Buscaremos na história analisar a construção do maior projeto de irrigação da América Latina, e no decorrer do tempo mostraremos que a política econômica implantada neste empreendimento não foi eficaz, isso por que os possíveis beneficiados na realidade foram utilizados como uma justificativa social pelo governo para conseguirem fundos juntos aos bancos e a aprovação da população local. No início os pequenos produtores rurais foram iludidos pelos políticos, pois estes diziam que o projeto seria uma forma de praticarem a agricultura de subsistência, mas no final da década de 80 a iniciativa privada começa a se apoderar de várias terras e estes pequenos lavradores foram utilizados como mão de obra na agricultura. O projeto Jaíba está inserido na região norte de Minas Gerais, região essa que faz parte do polígono das secas, caracterizado pelo clima seco e quente e em vários aspectos a região é parecida com o nordeste brasileiro, vário dos problemas enfrentados pelo norte de minas também são enfrentados pelos nordestinos, mas na busca de soluções encontramos os mesmos resultados: a falta de valorização dos menos favorecidos e políticas de beneficiamento aos empresários mediante ação do governo.

Palavras-chaves: Projeto Jaíba, Política econômica, SUDENE, lavradores.

INTRODUÇÃO

Analisando as bibliografias referentes ao projeto Jaíba, o presente artigo procura através da história social a devida conexão entre o campo político, econômico e mental da construção de uma obra faraônica da década de 70, que ao analisarmos com mais precisão não foi uma obra para o bem comum, muito pelo contrário beneficiou interesses próprios dos oligopolistas não só do Brasil, mas também estrangeiros.

O projeto Jaíba está localizado no extremo norte do estado me Minas Gerais, á margem direita do rio São Francisco e a esquerda do rio verde grande, abrangendo os municípios de Matias Cardoso e Jaíba.Sendo o maior projeto de irrigação da América Latina, foi considerado na época de sua construção como uma obra faraônica, pois se juntaram iniciativas federais, estaduais e municipais.O Jaíba tinha como planejamento inicial o beneficiamento em pequeno prazo de pequenos e médios produtores rurais, mas com o passar dos anos resultou na reprodução de um modelo econômico concentrador de renda, nas palavras de Rodrigues:

O assentamento de lavradores foi um meio de proporcionar a base de lidimidade para o investimento, pois beneficiou um número pequeno de agricultores de baixa renda". Na verdade o

Estado não parece ter tido a intenção de investir em capital físico para estes. Desde o início o Jaíba foi desenvolvido para beneficiar o capital privado.[1]

Todos os poderes se juntaram para a solidariedade para com o próximo e o bem comum, mas como bem salienta Celso Furtado: "política econômica é política antes de ser economia"[2], de todo este teatro em benefício dos pequenos produtores rurais, a iniciativa privada estava andando de mãos dadas com o governo, e este contribuiu para que os grandes grupos econômicos utilizassem os recursos públicos para reforçar os seus interesses privados. Nas linhas que se seguem mostraremos os aspectos sócios e econômicos e o contexto brasileiro, enfatizando o norte de Minas Gerais, local onde se deu a construção do projeto Jaíba.

CONTEXTO HISTÓRICO NACIONAL E REGIONAL

Abrangendo uma área de 128.602 km2, a região norte de Minas é constituído de oitenta e nove municípios, onde 92,13% tem a maior parte de sua população ocupadas em atividades do setor primário, com destaque para a agropecuária.Mas o que caracteriza esta região é o quadro de desigualdade social verificado desde os primórdios de sua ocupação, além de ter um clima quente e seco parecido com o do nordeste, como salienta Pereira: "o norte de minas é considerado a parte nordestina das Minas Gerais pela semelhança sócio e econômica que apresenta em relação ao nordeste brasileiro"[3]

O norte de Minas Gerais tornou-se nacionalmente conhecido quando, na década de 60, pela sua semelhança sócial, econômica e ambiental com o nordeste brasileiro, foi incluída na área de atuação da superintendência de desenvolvimento do nordeste(SUDENE), essa autarquia[4] criada no governo de Juscelino Kubitscheck tinha por principal finalidade criar condições e meios para melhorar a condição de vida das pessoas que estavam inseridas no chamado polígono das secas(área abrangida pelo nordeste e pelo norte de Minas Gerais, mas muitas vezes uma decisão tomada pela SUDENE para atingir toda esta área beneficiava somente o nordeste e não se adaptava bem a realidade de Minas Gerais.

A área mineira da SUDENE (AMS), em um regime de proporção de investimentos distribuídos por municípios abrangidos pelo polígono das secas, vinha recebendo poucos projetos de melhoria para a população, como destaca Siqueira: "os resultados de melhoria das condições sócio e econômico não foram satisfatórios, como também aconteceu com todo o nordeste brasileiro abrangido pela SUDENE"[5].

Mas uma vez a elite econômica rouba a cena, como é descrito por Oliveira: "a função da SUDENE é propiciar o domínio do nordeste á burguesia do centro-sul"[6], ou seja, a referida autarquia criada para ser um pólo de desenvolvimento e com o objetivo principal de extinguir, pelo menos parcialmente, as desigualdades sociais existentes na área do polígono das secas, em pouco tempo se transformou em um paraíso para os em empresários, onde ganha seus contornos definitivos quando o próprio conflito, classe dominantes versus populares, atinge o próprio centro do sistema.

Analisando o contexto do Brasil, no período compreendido entre 1968-74 o país atingiu índices recordes de crescimento econômico, em torno de 9% a 10% ao ano, configurando o que se costuma chamar de "milagre econômico", é importante verificar que o que forneceu a tônica do processo expansivo do "milagre" foi à empresa multinacional, tanto é que a participação do setor privado no crédito total concedido pelo sistema bancário aumentou claramente, no biênio 1972- 73, a participação das instituições privadas no total de crédito ao setor privado foi em média de 55,1%.Neste período o Brasil deu um salto na sua economia, e o governo procurou atingir todos os seus setores. Assim vários setores da economia se beneficiaram com este avanço, como descreve Abreu: "a evolução favorável de diversos setores foi influenciada por políticas governamentais específicas. Assim, a agricultura beneficiou-se de farto volume de crédito concedido pela atividade monetária"[7], o governo procurou injetar parte deste dinheiro em locais pouco conhecidos e que tinham grandes potencialidades, o norte de minas sempre foi visto por ter uma vocação agrícola e, conseqüentemente, este crescimento afetou esta região, como saliente Oliveira:

Principalmente a partir de 1960, a região norte de Minas Gerais começa a apresentar uma realidade econômica, em vários aspectos diferentes daquele que vinha evidenciando ". Na época, as ações do estado passaram a manifestar de forma mais destacada, gerando os diversos agentes econômicos a expectativa de obtenção de um ambiente econômico mais vigoroso[8].

CRIAÇÃO E CRISE DO PROJETO JAÍBA

Foi neste contexto de investimentos da iniciativa privada, com o qual se consolidou crescimento vertiginoso da economia do Brasil que surge o maior projeto de investimento nas potencialidades do norte de Minas, ou seja, a partir da década de 70 o governo começa a construção do tão esperado e sonhado projeto de irrigação do Jaíba.Para analisarmos a gênese do Jaíba até o seu declínio, que se dá com a presença da iniciativa privada, esta que posteriormente, toma posse das terras dos pequenos produtores rurais, através de compras, acordos, e ajuda do governo, primeiramente conheça como se deu a construção do projeto.

A criação do projeto Jaíba se mostrou em um primeiro momento a busca de soluções para enfrentar os diversos problemas enfrentados pela população, na sua maioria pequenos produtores rurais, que não tinham terras e nem perspectivas para a circulação e troca de seus produtos. Em 1952 foi criado o instituto nacional de irrigação e colonização, INIC, com o qual se consolidou o primeiro grande esforço no sentido de se proceder a colonização da pouca explorada região do Jaíba, mas esta tentativa foi frustrante uma vez que vários obstáculos impediram a continuação dos estudos da região, podemos destacar a precariedade e/ou inexistência de vias de acesso, a falta de assistência técnica, Oliveira ainda comenta:

Os títulos de propriedade das terras colonizadas no Jaíba não chegaram a ser repassado aos colonos, assim este fato tornou-se, uma fonte geradora de problemas, pois não se tinha uma clara diferenciação entre os que eram legítimos proprietários e os que eram posseiros[9].

Em 1975 mediante acordo entre as instâncias do governo estadual e federal, o projeto tomou a sua configuração atual para irrigar 100 mil hectares.O custo total da etapa I do projeto Jaíba foi de 158 milhões de dólares, onde o Brasil ficou responsável em garantir 87 milhões (55%) e o BIRD (banco internacional de reconstrução e desenvolvimento) 72 milhões (45%).Ainda em 1975 o governo federal através da CONDEVASF (companhia de desenvolvimento do vale do São Francisco), começa a construção do projeto, e no final dos anos 80, inicia-se o assentamento das famílias de lavradores e a incorporação de entidades privadas no local.O plano de colonização do projeto previa ainda a constituição de um órgão que cuidasse da administração geral do Jaíba, para tanto foi criado a RURALMINAS em 1966.

Desde o inicio havia uma intenção explicita do governo, de fixar no projeto mão de obra familiar para o capital agroindustrial, sendo como uma das características do projeto é utilização da força de trabalho, principalmente na agricultura, mediante baixa remuneração. Depois de poucos anos o sonho de milhares de produtores rurais de terem a sua terra para plantar e colher, não se concretizou. De quem é a culpa? IANNI responde:

A estrutura agrária brasileira está sendo alcançada por modificações decorrentes da própria dinâmica dos núcleos capitalistas localizadas no Brasil e no exterior, é que o processo capitalista de produção necessariamente caba envolvendo as áreas pré-capitalistas, integrando-as como um todo[10].

Como sabemos a mentalidade capitalista é de lucro acima de tudo, para conseguir tal propósito, existe a exploração do homem pelo próprio homem, e quando falo de crise do projeto Jaíba, estou me referindo não á uma crise de extinguir o projeto, mas sim de uma crise de sonhos, de utopias, onde somente os pequenos produtores rurais sentiram os impactos desta crise, que de inicio foi provocada pela entrada de duas grandes empresas privadas no local, e com a expansão e os lucros destas empresas outras também se incorporam nesta atividade, e sem nenhuma reação do governo perante a dominação de empresários em detrimento dos pequenos proprietários rurais, o esquema de dominação foi de expandindo e chegando até os contornos atuais, onde temos a maioria dos lavradores submissos aos oligopolistas.Estes pequenos lavradores que no estudo do governo eram os beneficiados, se tornaram à mão de obra dos grandes empresários, onde, na maioria das vezes, o emprego é informal.

Tendo em foco a análise geral da construção do projeto Jaíba, Rodrigues esclarece:

Com a implantação do projeto Jaíba, o estado acabou beneficiando o grande capital privado. Outros setores de médios e pequenos empresários 'pegaram carona'. Mostrou-se nos objetivos do projeto, elaborado em 1976, estava explicito a intenção do estado. Todavia para efetivar o investimento, foi preciso uma justificativa social[11].

Para acabar com essas disparidades sociais existentes entre os irrigantes é necessária a cooperação dos mesmos, pois tendo uma consciência maior eles poderam interferir na atual realidade do projeto, em uma força conjunta deixaram de serem fantoches do governo, e utilizados como mera justificativa de construção de um projeto de beneficiamento de minorias, e enfim, possuírem para sempre as suas terras, deixando de trabalhar em terras alheias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

− ABREU, Marcelo de Paiva (org). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

− BARROS, José de Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, R.J:Vozes,2004.

− FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de cultura, 1962.

− IANNI, Octávio. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.

− OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O processo de desenvolvimento em Montes Claros (M.G.) sob a orientação da SUDENE. São Paulo: FFCLH/USP, 1996. (dissertação de mestrado).

− OLIVEIRA, Fábio Martins de, RODRIGUES, Luciene (orgs). Formação social e econômica do norte de Minas. Montes Claros: unimontes, 2000.

− PEREIRA, Anete Marília, ALMEIDA, Maria Ivete Soares de (orgs). Leituras geográficas sobre o norte de Minas Gerais. Montes Claros: Unimontes,2004.

 



[1] RODRIGUES, Luciene. Investimento agrícola e o grande projeto Jaíba:1970-1996.São Paulo: FFLCH/USP,1998.(tese de doutorado).P.302.

[2] FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de cultura, 1962.p.07.

[3] PEREIRA, Anete Marília, ALMEIDA, Maria Ivete Soares de (orgs). Leituras geográficas sobre o norte de Minas Gerais. Montes Claros: Unimontes, 2004.P.11.

[4] Entidade autônoma, auxiliar na administração pública.

[5] SIQUEIRA, Jack. Planejamento e desenvolvimento em Minas. Belo Horizonte: Armazém das idéias, 2001.p.134.

[6] OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O processo de desenvolvimento em Montes Claros (M.G.) sob a orientação da SUDENE.São Paulo: FFCLH/USP,1996.(dissertação de mestrado) p.37.

[7] ABREU, Marcelo de Paiva (org).A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana,1889-1989.Rio de Janeiro: Campus, 1990.p.239.

[8] OLIVEIRA, Fábio Martins de,RODRIGUES, Luciene(orgs).Formação social e econômica do norte de Minas.Montes Claros: Unimontes, 2000.p.225.

[9] OLIVEIRA, Fábio Martins de.RODRIGUES, Luciene(orgs).Formação social e econômica do norte de Minas.Montes Claros: Unimontes, 2000.P.239.

[10] IANNI, Octávio.Industrialização e desenvolvimento social no Brasil.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.P.132.

[11] RODRIGUES, Luciene. Investimento agrícola e o grande projeto Jaíba: 1970-1996.São Paulo: FFLCH/USP,1998.(tese de doutorado).P.309.