CENTRO UNIVERSITÁRIO DO PARÁ
ÁREA DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE DIREITO




Felipe Garcia Lisboa Borges





PROPOSTA DE MEDIDA DE SEGURANÇA COM APLICABILIDADE EXCLUSIVA AOS CRIMES COMETIDOS POR PSICOPATAS

















Belém ? PA
2010

Felipe Garcia Lisboa Borges












PROPOSTA DE MEDIDA DE SEGURANÇA COM APLICABILIDADE EXCLUSIVA AOS CRIMES COMETIDOS POR PSICOPATAS




Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário do Pará ̶ CESUPA.
Orientador: Prof. Yúdice Randol Andrade Nascimento.












Belém ? PA
2010

PROPOSTA DE MEDIDA DE SEGURANÇA COM APLICABILIDADE EXCLUSIVA AOS CRIMES COMETIDOS POR PSICOPATAS

Felipe Garcia Lisboa Borges



RESUMO

Este trabalho tem por finalidade a análise acerca da aplicação de Medida de Segurança em indivíduo acometido de Psicopatia, enfocando a incorrigibilidade inerente a esse indivíduo ̶ diverso do doente mental ? dada a sua elevada frequência na população carcerária brasileira. Com base na definição do termo Psicopata e sua origem, buscou-se clarear o assunto, no que tange à falta de uma medida legal capaz de lidar com personalidades dessa espécie. Este trabalho guiou-se segundo o pensamento de estudiosos como Geraldo Ballone e Renato Sabbatini, que ressaltam o critério biopsicossocial na análise da personalidade psicopática, indicando, dessa forma, fatores internos e externos como possíveis desencadeadores da psicopatia. Após a análise da culpabilidade do psicopata, em que, malgrado a existência de três posições da doutrina, quais sejam, a imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade, por opção, neste artigo não foi seguida nenhuma corrente, uma vez que a escolha de uma delas, nos termos atuais, implicaria em uma solução diametralmente oposta aos objetivos propostos. Assim sendo, concluiu-se pela urgente necessidade de uma medida aplicável tão somente aos psicopatas. Tendo em vista essa necessidade, ao final é sugerido um modelo de medida de segurança a ser aplicado exclusivamente aos indivíduos acometidos de psicopatia.

Palavras-chave: Psicopatia. Medida de Segurança. Culpabilidade. Incorrigibilidade do Psicopata.

ABSTRACT
This work aims at the analysis on the implementation of Security Measurement of psychopathy in the affected patient, focusing incorrigibility inherent to this individual - other than mental patients - given its high frequency in the prison population in Brazil. Based on the definition of the term Psycho and its origin, we attempted to clarify the matter regarding the lack of a legal measure can deal with this kind personalities. This work was guided according to the thought of scholars such as Gerard Ballone and Renato Sabbatini emphasize that the criterion biopsychosocial analysis of psychopathic personality, and thus there would be internal and external factors as possible triggers of psychopathy. After examination of the culpability of the psychopath, despite three positions where the doctrine, namely the liability, limited accountability and incapacity, by choice, this article was not then no current, since the choice of either, in today's terms, would solution in a diametrically opposite to the goals of this work. Therefore, it was concluded by the urgent need for such a measure applicable only to psychopaths. Given this need, the final model suggested a security measure to be applied exclusively to individuals suffering from psychopathy.

Keywords: Psychopathy. Security Measure. Culpability. Incorrigibility The Psychopath.


1 INTRODUÇÃO

Na história da humanidade, sempre houve homens ferozes, eloquentes, líderes natos, capazes de infringir qualquer regra vigente apenas para alcançar poder e glória. Tais indivíduos não calculam o reflexo de suas ações sobre os outros e são capazes de maldades extremas buscando atingir os objetivos mencionados.
Essas palavras seriam as mais românticas para descrever os psicopatas. São inúmeros os exemplos dessa "espécie" de homem, que vão desde Vlad Tpesh a Ivan "O Terrível", de Ted Bundy a Francisco de Assis Pereira, o "Maníaco do Parque". Os psicopatas tendem a esconder o seu comportamento antissocial, aparentando serem homens civilizados e charmosos, de modo a fragilizar a defesa de suas vítimas.
A relevância desse tema é corroborada por dados técnicos que demonstram ser a figura do psicopata frequente na sociedade. Segundo artigo do jornalista Leandro Narloch, que se baseou em dados obtidos com a psiquiatra forense Hilda Morana, do Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo, de 1% a 3% da população têm esse transtorno, sendo que, entre os presos, esse índice chegaria a 20%.
Não obstante a crueldade, a frieza e a senda de destruição causada pelos psicopatas, o seu principal agravante é a impossibilidade de correção. As chances de reincidência do psicopata chegam a ser três vezes maiores que a do indivíduo comum ou mediano, e, por isso, são motivos de preocupação para o direito penal.
A problemática desse trabalho funda-se, também, na ausência de uma punição específica para essa categoria de criminosos e, malgrado todas as experiências mundiais com os crimes cometidos por psicopatas, as consequências ainda são toleradas pelo Estado.
Este trabalho divide-se em 5 tópicos basilares. O primeiro cuida da definição de psicopata, desde Girolano Cardamo (1501-1596) até a atualidade, perpassando por Hervey Cleckley, um dos responsáveis pelo conceito atual. Serão abordadas, ainda, características peculiares do psicopata, em especial, a incorrigibilidade.
O tópico seguinte analisa a personalidade psicopática, e, partindo do critério biopsicossocial de formação da personalidade de um indivíduo, serão apresentados fatores externos e internos que poderiam ensejar um desencadeamento da psicopatia.
Na sequência, serão desenvolvidas as implicações criminais da conduta do psicopata, o crime e a reincidência. E, em seguida, será analisada sua culpabilidade.
Por fim, após uma breve análise da medida de segurança e seus pressupostos atuais, este artigo apresentará uma proposta eminentemente teórica sobre uma medida de segurança específica para tratamento dos psicopatas.
No tocante à metodologia, este artigo utilizou principalmente a pesquisa bibliográfica especializada, valendo-se, também, de artigos específicos sobre o assunto. Para a revisão da parte psicológica, grande colaborador foi o psicólogo Fábio Antônio Borges Chimoka.
Cabe esclarecer que alguns autores relacionados a este tema tratam de maneira específica os conceitos de sociopata, psicopata, condutopata, entre outros. Contudo, não se adentrará nessa distinção teórica, e, para fins acadêmicos, neste trabalho será tratada apenas a figura do psicopata.
O presente artigo tem como fim primordial a difusão de ideias, não se restringindo a nenhuma espécie legal dentro ou fora do Brasil. De outro modo, a limitação da proposta de medida de segurança aos atuais parâmetros legais implicaria no cerceamento de pensamento.
Tem-se a plena noção da incompatibilidade deste trabalho com a ordem constitucional brasileira. Contudo, entende-se que a violação, nos termos aqui apresentados, é necessária, pois o direito é uma ciência dinâmica, não podendo se manter estática, caso contrário, nunca acompanharia a constante evolução da sociedade.
2 DEFINIÇÃO DE PSICOPATIA

A palavra psicopata, segundo sua etimologia, vem do grego e significa "doença da alma" (psykhé = alma; pathós = doença). A tradução literal não explicita a doença mental, e sim, a "doença da alma", que, pode significar algum lugar na zona fronteiriça entre imputabilidade e a inimputabilidade.
Primeiramente, é necessário ter a certeza de que o psicopata não é necessariamente um doente mental: no geral, ele possui noção do certo e do errado, sendo capaz de agir segundo esse entendimento.
Segundo o Código Internacional de Doenças (CID10 ? F60.2), o transtorno de personalidade dissocial, que é o que mais se aproxima do conceito de psicopatia, possui as seguintes características:

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

O Manual de Estatística e Diagnóstico (DSM-IV) faz uma análise mais aprofundada acerca do transtorno da personalidade antissocial, considerando característica essencial o padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que tem início na infância ou adolescência e persiste na idade adulta. Fato é que ambos tratam a psicopatia como transtorno de personalidade antissocial.
Por ser um tema polêmico, envolvendo um complexo objeto científico (o comportamento humano), muitos autores discordam entre si. Sendo assim, a conceituação do transtorno não poderia ser diferente. A seguir, uma breve exposição do pensamento de vários autores ao longo da história.
Girolano Cardamo (1501-1596) foi um dos primeiros a tratar algo possivelmente associado à personalidade psicopática. Ele falava em "improbidade", não alcançando a insanidade total, pois as pessoas que sofriam desse mal mantinham a aptidão para dirigir sua vontade.
Philippe Pinel, em sua obra intitulada Traité médico-philosophique sur l'aliénation mentale; ou la manie, fala de pessoas que têm características de mania, mas que não possuem de delírio. Pinel diz em sua obra que se admirava de ver muitos loucos que, em nenhum momento, apresentavam prejuízo algum do entendimento.
James Cowles Prichard, assim como Pinel, ia contra a ideia do filósofo John Locke (século XVII), que afirmava que a mania e o delírio são inseparáveis, ou seja, só era insano quem possuía delírio. Em 1835, Prichard foi brilhante em discutir a "insanidade moral" , conceito que se aproxima muito ao conceito atual de psicopatia, mas que foi posteriormente substituído pela expressão "inferioridade psicopática" de J.K. Koch, dando mais ênfase ao tipo fisiológico, entendendo serem tais inferioridades de caráter congênito e permanentes, divididas em três formas: disposição psicopática, tara psíquica congênita e inferioridade psicopática.
A disposição psicopática encontra-se nos tipos desenvolvidos por Kurt Schneider. A tara psíquica inclui os sonhadores e fantásticos, os escrupulosos morais, os delicados e suscetíveis, os caprichosos, os exaltados, os excêntricos, os justiceiros, os reformadores do Estado e do mundo, os orgulhosos, os inquietos.
Morel, em 1857, elabora a teoria da degeneração, de cunho religioso, que trata da criação do ser humano como um tipo primitivo perfeito, em que o moral domina o físico . Dessa forma, a doença mental seria a expressão exata da inversão desses papéis, na qual o corpo doente afeta a inteligência.
Emil Kraepelin usou o termo "personalidades psicopáticas" para referir-se às pessoas que não são neuróticas nem psicóticas, mas que mantêm posição contrária às normas sociais. Afirmando ainda que essas personalidades são formas frustradas de psicose, classificadas segundo um critério fundamentalmente genético, considerando os psicopatas como sujeitos deficientes na afeição e na vontade.
Kurt Schneider elaborou um conceito próprio de personalidade psicopática, incluindo nesse todos os transtornos que não são suficientes para serem consideradas doenças mentais . Ele distinguia os seguintes tipos de personalidade psicopática: hipertímicos, depressivos, inseguros, fanáticos, carentes de atenção, emocionalmente lábeis, explosivos, desalmados, abúlicos, astênicos.
Mira y López definiu a personalidade psicopática como "[...] aquela personalidade mal estruturada, predisposta à desarmonia intrapsíquica, que tem menos capacidade que a maioria dos membros de sua idade, sexo e cultura para adaptar-se às exigências da vida social" , e considerava onze tipos dessas personalidades anormais muito semelhantes aos tipos de Schneider. Eram eles: astênica, compulsiva, explosiva, instável, histérica, ciclóide, sensitivo-paranoide, esquizoide, perversa, hipocondríaca, homossexual.
Segundo Hare, o grande impulso para a discussão sobre o diagnóstico da psicopatia foi a Segunda Guerra Mundial, uma vez que, nesse período, houve a necessidade de se identificar, diagnosticar e tratar indivíduos potencialmente perigosos e que pudessem ameaçar a estrutura e o controle militar.
Muito se escreveu sobre o tema, contudo, o que causou maior impacto foi a obra de Hervey Cleckley, intitulada The Mask of Sanity, ou A Máscara da Sanidade. Nesse livro, a psicopatia foi descrita como "funesto problema social?.
Cleckley descreveu detalhadamente as características mais frequentes do que hoje se chama de psicopata. Após a análise do quadro clínico de seus próprios pacientes, ele enumerou as seguintes características para a "síndrome da psicopatia": problemas de conduta na infância, inexistência de alucinações e delírio, ausência de manifestações neuróticas, impulsividade e ausência de autocontrole, irresponsabilidade, encanto superficial, notável inteligência e loquacidade, egocentrismo patológico, autovalorização e arrogância, incapacidade de amar, grande pobreza de reações afetivas básicas, vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada, falta de sentimentos de culpa e de vergonha, indigno de confiança, falta de empatia nas relações pessoais, manipulação do outro com recursos enganosos, mentiras e insinceridade, perda específica da intuição, incapacidade para seguir qualquer plano de vida, conduta antissocial sem aparente arrependimento, ameaças de suicídio raramente cumpridas, falta de capacidade para aprender com a experiência vivida.
A psicopatia pode ser diferenciada de outros distúrbios da personalidade, com base em seu padrão característico de sintomas interpessoais, afetivos e comportamentais. No âmbito interpessoal, os psicopatas são grandiosos, egocêntricos, manipuladores, dominadores, determinados e frios. No aspecto afetivo, apresentam labilidade e superficialidade emocional, são incapazes de manter vínculos estáveis com pessoas, propósitos e metas, carecem de empatia, de ansiedade e de genuíno sentimento de remorso ou culpa. Os psicopatas têm comportamentos impulsivos, são ávidos de sensações e prontamente violam as regras sociais. A expressão mais óbvia dessas predisposições envolve criminalidade, abuso de substâncias psicoativas e incapacidade de cumprir obrigações e responsabilidades sociais.
Segundo o psicólogo forense Christian Costa:

Após anos de evolução do conceito, hoje, pode-se resumir o conceito de Personalidade psicopática, atual Anti-Social, caracterizada principalmente por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, principalmente falta de adaptação social e incorrigibilidade.

Ainda se acrescenta ao conceito acima a falta de respeito pelo direito alheio, que o leva a transgredir a norma sempre que necessitar, ou entender necessário para satisfazer suas necessidades egoísticas.
O psicopata, mesmo aquele que não mate ou estupre, possui características que sempre irão colocá-lo bem distante da lei. E, sempre que as condições propícias para sua transgressão reaparecerem, ele irá reincidir, uma vez que é incorrigível. Nesse aspecto, vale transcrever um trecho da obra Psicopatia ? a máscara da sanidade:

Psicopatas não-criminosos podem apresentar uma forma de violência tácita, intimidação e autopromoção, mentira e manipulação, através da qual eles podem tirar vantagem sem que seja necessário o confronto direto com a polícia ou com a justiça, tornando-se extremamente violentos somente quando seus planos e desejos são obstaculizados e quando vem à tona a sua baixa tolerância à frustração.

Esse tipo de psicopata é tão preocupante quanto aquele que mata ou estupra, pois, muito embora suas atitudes delitivas sejam imperceptíveis para as autoridades policiais e judiciárias, estará sempre à margem da legalidade.


3 PERSONALIDADE PSICOPÁTICA

O indivíduo portador de personalidade psicopática é totalmente capaz de prever a consequência de seus atos, contudo, não se importa com a possibilidade de lesar ou ferir alguém. Cleckley , inclusive, já havia notado que o psicopata não calcula a repercussão de seus atos de acordo com o ponto de vista dos outros, fazendo com que aja sem qualquer tipo de remorso ou culpa, uma vez que sua necessidade já foi atendida.
Fato é que as ciências que estudam o homem, o comportamento e o crime, há muito procuram estabelecer uma conexão entre a personalidade do agente, seu ambiente de vivência e a possibilidade de esses fatores criarem seres mais inclinados à violação das leis e dos direitos alheios. Partindo de fundamentos biopsicossociais da criminalidade e da reincidência, essas ciências sociais buscam definir quais as causas que levam um indivíduo a adotar um tipo de comportamento violento.
Geraldo Ballone entende que os comportamentos violentos devem ser analisados sob a ótica biopsicossocial, ou seja, de uma maneira ampla e multifacial, levando em consideração fatores extrínsecos e intrínsecos ao indivíduo.

Em termos didáticos, o modelo exclusivamente sociológico afirma que "a ocasião faz o ladrão", enquanto o modelo exclusivamente biológico afirma que "o ladrão já está pronto, esperando apenas a oportunidade para roubar". O modelo bio-psíco-social afirma que "a ocasião pode fazer florescer um ladrão e fazê-lo roubar".

Não há a pretensão de afastar completamente a chance de um indivíduo possuir uma personalidade psicopática apenas em função do fator biológico ou externo. Todavia, entende-se ser íntima a conexão entre os fatores internos e externos para a formação de um indivíduo psicopata. Fatores esses que devem ser necessariamente levados em consideração para uma futura pena ou até mesmo para impulsionar o desenvolvimento de tratamentos especializados, com o intuito de neutralização dos sintomas psicopáticos.


3.1 FATORES INTERNOS (FÍSICO-PSICOLÓGICOS)

Os fatores internos ou físico-psicológicos, aqui denominados, são aqueles responsáveis pela formação do indivíduo, partindo de elementos congênitos capazes de determinar o metabolismo, a forma de funcionamento do corpo, até seu modo de pensar e de agir.
É unânime o entendimento, entre os estudiosos, de que a probabilidade de o psicopata reincidir é alta. Partindo desse conceito, cientistas passaram a investigar especificamente quais as causas orgânicas que levam um indivíduo a ser mais violento do que o outro.
Além das características fisiológicas já reconhecidas pela doutrina como inerentes à psicopatia, vale citar a frieza das ações e a insensibilidade ao se deparar com situações chocantes. Vem desenvolvendo-se no meio médico-psiquiátrico uma série de discussões acerca de uma possível relação entre a área frontal do cérebro humano e a personalidade psicopática.
No início do século XIX, mais precisamente no ano de 1848, em Vermont (EUA), ocorreu um dos casos históricos mais intrigantes, que, sem dúvida, foi um fator decisivo no desenvolvimento de estudos que relacionam uma área específica do cérebro ao comportamento moral:

[...] Phineas Gage trabalhava em uma estrada de ferro. Era um sujeito benquisto por todos, bom trabalhador e ótimo chefe de família. Em 1948, uma explosão no local de trabalho fez com que uma barra de ferro perfurasse seu cérebro na região denominada córtex pré-frontal[...]. De forma espantosa, Gage não perdeu a consciência e sobreviveu ao ferimento sem qualquer sequela aparente. Ele caminhava normalmente e suas memórias estavam preservadas. Contudo, com o passar do tempo, Gage se tornou outra pessoa: indiferente afetivamente, sujeito a ataques de ira e sem qualquer educação com as pessoas ao seu redor. Gage nunca mais foi o homem que todos admiravam, o homem "pré-acidente". Embora ele nunca tenha assassinado ninguém, sua vida foi uma patética sucessão de subempregos, brigas, bebedeiras e pequenos golpes [...].

A partir desse incidente, os cientistas passaram a focar suas atenções na área frontal do cérebro, como forma de tentar descobrir as raízes do comportamento antissocial.
Estudos recentes, contando com o auxílio da moderna técnica de neuroimagem, constataram que o comportamento antissocial está associado a desordens na função serotoninérgica (relacionada com a serotonina, que é neurotransmissor fundamental para a percepção e avaliação do meio e para a capacidade de resposta aos estímulos ambientais), bem como variações no córtex pré-frontal . Segundo o especialista Renato Sabbatini: "muitos assassinos ultraviolentos podem ter anomalias em regiões específicas da parte frontal do cérebro" . Cabe esclarecer que essas anomalias podem ser congênitas ou adquiridas, por lesões, traumatismo crânio-encefálico ou mesmo alguma doença cerebral.
A região frontal do cérebro é a área responsável pelos comportamentos sociais em geral, sendo também relacionada ao julgamento das ações, ao autocontrole. Dessa forma, configura-se como a principal responsável por comportamentos antissociais, caso haja algum defeito nessa região cerebral capaz de deturpar a percepção da realidade.

Raine , estudando uma amostra de criminosos impulsivos, demonstrou que o córtex pré-frontal dos participantes apresentava taxas de atividades menores do que pessoas normais, e essa linha de investigação tem sido estendida para indivíduos com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS).

Ocorre que a associação entre comportamentos violentos e agressivos e a área frontal do cérebro já é conhecida há algum tempo. Em 1935, Egas Moniz desenvolveu a técnica da lobotomia, também conhecida como leucotomia, com a qual, inclusive, ganhou o prêmio Nobel da Medicina e Fisiologia, em 1949. A lobotomia era empregada da seguinte maneira:

[...] consistia no corte das fibras nervosas que unem o córtex frontal e pré-frontal ao tálamo. A lobotomia foi amplamente empregada em homens, mulheres e crianças para inibir comportamentos agressivos ou qualquer tipo de comportamento indesejado pela sociedade. Apesar de muitos psiquiatras terem sido terminantemente contra esta intervenção em seres humanos, ela foi amplamente empregada no mundo todo nos anos 40. Somente nos anos 50, com a falta de evidências científicas claras a respeito dos resultados obtidos e as evidências de efeitos colaterais irreversíveis em pacientes lobotomizados, foi que esta forma de psicocirurgia passou a ser discutida e, mais tarde, proibida.

Fato é que, mesmo com o banimento da lobotomia, em face de seus efeitos colaterais irreversíveis, seu fundamento principal, qual seja, a estreita relação entre o comportamento antissocial e a região frontal do cérebro, nunca foi derrubado completamente.


3.2 FATORES EXTERNOS

Além dos fatores biológicos, a personalidade de uma pessoa é inegavelmente construída ao longo dos anos pela somatória de todas as experiências, boas ou ruins, pelo ambiente de criação e pelas oportunidades que teve na vida. Assim, entende-se também funcionar a personalidade psicopática, a qual pode resultar da combinação de um fator biológico pré-existente com a somatória das experiências ruins vividas pelo indivíduo. Nesse sentido, posiciona-se a psiquiatra Terrie Moffit:

No debate antigo, costumava-se opor a influência da natureza à da criação, como se uma ou outra sozinha fosse determinante. [...] Hoje sabemos que natureza e meio ambiente agem conjuntamente. Uma pode ser a dinamite e o outro, o fósforo.

Dessa forma, parte-se para a análise de alguns fatores externos capazes de criar ou desencadear a psicopatia.
Existe uma teoria afirmando que grande parte dos psicopatas sofreu alguma espécie de negligência ou abuso quando criança. Segundo essa teoria, o psicopata, em algum momento da infância, sofreu abuso físico ou sexual, ou mesmo, testemunhou o abuso de membros da família.

Recentes teorias psicodinâmicas dão ênfase às experiências infantis precoces e à evolução das relações objetais, que derivam das representações afetivas e cognitivas internas. Também a teoria dos vínculos está baseada na qualidade das relações dos primeiros anos de vida da criança, as quais seriam determinantes no desenvolvimento cognitivo e emocional posterior.

Entre tantos exemplos, vale citar o de Francisco das Chagas, que se estima ter matado e castrado 41 meninos no Pará e no Maranhão. Segundo Ilana Casoy, especialista em serial killer:

[...] o Chagas foi uma criança abandonada por pai e mãe muito cedo. Foi entregue à avó para ser criado num lugar isolado, com quase nenhum relacionamento social. O isolamento costuma ser uma característica comum na infância e adolescência de um serial killer. A avó dele tinha traços de sadismo e tudo indica que Chagas era espancado com frequência. E também torturado emocionalmente. [...] Não há informações claras de que o Chagas tenha sofrido abusos sexuais, mas eles ocorreram em 82% dos casos dos indivíduos que se tornaram serial killers [...].

Stephen Porter , seguindo a distinção elaborada por Karpman , afirma que a psicopatia divide-se em primária ̶ cujas características são congênitas, em que há um claro subdesenvolvimento emocional, com elementos afetivos e interpessoais prejudicados; e secundária, na qual se revelam déficits afetivos em decorrência de experiências negativas.
Dessa forma, além do caráter hereditário, pode-se afirmar que uma sucessão de fatos e acontecimentos ruins na vida de alguém que já possui uma tendência antissocial pode desencadear uma personalidade psicopática.
Na vida adulta, os comportamentos antissociais são potencializados, as relações interpessoais são mais frequentes e as oportunidades de atitudes desviadas não faltarão, como as drogas, o álcool. Como ilustração, pode-se dar o exemplo de Francisco Costa Rocha, o "Chico Picadinho", que matou e esquartejou duas mulheres, uma bailarina austríaca, em 1966, e uma prostituta em 1976. Vale ressaltar que Chico Picadinho ficou preso durante 10 anos, em face do primeiro assassinato. Contudo, no ano 1976, após ser solto por bom comportamento, reincidiu. Chico Picadinho já possuía uma tendência antissocial, todavia, após o envolvimento com bebida, drogas, seu comportamento foi potencializado:

Boêmio - Antes de cometer o primeiro assassinato, Chico Picadinho vivia no mundo da boêmia paulistana, entre belas mulheres e drogas, de acordo com depoimentos do próprio acusado na época dos crimes.

Outros fatores externos ainda podem ser capazes de moldar uma personalidade psicopática, valendo dizer que não há um rol exaustivo de causas determinantes. A análise que deve ser feita é biopsicossocial, ou seja, leva critérios biológicos, psicológicos e sociais, agindo, dessa forma, de maneira muito mais específica nos principais problemas relacionados aos crimes em geral.


4 CRIME E REINCIDÊNCIA

Segundo Hare , os psicopatas representam cerca de 1% da população geral, sendo que, da população carcerária, representam um percentual muito maior, algo em torno de 15 a 20%. Hare calcula que os psicopatas são responsáveis por quase 50% dos crimes violentos cometidos nos EUA e os índices de reincidência são três vezes maior que os demais criminosos.
Partindo desse pressuposto, provavelmente, será encontrado na maioria dos psicopatas um "currículo criminal", sendo, por conseguinte, quase impossível encontrar um psicopata "sub-criminal" , ou seja, "aquele que nunca foi preso ou internado em instituições psiquiátricas".
Essa é uma realidade que deve ser levada em consideração. O psicopata, mesmo aquele que não mata, muitas vezes se envolve com fraudes, pequenos delitos, que fatalmente o levam para a prisão.
Acerca do sistema carcerário, Michel Foucault, em seu livro Vigiar e Punir , relata que as prisões representam 200 anos de fracasso, reforma, novo fracasso e assim por diante. Nesse contexto, é perceptível que a realidade brasileira já alcançou o caos há muito tempo.
No Brasil, o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) considera que o percentual de reincidência criminal está em torno de 82% . Ou seja, a prisão, por si só, não atinge seu caráter ressocializador. Ao contrário, intensifica a criminalidade ao misturar indivíduos perigosos com iniciantes no "mundo do crime".
José Ribamar da Silva tece uma crítica bastante severa ao sistema prisional como um todo:

Ao invés de ser uma instituição destinada a reeducar o criminoso e prepará-lo para o retorno social a prisão é uma casa dos horrores, para não dizer de tormentos físicos e morais, infligindo ao encarcerado ou encarcerada os mais terríveis e perversos castigos. Antes de ser a instituição ressocializadora, a prisão tornou-se uma indústria do crime, onde os presos altamente perigosos tornam-se criminosos profissionais, frios, calculistas e incapazes de conviverem fora do presídio.

A noção da realidade das cadeias brasileiras permite enfatizar o fato de que esse é o ambiente apto para a potencialização das "maldades" do psicopata. Como já afirmado anteriormente, o psicopata é um "predador" e nada impede que ele reproduza esse fato em qualquer ambiente em que se encontre.
Nas cadeias, o psicopata rapidamente pode assumir uma espécie de liderança entre presos, comandando o tráfico de drogas no presídio, inclusive as rebeliões. Com sua grande eloquência e capacidade de simular um bom comportamento, eles acabam por conseguir uma série de benefícios, inclusive a liberdade, por meio do instituto do livramento condicional ou indultos. Vale citar novamente o exemplo de Chico Picadinho, que, após ser solto por bom comportamento, voltou a matar.
Diversos estudos já evidenciaram a relação entre a psicopatia, a criminalidade e a violência. E, também, que sua motivação é ativada por necessidades imediatas. O psicopata dificilmente é associado a crimes que exigem preparação e tempo, pois tendem a ser impulsivos. É comum a situação de o psicopata delinquir sempre que se encontre diante de circunstâncias que satisfaçam sua necessidade.
Há um caso de notoriedade internacional que exemplifica a circunstância acima citada: Theodore Robert Cowell, mais conhecido como Ted Bundy, nascido em 24 de Novembro de 1946, nos Estados Unidos, foi acusado de matar e estuprar 35 mulheres durante a década de 70. Todas as vítimas eram brancas, de cabelos negros, compridos e geralmente repartidos ao meio.
São vários os exemplos de psicopatas que seguem um padrão de vítimas, alguns só atacam crianças, como o Chagas no Pará, outros vitimaram apenas mulheres, como o Chico Picadinho, ou mesmo o temido Jack, o Estripador, que aterrorizou Londres no final do século XIX, quando matava e mutilava apenas prostitutas. Como já foi desenvolvido no tópico 4.2, que tratou dos fatores externos responsáveis pela construção da personalidade psicopática, existem estudos que afirmam que as ações do psicopata, geralmente, são reflexos de traumas ocorridos na infância, o que possivelmente influenciaria até no padrão das vítimas.
Além das circunstâncias exteriores, que, muitas vezes, por si só provocam a reincidência, deve-se levar em consideração características marcantes do psicopata, como a frieza, ausência de remorso ou de culpa, que fatalmente o levam à incorrigibilidade.











4.1 ESCALA PCL-R

Criada pelo psicólogo canadense Robert Hare , a escala PCL-R (Psychopathy Check-List Revised) tem por finalidade avaliar o grau de risco de reincidência criminal. Os países que a adotaram e a instituíram, como por exemplo, USA, Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, China, Finlândia e Alemanha, apresentaram considerável redução no índice de reincidência.
Segundo Hilda Morana, prisioneiros com pontuações elevadas no PCL-R são duas vezes mais propensos à reincidência do que os prisioneiros comuns, cabendo ressaltar que não é pelo tipo de crime que se define o reincidente criminal, mas pela análise de sua personalidade.
Cabe esclarecer que a escala PCL-R não realiza o diagnóstico da psicopatia: ela verifica, por meio de um método padronizado, as características da personalidade psicopática, que, por sua vez, indicam quais as possibilidades de reincidência criminal.
A escala PCL-R baseia-se nas características psicopáticas enumeradas por Cleckley e exige um histórico do examinando, nunca podendo se limitar a uma simples entrevista. O escore total vai de 0 a 40, sendo que entre 15 a 20% dos criminosos têm, pelo menos, pontuação 25, valor utilizado para ponto de corte na padronização de pesquisas para o diagnóstico da psicopatia , ressalta-se que Hare afirma ser 30 o ponto de corte para definir a psicopatia, e 15 a 29 para definir "alguns traços de psicopatia". Contudo, Hilda Morana pondera: "Seja qual for o ponto de corte escolhido, um escore elevado no PCL-R irá indicar uma probabilidade elevada de o sujeito reincidir em atividade criminosa."
A escala PCL-R baseia-se em dois fatores estruturais: o Fator 1, definido pelas características dos traços da personalidade que compõem o perfil prototípico da condição de psicopatia, incluindo superficialidade, falsidade, insensibilidade/crueldade; ausência de afeto, culpa, remorso ou empatia entre outros; e o Fator 2, que se define por comportamentos associados à instabilidade do comportamento, impulsividade e estilo de vida antissocial. As pontuações do fator 1 vão de 0 a 16 e as pontuações do fator 2 vão de 0 a 18.
No excerto a seguir, são resumidas as vantagem da escala PCL-R, apoiando sua ampla utilização no Brasil:

Embora a utilização do PCL-R requeira investimento em treinamento de pessoal qualificado, o instrumento ? fazemos questão de repisar ? constitui uma importante ferramenta no diagnóstico da personalidade psicopática. Em âmbito forense, a identificação de psicopatas no sistema carcerário brasileiro permitiria removê-los para ambiente penitenciário adequado, viabilizando, consequentemente, a avaliação mais segura das decisões concessivas de benefícios penitenciários, bem como a reabilitação dos criminosos não-psicopatas, com prováveis reflexos na diminuição dos índices da reincidência criminal. Essa seria uma medida concreta e eficaz de prevenção da reincidência do comportamento violento, fundado em bases mais sólidas e mais científicas.

A qualificação do pessoal que irá aplicar a escala é fator fundamental para sua eficácia, eis que se trata de um instrumento técnico e decisivo no diagnóstico do examinando. Portanto, não basta a sua implantação, sem que existam as devidas adaptações de infraestrutura.


5 ANÁLISE DA CULPABILIDADE DO PSICOPATA

O atual conceito de culpabilidade é praticamente unânime entre os doutrinadores. Para Guilherme de Souza Nucci:

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo.

Segundo Rogério Greco, "culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente" . Nas lições de Fernando Capez, a culpabilidade é a "possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito".
A culpabilidade possui 3 elementos que devem ser preenchidos para que incida o juízo de reprovabilidade sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, quais sejam, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. O objeto da presente análise é questão da imputabilidade, uma vez que há divergência sobre a imputabilidade do psicopata.
O ilustre doutrinador Rogério Greco entende que:

Para que o agente possa ser responsabilizado pelo fato típico e ilícito por ele cometido é preciso que seja imputável. A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção.

Fernando Capez conceitua da seguinte forma:

É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal.

A regra, no Código Penal Brasileiro , é a imputabilidade, sendo a inimputabilidade uma exceção. Dessa forma, todo indivíduo é imputável, salvo quando presente causa que a exclua, como, por exemplo: a) doença mental; b) desenvolvimento mental incompleto; c) desenvolvimento mental retardado; d) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, e) dependência ou intoxicação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior.
O legislador ainda prevê a figura do semi-imputável, que, segundo Capez, "é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado" . A semi-imputabilidade não exclui a culpabilidade, é apenas uma causa especial de diminuição da pena e, nos termos do artigo 98 do Código Penal , sendo comprovada a necessidade de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por medida de segurança.
Na doutrina brasileira, há muita divergência sobre onde enquadrar o psicopata. São diversos os posicionamentos, desde os doutrinadores mais antigos até os mais recentes.
Já Guilherme de Souza Nucci entende que as personalidades antissociais não são consideradas doenças mentais, razão pela qual não se exclui a culpabilidade. Portanto, não mereceriam, em tese, o benefício do artigo 26 do CP, que prevê a redução da pena de um a dois terços para o agente que, em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não seja inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento.
Basileu Garcia , na década de 70, classificou os psicopatas como loucos morais, contudo, permanecendo como imputáveis, uma vez que sua inteligência e razão permanecem intactas. Outros doutrinadores, não menos importantes, como Nelson Hungria e Manzini , também classificaram o psicopata como imputável, pois sua inteligência e razão não são afetadas.
Quando Fernando Capez trata de causas que excluem a imputabilidade, deixa entender seguir o entendimento pela inimputabilidade, quando, ao exemplificar doença mental, cita a psicopatia como uma espécie, conforme excerto a seguir:

É a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como a epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias, psicopatia, epilepsias em geral etc.

De outro lado, estão Valença, Chalub e outros , que defendem estarem os psicopatas dentro da categoria dos semi-imputáveis:

Referindo-se genericamente à categoria do transtorno de personalidade, Valença, Chalub e outros entendem que esta condição configura uma perturbação mental, e tais indivíduos podem receber redução da pena na ordem de um a dois terços ou ser substituída por medida de segurança. Relatam ainda, recorrendo aos ensinamento de Garcia , que os transtornados de personalidade ocupam zona limítrofe entre a doença mental e a normalidade psíquica, uma vez que, possuindo entendimento sobre a natureza criminosa de seus atos, não possuem, no entanto, a capacidade de comportar-se de acordo com esse entendimento devido à falta de controle dos impulsos e de determinação, condição que lhes remeteria ao parágrafo único do art. 26 do Código Penal.
Para reafirmar esse posicionamento, Valença, Chalub e outros baseiam-se no ensinamento de Gomes para mostrar a necessidade de se diferenciar entre o psicopata genuíno, alguém que "nasceu assim", e a personalidade anormal ou desajustada daquele que "ficou assim", e, então, concluírem que as personalidades psicopáticas devem ser enquadradas no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, isto é, enquadrados na condição de semi-imputáveis.

Nessa mesma linha de pensamento está Cesar Roberto Bitencourt:

Entre a imputabilidade e a inimputabilidade existem determinadas gradações, por vezes insensíveis, que exercem, no entanto, influência decisiva na capacidade de entender e autodeterminar-se do indivíduo. [...].
Situam-se nessa faixa intermediária os chamados fronteiriços, que apresentam situações atenuadas ou residuais de psicoses, de oligofrenias e, particularmente, grande parte das chamadas personalidades psicopáticas ou mesmo transtornos mentais transitórios. Estes estados afetam a saúde mental do indivíduo sem, contudo, excluí-la .

Com a devida vênia, ousar-se-á juntar os posicionamentos, pois é o melhor caminho para a compreensão do fenômeno. Considera-se ter o psicopata a plena capacidade de entendimento do ato ilícito e ainda possuir o domínio de seus atos para guiar-se segundo esse entendimento. Entende-se, também, ter o psicopata certa dificuldade, em razão de fatores internos e externos, como já foi explicado, de se manter nos limites da lei quando confrontado com fatores de desencadeadores de seu "estresse".
Não obstante a necessidade de uma definição acerca da imputabilidade do agente para posterior aplicação da pena ou da medida de segurança, este trabalho não seguiu nenhuma corrente, pois isso implicaria em uma medida de camuflagem para a omissão legislativa, o que não é de maneira nenhuma a missão deste trabalho, que pretende a proposição de um tratamento específico para os psicopatas.
Entende-se ser a figura do psicopata esquecida pelo legislador brasileiro, que, em consequência disso, não previu nenhuma espécie de enquadramento a esse indivíduo. A omissão do Código Penal de 1940 deu origem a toda a problemática relativa a esses homens desprovidos de sentimento de remorso e culpa, capazes de causar destruição indefinidas vezes, mesmo se isolados da sociedade por tantos anos, por serem naturalmente incorrigíveis.


6 MEDIDA DE SEGURANÇA

Atualmente, aqueles que são definitivamente diagnosticados como psicopatas são enquadrados no conceito legal do artigo 26 do Código Penal , o de semi-imputabilidade, que, pelo sistema monista ou vicariante, é passível de pena ou medida de segurança.
A medida de segurança, prevista nos artigos 96 a 99 do Código Penal , pode consistir na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, na sua falta, em outro estabelecimento adequado, bem como na sujeição do indivíduo ao tratamento ambulatorial.
Guilherme de Souza Nucci conceitua a medida de segurança da seguinte forma:

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.

Pierangeli e Zaffaroni seguem a mesma posição, considerando que a medida de segurança é uma espécie de sanção penal, pois tira a liberdade do homem.
Na corrente minoritária, situam-se Luiz Vicente Cernicchiaro e Assis Toledo , que entendem ter a medida de segurança caráter "puramente assistencial ou curativo". Alia-se a essa corrente, Dower, que afirma que "a medida de segurança não é pena. A pena é uma sanção baseada na culpabilidade do agente. O louco age sem culpa. Portanto a medida de segurança fundamenta-se na periculosidade do agente".
Entende-se ter a medida de segurança caráter puramente preventivo. Há quem argumente, como Magalhães Noronha , que o cunho preventivo não é estranho à pena, todavia, na medida de segurança, a prevenção é absoluta, não subsistindo o caráter punitivo.
A prevenção, na medida de segurança, é objetiva, uma vez que o agente será submetido à internação, tratamento psicológico ou tratamento ambulatorial, com medicamentos específicos para cada caso, buscando unicamente a cessação da periculosidade.
Na pena propriamente dita, a prevenção é subjetiva, dependendo, também, da postura do agente diante das circunstâncias. Em sentido contraposto, na medida de segurança, a vontade do indivíduo não é essencial, visto que os meios utilizados, em tese, serão os responsáveis pela cessação da periculosidade. Logo, não se pode considerar punitivo um tratamento médico e, muito menos, a custódia psiquiátrica.

6.1 PRECEDENTES ATUAIS ACERCA DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA PARA O PSICOPATA

A atual posição da justiça entende que, por ser o psicopata um semi-imputável, a ele pode ser aplicada medida de segurança, nos moldes do art. 98 do Código Penal. Quando "necessitar o condenado de especial tratamento curativo", a pena pode ser convertida em medida de segurança.

EMENTA: Atentado violento ao pudor. Decisão majoritária que concluiu pela suficiência da prova para condenar o acusado apenas por um dos fatos descritos na inicial acusatória, veiculado na comunicação de ocorrência levada a efeito pela mãe da ofendida, e não assim, no que concerne ao cometimento de outras infrações, em oportunidades diversas. Continuidade delitiva afastada. Psicopatia moderada, apontada por laudo de avaliação psicológica, que caracteriza perturbação com óbvia repercussão sobre a faculdade psíquica da volição, ensejando o enquadramento do acusado na situação do art. 26, parágrafo único, do CP. Semi-imputabilidade reconhecida. Apelo parcialmente provido, por maioria. Voto minoritário, mais gravoso, proferido pelo Revisor (Apelação Crime Nº 70016542557, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Moacir Aguiar Vieira, Julgado em 30/11/2006).

A seguir, será mostrado o voto da Desembargadora Judite Nunes, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, a qual, no julgamento da Apelação Criminal n.º 2008.009908-7 transcreveu um trecho da sentença de 1º grau, conforme se observa a seguir:

Observo quanto à causa de diminuição o réu detinha plenas condições de entender o caráter ilícito do fato criminoso ao tempo da ação, conforme Laudo de Exame de Sanidade Mental, às fls. 102/104, que asseverou, ainda, sua condição de portador de transtorno de personalidade, especialmente PERSONALIDADE PSICOPÁTICA.
A despeito de sua capacidade de entender o caráter ilícito do fato concluíram os experts pela sua condição de semi-imputável, em conformidade com a resposta ao quesito n.º 4.

No entanto, a questão está longe de ser pacificada, conforme mostra a jurisprudência a seguir, que considera a psicopatia uma enfermidade mental e, por isso, enquadrada na inimputabilidade:

Ainda que instrumento processual de dignidade constitucional, próprio a tutelar a liberdade do in¬divíduo, não pode o "habeas corpus" substituir o recurso ordinário, máxime quando a "causa petendí" respeita a questões de alta indagação. O habeas corpus não é meio idôneo para corrigir possível injustiça da sentença condenatória" (Rev. Forense, vol. 119, p. 242; rei. Nelson Hungria).
A alegação de que é o réu dependente de drogas não implica, "ipsofacto", diagnóstico de inimputabilidade: "a dependência, para consubstanciar a base biológica da inimputabilidade deve ser objetivamente diagnosticada como doença mental, isto é psicopatia ou enfermidade da mente, de fundo fí¬sico ou psíquico ou ambos " (Vicente Grecco Filho, Lei de Tóxicos - Prevenção e Repressão) (Habeas Corpus n.º 1.172.829-3/7-00, Quinta Câmara ? Seção Criminal, Tribunal de Justiça do RN, Relatora: Carlo Biasotti).

Assim, diante do exposto acima, percebe-se que o entendimento jurisprudencial já segue a tendência de enquadrar o psicopata em um meio termo entre a imputabilidade e a inimputabilidade. Ocorre que a simples inclusão da figura do psicopata na categoria dos semi-imputáveis não resolve a problemática, apenas cria um subterfúgio na lei.
A omissão legal em relação à figura do psicopata não se resolve, inicialmente, porque para a semi-imputabilidade não se aplica diretamente a medida de segurança, solução que parece ser a mais coerente nos casos aqui discutidos, mas tão somente nos casos de especial necessidade de tratamento curativo, conforme dispõe o artigo 98 do Código Penal.
Outrossim, a medida de segurança, nos termos atuais, seria ineficaz para o tratamento da personalidade psicopática, visto que não há qualquer meio terapêutico previsto legalmente que trate especificamente da psicopatia, o que acredita-se ser de grande importância. Diferente dos demais casos de semi-imputabilidade ou inimputabilidade, a psicopatia prescinde prejuízo cognitivo, logo, o problema do psicopata não se refere ao juízo valorativo de sua conduta, o que dificulta seu tratamento com os atuais meios aplicados na medida de segurança.
Ademais, nos atuais moldes, a medida de segurança permite a evasão do psicopata, visto que, considerando sua capacidade de simulação, a burla ao exame de cessação de periculosidade, o qual permite a liberdade imediata do examinando, torna-se facilitada.






6.2 PRESSUPOSTOS ATUAIS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Como pressuposto primordial está o devido processo legal, insculpido no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988 , que garante ao acusado todos os direitos e meios de ampla defesa e contraditório. Dessa forma, mesmo se tratando de inimputável, se for constatada alguma excludente de ilicitude, ou insuficiência de provas, o agente deve ser absolvido.
Outro pressuposto é a prática de ato injusto, típico e antijurídico, sobre o qual deve necessariamente agir o Estado.
Para a aplicação da medida de segurança, deve ser reconhecida, também, a periculosidade do agente, que, para Nelson Hungria, é um estado mais ou menos duradouro de antissociabilidade, em nível subjetivo.
Existe a periculosidade real e a presumida. A real é a reconhecida por perícia. Quanto aos semi-imputáveis, por exemplo, o juiz deve, de acordo com o caso concreto, verificar, além da ocorrência do delito, a existência de periculosidade do agente para, então, poder aplicar a medida de segurança. Já para os inimputáveis, existe a periculosidade presumida, bastando, apenas, a verificação da prática do ato injusto, típico e antijurídico.
A medida de segurança não possui um limite temporal predeterminado; ela irá persistir enquanto não for constatada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do agente. Todavia, possui o prazo mínimo de um a três anos (artigo 97, §1º, do Código Penal).
A perícia médica, acima citada, será realizada ao término do prazo mínimo fixado, devendo ser repetida de um em um ano, ou a critério do juiz da execução (artigo 97, §2º, do Código Penal).
Havendo a desinternação ou a liberação do tratamento ambulatorial, o agente fica em observação pelo período de um ano e, caso pratique qualquer ato indicativo de periculosidade, retornará à sua situação anterior (artigo 97, §3º, do Código Penal).


6.3 MEDIDA DE SEGURANÇA: uma proposta

Como já foi visto nos tópicos anteriores, atualmente, a legislação penal brasileira não possui qualquer disposição específica para a figura do psicopata. As penas aplicáveis são, em síntese, a prisão e a medida de segurança, contudo, nenhuma se mostra completamente adequada. Veja-se: a) a pena de prisão possui o prazo máximo de 30 anos, oferecendo ainda a possibilidade de progressão de regime. Além de ser um meio propício para que o infrator se torne ainda mais perigoso; b) a medida de segurança seria o tratamento mais adequado, contudo, nos termos atuais, além das incompatibilidades já tratadas em tópico oportuno, permite a soltura do indivíduo, caso esse se mostre recuperado, o que não é difícil para o psicopata, que tem muita facilidade em fingir bom comportamento e recuperação.
Dessa forma, aproveitando a existência de uma previsão legal apta para a pena-tratamento que deve ser aplicada aos psicopatas, procurar-se-á dar uma nova roupagem à medida de segurança para um enquadramento exclusivo aos crimes cometidos por psicopatas.


6.4 EXPERIÊNCIA INGLESA (DSPD ? DANGEROUS PEOPLE WITH SEVERE PERSONALITY DISORDER)

O DSPD é um programa piloto inglês introduzido em 1999, por iniciativa do Ministério do Interior, do Departamento de Saúde e do Serviço Penitenciário, cujo objetivo imediato é a detecção, avaliação e tratamento de pessoas com graves transtornos de personalidade, que representam perigo para a ordem pública. O programa abrange a Inglaterra e o País de Gales e tem como perspectiva de longo prazo a redução do risco de reincidência.
Primeiramente, realiza-se uma perícia médica objetiva no agente, devendo haver dois pareceres ̶ de consultores forenses e psiquiatras com experiência relevante. São objetos desses exames três categorias:

a) Aqueles que tenham cometido infrações graves e são considerados como um risco;
b) Aqueles que são considerados perigosos cujas penas estão acabando;
c) Aqueles que não tenham cometido crime algum, mas podem representar um perigo.

Caso a pessoa se encaixe no perfil, será acompanhada e vigiada por funcionários como se fossem oficiais de condicional, serão conduzidas entrevistas com ele e com pessoas com que se relacione. Se o examinando apresentar comportamento suspeito, recomenda-se um novo isolamento.
O isolamento é recomendado para os casos mais graves e eles se dão em prisões de segurança máxima, em celas individuais. Os casos menos intensos são encaminhados a Hospitais Psiquiátricos, onde são medicados, tratados com terapias especializadas, como a terapia psicológica chamada terapia comportamental dialética (DBT), que visa a ajudar a responder às situações cotidianas em uma forma de resolução de problemas com menos emoção e agressividade . Exames periódicos acompanham a evolução do examinando, até que chega o momento em que os especialistas decidem se o sujeito continua preso ou é liberado.
Periodicamente, acontecem avaliações que podem encaminhar o criminoso a uma instituição com regime mais suave, ou ele pode receber alta e ser liberado. Aqueles que não apresentarem melhora, permanecem sob tratamento por tempo indeterminado.
Esse projeto encontra oposição muito forte no próprio país de origem. Inclusive, foi criado um grupo denominado The Critical Psychiatry Network, que demonstra claramente sua contrariedade ao projeto governamental. Suas principais críticas dizem respeito à criação de um sistema que pune alguém apenas por suspeição, sendo grave impor tratamento médico a pessoas que sequer tenham cometido uma infracção. Isso violaria tanto a ética médica quanto a legislação dos direitos humanos. Aduzem ainda que o indivíduo sempre tem direito a um julgamento justo antes de qualquer condenação criminal.
Em síntese, esse é um projeto pioneiro, cujo mérito está na tentativa de mudança. Obviamente, o projeto tem defeitos e importa na violação de inúmeros direitos fundamentais do homem. No Brasil, por exemplo, esse projeto seria inaceitável do ponto de vista da Constituição Federal de 1988 , uma vez que violaria diretamente as cláusulas pétreas previstas no artigo 5º, como a presunção de inocência (inciso LVII) e a proibição de penas de caráter perpétuo (inciso XLVII, alínea "b").


6.5 SUGESTÃO

O modelo inglês é um projeto ainda em desenvolvimento e objetiva uma medida de segurança para o psicopata e para a própria sociedade. No sistema brasileiro, a medida de segurança é algo similar, ressalvadas as incompatibilidades de ordem constitucional e legal, objetiva, também, afastar da sociedade indivíduos com notável periculosidade, com intuito de tratá-los para fazer cessar o perigo.
A presente sugestão pretende ser uma mescla dos dois modelos, aplicando sobre a base legal do modelo brasileiro, a construção teórica do modelo inglês, cujo objetivo levou em consideração a figura do psicopata. Todavia, como já afirmado na introdução deste artigo, a proposta seguinte tem caráter acadêmico e, por isso, plena noção de que o tema aqui apresentado é inaplicável nos moldes atuais do ordenamento jurídico brasileiro.


6.5.1 Pressupostos legais

O agente teria de ter cometido ato injusto, ilícito e antijurídico, valendo lembrar que a ausência de culpabilidade não impede a aplicação da medida de segurança, pois, nesse sistema, o juízo da culpabilidade é substituído pelo da periculosidade. A periculosidade, portanto, deve ser necessariamente reconhecida.
Outro pressuposto seria o devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal , uma vez que ninguém pode ter contra si uma acusação que não seja definitivamente provada por meio de toda uma instrução judicial. Caso contrário, estar-se-ia rompendo com a segurança jurídica e com as noções basilares da justiça.
Deveria também haver a estrita observância ao procedimento de classificação do condenado e do internado, previsto nos artigos 5 a 9 da Lei de Execução Penal, em obediência ao princípio da individualização da pena, previsto no inciso XLVI, do artigo 5º, da Constituição Federal. Isso porque, antes da aplicação de qualquer pena ou medida de segurança, seria necessária a identificação do condenado, a elaboração de uma ficha detalhada, com histórico pessoal, contexto de inserção familiar. Sendo, por fim, aplicado o exame criminológico, que deverá ser obrigatório para todos os casos, em contrariedade com a súmula 439 do STJ, de modo que seja avaliada a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes.
De acordo com a presente proposta, a escala PCL-R seria aplicada nessa fase, na qual poderia ser calculado o "grau" de psicopatia e, consequentemente, a possibilidade de reincidência. Logicamente, por ser um procedimento técnico, necessitaria de uma equipe treinada e qualificada para a realização desse exame.
Sabe-se que o contexto de criação dessa escala leva em consideração culturas e fenômenos sociais bem diferentes do Brasil, onde há uma mistura de raças e etnias. Todavia, segundo os países onde ela é aplicada, o índice de reincidência foi reduzido, como citado no tópico 4.1. Ademais, a escala leva em consideração fatores intrínsecos à personalidade psicopática, elementos que pouco irão variar de cultura para cultura.
Segundo a revista Época, no Brasil, dois criminosos já foram submetidos ao exame proposto pela escala PCL-R. Em 1999, Mateus da Costa Meira, ex-estudante de medicina, metralhou três pessoas e feriu outras quatro numa sala de cinema de um shopping paulistano. Ele não manifestou nenhuma espécie de remorso ou culpa. "Colegas psiquiatras me contaram que o Mateus lamentou ter cometido o crime antes de se formar na faculdade, já que, como médico, teria direito à prisão especial", diz o psiquiatra forense José Geraldo Taborda. O outro criminoso a que foi aplicada a escala de Hare foi Francisco de Assis Pereira, conhecido como "Maníaco do Parque", que estuprou, torturou e matou pelo menos seis mulheres e atacou outras nove no Parque do Estado, em São Paulo. Ambos foram submetidos ao teste PCL-R, sendo que apresentaram pontuações altíssimas.


6.5.2 Do critério de escolha entre isolamento e internação em hospital psiquiátrico

O tratamento ambulatorial não deveria ser aplicado, uma vez que, a psicopatia, como já foi visto, apresenta alto grau de reincidência, além de incorrigibilidade. Além do que o tratamento ambulatorial seria nulo, pois não haveria patologia a ser tratada. Esse tratamento pecaria pela superficialidade e incerteza quanto ao resultado de sua aplicação.
Os regimes aplicáveis, segundo a presente proposta, seriam o isolamento, utilizado no modelo inglês, apto a receber os casos mais graves de psicopatia, nos quais a segregação é imprescindível. Seria semelhante à pena de reclusão. Contudo, os estabelecimentos não seriam hospitais, nem prisões. Deveriam ser locais adequados com condições dignas, celas individuais e aparelhamento para, inclusive, tratar esses indivíduos.
A internação em hospital psiquiátrico, já prevista no artigo 96 do Código Penal , seria o ideal para o tratamento dos casos menos graves de psicopatia. Esse regime buscaria reduzir a potencialidade lesiva dos psicopatas por meio de medicamentos, terapias e tratamentos especializados. O objetivo primordial seria propiciar a possibilidade de reintegração do indivíduo à sociedade.
Diferentemente do intuito ressocializador, na internação, o psicopata seria rigorosamente acompanhado por profissionais da saúde, sendo gradativamente reinserido na sociedade, de maneira diretamente proporcional à redução de sua periculosidade. Isso se daria após o cumprimento do período mínimo de sua internação.
O critério utilizado para a aplicação de cada um dos "regimes" supracitados seria a própria decisão judicial condenatória. Sendo que, nos casos em que fosse detectada a psicopatia do agente na fase do exame criminológico, por meio da aplicação da escala PCL-R, o juiz da execução, de posse das informações colhidas, indicaria qual regime deveria ser aplicado, independente do previsto na sentença condenatória.


6.5.3 Duração da medida de segurança

O prazo de duração da medida de segurança continuaria a ser indeterminado, persistindo enquanto não cessasse a periculosidade do agente, conforme preceitua o artigo 97, §1º, do Código Penal. Contudo, o prazo mínimo para a medida de segurança seria o próprio valor da sentença condenatória anteriormente prolatada, e não mais o mínimo de um a três anos, conforme a parte final do artigo 97, §1º do Código Penal. Entende-se ser melhor assim, uma vez que o agente não mereceria a possibilidade de ser liberado antes do período a que fora condenado a cumprir.
Após esse período mínimo, seriam feitas as perícias médicas, nos termos do art. 97, §2º, do Código Penal , sendo obedecido o procedimento adotado nos artigos 175 a 179 da Lei de Execução Penal.
Assim sendo, se verificada a cessação da periculosidade, por meio de decisão do juiz da execução, o indivíduo seria encaminhado a um "regime" mais brando. Ou seja, do isolamento à internação em hospital psiquiátrico, e da internação à liberdade vigiada.
Na liberdade vigiada, o indivíduo psicopata seria constantemente acompanhado por uma espécie de fiscal do sistema prisional, que realizaria entrevistas com pessoas próximas ao vigiado e estatísticas sobre sua evolução. Inclusive, poderiam ser adaptadas a esse acompanhamento as "tornozeleiras eletrônicas", objeto da lei 12.258/2010, que tornou legal o uso desse equipamento eletrônico para o acompanhamento do vigiado preso ou em gozo de benefício.
E, por fim, se por acaso o agente voltasse a apresentar periculosidade, ou motivasse a revogação de sua liberdade vigiada, sua condição anterior seria restabelecida, até que cessasse o perigo. Para a ocorrência de outro crime, um novo processo se originaria, culminando com outra decisão judicial, enquanto isso, o psicopata permaneceria em tratamento no regime a ser decidido pelo juiz da execução.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciou-se este artigo definindo e analisando a figura do psicopata em si, determinando suas características e peculiaridades. Sendo que, com base no critério biopsicossocial, o qual foi adotado neste trabalho, focou-se especificamente nos fatores internos e externos que possivelmente desenvolveriam a personalidade psicopática.
No decorrer desta pesquisa, foi tratada a questão do crime e da reincidência, com citações de casos concretos ocorridos nacional e internacionalmente, de modo a exemplificar a estreita relação do psicopata com a delinquência. Nesse contexto, explorou-se, talvez, o instrumento mais eficaz, no plano internacional, de detecção da psicopatia ̶ a escala criada por Robert Hare, a denominada PCL-R.
A partir desse ponto, foram tratadas as implicações jurídicas decorrentes da condição peculiar da psicopatia. Foi analisada a culpabilidade do psicopata e a divergência doutrinária sobre essa questão. Nesse ponto, absteve-se de uma posição conclusiva quanto ao assunto, uma vez que, conforme já foi dito, não é objetivo deste artigo a proposição de medidas de camuflagem para a omissão legislativa.
A omissão do Estado quanto a uma solução adequada para o caso do psicopata deu origem a toda a problemática tratada no presente trabalho. E essa omissão gera prejuízos imensuráveis para a sociedade, que tem de arcar com as consequências negativas do problema.
Após a demonstração do problema e da necessidade de uma ação estatal específica para os psicopatas, desenvolveu-se uma proposta teórica, com fim puramente acadêmico, com vista ao fomento das pesquisas e estudos acerca do tema e da necessidade da criação de um tratamento destinado exclusivamente aos indivíduos de personalidade psicopática.
Tentou-se propor um modelo de medida de segurança que se amolde, na medida do possível, aos princípios constitucionais pétreos. Contudo, não se vislumbrou uma medida que não viole as disposições constitucionais imutáveis, como a dignidade da pessoa humana, presunção de inocência (inciso LVII), proibição de penas de caráter perpétuo (inciso XLVII, alínea "b") e outros.
Tem-se plena noção de que a proposta, além de ser inviável, em termos constitucionais, implicaria em uma modificação radical na infraestrutura estatal e exigiria investimentos maciços em tecnologia e na formação de um corpo de profissionais especializados. Por tudo isso, reafirma-se o caráter acadêmico do presente artigo, que tem por finalidade primordial o impulso a estudos posteriores.






REFERÊNCIAS

ALVES, Jorge. Psicopatia. Disponível em: <http://redepsicologia.com/psicopatia>. Acesso em: 5 out. 2010.


ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual de Estatística e Diagnóstica de Transtornos Mentais (DSM IV TM) 4. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.


AZEVEDO, Solange. A ciência e os assassinos. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI92652-15228,00.html>. Acesso em: 30 out. 2010.


BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 20 set. 2010.


BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm> Acesso em 18 set. 2010.


BRASIL. Ministério da Justiça. Execução Penal. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/depen/>. Acesso em: 09 out. 2010.


CALIXTO, Leandro. Chico Picadinho pode deixar prisão em 90 dias. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100701/not_imp574593,0.php.>. Acesso em: 09 out. 2010.


CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito penal na Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.


COSTA, C., 2008. Palestra proferida em 30 e 31 de maio de 2008.


DOWER, Nélson Godoy Bassil, Direito Penal Simplificado (Parte Geral). São Paulo: Nelpa, São Paulo, 2000.


DSPD Programme. Disponível em <http://www.guardian.co.uk/society/2002/apr/17/mentalhealth.crime1>. Acesso em: 12 out. 2010.


DSPD Programme. Disponível em: <http://www.dspdprogramme.gov.uk/>. Acesso em: 12 out. 2010.


FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 288.


GUIMARÃES, Geraldo José Ballone. Componente Biológico da Agressão. 2003. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/forense/biocrime.html>. Acesso em: 07 out. 2010.


GUIMARÃES, Geraldo José Ballone. Personalidade Psicopática. 2005. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/>. Acesso em: 17 mai. 2010.


MANAGING dangerous people with severe personality disorder. Disponível em: <http://www.justice.org.uk/images/pdfs/4managi.pdf>. Acesso em: 12 out. 2010.


MIRA Y LOPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. Campinas: Péritas, 2000.


MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Identificação do Ponto de Corte para a Escala PCL-R. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5142/tde.../HildaMorana.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.


Mundo Estranho (2010), "O Sombrio Mundo dos Psicopatas", 103 ed., Editora Abril, Setembro de 2010, pp. 24-33.


NARLOCH, Leandro. Seu Amigo Psicopata. Superinteressante. Rio de Janeiro, n. 228, julho. 2006.


NETO, Jerônimo. O que a ciência já descobriu sobre o mais frio dos criminosos - o psicopata. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/100107/p_082.html.>. Acesso em: 09 out. 2010.


NETWORK The critical psychiatry, Disponível em <http://www.critpsynet.freeuk.com/DSPDFinal.htm>. Acesso em: 31 out. 2010.


NORONHA, Magalhães. Direito Penal. v. 1. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1987.


NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e parte especial. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID 10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Vol. I. 10 ver. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2008.


PIERANGELI, José Henrique e ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de direito penal brasileiro ? Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.


RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://esaj.tjrn.jus.br/cjosg/pcjoDecisao.jsp?OrdemCodigo=0&tpClasse=J>. Acesso em: 31 out. 2010.


RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/exibe_documento.php?ano=2007&codigo=14206>. Acesso em: 31 out. 2010.


SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=2530257>. Acesso em: 02 nov. 2010.


SERIAL Killer: Curiosidades. Disponível em: <http://www.serialkiller.com.br/index2.html>. Acesso em: 09 out. 2010.


SILVA, Ana Beatriz B. Mentes Perigosas : o psicopata mora ao lado. ? Rio de Janeiro : Objetiva, 2008.


SILVA, José de Ribamar da. Prisão: ressocializar para não reincidir. Disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/monografia_joseribamar.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.


TED Bundy. Disponível em: <http://serialkillerarchive.wordpress.com/2009/03/14/ted-bundy/>. Acesso em: 11 out. 2010.


TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva. 1994.
TRINDADE, Jorge, BEHEREGARAY, Andréa, CUNEO, Monica Rodrigues. Psicopatia ? a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.


VIOLÊNCIA extrema pode ter causas biológicas. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio08.htm.>. Acesso em: 07 out. 2010.