PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL E A CONDIÇÃO MAIS FAVORÁVEL COMO PRINCÍPIOS LIMITADORES DA FLEXIGURANÇA¹

 

Larissa Silva Almeida²

Eva Danielle Pedrosa³

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Flexigurança 2.1 Conceito e Características; 2.2 A flexibilização e a supervalorização do trabalho; 3. Espécies de Flexibilização; 4. Os Limites e Restrições à flexibilização; 4.1 Proibição de retrocesso social e a condição mais favorável como limitadores da flexigurança; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Devido às inúmeras revoluções existentes objetivando a melhoras nas condições de trabalho, houve a implementação de uma legislação trabalhista, com o intuito de defender o trabalhador. Mas com o advento do liberalismo abriu-se precedente para a implantação de uma legislação mais maleável onde coubesse a acordos entre os empregados e empresários sem a previa autorização estatal, com isso foi implantado a flexibilização das normas trabalhistas, a qual se denomina flexigurança. Esta pode ser praticada de diversas formas, levando em consideração a necessidade do empregador e leis fundamentais que devem ser respeitadas, tais como as normas constitucionais e trabalhistas. Ademais a fragilidade e a falta de informação do trabalhador brasileiro abrem precedentes para abusos por parte daqueles que detém os meios de produção, portanto faz-se importante identificar as fragilidades do sistema e de suas inovações no sentido de encontrar limites à flexigurança.

 

Palavra chave: Flexigurança; hipossuficiência; direitos; Proibição de Retrocesso Social; Condição mais Favorável.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A globalização trouxe consigo muitas conseqüências principalmente no que tange à economia e a integração dos mercados no âmbito internacional. Além disso, várias crises econômicas afetaram o mercado global nos últimos anos o que gerou uma constante necessidade de reduzir custos na produção e otimização do tempo, o que gerou a redução de uma série de benefícios do trabalhador a qual denominamos “flexigurança” o que significa criar exceções e tornar mais maleável a legislação trabalhista com a finalidade de estimular a economia fomentando a atividade empresarial (CASSAR, 2010).

Porém a flexigurança apesar de ser um substantivo que une flexiblidade com segurança, geralmente representa o inverso do significado das palavras que a compõem, pois essa flexibilização das leis trabalhistas tem sido muitas das vezes maléfica aos trabalhadores significando um retrocesso das conquistas conseguidas com muito esforço ao longo dos anos.

Ademais a flexibilização das leis trabalhistas tem gerado uma controvérsia com o princípio constitucional da condição mais benéfica ao trabalhador, porque nem sempre flexibilizar traz benefícios ao empregado. Outro ponto controverso dessa flexigurança é a supervalorização das decisões coletivas provenientes de acordos feitos com os sindicatos, porém nem sempre esta instituições tem cunho reivindicatório e muitas de suas decisões ao invés de benefícios podem trazer prejuízos ao trabalhador da categoria. A pergunta que se faz diante disso é: de que maneira poderiam os princípios constitucionais da condição mais benéfica e da proibição do retrocesso social limitar os “avanços” da flexisegurança no Brasil?

 

2 FLEXIGURANÇA

 

Com o advento da Revolução Francesa, movimento popular de cunho político e econômico responsável histórico pelo aparecimento do trabalho livre, foi possível admitir a prestação trabalhista em proveito de outrem mediante contrato, sem com que houvesse uma subordinação do trabalhador fora do conteúdo do contratado, resultando em inúmeros direitos e benefícios aos trabalhadores.

A Revolução Soviética de 1917 resultou das lutas de classe e dos métodos de conquista de poder através de rebeliões e da superação da concepção liberal, os socialista começaram a catequizar os trabalhadores para uma reorganização da sociedade capitalista, com um papel nitidamente intervencionista do Estado. Houve então a superação do liberalismo começada pelos socialistas (RUSSOMANO, 2006).

Com a inserção do neoliberalismo que admite a participação do Estado no encaminhamento de problemas da comunidade houve a elaboração de normas fundamentais de direito do trabalho, ou seja, nas palavras de Mozart Russomano, normas que constituem o casco da embarcação em que navega as aspirações dos operários modernos, mas que ao mesmo tempo houve a flexibilização de algumas normas. (RUSSOMANO, 2006)

Partido do neoliberalismo tiramos a idéia de flexibilização das normas trabalhistas, passando a ser usada a negociação coletiva para resolver os conflitos existentes entre trabalhadores e empresários. Dispõem Mozart Russomano:

 

“É dentro da concepção básica que considerando o neoliberalismo uma bela, mas perigosa aventura ideológica deste final de século XX, que, inclusive no plano de nossas preocupações, levou à ideia de flexibilização das normas legais trabalhistas e hoje tende à sua desregulamentação (...) Essa flexibilização, em verdade, começou no momento em que se reconheceu a legitimidade jurídica e se passou a usar, largamente, a negociação coletiva para resolver conflitos entre trabalhadores e empresários e como método de formulação de normas infra-legais disciplinadoras de suas relações” (RUSSOMANO, 2006, p. 28)

 

O direito do trabalho atualmente em nosso país é caracterizado por um conjunto de normas que regulamentam as relações de emprego existentes, podendo ser dividido em direito individual do trabalho e direito coletivo de trabalho.

As normas existentes no direito trabalhista podem ser oriundas e diversas fontes como as fontes estatais, fontes de origem profissional, fontes internacionais, supletivas e subsidiárias, todas devendo guarda obediência a lei maior do nosso país, a Constituição Federal (BARROS, 2012).

Mas como conseqüência do neoliberalismo, das inúmeras novidades que a globalização trouxe para a economia e a integralização do mercado, adotou-se no Brasil a flexigurança o que gerou a redução de vários benefícios aos trabalhadores.

 

2.1 Conceito e Características

 

Devido às crises econômicas, o aumento da oferta de mão de obra causado pelo desemprego, este trazido pelos novos métodos de produção oriundos das novas tecnologias, houve a necessidade de redução nos benefícios oferecidos ao trabalhador, havendo então a “flexibilização” dos seus direitos (CASSAR, 2010).

Com um intuito de dar maleabilidade à rígida lei trabalhista e solucionar os problemas econômicos existentes, a flexibilidade tem sido, no campo trabalhista, uma reivindicação empresarial que algumas vezes pode prejudicar o trabalhador. (BARROS, 2012)

Segundo Alice Monteiro de Barros, houve dois momentos históricos que caracterizaram a flexibilização, o primeiro que corresponde a um processo temporário, conhecido como direito do trabalho de emergência e o segundo momento coincide com a instalação da crise econômica, e correspondem as reinvindicações permanentes feitas pelos empregadores (BARROS, 2012).

Entretanto não se pode confundir a flexibilização com a desregulamentação, aquela se caracteriza pela necessidade de amenizar os efeitos da lei, já está é a retirada total da proteção normativa antes oferecida pelo Estado aos trabalhadores. Joaquim Donizeti Crepaldi dspoem de maneira mais clara sobre essa diferença:

 

“Flexibilizar significar causar transformações nas regras existentes, atenuando a influencia do Estado, diminuindo o custo social da mão-de-obra, mitigando certas regras que não ofendem a dignidade do ser humano, mas e valendo por um standart minimum indispensável, mediante patente desigualmente existente entre empregadores e trabalhadores (...) Desregulamentar significa retirar as regras heterônomas das relações de trabalho, de tal foram que a vontade dos sujeitos que estabelecerá as normas que devem comandar as suas relações, ou seja, é a extinção gradual de regras imperativas, com a consequente ampliação da liberdade de convenção” ( GIRROTO, apud CREPALDI, 2010, p. 21)

 

No Brasil há a utilização da flexibilização, não sendo aplicada a desregulamentação, pois há no país a incidência de regras gerais que norteiam a aplicação do direito trabalhista, como por exemplo, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). 

 

2.2 A flexibilização e a “superexploração”

A fragilidade e a falta de informação do trabalhador brasileiro abrem precedentes para abusos por parte daqueles que detém os meios de produção, portanto faz-se importante investigar as fragilidades do sistema e de suas inovações no sentido de esclarecê-las para que não haja uma superexploração do trabalho.

Devido as flexibilização existente há, com o intuito de aumentar os lucros, a utilização da força de trabalho em condições consideradas abusivas, denominadas como supervalorização do trabalho.

Há um excesso de trabalho e um descanso para repor as energias de maneira insuficiente, acompanhada de salários que também são considerados insuficientes para a subsistência do trabalhador e consequentemente de sua família. Segundo Octavio Ianni a superexploração se caracteriza:

“Superexploração: salários ínfimos, longas jornadas de trabalho “legitimadas” pelo instituto das horas extras, aceleração do ritmo de trabalho pela da velocidade do grupo de trabalho e pela manipulação da velocidade das maquinas e equipamentos produtivos, ausencia ou escassez de proteção ao trabalhador em ambientes de trabalho, insegurança social.” (CASSAR, apud IANNI, 2010, p. 41)

A superexploração do trabalhador não pode ser confundida com a flexibilização, apesar de a flexibilização algumas vezes trazer malefícios ao trabalhador, isso em casos extremos, é socialmente aceita, haja vista ser utilizada em momentos de crises, entretanto a superexploração não constitui algum socialmente aceito, mas sim reprimível através da utilização de legislação mais rígida para tentar coibir essa prática.

3 ESPÉCIES DE FLEXIBILIZAÇÃO

 

Há inúmeras formas de classificar as flexibilizações, Vólia Cassar traz algumas espécies como a flexibilização de adaptação que visa a fazer adaptações por intermédio de autonomia coletiva, não se limitando a tirar benefícios trabalhistas previstos em normas nacionais (CASSAR, 2010)

Outra espécie de flexibilização é a de proteção que só permite a alteração da norma trabalhista para favorecer o operário, não sendo possível a utilização da flexibilização para retirar direitos mínimos dos trabalhadores, mas caso o haja riscos ao empreendimento pode haver a prevalência do interesse do empregador sobre o interesse do empregado.

A flexibilização por desregulamentação substitui uma legislação rígida por um menos favorável a empregado, como entre a revogação e a substituição há um vazio legislativo, essa ocasião dar-se espaço à negociação entre as partes (CASSAR, 2010).

Há também a flexibilização autônoma em que há a utilização de acordo e convenções coletivas, ou seja, há uma autonomia dos empregados e empregadores para acordarem seus direitos e obrigações. Em contrapartida há também a flexibilização heterônoma onde o Estado é detentor das feituras das leis e decretos, podendo este autorizar a derrogação ou substituição das normas, podendo ser feita de forma unilateral pelo empregador.

A flexibilização condicionada enseja uma renúncia ou perda de direito em compensação por parte da empresa ou do próprio Estado, e caso não haja o cumprimento dos deveres impostos ao Estado pela renuncia ou perda o trabalhador poderá reaver ser direitos antes suprimidos. Já a flexibilização incondicionada não há nem um contraprestação do Estado ou da empresa devido a retirada dos direitos dos empregados (CASSAR, 2010).

Outra flexibilização tratada pela autora é a flexibilização interna e a externa, aquela permite que o contrato de trabalho seja alterado na sua vigência mesmo que seja para um prejudicar o trabalhador, já esta é subdividida em flexibilização de entrada que é quando há a flexibilização no momento do ingresso do trabalhador e a de saída que se manifesta pelo aumento das formas em que se pode demitir um empregado (CASSAR, 2010).

 

4 OS LIMITES E RESTRIÇÕES À FLEXIBILIZAÇÃO

 

É notória a desigualdade que permeia a relação de trabalho, colocando o empregado em uma situação de hipossuficiência em relação ao empregador. Com as constantes crises na economia mundial e a expansão dos mercados nasceu a necessidade de se fomentar a atividade empresarial através de condições mais atrativas ao empregador, uma delas foi a flexigurança que visa mitigar e maleabilizar alguns direitos do trabalhador. Entretanto, isto geralmente tem sido maléfico ao trabalhador e tem trazido retrocessos nas conquistas alcançadas ao longo da história no âmbito trabalhista.

Mesmo havendo a possibilidade de uso da flexibilização, há limites para sua utilização. Sobre A classificação desses limites Suelen Domingues aduz:

 

Alguns doutrinadores classificam os limites da flexibilização quanto à admissibilidade e quanto à proibição. Quanto à admissibilidade, subdivide-se em dois tipos: a) admissíveis: são aqueles utilizados apenas em ocasiões especiais, como por exemplo em épocas de crise, permitindo a continuidade da empresa, mas garantindo um mínimo ao trabalhador. Geralmente é realizado por meio de negociação coletiva; b) inadmissíveis: são aqueles criados apenas para reduzir direitos trabalhistas. Quanto à proteção, distingue-se em: a) proibida: aquela onde a própria lei proíbe a flexibilização; b) autorizada ou permitida: quando a lei autoriza a flexibilização, como por exemplo, o artigo 7º, VI da CF que permite a redução dos salário mediante convenção ou acordo coletivo (DOMINGUES, 2011, P. 47).

 

O direito do trabalho pode ser regulamentado de diversas formas, podendo ser feita tanto pelo Estado quanto pelo particular. Entretanto essa regulação apresenta algumas barreiras no próprio direito do trabalho e no direito constitucional. O artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que:

 

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

 

Dessa forma pode-se observar a intenção do legislador de proteger os interesses do empregado, considerando sua condição de hipossuficiência na relação de trabalho, frente aos do empregador, atuando de forma a manter o equilíbrio. Além disso, Girotto destaca:

 

Diante do panorama de transição com o qual se depara o Direito do Trabalho, são os seus fins, portanto que devem nortear todas as normas existentes neste ordenamento jurídico, revelando-se o reporte aos princípios, regras e conceitos desse ramo jurídico a melhor forma de estabelecer limites dentro dos quais qualquer intérprete exercerá o seu juízo, de forma a não comprometer a segurança jurídica na aplicação da norma, para que o acordo entre as partes não se sobreponha às garantias e princípios que regem este ramo do Direito (GIROTTO, 2010, p. 51).

 

A flexigurança representa uma vilã a partir do momento em que “atropela” os princípios constitucionais da condição mais benéfica ao trabalhador e da proibição do retrocesso social frente à fragilidade do empregado na relação trabalhista. De acordo com Vólia Bonfim Cassar os malefícios da flexibilização das leis trabalhistas se percebem na medida em que:

 

Muitos trabalhadores, pressionados pela pobreza, fome, escassez de emprego e de ofertas de trabalho, abrem mão de benefícios, se submetem à condições ínfimas de trabalho, muitas de risco, com salários baixíssimos. Este cenário constitui um retrocesso de garantias conquistadas a duras penas (CASSAR, p. 57, 2010 – grifo nosso).

 

Além disso, a flexigurança traz uma supervalorização dos acordos com sindicatos, os quais nem sempre atendem à condição mais benéfica ao trabalhador devido à diversos interesses que permeiam sua relação com a classe empresarial. A Constituição Federal em seu artigo 7° inciso XXVI reconhece os acordos coletivos e convenções, mas se faz importante ressaltar que “a Lei Maior não teve a intenção coletiva de permitir que a negociação coletiva pudesse sobrepor-se à lei, seja porque essa interpretação fere uma visão sistêmica, seja porque o inciso deve ser interpretado em consonância com o cáput” (CASSAR, p.63, 2010).

A flexigurança não pode ser isenta da imposição de limites, só poderá ocorrer quando lei a autorizar e quando não vier a ferir direitos fundamentais do trabalhador, tais como os dispostos no artigo 7º da Constituição Federal. Assim não se pode cometer abusos quando da aplicação da flexibilização de direitos alheios na prática tal como estabelece o artigo 187 do Código Civil:

 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

O que o legislador desejou com isto foi estabelecer limites éticos ao exercício dos direitos o que remete ao princípio da boa-fé. O artigo 9° da CLT aduz que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de preceitos trabalhistas”, portanto, qualquer transação de direitos só poderá ser feita em juízo e comum acordo, evitando que o empregado seja obrigado a fazê-lo contra a sua vontade. Desta maneira, não é permitido ao empregador por si só, escolher quais regras deverão ser aplicadas na relação de emprego (DOMINGUES, 2011).

 

4.1 Proibição de retrocesso social e a condição mais favorável como limitadores da flexigurança

 

O princípio da proibição do retrocesso social surge como forma de proteger o cidadão de ações retrocessivas do Estado, ignorando os direitos já anteriormente conquistados, deve-se considerar os direitos sociais como irredutíveis, passiveis somente de modificações que aumentem seu alcance. Sobre isso Renata Cezar:

 

Significa dizer que o princípio da proibição do retrocesso social confere aos direitos fundamentais, em especial aos sociais, estabilidade nas conquistas dispostas na Carta Política, proibindo o Estado de alterar, quer seja por mera liberalidade, ou como escusa de realização dos direitos sociais. A estabilidade a qual nos referimos, não pretende tornar a Constituição e as normas infraconstitucionais imutáveis, mas dar segurança jurídica e assegurar que se um direito for alterado, que passe por um longo processo de analise para que venha beneficiar seus destinatários (CEZAR, 2011, np).

 

Daí pode-se extrair que uma vez que um direito tenha sido adquirido é defeso ao Estado extingui-lo ou alterá-lo de maneira maléfica ou desvantajosa ao cidadão. Ademais Siqueira destaca:

Trabalha-se, pois, com a ideia de mínimo existencial, que, resumidamente, é a essência dos direitos fundamentais, funcionando simultaneamente como sua proteção [HÄBERLE, 2003, p. 58], independente das condições políticas, sociais e econômicas da comunidade a que se pertença. Assim, ao Estado impõe-se que se abstenha de violar esse núcleo, seja mediante atos, seja mediante omissões, a fim de não macular a dignidade humana. E é exatamente esta ideia que parece permitir a ‘constatação da existência de um princípio da proibição do retrocesso social’ [CONTO, 2008, p. 85] – (SIQUEIRA, 2010, p. 50).

 

Este princípio constitucional pode ser aplicado também ao Direito do Trabalho e, quando posto em confronto com a flexigurança percebe-se um conflito. Isto se dá pelo fato de que a flexigurança busca mitigar direitos adquiridos pelos trabalhadores, o que significa uma afronta a proibição do retrocesso social, que veda a extinção ou a alteração desvantajosa de direitos já conquistados pelos cidadãos.

Nesse sentido também há o princípio trabalhista da condição mais favorável e/ou mais benéfica. Definido por Maurício Godinho Delgado:

 

Este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste de caráter de direito adquirido [art. 5º, XXVI, CF/88]. Ademais, para o princípio, no contraponto entre dispositivos contratuais concorrentes há de prevalecer aquele mais favorável ao empregado. [...] Incorporado pela legislação (art. 468, CLT) e jurisprudências trabalhistas [Súmulas 51, I, e 288, TST], o princípio informa que cláusulas contratuais benéficas somente poderão ser suprimidas caso suplantadas por cláusula posterior ainda mais favorável, mantendo-se intocadas [direito adquirido] em face de qualquer subseqüente alteração menos vantajosa do contrato ou regulamento da empresa (DELGADO, 2014, p. 200 – 201).

 

Este princípio também se contrapõe a flexigurança e seus “avanços” em direção a direitos já adquiridos pelo trabalhador. Outrossim apresenta-se outro conflito aparente de normas, o qual Vólia Bonfim Cassar explica:

 

Percebe-se o conflito de princípios constitucionais, pois de um lado o comando de proteção do trabalhador (art. 7º, caput, CF) e de outro o princípio de preservação da empresa (art. 170). Por outro lado, princípios e regras fundamentais garantidoras de direitos sociais estão previstas na Constituição e devem embasar as decisões relativas à conflitos de normas (lato sensu) ou seja, quando não houver possiblidade de solucionar o conflito estes serão solucionados com base nos princípios constitucionais e com base na moderna teoria da ponderação de interesses na Constituição Federal (CASSAR, 2010, p. 58)

 

Estes princípios constitucionais devem ser observado na prática pelos aplicadores da lei de forma a interferir na esfera jurídica do trabalhador da maneira mais benéfica possível. A flexigurança surgiu com o intuito de favorecer as empresas e facilitar as relações com seus empregados, porém este precedente não pode ser visto como algo ilimitado e deve ser poderado juntamente com os princípios constitucionais da condição mais favorável e da proibição do retrocesso social, de forma a não prejudicar o trabalhador. Além disso a flexigurança deve ser considerada uma exceção à regra, visto que deve ser tomada como medida excepcional e não como uma maneira de “burlar” a legislação trabalhista vigente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

O Direito do Trabalho passou por várias etapas ao longo da história, muitas delas maléficas ao trabalhador, até chegar aos dias atuais onde já se tem direitos trabalhista bem delineados embora ainda não sejam suficientes, por isso não se pode abrir mão dos princípios de proteção ao trabalhador. Com o advento da globalização e a substituição do trabalho humano pela máquinas e melhoria das técnicas produtivas, o índice de desemprego é crescente, e a solução encontrada para amenizar essa situação foi a flexibilização das normas trabalhistas como forma de fomento da atividade empresarial. A esta denomina-se flexigurança.

A flexigurança apesar de ser um compilar flexiblidade e segurança na mesma palavra, geralmente é contrária ao significado das palavras que a compõem, pois esta tem sido utilizada de maneira equivocada o que gera malefícios aos trabalhadores, significando um retrocesso dos direitos adquiridos, com muito esforço, ao longo dos anos. Porém esta flexibilização deve submeter-se à princípios constitucionais e trabalhistas como forma de conter os seus “avanços” sobre os direitos já conquistados pelo trabalhador. Como princípios limitadores se pode identificar o da condição mais favorável e o da proibição do retrocesso social, os quais podem ser aplicados na prática por meio da Teoria da Ponderação.

Por fim, se conclui que a flexiblização das normas trabalhistas deve ser utilizada tão somente como medida excepcional de preservação da empresa em obediência ao princípio constitucional que assegura ao empresário este direito (art. 10, CF). Não se pode admitir um abuso, por parte dos detentores do Capital, sobre este direito que lhes foi conferido, sob pena de contrariar princípios trabalhistas que defendem a dignidade do trabalhador e afrontar a própria Constituição que é a Lei Maior do estado democrático de direito brasileiro.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho/ Alice Monteiro de Barros. – 8. ed. – São Paulo: LTr, 2012

 

CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios trabalhistas; novas profissões; globalização da economia e; flexibilização das normas trabalhistas. Niterói: Impetus, 2010.

 

CEZAR, Renata. Direitos Sociais e o princípio da Proibição do Retrocesso Social. 2011. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6390> Acesso em 21 de abr. de 2014.

 

DOMINGUES, Suelen Martins. A Flexibilização das Normas Trabalhistas. Faculdade Cenecista de Varginha: Varginha, 2011. Disponível: <http://www.faceca.br/revista/index.php/monogr2/article/viewFile/130/pdf_24>  Acesso em 21 de abr. de 2014.

 

GIRROTO, Luís Leonardo. Limites à Flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil. Trabalho de conclusão de curso de Ciências Jurídicas e Sociais apresentado ao departamento de direito Econômico e do Trabalho, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande de Sul. Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/27341/000764658.pdf?..> Acesso em 21 de abr. de 2014.

 

MENDES. Gilmar Ferreira .Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. 8.ed.rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013.

 

MURADAS, Daniela. O Princípio da Vedação do Retrocesso Jurídico e Social no Direito Coletivo do Trabalho. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. v. 22, n262, Abril 2011.

 

SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Da reserva do possível e da proibição de retrocesso social. In: revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, julho / agosto / setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ANO XXVIII. Disponível em: <http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1017.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2014