita que no ato da leitura o leitor deva estar preparado para questionar e modificar suas próprias crenças. Dá maior liberdade ao leitor ao colocar que não há uma única maneira de interpretar corretamente uma obra e esgotar o seu potencial semântico, “[...] a obra não oferece uma mensagem dela separável; o sentido não é redutível a um significado referencial e o significado não se deixa reduzir a uma coisa” (ISER, 1996, p. 29).

Vale ressaltar que a concepção de leitor de Iser é a de leitor implícito, ou seja:

[...] o leitor implícito não tem existência real; pois ele materializa o conjunto das preorientações que um texto ficcional oferece como condição de recepção, a seus leitores possíveis. Em conseqüência o leitor implícito não se funda em um substrato empírico, mas sim na estrutura do texto. [...] a concepção de leitor implícito designa então uma estrutura do texto que antecipa a presença do receptor (ISER, 1996,        p. 73).

 

 

O sentido é verdadeiramente constituído pela atividade imaginativa do leitor que é direcionada pelo próprio texto que traz consigo as estruturas adequadas a essa performance do leitor que capta o sentido do texto apenas como imagem. O efeito da obra depende, portanto, da participação do leitor e sua leitura.

Hans Robert Jauss, considerado por muitos estudiosos o membro de maior consciência histórica da Escola de Constância, por procurar situar a obra literária no contexto dos significados culturais dentro dos quais ela foi produzida, para só depois explorá-la considerando as relações variáveis que há entre ela e os horizontes de expectativas dos seus leitores históricos, assim escreve sobre a experiência estética:

 

A experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação do significado de uma obra; menos ainda, pela reconstrução da intenção de seu autor. A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com (Einstellung auf) seu efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva (JAUSS, 1979,     p. 46).

 

 

E conclui definindo os dois lados da relação texto-leitor envolvida no processo de comunicação: efeito, condicionado pelo texto, e recepção, condicionado pelo leitor. “Isso é necessário a fim de se discernir como a expectativa e a experiência se encadeiam e para se saber se, nisso, se produz um momento de nova significação” (JAUSS, 1979, p. 50).

A noção de significado imanente à linguagem do texto “obra em si”, como pareciam crer os estudiosos da hermenêutica, é uma ilusão objetivista. Tudo é uma questão de interpretação e a linguagem assume um caráter social. Uma palavra com um significado também comum pode vir a significar algo totalmente diferente dentro de um outro contexto. A obra de arte limita as interpretações, porque o leitor só a interpreta segundo relações lingüísticas sociais – externas à obra em si – já conhecidas.

A partir da Escola de Constança, pode-se dizer que o texto literário passa a ser encarado como aquele que se origina da reação do autor ao mundo real e ganha um caráter de acontecimento, pois mesmo quando parece apenas repetir o real já é outro, posto que foi recriado por um ponto de vista particular do seu autor. É o que Antonio Candido chama de “transfiguração do real”. E esse caráter de acontecimento do texto, segundo se afirmou anteriormente, se dá na seleção e combinação dos elementos retirados do real que têm sua referência rompida pela seleção e, os limites semânticos e do léxico são ultrapassados pela combinação. Assim, entende-se que: “o texto é o processo integral, que abrange desde a reação do autor ao mundo até sua experiência pelo leitor” (ISER, 1996, p.13).

A diferenciação básica entre a teoria da recepção, de Jauss, e do efeito estético, de Iser, se deve ao fato de que a primeira está centrada nos juízos históricos dos leitores e; a segunda no texto. A principal tarefa do efeito estético é ajudar a fundamentar a leitura e a interpretação do texto literário.

 

 

 

 

 

 

3 O MÉTODO RECEPCIONAL

 

As autoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, discutindo o ensino de literatura propõem como uma das alternativas metodológicas o Método Recepcional, por elas elaborado, embasadas nos pressupostos da Estética da Recepção e na Teoria do Efeito. Assim sendo, entendem que:

 

A literatura não se esgota no texto. Complementa-se no ato da leitura e o pressupõe, prefigurando-o em si, através de indícios do comportamento a ser assumido pelo leitor. Esse, porém, pode submeter-se ou não a tais pistas de leitura, entrando em diálogo com o texto e fazendo-o corresponder a seu arsenal de conhecimentos e de interesses. O processo de recepção textual, portanto, implica a participação ativa e criativa daquele que lê, sem com isso sufocar-se a autonomia da obra (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.86).

 

 

O Método Recepcional apresenta cinco etapas de desenvolvimento, que devem ser seguidas no momento de se organizar uma oficina de leitura, para que se tenha um bom desempenho no ensino de literatura. E esse resultado só será conquistado se os objetivos previstos no método, com relação ao aluno, forem alcançados. São quatro os objetivos destacados pelas autoras: efetuar leituras compreensivas e críticas; ser receptivo a novos textos e a leituras de outrem; questionar as leituras efetuadas em relação a seu próprio horizonte cultural e transformar os próprios horizontes de expectativas, bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social.

O método pressupõe um sujeito que vive em constante interação com os demais, e o entende como sujeito da História. Daí decorre que os critérios de avaliação a serem utilizados pelo professor devem abranger toda a dinâmica do processo de aprendizagem na aplicação do método e, também, cada leitura feita pelo aluno, de modo que esse, possa evidenciar seu crescimento e sua capacidade de comparar atividades realizadas e questionar sua própria atuação, assim como a atuação do seu grupo.

O leitor tem anseios de leitura mesmo antes da leitura primeira de um texto, porque ele já realizou outras leituras anteriormente. No processo de recepção o texto a ser lido tem papel fundamental, pois ele pode confirmar ou perturbar o horizonte de expectativas do leitor. Isso se dá com a relação que se estabelece entre texto e leitor. O texto deve afastar-se do horizonte do leitor para que este possa ampliar suas referências de leituras, mas esse afastamento não pode se dar em grandes proporções, de modo que o leitor não mais o aceite e acabe abandonando a leitura e não tenha a ampliação de seus horizontes pois, quando isso ocorre, o horizonte de expectativas do leitor permanece inalterado.

A seguir apresenta-se, sucintamente, as cinco etapas do método das referidas autoras, aqui tomado como metodologia para a aplicação do projeto que se descreve.

 

3.1 Determinação do horizonte de expectativas

 

Nesta primeira etapa do Método Recepcional cabe ao professor determinar quais são os horizontes de expectativas de sua turma para que possa elaborar estratégias de ruptura e transformação desses horizontes. Esse procedimento indicará o sucesso a ser alcançado com este método. O professor deve considerar, nesta etapa, os valores prezados pelos alunos, suas preferências e comportamentos. E isso pode ser detectado por meio de conversas informais com os alunos, observação de comportamentos em sala e de tipos de brincadeira na hora do intervalo, entrevistas, questionários e outros.

 

3.2 Atendimento do horizonte de expectativas

 

Tendo detectado as aspirações dos alunos, o professor deve, então, atender a esses interesses considerando dois aspectos importantes: no primeiro o professor deve oferecer, aos alunos, textos que correspondam ao esperado por eles; e no segundo deve organizar estratégias de ensino que sejam do conhecimento dos alunos para, aos poucos, acrescentar elementos novos nas atividades desenvolvidas.

 

3.3 Ruptura do horizonte de expectativas

 

 

Atendido devidamente o horizonte de expectativas da turma, o professor deve iniciar essa terceira etapa prevista no método. Para tanto, ele deve introduzir textos e atividades que abalem as certezas e costumes dos alunos, mas essa ruptura não deve se dar em todos os elementos de uma só vez. O papel do professor, aqui, é dar condições para que os próprios alunos percebam que há algo de estranho, de novo, no modo de proceder no, até então, conhecido.

A ruptura deve dar-se de maneira equilibrada para que os alunos não rejeitem a experiência nova. Ou seja, o professor pode, por exemplo, continuar a abordar a temática trabalhada na etapa anterior e promover a ruptura com esta: quanto à forma, à linguagem, o gênero e/ou estratégias de trabalho com o texto.

 

3.4 Questionamento do horizonte de expectativas

 

 

Nesta etapa, os alunos devem estar aptos para refletirem sobre o trabalho desenvolvido até o momento, comparando as etapas anteriores a fim de julgar qual delas exigiu maior grau de dificuldade e qual lhes proporcionou maior satisfação.

Para que esse questionamento se dê de maneira mais adequada, atividades que exijam mais dos alunos, maior participação e discussão, são as mais indicadas.

 

3.5 Ampliação do horizonte de expectativas

 

 

Esta etapa é resultante da reflexão anterior feita pelos alunos. É quase que inteiramente da responsabilidade dos próprios alunos, uma vez que, são eles que devem ter consciência das mudanças que ocorreram no seu aprendizado sobre o ensino de literatura, cotejando seus anseios iniciais e os de agora.

Ao professor cabe fazer com que os alunos tenham condições de avaliar eles próprios o seu crescimento e o que ainda resta para ampliar o seu horizonte de expectativas.

No processo dinâmico da recepção previsto no Método Recepcional, esta última etapa coincide com o início de uma nova aplicação do método porém, com a grande vantagem de poder contar com a participação dos alunos desde o início do processo.

 

 

 

 

4 PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS DA OFICINA DE LEITURA DE LITERATURA INFANTIL

 

Este é um procedimento didático voltado para crianças de quarta série do Ensino Fundamental da rede pública, com a participação de um número máximo de trinta e cinco alunos em sala de aula. A escola onde será aplicado o projeto localiza-se num bairro intermediário da cidade de Londrina no Paraná.

O tempo dispensado para a execução desta oficina será de 28 horas/aula.

Optou-se por trabalhar com o Currículo de Atividades, objetivando o contato das crianças com textos que permitam uma verdadeira experiência de leitura literária.

A aplicação deste projeto privilegiará os três eixos do ensino da Língua Portuguesa previstos nos Parâmetros Curriculares Nacional: oralidade; leitura e escrita.

 

4.1 Determinação do horizonte de expectativas: (2 horas/aula)

 

Nesta primeira etapa da aplicação do Método Recepcional, será proposta uma visita à biblioteca, onde os alunos terão liberdade para manusear obras literárias que mais lhe agradem e possam escolher uma para ser narrada aos amigos no momento da sessão de contação de histórias. Nesse momento, o aluno poderá, se quiser, fazer associações entre as histórias lidas e o seu conhecimento de mundo.

Partindo, hipoteticamente, do pressuposto de que os alunos cheguem aos temas: trabalho, amizade, e relação entre as pessoas, o professor terá em mãos, agora, o conhecimento do horizonte de expectativas de seus alunos. Tendo, portanto, condições de precisar o conteúdo a ser trabalhado nas etapas subseqüentes: as Relações Humanas.

 

 

 

 

4.2 Atendimento do horizonte de expectativas: (4 horas/aula)

 

Nesta etapa, o professor entregará aos alunos, uma fotocópia da fábula “A cigarra e a formiga” deLa Fontaine(anexo A), na versão original, ou seja,em versos. Afábula é um texto atraente e familiar, para as crianças, pelo fato de as personagens serem animais, além de serem textos curtos. A linguagem trabalhada em forma de rima é outro atrativo.

O professor solicitará, então, aos alunos, a leitura silenciosa do texto. No término desta, pedirá para que eles escrevam as suas impressões sobre a leitura da fábula, sem que haja a comunicação entre os discentes, para que cada um seja fiel ao que foi capaz de perceber e sentir com a primeira leitura.

Após estes procedimentos,  o professor encaminhará uma discussão sobre a fábula. Cada um lê o que escreveu e defende o seu ponto de vista. Toda essa discussão será registrada em cartazes a serem fixados na sala de aula. Este processo é importante e interessante, na medida em que auxiliará o amadurecimento do nível de leitura do aluno, uma vez que ao ouvir os amigos ele terá a oportunidade de perceber idéias, fatos, leituras que não havia se dado conta anteriormente.

 

4.3 Ruptura do horizonte de expectativas: (10 horas/aula)

 

Neste momento, o professor apresentará textos em verso, narrativas curtas e quadrinhos. A turma será dividida em seis grupos e cada um deles receberá um texto fotocopiado que deverá ser lido e discutido pelo grupo e em seguida apresentado para os colegas da sala. Essa apresentação poderá ser em forma de exposição oral, painel, cartaz, teatro, ou qualquer outra forma de comunicação que o grupo queira escolher.

Dos textos a serem entregues entre aos discentes três são escritos em verso: “História mal contada” - de José de Nicola (anexo B); “Sem Barra”- de José Paulo Paes (anexo C); “Cigarra Moderna” - de Elias José (anexo D) e, três escritos em prosa: “A formiga boa” e “A formiga má” - de Monteiro Lobato (anexo E) e “A cigarra & o cigarro“ - quadrinhos do Ziraldo (anexo F).

O professor chamará a atenção dos alunos para que estes observem os elementos específicos de cada texto: forma, vocabulário, rima, musicalidade..., e como estes elementos auxiliam na interpretação do texto.

É importante ressaltar que em todas as atividades da Oficina de  Leitura, o professor deverá estar sempre atento e pronto para atender os alunos, pois ele é mais “um sujeito” integrante da Oficina e não “o sujeito”.

Assim, o professor provocará os alunos para a discussão da  temática do relacionamento humano, a fim de que os mesmos reflitam sobre o respeito, a importância e a valorização de cada profissão na sociedade.

Os alunos, a partir das conclusões tiradas do debate, produzirão um texto coletivo, em que o professor será o escriba,  para ser apresentado para o resto da escola, na hora da entrada das aulas, no início do período e depois fixado em lugares estratégicos: mural dos alunos, sala de aula, biblioteca e outros.

 

 

4.4 Questionamento do horizonte de expectativas: (4 horas/aula)

 

Propõe-se nesta fase a utilização do RPG  – Role Playing Games, que é uma atividade lúdica na qual os participantes criam e dramatizam histórias interpretando personagens.

Para o seu desenvolvimento é necessário um “Mestre”, o professor. Essa atividade terá a duração de 4 horas ininterruptas e  para a temática, aqui escolhida, propõe-se o seguinte roteiro:

 

ROTEIRO PARA RPG

“O JULGAMENTO DA CIGARRA”

 

Reler a fábula deLa Fontainee propor a seguinte atividade. Após a cigarra ter maltratado a formiga, essa entrou com um  recurso de danos morais contra a cigarra. Assim um julgamento foi montado com os personagens indicados acima.

 

Personagens (35)

  • Cigarra (1)
  • Formiga (1)
  • Escrivão (1) (para anotar as informações)
  • Juramentista (1) (para a cigarra e a formiga jurarem falar a verdade)
  • Juiz (1)
  • Advogados de Defesa (3)
  • Advogados de Acusação (3)
  • Jurados (9)
  • Testemunhas (9) (passarinho, minhoca, gafanhoto, caracol, lesma, lagarta, borboleta, aranha e taturana)
  • Grupo Sindical (6) (para protestar durante o julgamento)

 

 

4.5 Ampliação do horizonte de expectativas: (8 horas/aula)

 

Nesta última etapa, a experiência literária e a reflexão a respeito das relações entre leitura/texto e vida oportunizam a tomada de consciência das alterações e aquisições sofridas pelo sujeito-leitor. Este é o ápice do trabalho: rompido o horizonte de expectativas, este é o momento de oferecer ao aluno a oportunidade de ampliar tal horizonte, a visão e conhecimento sobre o assunto abordado.

O professor proporá a produção de um texto individual em que os alunos registrarão suas opiniões sobre o processo feito até então. Este texto servirá como uma avaliação, não para os alunos, mas sim para o professor, na medida em que este terá acesso aos pontos positivos e negativos da metodologia aplicada.

Em seguida, o professor fará a leitura do livro “Formigarra e Cigamiga” de Glória Kirinus da Editora Braga. Livro este que, pela sua estrutura, causa estranhamento ao leitor, ampliando suas noções literárias, pois esse texto, embora aparentemente simples, trata-se de um texto complexo, que exigirá dos alunos uma leitura mais atenta, crítica e reflexiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Apesar de ter sido uma situação hipotética, a aplicação do Método Recepcional, proposto pelas autoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, fundamentadas nas teorias da Estética da Recepção e do Efeito, é viável quando se tem em mente a formação de um leitor participativo e crítico, quando se tem em mente preparar o leitor para garantir a ampliação de seus horizontes e com isso conhecer e integrar o mundo de maneira ativa e construtiva.

Tudo isso fica claro, quando se atribui o devido valor ao papel do leitor no processo de criação literária. Encarar o leitor como co-autor do texto é um passo importante para se obter o êxito desejado. Auxiliar, encaminhar, entender e aceitar as inferências do aluno-leitor justificaria a teoria e a proposta metodológica, aqui, apresentadas.

Espera-se que essa proposta permita ao professor/mediador o exercício contínuo no processo de formação e manutenção de leitores “ideais” que alcancem uma consciência crítica e tenham uma percepção maior de si e do mundo que o cerca.