RESGATE DO PROJETO 

O Centro de Referência Especializado de assistência Social – CREAS faz parte da Secretaria de Assistência, Cidadania e Inclusão Social (SACIS) da Prefeitura Municipal de São Leopoldo, constitui-se como pólo de referência da proteção social de média complexidade, configura-se como uma unidade pública e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos que não estejam com seus vínculos rompidos.

O CREAS tem a família como foco de suas ações, na perspectiva de potencializar sua capacidade de proteção e a socialização de seus membros. Mantém articulação permanente com o Sistema de Garantia de Direitos, com a Rede Socioassistenciais e com as demais políticas públicas.

O trabalho no CREAS é desenvolvido por uma equipe multiprofissional que conta com assistentes sociais, psicólogos (as), assessor (a) jurídico (a), assistente administrativo, educadores (as) sociais e coordenador (a).

 Enquanto estagiária de psicologia observando o trabalho realizado pelos profissionais do CREAS pude perceber que o dia a dia é bastante agitado e os desafios são grandes. O objetivo do meu projeto visava oferecer um espaço aos profissionais que trabalham no CREAS para que estes pudessem fazer trocas de experiências e refletir o que o serviço reflete neles enquanto trabalhadores.

 Um cuidado aos cuidadores, para que, se sentindo valorizados e cuidados possam cuidar melhor do outro, um espaço reservado para discussões e reflexões, momentos lúdicos visando o cuidado da saúde mental desses profissionais e protagonizando discussões. 

O projeto teve como objetivo principal promover atividades diferenciadas que auxiliassem os profissionais da equipe a trocarem experiências tanto profissionais quanto pessoais, vivenciando sentimentos e estimulando a criatividade.

Considerando que a equipe do CREAS trabalha encarando diariamente desafios profissionais tendo que muitas vezes lidar com seus próprios limites, e que o trabalho muitas vezes impõe aos profissionais uma rotina carregada de alto grau de tensão, e que às vezes envolve toda a equipe é que se pensou em uma intervenção que pudesse proporcionar momentos de descontração, oportunizando além da fala, uma linguagem corporal e artística e também facilitar o estabelecimento de vínculos afetivos e de troca entre os integrantes da equipe. Para assim possibilitar uma maior comunicação e interação social.

No âmbito das relações interpessoais e de trabalho, a psicologia tem inúmeras possibilidades de intervenção, basta que se admire e se inquiete diante da realidade dos trabalhadores, na qual se evidencia a necessidade de resgatar a fala desses profissionais, exercendo a capacidade de escuta das experiências e de sofrimento no cotidiano.

ANÁLISE DO PROCESSO DE INTERVENÇÃO

            O projeto de intervenção que apliquei teve algumas modificações na sua metodologia. Estava previsto que seriam cinco encontros, mas foi possível fazer apenas três encontros pelo fato que os profissionais do CREAS precisavam cumprir algumas atividades propostas pela Secretaria de Assistência, Cidadania e Inclusão Social.  Por isso dos cinco encontros que foram programados escolhi os que pensei serem os mais pertinentes.

            A participação não foi obrigatória, os encontros ocorreram durante o horário de trabalho, mas em locais fora do CREAS.

1º Intervenção:

O primeiro encontro foi realizado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e foi dividida em dois momentos o primeiro aconteceu em uma sala de aula e após se seguiu para um local ao ar livre dentro do campus universidade.

Esta intervenção teve como objetivo levantar as expectativas do grupo com o projeto proposto e também um momento para se trabalhar o autoconhecimento, para isso foi utilizada a arte como dispositivo. A equipe se mostrou muito ansiosa todos estavam animados e felizes com o projeto.

Foi solicitado a eles que confeccionassem um cartão para si mesmo, disponibilizando vários materiais artísticos para que eles pudessem fazer seus cartões expressando a percepção de cada um sobre eles mesmos, e foi pedido para que não assinassem, pois após terminarem iriam trocar os cartões entre si aleatoriamente.

 No momento em que eles criavam seus cartões pude analisar que enquanto uns faziam os cartões com uma enorme facilidade outros demoraram algum tempo para começar.

Analisando sobre o tempo que as pessoas levaram para começar os cartões, uns mais rápidos outros mais demorados, pode-se pensar nisso como uma dificuldade ou uma facilidade de identificar suas próprias características, sentimentos e conseguir expressar a percepção que eles têm deles mesmos, segundo Bom Sucesso (1998) o processo de autoconhecimento inicia-se pelo exercício da identificação das características pessoais.

Na medida em que iam terminando eles me entregavam seus cartões dentro de um envelope branco com um adesivo com uma cor escrita.

Cada um era uma cor para que na hora da troca não pegassem o próprio cartão, pois todos estavam dentro de envelopes brancos iguais.

 A da troca dos cartões foi o momento mais emocionante e pude perceber que para os colegas também, cada um pegou aleatoriamente um cartão e o objetivo era que identificasse o colega que havia confeccionado o cartão.

O momento foi de bastante descontração e percebi nas expressões deles que estavam à vontade e se divertindo muito com a “brincadeira”. A cada cartão aberto eu questionava “por que você acha que é essa pessoa a dona do cartão?” e assim eles falavam o que naquele cartão os fez pensar isso.

Pude perceber que como o serviço no CREAS é dividido por equipe, estas se conheciam mais e acertavam mais quando o cartão que tinha pegado era de alguém da sua equipe de trabalho.

Penso ser indispensável também salientar a importância de reconhecer as diferenças individuais que surgiram ao longo da intervenção, isso possibilitou abrir caminho para uma nova modalidade de convivência, aproximando a equipe e viabilizou um entendimento de que cada pessoa ali possuía características únicas, e que isso potencializa a equipe.

Segundo Bom Sucesso (1998), é justamente a diferença que viabiliza o trabalho e a vida.

Observei que esta troca de cartões, essa dinâmica de “adivinhação” favoreceu para abordar a importância do autoconhecimento, para que assim cada um possa se perceber melhor nas interações com os outros.

 Segundo Fernandes (2003), penso que esta construção artística dos cartões veio como uma forma de linguagem que permitiu as pessoas ali presentes a comunicar-se com os outros além do verbal, foi algo que incentivou a criação de sentidos e que proporcionou uma construção por meio do sentir e do fazer.

            De acordo com a Associação Brasileira de Arteterapia(2001), a arteterapia é um caminho de auxilio ao ser humano, para explorar, descobrir e entender suas idéias e sentimentos, favorecer sua auto-estima, reduzir ansiedade promover a qualidade de vida.

Nesta intervenção a idéia central era fugir um pouco do contexto do trabalho e visar na integração e no autoconhecimento dos profissionais da equipe. Trabalhar o autoconhecimento é muito importante segundo Bom Sucesso (1998) este facilita a compreensão do próprio comportamento e também do comportamento alheio.

O processo de autoconhecimento proposto nesta intervenção possibilitou a equipe um olhar para si mesmo e para o outro e possibilitou uma melhor relação interpessoal.

 

2º Intervenção

 

A segunda intervenção teve como local uma casa que será a nova sede do CREAS, mas que ainda não foi ocupada. Este foi o local definido, pois esta fica próxima a sede atual do CREAS.

As intervenções estavam previstas sempre para ser na parte da tarde da 13h30min até as 17h00min, mas neste dia pude fazer a intervenção somente apartir das 15h00min, pois a equipe precisava se reunir para resolver algumas coisas, por isso à escolha do local perto do CREAS.

Este segundo encontro teve como objetivo promover uma atividade que se vivenciam sentimentos e estimula-se a criatividade, focando no trabalho.

A atividade proposta foi para que a equipe se dividisse em duplas e pudessem discutir sobre como o trabalho no CREAS estava refletindo neles e a partir disto, trocassem experiências acerca desses sentimentos.

Partindo destas discussões, que eles pudessem criar uma produção artística que representasse esses sentimentos, foi disponibilizadas tintas temperas, pincéis e um pedaço de papel pardo para que cada dupla pudesse em um espaço deste papel fazer sua criação, apresentar ao grupo a arte e comprar as similaridades e diferenças que dali iria surgir.

No cronograma inicial do projeto foi pensada nesta intervenção como uma atividade individual, mas analisando melhor se constatou que em duplas seria mais rico, e penso que foi.

Possibilitou uma maior interação social e também pude perceber que puderam estabelecer certo vínculo afetivo, conseguiram conversar trocar experiências e sentimentos.

Penso ser importante essa troca, essa escuta do outro saber que o colega também tem angústias tão parecidas com as nossas, que são angústias próprias do trabalhador contemporâneo, tal como frustração de não ver uma recompensa material, afetiva, social e também política.

Para Dejours (1992) o trabalho nunca é neutro em relação à saúde, o trabalho pode ao mesmo tempo ser causador de prazer ou de sofrimento por isso penso na importância dessa troca de experiência e sentimentos, pois assim eles conseguiram perceber os sofrimentos e prazeres que estavam presentes ali na fala dos colegas.

Para Machado e Merlo (2008) refletir e discutir sobre vicissitudes do trabalho, os eventos geradores de prazer e de sofrimento parece ser uma medida necessária para os trabalhadores encontrarem meios de continuar trabalhando de forma saudável.

Pude perceber nessa intervenção que o trabalho no CREAS gera nos profissionais tanto satisfação quanto insatisfação, segundo a teoria da psicodinâmica do trabalho de Dejours (1994) essa relação de satisfação esta relacionada ao prazer enquanto a insatisfação esta na origem do desprazer ou do sofrimento no trabalho.

Esta segunda intervenção aconteceu em um momento onde a equipe estava vivenciando uma rotina muito carregada, nas minhas observações dentro do CREAS percebi certo grau de tensão maior nas pessoas do que em outros momentos e este grau de tensão se deu presente durante as discussões em duplas e também depois na hora de abrirem ao grande grupo as suas criações e suas implicações quanto ao trabalho.

Da-se a isso no meu entendimento e na fala dos colegas durante a intervenção, a falta de reuniões de equipes que não estavam acontecendo semanalmente como de costume.

Apartir disto consegui evidenciar como o ambiente e a organização do trabalho pode influenciar na geração tanto de prazer quanto de sofrimento. E naquele momento estava gerando mais sofrimento do que prazer a toda a equipe.

Dejours (1992) se questiona sobre o fato de o trabalho ora ser patogênico, ora estruturante, como já foi mencionado antes, o trabalho pode ser fonte de prazer ou de sofrimento ao sujeito, pois as condições na qual o trabalho é realizado podem transformá-lo em algo penoso e doloroso levando muitas vezes ao sofrimento, esse que provém do confronto entre a subjetividade do trabalhador e as condições com que este trabalho esta organizado.

Penso que a equipe diante das adversidades das situações de trabalho  que estavam passando especificamente naquele momento desenvolveu estratégias, estas necessárias para aliviar o sofrimento, segundo Dejours (1994) quando os trabalhadores se vêem frente a algum sofrimento estes buscam defender-se através de estratégias individuais ou coletivas.

Para Dejours (1994) a Psicodinâmica do Trabalho tem por objetivo observar e analisar as diferentes formas de relação com o trabalho que permite a emergência de estratégias de defesa. As estratégias se manifestam de comportamentos próprios de cada indivíduo, pois cada um age de maneira particular a cada situação dependendo da sua personalidade.

Percebi que durante esse período em que a equipe estava passando por este grau de tensão maior, as pessoas diante das situações de angústia e insatisfação decorrente do seu trabalho elaboraram estratégias de defesas que acabaram por tornar o sofrimento velado.

 Esconder esses sentimentos não me parece o melhor caminho para significar e compreender tais sentimentos, isso pode prejudicar a saúde psíquica desses profissionais, por isso a importância de se falar sobre essas situações que desagradam e geram sentimentos que podem atrapalhar tanto o trabalho feito no CREAS quanto a vida pessoal.

Pôde-se perceber e identificar na fala dos profissionais alguns conflitos interpessoais no trabalho e na vida pessoal vejo que estes conflitos foram decorrentes e característicos da situação de tensão que estava sendo gerada pela falta de comunicação entre as pessoas no trabalho.

A intervenção oportunizou um espaço onde a equipe que estava num alto grau de tensão pode deixar os sentimentos fluir, conseguiram falar sobre seu trabalho, seus limites, seus prazeres suas revoltas, frustrações, seus amores e suas dores em relação ao trabalho e quanto este também interfere nas relações pessoais, pois o trabalho e o pessoal não é algo dissociado.

Segundo Codo, Sampaio e Hitomi (1994) a vida dos homens não se resume ao trabalho, mas também não pode ser compreendida sem ele.

Nas produções artísticas pude ver como cada dupla demonstrou seus sentimentos em relação ao trabalho, e estas relações para mim soaram muito similares, que na verdade mais pareciam desenhos que se completavam.

 A fala estava conectada, a cada explicação feita pela dupla sobre o seu desenho potencializava um estímulo nas relações pessoais, penso que isso se deu ao fato da identificação com o outro.  

Esta experiência da produção artística, experiência com a arte deixou aflorar, no relacionamento com o outro, possibilidades de criar imaginar e representar as dores e os amores em relação ao trabalho.

Essa intervenção possibilitou a descarga da tensão por parte da equipe, conclui isto ouvindo a fala deles, relatando que depois da atividade estavam mais leves e menos tensos, pois conseguiram expressar não só da forma verbal os seus sentimentos e trocaram experiências, conseguiram se ver no outro e se identificar. A meu ver isto evidencia que a equipe do CREAS forma realmente uma equipe que esta em busca dos mesmos objetivos.

Esse momento foi muito rico e cada vez mais me convenço que há indícios suficientes para se pensar que o cuidado ao cuidador é algo que deve ser instituído.

Este encontro foi um indicativo de que os profissionais precisam de um espaço para compartilhar experiências, vivenciar sentimentos, ouvirem, serem ouvidos e se sentirem cuidados.

 

3º Intervenção

Este encontro teve como sede mais uma vez a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Quando foi pensado o cronograma do projeto este encontro tinha como objetivo trabalhar as emoções, mas ao longo das minhas observações pensei em trabalhar sobre o cuidado em relação com a saúde física e mental.

O terceiro encontro teve como objetivo fazer uma dinâmica com balões que proporciona-se a equipe trabalhar expressão das emoções e  a relação do cuidado ao cuidador no trabalho.

Foram elaboradas perguntas reflexivas referentes ao cuidado e cada uma delas colocada dentro dos balões, foi distribuído um balão para cada membro da equipe e pedido para que eles enchessem os balões e após isso jogarem todos no centro da sala, depois cada um estourava um balão e assim encontrariam a pergunta. Cada um teria que responder em voz alta para o grupo a sua pergunta.

Tive a preocupação de botar perguntas repetidas para ter a chance de poder fazer trocas de experiências e sentimentos e ver as diferenças quanto às repostas. As perguntas que estavam dentro dos balões eram as seguintes:

1 - Ser cuidado é abrir-se para falar da intimidade com alguém que respeite nossos sentimentos e nossa luta com as circunstâncias da vida. Você tem um espaço para ser ouvido, compreendido em suas aflições, e compartilhado seus conhecimentos, suas experiências, suas riquezas?

Uma trabalhadora destacou a importância de uma relação de amizade dentro do local de trabalho, e que no CREAS ele sentia que tinha além de colegas de trabalhos amigos que iriam levar para uma vida toda e que estes estavam dispostos escutar as aflições e trocar sentimentos.

 Segundo Dejours (1994) a psicodinâmica do trabalho considera o indivíduo em situação de trabalho como um ser ativo, que transforma permanentemente sua atividade, de acordo com as suas competências, motivações e vínculos.

2 - Cuidar e ser cuidado é incentivar o outro e a si mesmo na busca por compreender-se e aceitar-se pelo que se é e não pelo que esperam que sejam. Você é o que você é ou o que os outros esperam que você seja? Você deixa as pessoas serem o que são ou mostra o caminho que você acha que seria o melhor para elas?

Essa questão foi muito interessante, pois dois trabalhadores responderam à mesma questão.

Um apontou que sempre foi o que é independente de ser no local de trabalho ou nas relações pessoais e que por muito tempo pensou que as pessoas tinham que ser como ela achava que deveriam ser, mas que com a maturidade isso mudou e que agora deixa as pessoas serem como são e não interfere mais nisso quando acha alguma coisa errada.

Já o outro trouxe sentimentos da sua vida pessoal em relação a isso, que desde criança ele se deparou com as pessoas querendo que ele fosse algo que ele não era e que isto seguiu na adolescência e agora no trabalho se deparou com a mesma circunstância. Ressalta a formação de cada um e de como cada um tem um olhar diferente acerca do fazer no trabalho e do que faz ou não significado para si.

Fala sobre o trabalho e traz a questão de que quando se chega a num ambiente de trabalho as pessoas e a instituição às vezes esperam de você algo que você não é, e como é difícil lidar com isso. E que muitas vezes isso causa um grande sofrimento.

  Para Dejours (1994) isso se dá pelo fato de que o sofrimento propiciado no contexto do trabalho pode ser decorrente ainda de uma incompatibilidade entre a história individual do sujeito, perpassada por sonhos, desejos, necessidades, projetos, esperanças, e uma organização do trabalho que ignora isso.

Desencadeando-se, nesse caso, o sofrimento psíquico pelo fato de o homem no seu trabalho se perceber impossibilitado de empreender modificações, alterações na atividade que realiza, tendo em vista torna-la mais adequada às suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos, isto é quando o trabalho se torna completamente alheio a quem o executa.

3 - Ser cuidado é assumir nossa posição humana, respeitando nossos limites e ritmo interno. Você tem respeitado seus limites e seu ritmo interno, sua maneira de ser, de se relacionar?

Os trabalhadores que se depararam com esta pergunta tiveram bastantes similaridades nas respostas, trazendo que os limites tem que ser respeitados assim como o ritmo interno, ás vezes é necessário parar e olhar para si mesmo e perceber quais são os nossos próprios limites e se estamos sabendo lidar com eles e respeitando-os.

Penso que saber lidar com seus próprios limites é algo fundamental para a saúde psíquica dentro da organização de trabalho. Saber que não se pode dar conta de tudo e que é importante refletir acerca dos seus limites faz com que se consiga harmonizar trabalho e vida pessoal.

4 - Cuidar e ser cuidado é preparar-se para enfrentar os desafios da vida (grandes ou pequenos; internos ou externos). Você tem mobilizado atenção e determinação para se conhecer, se aprimorar, vislumbrar e realizar seu propósito de vida para que a vida tenha valor?

Nessa questão a fala foi bem objetiva dizendo que fazia o que gostava e que o propósito de vida naquele momento estava sendo atingido que era o trabalho e que este era o seu maior sonho, que fazia o trabalho da melhor maneira possível para conseguir atingir seus objetivos.

Neste caso a realização profissional esta destacada, o sujeito encontra prazer e satisfação com sua obra, salientando assim suas potencialidades enquanto ser humano. (MACHADO; MERLO, 2008).

5 - Cuidar de si mesmo é empregar o tempo da melhor maneira possível. Como tem empregado o tempo na sua vida?

Nesse momento a fala também se completou dizendo que cada vez mais não encontravam tempo para cuidar de si mesmo e que o dia a dia é tão agitado, com trabalho, faculdade, cursos etc... Que estava faltando tempo para o lazer e para o cuidado, mas ressaltaram saber da importância desse cuidado para a saúde física e mental.

Pode-se notar que nesta fala o trabalho não é, como se acredita freqüentemente, limitado ao tempo físico efetivamente passado na oficina ou no escritório. O trabalho ultrapassa qualquer limite dispensado ao tempo de trabalho; ele mobiliza a personalidade por completo.

Nota-se que o ser humano cada vez mais tem acumulado tarefas e vivem angustiados, buscando formas de administrar a vida pessoal e o trabalho compatível com as suas necessidades de equilíbrio pessoal e profissional. (ABRAHÃO; CRUZ, 2008).

6 - Cuidar-se é a melhor maneira de estar com outras vidas no seu dia-a dia, pois quanto mais você se cuidar, melhor cuidador será. O que tem feito para se cuidar?

Essa questão surgiu falas que me surpreenderam dizendo que o que fazia para se cuidar era trabalhar, que aquele trabalho no CREAS era tão prazeroso que era a maior forma de cuidado, pois fazia o que gostava e assim se sentia cuidado, ressaltou a importância de trabalhar com o que gosta.

O desenvolvimento do prazer acontece quando o trabalho, além de atender as necessidades básicas e de segurança, cria identidade. Isto implica que o “ser” não é dissociado do “fazer” que o trabalho não se reduz as tarefas em si ou ao emprego. É a dimensão que transcende o concreto e instala-se numa intersubjetividade, na qual os trabalhadores transformam e são transformados no ato produtivo.  (ABRAHÃO; CRUZ, 2008)

7 - Cuidar significa reconhecer que somos todos humanos e que todos nós sofremos algum tipo de dor. Você tem conseguido transformar suas dores em aprendizados, tirado as lições que precisa para seu aperfeiçoamento?

As respostas dos trabalhadores se completaram também nesta questão, falaram que as dores e o sofrimento estão sempre presentes no dia a dia, pois precisam diariamente lidar com frustrações e também com limitações. E que isto gera sofrimento, e que tentavam apartir disto tirar sim alguma forma de aprendizado dessas situações, pois se não o trabalho ficaria insustentável.

            Penso que nesta fala podemos identificar o sofrimento criativo descrito por Dejours (1994) que se caracteriza quando o sujeito elabora soluções originais, que possam favorecer a sua saúde diante de situação que causam sofrimento dentro das organizações de trabalho.

Esta análise das falas dos trabalhadores refere se a dois principais aspectos: as manifestações de sua vulnerabilidade enquanto trabalhadores e o reconhecimento da necessidade e importância do cuidado.

 O cuidado ao outro é algo que está presente na relação dos trabalhadores com os usuários do serviço, as atividades que são realizadas pelos profissionais do CREAS exigem, diariamente deles um investimento de carga afetiva, é preciso estabelecer um vínculo de certo modo, até afetivo, para conseguir promover o bem-estar do outro.

Martins (2003) ressalta que seremos mais eficazes na nobre tarefa de cuidar se nos dispusermos a promover o bem estar do outro sem esquecermos do nosso próprio.

             Após todos terem respondido suas perguntas e terem trocado experiência e sentimentos, pedi a eles que falassem um pouco de como estavam se sentindo, como tinham visto os nossos encontros já que aquele seria nosso último encontro, queria saber deles como esse projeto e estas intervenções foram vistas. Confesso que estava ansiosa por este momento, pois para mim as atividades foram muito boas e em todos os encontros meus objetivos foram alcançados.

            Mas sentia uma necessidade particular de ouvir deles uma “avaliação”, e tive retornos muito positivos me senti realizada de ouvi-los, dizendo que este projeto fez muito bem para a equipe que se sentiam muito bem após os encontros e que tinham certeza que o meu projeto foi um indicativo de que o cuidado ao cuidador era algo que deveria ser instituído.

Trouxeram a importância dos encontros para aproximação das pessoas e que ter um espaço onde pudessem fazer trocas de sentimentos era algo maravilhoso. A fala de uma colega me marcou muito:

”Como é bom saber que estamos todos no mesmo barco”

Eu saio dessas intervenções com a sensação de missão cumprida, de ver que as pessoas após os encontros se sentiram melhores, pois conseguiram trocar experiências tanto profissionais quanto pessoais e que isto fez com que se sentissem bem.

 Proporcionei isto, despertei neles a importância de olhar para si mesmo, a necessidade de serem ouvidos e de ouvirem também, e que são nessas trocas nesses cuidados que irão se transformar em profissionais mais felizes, saudáveis e melhores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANÁLISE DA IMPLICAÇÃO DO ALUNO

O estágio que realizei no CREAS durante este ano foi muito importante, foi uma experiência muito gratificante e enriquecedora não só na minha formação em Psicologia, mas mais do que tudo, no meu crescimento pessoal.

Quando a gente se depara que chegou à hora de botar em pratica tudo que aprendemos na faculdade, todas aquelas teorias que parecem resolver todos os problemas é que vemos que nada está pronto que não existe fórmula para isto ou para aquilo.

Quando cheguei ao CREAS achei que iria encontrar um manual de como ser um estagiário de psicologia e como ser um psicólogo e percebi que para isto não existe manual que somos nós ao longo do tempo que vamos montando nossos próprios manuais.

Se hoje eu sinto que comecei a montar meu manual de estagiária de psicologia para um futuro de psicóloga, devo isto a duas pessoas que foram indispensáveis na minha formação ao longo deste ano, a Alessandra (minha supervisora no CREAS) e a Simone (minha supervisora na UNISINOS), pois sem elas não teria a menor condição de ter realizado meu estágio.

Ressalto a importância que elas tiveram na minha formação, sempre me incentivando a mais, sempre despertando em mim a vontade de fazer melhor, e mais do que isso me ajudando a ter sucesso nas minhas intervenções, sem dizer no carinho, atenção e compreensão que tiveram comigo durante os momentos difíceis que passei na minha vida pessoal durante este ano.

O CREAS para mim além de ter me proporcionado um aprendizado enorme, me proporcionou criar vínculos que sem eles não conseguiria concluir minha jornada de estágio básico, cada profissional dentro do CREAS tem suas singularidades e aprendi muito com eles, cada um é indispensável para o serviço, pude fazer trocas enormes com os profissionais de outras áreas e também aprender com eles.

Consegui perceber que para criticar algo que não faz sentido para nós antes de qualquer coisa precisamos conhecer o que estamos criticando e não apenas faze-lo.

Falando em aprender, acho que neste período que passei no CREAS, aprendi a ver as pessoas de forma diferente, aprendi a não julgar e sim tentar entender as pessoas por completo, considerando a condição sócio-econômica delas para assim consegui fazer um bom trabalho.

Acho que a maior dificuldade que eu encontrei durante o estágio foi lidar com meus próprios limites, saber até aonde podemos e temos condições de ir...  Lidar com os sentimentos de angústia, frustrações e medos. E foi apartir disto que pude pensar no meu projeto de intervenção.

Em relação ao meu trabalho realizado, sinto que o objetivo principal do meu projeto foi alcançado. Algumas angústias, inseguranças fizeram parte dessa trajetória. Mas afinal, quem não passa por isso durante a vida? Senti, apesar desses sentimentos, que colaborei para que a equipe do CREAS pudesse perceber que o cuidado ao cuidador é fundamental no tipo de trabalho que eles exercem. 

Saio do CREAS feliz e realizada de ter podido trabalhar em um local que é referência de serviço e que tem uma equipe tão qualificada, vou sentir saudades...

“No meu lar o amor, o cuidar na profissão, a dedicação, no lazer amigos de bem querer, de proteger, cotidiano de muito batalhar e nunca parar. Aos momentos de rapidez, não deixo de pensar porque o meu bem é que me faz bem...”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CODO, W.; SAMPAIO, J. J. C.; & HITOMI, A. H. (orgs). Indivíduo, Trabalho e Sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. RJ: Vozes, 1994.

DEJOURS, C.; ABDOUCHELY, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo SP: Atlas, 1994.

DEJOURS. C. A loucura no Trabalho: estudo de trabalho. 5 º ed. Ampliada São Paulo: Cortez. 1992.

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MACHADO, A. G.; MERLO, Á. R. C. Cuidadores: seus amores e suas dores.  (2008). Disponível em < http://www.scielo.br>. Acesso em: 22 out. 2011.

MARTINS, M. C. F. N. Humanização da Assistência e Formação do Profissional de Saúde. Disponível em < http://www.polbr.med.br/arquivo0503 1 htm>. Acesso em 16 nov. 2011.

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