PROGRAMA ESPACIAL CHINÊS E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA ASTRONÁUTICA

Palavras-chave: China, Shenzhou, taikonauta, programa espacial, espaçonave.

INTRODUÇÃO
Em outubro de 2003 a China tornou-se o terceiro país a colocar um homem no espaço com meios próprios. O feito aconteceu quarenta e dois anos após o primeiro homem ? o russo Iuri Gagarin ? ter voado ao espaço. Quarenta e dois anos antes também o primeiro astronauta norte-americano ? Alan Shepard ? havia voado ao espaço. Antes da China países como a extinta Tchecoslováquia, Alemanha, Cuba, Vietnã, Mongólia, Romênia, Afeganistão, França, Itália, Síria, Suíça, Japão, Índia, Canadá, Espanha, entre outros, já haviam enviado homens ao espaço, mas sempre de carona em naves da Rússia ou dos Estados Unidos (SAGAN, 1996; NOGUEIRA, 2005; SPACEFACTS, 2010a e 2010g). Na verdade, a China foi o trigésimo quinto país a enviar um homem ao espaço. Seu grande diferencial foi ter desenvolvido um foguete potente o suficiente para enviar ao espaço uma nave tripulada com tecnologia própria (SPACEFACTS, 2010a).
O fato de ter entrado no seleto clube de nações capazes de enviar homens ao espaço constituiu um símbolo de status deveras auspicioso e atraiu os olhos do mundo à China de maneira positiva. Vários países passaram imediatamente a considerar o país como sendo um potencial parceiro para futuras atividades espaciais.
Antes mesmo de enviar homens ao espaço a China já havia se estabelecido como uma potência espacial, pois se fixara como uma das nações mais desenvolvidas no lançamento de satélites comerciais, enviando ao espaço cargas de países dispostos a lhes pagar por lançamentos com seus foguetes Longa Marcha, atualmente entre os mais eficientes do mundo. A decisão de criar um programa espacial tripulado foi apenas uma consequência já esperada para uma nação que possui capacidade para tal e desejo de mostrar ao mundo o que é capaz de conseguir com seu esforço. A decisão parece ter incitado ao menos outra nação a seguir o exemplo, pois a Índia também anunciou para breve a construção de uma nave a levar tripulantes, possivelmente realizando seu primeiro voo antes de 2020 (MORENO, 2008).
Entretanto, nem tudo é motivo para comemorações. A frequência de voos espaciais tripulados por naves chinesas é baixíssima, da ordem de um a cada dois anos em média. Uma particularidade interessante é a semelhança entre o programa espacial tripulado da China e o da Rússia, sobretudo na época comunista desta. Tal como os soviéticos, os chineses procuram preparar-se em segredo, apenas divulgando informações ao mundo quando o feito é coroado de êxito esmagador. Em contrapartida, procuram esconder informações quando a atividade resulta em fracasso e, eventualmente, mortes. Há também uma gritante semelhança entre a nave utilizada pela China para enviar seus homens ao espaço e a nave utilizada pela Rússia, assim como os trajes espaciais de seus tripulantes. Pode ficar a impressão de que o programa espacial triplado chinês é apenas uma cópia de pouco brilho do triunfante programa espacial russo.

OBJETIVOS
? Examinar a importância do programa espacial chinês no âmbito da Astronáutica e a forma como este contribui para a forma como a história da exploração espacial é moldada;
? Analisar de que forma o programa espacial chinês tem contribuído para que a Astronáutica se desenvolva;
? Descrever as diferenças e similaridades entre o incipiente programa de voos espaciais tripulados chinês e os de outras nações;
? Analisar o futuro do programa espacial da China, tal como é por eles próprios divulgado e como provavelmente ele se desenvolverá.

MATERIAIS E MÉTODOS
? Realização de debates sobre história, desenvolvimento e importância da Astronáutica em atividades do GEDAL (Grupo de Estudos e Divulgação de Astronomia de Londrina);
? Realização de consultas a livros publicados por especialistas sobre Astronáutica ou que tenham capítulos abordando o tema. Endereços eletrônicos de agências espaciais como a China National Space Administration (www.cnsa.gov), Canadian Space Agency (www.space.csa.gc.ca), Rosaviakosmos (www.roscosmos.ru), Japan Aerospace Exploration Agency (www.jaxa.jp), Agência Espacial Brasileira (www.aeb.gov.br) e European Space Agency (www.esa.int) foram também consultados e explorados.

HISTÓRIA
O programa chinês de exploração espacial teve início em 1956. Na época a cooperação em ciência, tecnologia espacial e desenvolvimento de foguetes do governo comunista da China com a então União Soviética permitiu o nascimento do programa espacial chinês (ASTRONAUTIX, 2010a).
Na década de 1950 existiu uma cordial relação entre os governos da China e da União Soviética, sendo que esta nação repassou tecnologia àquela. Por meio deste programa de transferência tecnológica, estudantes chineses foram treinados e aprenderam a construir protótipos de foguetes de pouca complexidade. Na mesma época o cientista chinês Qian Xuesen, que trabalhava nos Estados Unidos, engajado no projeto de construção dos primeiros foguetes americanos, foi expulso daquele país, por ordem do então presidente Dwight Eisenhower. O motivo que levou à expulsão do cientista foi uma acusação nunca comprovada de que o mesmo fazia parte de uma "célula comunista" (CIÊNCIA E VIDA, 2010).
Xuesen foi acolhido por Pequim, que devolveu aos Estados Unidos centenas de prisioneiros feitos durante a Guerra da Coreia. Xuesen foi recebido como heroi em Shenzhen, na fronteira com Hong Kong. Possuidor de conhecimentos valorosos, ele teve acesso a meios suficientes para criar a Quinta Academia do Ministério da Defesa Nacional, que desenvolveu uma série de mísseis. O Ocidente perdia um gênio na técnica da construção de foguetes e ainda municiava os então inimigos comunistas. Qian Xuesen passaria a ser considerado o pai do programa espacial chinês (MORENO, 2008).
Em 1956 o cientista propôs e obteve apoio do governo de Mao Tse Tung para um programa pioneiro de mísseis balísticos, do qual se tornou diretor. O plano apresentado, chamado de Plano de Doze Anos, objetivava o desenvolvimento de uma tecnologia espacial chinesa, enfatizando o desenvolvimento do projeto de um satélite a ser colocado em órbita em 1959, algo que acabou não acontecendo (CIÊNCIA E VIDA, 2010).
Em 1960 a União Soviética rompeu relações com a China e retirou seu apoio e a transferência de tecnologia, mas a comunidade científica chinesa prosseguiu de maneira independente e lançou seu primeiro foguete em fins daquele ano. Em 1964 a China lançou ao espaço um foguete transportando alguns ratos albinos no que foi a primeira experiência espacial chinesa envolvendo seres vivos. O sucesso da missão fez com que Mao Tse Tung passasse a considerar a possibilidade da China enviar ao espaço um homem antes mesmo do fim da década de 1960, seguindo os exemplos da União Soviética e dos Estados Unidos. Os chineses chegaram a escolher e a treinar um grupo de 19 pilotos para realizarem voos espaciais e a projetar uma espaçonave tripulada, batizada de Shuguang (Amanhecer). A nave era uma cópia da espaçonave norte-americana Gemini e, como esta, com capacidade para conduzir dois tripulantes. Porém, com o advento da Revolução Cultural vários cientistas, entre eles os principais responsáveis pelo projeto da nave tripulada, foram perseguidos, com alguns sendo presos e até executados. A ideia da nave Shuguang acabou sendo abandonada e os piltoos que realizavam treinamento para viajar ao espaço foram enviados de volta às suas unidades de origem (ASTRONAUTIX, 2010a).
Ainda na década de 1960 engenheiros espaciais chineses desenvolvem um grande foguete, baseado em tecnologia soviética. O veículo recebeu o nome de Longa Marcha em homenagem à famosa retirada das tropas do Partido Comunista Chinês, Exército de Libertação Popular, para fugir à perseguição do exército do Kuomintang (BOMFIM, 2010). Utilizando este foguete a China colocou em órbita seu primeiro satélite em 24 de abril 1970, chamado Dong Fang Hong I (Oriente Vermelho I), tornando-se a quinta nação do mundo - após União Soviética, Estados Unidos, França e Japão - a colocar um satélite na órbita da Terra por meios próprios. Este satélite tinha por objetivo a realização de experimentação científica nao especificada. Foi também o primeiro de uma série de 55 satélites que seriam lançados nas décadas seguintes (MORENO, 2008).
Em novembro de 1975 os chineses lançaram, também com um foguete da série Longa Marcha, o seu primeiro satélite recuperável. O equipamento retornou à Terra três dias depois e a China tornou-se o terceiro país (depois de Estados Unidos e União Soviética) a recuperar um satélite (ASTRONAUTIX, 2010a).
Em 1988 a China enviou ao espaço seu primeiro satélite meteorológico, o FY-1A. Na mesma época o país inicia conversações com o Brasil objetivando a construção de dois satélites de sensoriamento remoto, uma vez que tais equipamentos seriam de grande importância aos dois países, donos de um vasto território com grande fartura de recursos naturais (INPE, 2010; AEB, 2010). Em 06 de julho de 1988 é firmada uma aliança entre as duas nações, por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Brasil, e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST, da sigla em inglês), chinesa, o que tornaria possível a construção dos satélites, no que foi denominado Programa CBERS, da abreviação em inglês para Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (MORENO, 2008). O episódio atestava a intenção da China em agregar parcerias.
Inicialmente a parceria entre os dois países contemplava o lançamento dos satélites com custo dividido em 30% para o Brasil e 70% para a China. Posteriormente a assinatura de um acordo para a construção e lançamento de dois novos satélites alteraria esta divisão para 50% para cada uma das nações (MORENO, 2008; INPE, 2010).
Em 1990 os chineses colocaram em órbita o satélite de comunicações AsiaSat-1, dando início aos primeiros voos espaciais de caráter comercial da China.
Ainda em 1990 a China desenvolveu e testou o foguete Longa Marcha CZ-2E, projetado para enviar ao espaço naves espaciais tripuladas. Em 1992 o governo chinês anunciou que um dos objetivos de seu programa espacial era enviar homens ao espaço. Na ocasião criou-se até mesmo um nome para suas futuras naves tripuladas: Shenzhou, que significa Barco Divino (NOGUEIRA, 2005).
Em 26 de janeiro de 1995 a China registrou um acidente fatal em seu programa espacial, ainda que o governo chinês tenha se esforçado para manter o desastre em segredo. Naquela data um foguete Longa Marcha foi lançado para colocar em órbita um satélite. Entretanto, logo após o lançamento o veículo teve seu curso alterado devido a um defeito técnico em seu sistema direcional, caindo em uma área habitada. Pelo menos seis pessoas teriam morrido na ocasião (CENTURYCHINA, 1999).
Um acidente ainda pior ocorreria em 15 de fevereiro do ano seguinte. Na ocasião um foguete Longa Marcha 3B foi lançado para colocar em órbita o satélite Intelsat 708, construído por uma empresa privada norte-americana que pagara aos chineses para lançá-lo. Após alguns segundos de voo o foguete apresentou defeito em seu sistema direcional, passando a voar horizontalmente e fora de controle. Após mais alguns instantes o veículo explodiu no ar, poucas dezenas de metros acima do solo, e seus destroços flamejantes caíram sobre uma aldeia localizada a poucos quilômetros. Embora o governo chinês tenha anunciado oficialmente a morte de 56 pessoas, o serviço secreto de inteligência norte-americano estimou em mais de 200 o número de mortos. A companhia fabricante do satélite, com sede nos Estados Unidos, foi posteriormente acusada, pelo governo norte-americano, de estar repassando tecnologia à China, ainda que de modo não deliberado (CENTURYCHINA, 1999).
Em 1996, após reatar parceria com a Rússia, a China enviou àquele país Jie Wu e Qinglong Li para iniciarem treinamento como cosmonautas. Ambos pilotos da força aérea chinesa, os dois tornaram-se os primeiros chineses a realizar treinamento para uma viagem espacial. Incialmente estava previsto que os dois realizariam voos de carona em naves russas (SPACEFACTS, 2010b e 2010d).
Mas em 1998 a China iniciou ela própria o treinamento de homens para subirem ao espaço. Esta primeira turma de viajantes espaciais chineses era composta por 14 pilotos da força aérea. Entre eles estavam Jie Wu e Qinglong Li, que já haviam realizado treinamento como cosmonautas na Rússia. Os demais membros da equipe eram: Quan Chen, Qingming Deng, Junlong Fei, Haipen Jing, Buoming Liu, Wang Liu, Haisheng Nie, Zhanchun Pan, Yang Liwei, Zhighang Zhai, Xiaoghuan Zhang e Chuaoding Zhao (SPACEFACTS, 2010b e 2010d). Para diferenciar dos cosmonautas russos e astronautas americanos os viajantes espaciais chineses foram batizados pela imprensa ocidental de taikonautas, uma palavra que deriva do chinês taikon (espaço cósmico). Na China, entretanto, são chamados de yuhangyuan ? o equivalente a viajante do espaço (NOGUEIRA, 2005; SPACEFACTS, 2010d).
Em 14 de outubro de 1999 é lançado, a bordo de um foguete Longa Marcha 4B, o satélite CBERS-1 (sigla em inglês para China-Brazil Earth-Resources Satellite; em português, Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). O satélite, feito em parceria com o Brasil, tinha por finalidade a obtenção de imagens da Terra em alta resolução (AEB, 2010; INPE, 2010).
No dia 20 de novembro de 1999 a China colocou em órbita um foguete Longa Marcha conduzindo a nave Shenzhou-1, de caráter experimental, não-tripulada. A nave retornou com sucesso à Terra, pousando num local deserto na região da Mongólia Interior, no norte da China (CNSA, 2010). Ficava evidente que a intenção da China era mesmo enviar homens ao espaço, pois sua cápsula fora projetada para este fim.
Em 10 de janeiro de 2001 subiu ao espaço a nave Shenzhou-2, também sem tripulantes. A cápsula levou à órbita da Terra alguns projetos científicos experimentais, bem como cobaias animais e vegetais. Ao fim da missão a nave aterrissou também na Mongólia Interior. Em 25 de março de 2002 foi lançada a nave Shenzhou-3, também sem tripulantes, mas desta vez com um boneco com o mesmo peso de um humano adulto. A nave deu 108 voltas em torno da Terra e retornou no dia 1 de abril, pousando no mesmo local que as anteriores. A Shenzhou-4, por sua vez, subiu ao espaço em 30 de dezembro de 2002 e retornou à Terra com sucesso. Como sua antecessora, esta nave também conduzia um boneco com o peso de um humano adulto, além de experiências científicas automatizadas. Segundo a China a nave possuía tecnologia suficiente para enviar um homem ao espaço e trazê-lo de volta à Terra em segurança (CNSA, 2010).
Uma vez tendo realizado todos os testes em sua cápsula Shenzhou, era chegada a hora de enviar um homem ao espaço. No dia 15 de outubro de 2003 a China impressionou o mundo ao anunciar o lançamento de sua nave Shenzhou-5 (DISCOVERY, 2010). Aos 38 anos de idade, casado e pai de um filho, o tenente-coronel Yang Liwei, único tripulante da nave, tornou-se o primeiro chinês no espaço. Com a missão a China tornou-se o terceiro país a enviar um homem ao espaço, 42 anos após o russo Iuri Gagarin tornar-se o primeiro homem a realizar um voo espacial. A missão da Shenzhou-5 foi o 236º voo espacial tripulado da História e seu lançamento, do centro Espacial de Jiuquan, foi grandemente ovacionado pela imprensa chinesa, tendo sido acompanhado no local pelo presidente Hu Jintao. Apenas nove minutos após o lançamento a nave entrou em órbita ao redor da Terra, com um perigeu de 200 quilometros de altitude, apogeu de 340 quilometros de altitude e inclinação de 42,408º em relação ao equador terrestre (SPACEFACTS, 2010a). Durante o voo o taikonauta Liwei manteve intervalos de descanso a cada hora e meia. Sua refeição em órbita era exclusivamente de pratos típicos da China, o que incluía carne de cachorro, como ele viria a revelar em 2010 ao escrever um livro de memórias. O voo de Liwei teve a duração de 21 horas e 23 minutos e durante o mesmo a nave completou 14 voltas em torno da Terra, pousando nas planícies do Deserto de Gobi, na Mongólia (NOGUEIRA, 2005; SPACEFACTS, 2010a e 2010d).
Algo que ficou evidente desde os primeiros voos da nave Shenzhou é que a mesma baseia-se na cápsula russa Soyuz, mas com algumas modificações. Ainda sob a euforia do sucesso de sua primeira missão espacial tripulada, no dia 21 de outubro a China lança o satélite CBERS-2, também em parceria com o Brasil (AEB, 2010).
O segundo voo espacial tripulado chinês teve início em 12 de outubro de 2005 quando a nave espacial Shenzhou-6 decolou levando em seu interior o comandante Junlong Fei e o co-piloto Haisheng Nie. A missão, até hoje o mais longo voo espacial tripulado chinês, teve a duração de 4 dias, 19 horas e 32 minutos e a nave completou 76 voltas em torno da Terra. Durante a missão foram realizadas experiências científicas diversas, pesquisas com células ósseas, obtenção de imagens de alta resolução da Terra e intensivos estudos sobre o comportamento do coração em microgravidade (SPACEFACTS, 2010a e 2010d).
Em 2007 a China enviou com sucesso a sonda Chang'e-1 para a Lua. O equipamento, que orbitou a Lua por milhares de vezes durante 16 meses para mapear o satélite natural da Terra, acabou sendo deliberadamente lançado contra o próprio solo do corpo celeste para que, a partir da Terra fosse observada e estudada a nuvem de poeira resultante (CNSA, 2010).
Também em 2007 a China impactou o mundo ao anunciar que, utilizando um foguete com ogiva explosiva, conseguiu destruir um de seus próprios satélites meteorológicos, embora o mesmo estivesse a mais de 800 quilômetros de altura (MORAIS, 2007, apud MORENO, 2008). Este episódio evidenciava que, apesar de a China anunciar publicamente o caráter pacifista de seu programa espacial, eles arriscavam-se a lançar uma arma ao espaço, num teste de cunho militarista. Era a primeira vez que um objeto era destruído no espaço por uma arma. O ocorrido deu motivo para que algumas nações expressassem críticas ou preocupação com a atitude chinesa, como foi o caso de Taiwan (JENNINGS, 2008 apud MORENO, 2008), Japão e Austrália (BBC, 2007 apud MORENO, 2008).
Numa tentativa de reduzir as críticas internacionais, Hu Xiaodi, o embaixador para Assuntos de Desarmamento da China, anunciou pouco depois que seu país opõe-se à militarização do espaço exterior mas deixou claro que:

[...] é conhecido por todos o fato de que o espaço enfrenta uma séria ameaça de militarização, que se manifesta em dois aspectos: o desenvolvimento do programa de defesa antimísseis dos EUA e o projeto de controle do espaço (XINHUA, 2008 apud MORENO, 2008, p. 81).

No início de 2008, durante a Conferência sobre o Desarmamento de Genebra, o Ministro das Relações Exteriores da China, Yang Jiechi, afirmou que:

[...] a Conferência sobre o Desarmamento de Genebra é o único mecanismo internacional de negociações multilaterais sobre o desarmamento e assume a tarefa para promover o controle armamentista e o desarmamento internacional. A prevenção do uso de armas e da corrida armamentista no espaço, e salvaguarda da paz no espaço, corresponde aos interesses comuns de todos os países (CRI, 2008 apud MORENO, 2008, p. 82).

Desta forma, ao menos publicamente a China afirmava estar disposta a seguir os preceitos dos tratados internacionais sobre a utilização pacífica do espaço (MORENO, 2008), algo que evidencia alguma similaridade com os programas espaciais russo e norte-americano, sempre engajados em ratificar os acordos vigentes neste sentido (NOGUEIRA, 2005; MORENO, 2008).
A terceira missão tripulada chinesa aconteceu três anos depois do voo tripulado anterior, quando a nave Shenzhou-7 decolou em 25 de setembro de 2008. Em seu interior ela conduziu o comandante Zhigang Zhai e os operadores Buoming Liu e Haipen Jing. A missão teve a duração de 2 dias, 20 horas e 28 minutos e enquanto isso a nave completou 48 voltas em torno da Terra. Durante a missão o comandante Zhai tornou-se o primeiro chinês a realizar uma caminhada espacial, permanecendo 22 minutos fora da nave. Durante a caminhada espacial Zhai desfraldou uma pequena bandeira chinesa, agitando-a em pleno vácuo. Duas horas após o feito de Zhai, a tripulação lançou ao espaço um pequeno satélite chamado BanXing (SPACEFACTS, 2010a).
Os voos espaciais tripulados chineses foram grandes golpes de propaganda para a política internacional da China. Desta forma, vários parceiros internacionais surgiram. Na atualidade a China celebra parcerias não apenas com o Brasil, mas também com o Canadá, Europa, Japão e principalmente Rússia (CNSA, 2010).

FUTURO
Até o início de 2010 a China ainda não havia anunciado data para seus futuros lançamentos tripulados. Havia anunciado, entretanto, a finalidade de suas próximas missões. A nave Shenzhou-8 deverá decolar e se unirá, no espaço, com a Shenzhou-9. A Shenzhou-10, a ser lançada em seguida, se unirá às duas anteriores. Cada nave levará dois ou tres homens (ASTRONAUTIX, 2010b). Mantendo a similaridade com o programa espacial russo, as missões destas tres espaçonaves inevitavelmente apresentam semelhanças com os voos das naves soviéticas Soyuz-6, 7 e 8, lançadas em outubro de 1969, conduzindo, ao todo, sete homens, e que tentaram unir-se em órbita, todas ao mesmo tempo (SPACEFACTS, 2010a).
Para o futuro mais distante a China também tem grandes pretensões em se tratando de exploração espacial. Em 2004 o governo chinês anunciou a implementação de seu projeto lunar não-tripulado, que consiste em três fases: a viagem até o satélite e um vôo orbital em torno da Lua, a alunissagem propriamente dita e o retorno da sonda trazendo amostras do solo, com as três fases sendo realizadas entre 2007 e 2017. Cumprindo à risca seu cronograma, em 2007 a China colocou sua primeira sonda na Lua. Uma segunda sonda, da mesma série, deverá atingir a Lua entre 2010 e 2012 (CNSA, 2010).
A China ainda anunciou o lançamento de um primeiro elemento para uma estação espacial entre 2010 e 2011. Tal complexo orbital, batizado de Tiangong-1 (Palácio Celeste-1), será utilizado pelos viajantes espaciais chineses para a realização de pesquisas em microgravidade e observações da Terra. A imprensa chinesa anunciou que a primeira parte da estação espacial terá 8,5 toneladas de peso e poderá realizar operações de longo prazo sem a necessidade de nenhum tipo de assistência. Um primeiro módulo da estação havia sido testado em meados de 2010 (ESTADÃO, 2010). A China também evidencia suas pretensões de enviar homens à Lua por volta de 2020, além de missões não-tripuladas a Marte entre 2014 e 2033, seguidas por uma descida de chineses no planeta entre 2040 e 2060. Simultaneamente o país pretende realizar a exploração profunda e não-tripulada do Sistema Solar (CNSA, 2010).

ORGANIZAÇÃO
A Administração Espacial Nacional da China (CNSA na sigla em inglês) é a agência espacial chinesa, responsável pelos lançamentos e pelo programa espacial do país (CNSA, 2010). Duas outras empresas estatais de tecnologia de ponta fabricam o foguete Longa Marcha e os satélites chineses, mas é interesse do governo torná-las corporações privadas a exemplo das empresas aeroespaciais do Ocidente e da corporação russa fabricante do foguete Energyia (SPACEDAILY, 2010).
Quatro bases de lançamento estão em operação no território chinês: os Centros de Lançamentos de Satélite de Jiuquan (de onde partiram todas as missões tripuladas), Xichang, Taiyuan e Wenchang, todas subordinadas à CNSA (SPACEDAILY, 2010).

SIMILARIDADES COM O PROGRAMA ESPACIAL RUSSO
O escopo do programa espacial chinês apresenta grandes semelhanças com o programa espacial russo, sobretudo da época inicial deste, tanto em sistemas como em metodologia. Tal como acontecia nos primeiros anos do programa espacial soviético, os primeiros chineses escolhidos para subir ao espaço são, não apenas militares, mas oficias da força aérea (SPACEFACTS, 2010a, 2010b e 2010e). Ademais, embora o programa espacial chinês seja declaradamente pacífico, o gerenciamento acontece em âmbito militar, tal como no programa espacial soviético (NOGUEIRA, 2005). Este é o principal fator para que, assim como no caso da Rússia, haja uma preocupação em lançar satélites de espionagem, cuja finalidade é a obtenção de imagens da superfície terrestre, sobretudo de nações consideradas inimigas. Neste particular o programa espacial chinês apresenta algo em comum também com os Estados Unidos, Alemanha, Irã, Israel, entre outros (MORENO, 2008).

Em 2008 a China explodiu um de seus próprios satélites, utilizando para isso uma arma colocada em órbita. Foi um episódio em que ficou clara a preocupação de China em testar uma arma no espaço, apesar de oficialmente colocar-se contra a militarização do espaço como participante de tratados contra a proliferação de armas em órbita (MORENO, 2008). Mas aqui também se observa alguma semelhança com o programa espacial russo.
Na realidade, apesar de fazer questão de afirmar publicamente que eram pacifistas em termos de exploração espacial, os russos ? assim como os norte-americanos ?, em algumas ocasiões realizaram experiências militares em órbita. O projeto da primeira estação espacial russa previa a existência de canhões na mesma. Algumas de suas estações espaciais Salyut dedicaram-se a missões militares secretas (Projeto Almaz), na década de 1970 (NOGUEIRA, 2005) e em 1986 eles testaram a colocação em órbita de uma estação espacial realmente dotada de armas. Os norte-americanos, por sua vez, consideraram a ideia de explodir uma bomba atômica na Lua para mostrar poderio (WHITE, 2003) e posteriormente desenvolveram seu Projeto Guerra nas Estrelas, cuja finalidade principal era atacar, do espaço, mísseis inimigos que se dirigissem aos Estados Unidos (SPACEFACTS, 2010a). E tanto Estados Unidos quanto União Soviética consideraram a ideia de desenvolver foguetes, num primeiro momento, não para conduzir carga e seres humanos ao espaço, mas para lançar armas em nações inimigas (WHITE, 2003). Neste particular existe uma similaridade com o programa espacial chinês, pois o primeiro plano de Qian Xuesen, o pai do programa espacial da China, foi a construção de um míssil balístico (ASTRONAUTIX, 2010a).
O número de homens escolhidos para formar a primeira equipe de taikonautas chineses também é semelhante à primeira equipe de cosmonautas soviéticos: 14 homens. E assim como no caso dos soviéticos, esta primeira equipe não conta com a presença de nenhuma mulher até o momento (SPACEFACTS, 2010b).
Mas as similaridades vão além. Tal como os soviéticos, os chineses mantêm seu programa espacial rodeado de segredos, mal emitindo informações sobre suas atividades e sobre a vida de seus taikonautas para a imprensa. Até a idade de alguns dos taikonautas é desconhecida mesmo pelo público chinês (SPACEFACTS, 2010b e 2010d).
Desde o primeiro voo de uma nave Shenzhou ao espaço ficou também evidente que este veículo é uma cópia quase idêntica da nave russa Soyuz. Tal como a espaçonave russa, a Shenzhou é dividida em três partes. A primeira é o módulo de voo, uma seção na parte dianteira do veículo, destinada a acoplagens e também utilizada como câmara de descompressão nas ocasiões em que é necessária a saída de algum tripulante ao espaço. Uma pequena diferença em relação à nave Soyuz russa, é que esta parte possui um par extra de paineis solares. Acredita-se que esta seção, ao final da missão, é deixada no espaço para funcionar livremente, tornando-se um satélite (ASTRONAUTIX, 2010b). A segunda parte é o módulo onde está o habitáculo da tripulação, com os assentos, sistema de direção e sistema de sustentação de vida. Trata-se da única parte da nave que retorna à Terra ao fim da missão. A última parte é o módulo de serviço, onde ficam os motores e os painéis que captam energia solar para que seja transformada em eletricidade. Com exceção do primeiro módulo, todo o restante da Shenzhou é idêntico à nave russa Soyuz. E, tal como a nave russa, a Shenzhou não pousa no oceano, mas no solo, em região desértica, após a realização de seu voo (SPACEFACTS, 2010a).
A China chegou a anunciar que uma pequena parte de sua nave tripulada é construída por engenheiros russos. Analistas americanos, entretanto, acreditam que na verdade a maior parte da nave chinesa é construída com tecnologia russa (NOGUEIRA, 2005).
O governo chinês nunca negou outro fato que se observa na Shenzhou: a nave foi inicialmente desenhada com mecanismos de acoplagem apropriados para a Estação Espacial Internacional (ISS) e seus centros de lançamento foram construídos em latitudes próprias para facilitar esta acoplagem. Com o sucesso da missão Shenzhou 5, os chineses formalmente solicitaram adesão ao programa da ISS mas tiveram a oposição vigorosa dos Estados Unidos a esta pretensão, resultando disso o anúncio pelo governo chinês de sua intenção em construir sua própria estação espacial e de estabelecer programas conjuntos com a Rússia e a União Européia (CNSA, 2010). O motivo alegado pelos Estados Unidos para vetar a participação da China no programa de construção da ISS foi o caráter militar do programa espacial chinês (SCIENTIFICAMERICAN, 2010).
Em 2003, quando o primeiro chinês subiu ao espaço, foi possível notar ainda que o traje espacial utilizado pela China era uma cópia do traje chamado Sokol, usado pelos cosmonautas russos. Em 2008, por ocasião da primeira caminhada espacial chinesa, ficou também evidente que até mesmo o traje de saída ao espaço usado pela China era semelhante ao utilizado pela Rússia. Nesta ocasião o taikonauta Zhigang Zhai utilizou um traje espacial de fabriacação chinesa, traje este chamado de Feitian. Mas a vestimenta nada mais era que uma cópia do traje de passeio espacial russo Orlan. Um dos colegas de Zhai, o operador Buoming Liu, o acompanhou na câmara de descompressão, entregando-lhe a bandeira chinesa durante sua caminhada espacial, e este realmente utilizou um típico traje espacial russo do tipo Orlan (SPACEFACTS, 2010a).
Uma diferença digna de nota entre o programa espacial chinês e o programa espacial russo foi o fato de Zhigang Zhai, o primeiro caminhante espacial da China, ser o comandante da missão, enquanto os russos ? assim como os norte-americanos ? sempre deram prioridade para que o piloto da missão realizasse caminhadas espaciais. No programa espacial russo o comandante apenas sai ao espaço se não houver um outro tripulante para acompanhar o piloto em uma caminhada espacial. Outra diferença de ordem técnica entre os dois programas espaciais é o fato de a China montar seu foguete na posição vertical e assim conduzi-lo à plataforma, como os norte-americanos, ao contrário dos russos, que montam seu foguete em posição horizontal e somente o colocam em posição vertical já na plataforma de lançamento.
Em 2009 a China anunciou para breve (embora não tenha definido data) a escolha de uma segunda turma de taikonautas, desta vez abrindo espaço para a participação de mulheres (SPACEDAILY, 2010). Mesmo esta atitude remete ao programa espacial da extinta União Soviética, que escolheu suas primeiras mulheres cosmonautas logo após seus primeiros voos espaciais (SPACEFACTS, 2010a e 2010b). Ainda é, entretanto, uma incógnita se a China pretende, no futuro, levar astronautas de outros países de carona em suas naves, tal como os soviéticos passaram a fazer em fins da década de 1970 (NOGUEIRA, 2005; MORENO, 2008; SPACEFACTS, 2010a).

FOGUETE LONGA MARCHA
O foguete utilizado pelos chineses para lançar seus taikonautas ao espaço é o Longa Marcha. O foguete deriva da tecnologia espacial soviética, assimilada pelos chineses ainda na década de 1960. Tais foguetes são veículos lançadores descartáveis. Utilizam propelente líquido em seu primeiro estágio, tendo como combustível a hidrazina dimetil assimétrica e o oxidante, o tetróxido de nitrogênio. Cada compartimento do foguete possui um tanque de combustível e um tanque de oxidante (CNSA, 2010).
Na fase inicial do desenvolvimento de seus foguetes os chineses contaram com o repasse de alguma tecnologia por parte dos soviéticos. Entretanto, após China e Rússia cortarem relações na década de 1960, os chineses tiveram de aprender a desenvolver sua própria tecnologia. A família de foguetes do tipo Longa Marcha, desde seu surgimento, chegou a doze diferentes modelos (ASTRONAUTIX, 2010c).
Para os próximos anos a China pretende desenvolver um novo foguete da série, ainda maior, o Longa Marcha-5. O foguete será o primeiro veículo espacial com baixo impacto ambiental construído na China, devido ao seu uso de hidrogênio líquido e oxigênio líquido como combustível e oxidante, respectivamente, já que atualmente os taikonautas chineses partem para o espaço sobre os Longa Marcha 2F, com os seus propelentes hipergólicos, altamente tóxicos (CNSA, 2010).
O primeiro voo do Longa Marcha 5 deverá ocorrer em 2015, altura em que a China poderá concorrer diretamente com o foguete europeu Ariane 5 e a sua capacidade de colocar em órbitas baixas cargas úteis de até 20 toneladas. Será usado para transportar alguns dos módulos da primeira estação espacial chinesa (CNSA, 2010), além do fato de a China poder então dar-se ao luxo de construir naves com maior capacidade de transporte de tripulantes, talvez até desenvolvendo um microônibus espacial, como os europeus tentaram construir em meados da década de 1990, nave esta batizada de Hermes, mas que nunca foi concluída (NOGUEIRA, 2005).

UMA NOVA CORRIDA ESPACIAL?
Desde fins da década de 1950 até 1975 o mundo viveu o período da Corrida Espacial, uma competição velada entre Estados Unidos e União Soviética, com a finalidade de mostrar ao mundo força e um programa espacial sólido, competição esta que, por sua vez, estava inserida no contexto da Guerra Fria, uma situação de tensão entre as duas nações, estendendo-se de 1945 a 1991. Durante a Corrida Espacial uma nação tentava superar a outra em diversos feitos no espaço, como recordes de permanência em órbita, recordes de altitudes, primeiros encontros em órbita, primeiras acoplagens, maiores permanências fora da nave, entre outros, culminando com os primeiros passos de humanos na Lua, em 1969. O fim da disputa foi marcado pelo acoplamento entre as naves Apolo-18, americana, e Soyuz-19, soviética, em meados de julho de 1975. (ABRIL, 1990; SAGAN, 1996; WHITE, 2003; MORENO, 2008).
Alguns analistas consideram que uma competição semelhante pode voltar a acontecer, desta vez tornando rivais os programas espaciais americano e chinês (SCIENTIFICAMERICAN, 2010). Os chineses não olham de modo amistoso para os Estados Unidos desde que estes financiaram a industrialização e se aliaram a Taiwan, território visto pal China como uma província rebelde. O dalai-lama, líder espiritual do Tibete, visto pelos chineses como um líder separatista, frequentemente é tratado como chefe de estado pelos americanos, ao contrário dos pedidos da China para que o mesmo seja isolado no cenário internacional (BOMFIM, 2010). Os Estados Unidos já demonstraram descontentamento com o crescente desenvolvimento do programa espacial chinês e sempre se mantiveram resistentes e contrários ao uso de foguetes chineses para lançamento de satélites da indústria americana devido ao medo de transferência tecnológica vital (CENTURYCHINA, 1999) e em 2000 estabeleceu um embargo ao país nesta área (SCIENTIFICAMERICAN, 2010).
O fato da China ter sua participação vetada pelos Estados Unidos no projeto de construção da ISS pode ser encarado como uma evidência da tensão existente entre os dois países no que se refere a seus programas espaciais. Desta vez a nova corrida espacial seria para mostrar ao mundo qual das nações possui um programa espacial mais confiável e capaz de grandes realizações. Da parte da China ainda haveria a necessidade de mostrar ao mundo sua capacidade de construir por si própria uma estação espacial, após ter sua participação na ISS vetada pelos americanos. Para dar maior sabor de vitória aos chineses, caso consigam construir um complexo orbital, os próprios norte-americanos lançaram sua estação espacial Skylab em 1973, perdendo-a em 1979, passando posteriormente a planejar uma estação espacial chamada Freedom, cujo projeto teve marchas e contramarchas, cortes de verbas e, finalmente, o cancelamento, nunca vindo a ser construída. Desta forma, os chineses mostrariam ao mundo que são capazes de construir algo que os Estados Unidos não mais conseguiram fazer sozinhos, mas tendo de aliar-se com outras quinze nações para que a ISS nascesse (NOGUEIRA, 2005; SPACEFACTS, 2010a e 2010c)
Para acirrar ainda mais uma eventual disputa entre as duas nações, os Estados Unidos anunciaram em 2004, durante a administração George W. Bush, o início de um projeto chamado Constellation, que preconizava para 2020 o retorno de norte-americanos à Lua (NOGUEIRA, 2005; MORENO, 2008). Por grande coincidência, a China noticiou também para 2020 a intenção de enviar seus taikonautas à Lua (SPACEDAILY, 2010). Poder-se-ia então imaginar uma disputa entre Estados Unidos e China para se chegar primeiro à Lua, tal como aconteceu na década de 1960 entre estadunidenses e soviéticos. Porém, em 2010 o governo norte-americano, sob a administração de Barack Obama, anunciou o cancelamento do projeto Constellation, o que pode deixar a China sem um rival em sua pretensão de enviar homens ao satélite. A impossibilidade de os Estados Unidos retornarem à Lua por todo o futuro previsível pode inclusive servir como um incentivo extra para que a China trabalhe de modo perseverante no sentido de enviar seres humanos e cravar sua bandeira no satélite.
Ademais, após a explosão do ônibus espacial Columbia, em 2003, ocasionando a morte de seus sete astronautas, Washington decidiu aposentar os seus ônibus espaciais, por considerar estas naves por demais inseguras. A nave Constellation deveria substitui-los, colocando o programa espacial americano em nova fase, cujos objetivos seriam o retorno à Lua e talvez voos tripulados a Marte (NOGUEIRA, 2005). Porém, com o cancelamento do projeto os Estados Unidos veem-se sem planos definidos para o futuro de seu programa espacial tripulado. Por enquanto os astronautas americanos subirão ao espaço apenas de carona em naves Soyuz (SPACEFACTS, 2010a e 2010f), criando uma desagradável dependência ao programa espacial russo, seu antigo rival. Para tornar a situação ainda mais delicada o governo estadunidense ora expressa a intenção de repassar a incumbência de seus voos tripulados à inicativa privada (NASA, 2010), ora fala em projetos mirabolantes como a criação de naves em órbita para o envio de seres humanos aos asteroides (INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 2010; NASA, 2010). Esta falta de foco e definição deixa a NASA às tontas e confere maiores vantagens ao programa espacial chinês, seu potencial concorrente. Inclusive, a partir de 2011, quando a nave Endeavour realizar o último voo de um ônibus espacial (SPACEFACTS, 2010f), os Estados Unidos estarão sem um programa espacial tripulado, enquanto a China manterá o seu, mesmo que o intervalo entre seus lançamentos seja longo.
Os Estados Unidos também parecem receosos em perder certos parceiros de atividades espaciais para a China. Um exemplo deste fato acabou envolvendo até mesmo o Brasil. Em 1998 o Brasil foi convidado a fazer parte do projeto de construção da primeira estação espacial internacional, a ISS, montada em órbita na época por 15 países. O Brasil tornou-se o décimo sexto país a integrar o projeto e deveria investir cerca de 140 milhões de dólares no empreendimento. Em troca o país ganharia o direito de enviar astronautas e experimentos à estação (MORENO, 2008).
Porém, em 2006, quase dez anos após sua inclusão no projeto, o Brasil não tinha ainda construído nada para a ISS e quando decidiu enviar ao espaço o tenente coronel Marcos Pontes, seu astronauta que há anos aguardava para participar de uma missão espacial, o país teve de pagar 10 milhões de dólares à Rússia (LIMA, apud MORENO, 2008) e enviá-lo de carona em uma nave Soyuz. Pouco depois o Brasil foi retirado do projeto da ISS (AEB, 2010; SPACEFACTS, 2010c).
O fato de o astronauta brasileiro ter voado de carona numa nave russa e não num ônibus espacial americano desagradou os Estados Unidos. Mas ainda que o Brasil tenha sido retirado do projeto de construção da ISS por não haver construído nem uma única peça para a estação, o que tornaria o país um parceiro nada confiável para outras atividades vindouras, os Estados Unidos chegaram a afirmar que existe um interesse em incluir o Brasil em futuros projetos espaciais (AEB, 2010). Isto pode ser indício claro de que os norte-americanos temem uma aproximação do Brasil com a China no futuro.

CONCLUSÃO
Por meio de uma análise da história, realizações e ambições do programa espacial chinês é possível perceber que o mesmo surgiu como uma necessidade e desejo do país em estabelecer-se como uma potência na área espacial. Sua maior realização foi ter-se tornado o terceiro país a colocar homens no espaço.
Entretanto, o ritmo e o número dos lançamentos das missões tripuladas chinesas desde o início tem se mostrado muito baixo. Em 2003 a China enviou sua primeira nave ao espaço. Mas só em 2005 enviou sua segunda missão. Mais três anos se passaram antes que a nave Shenzhou-7 realizasse a terceira missão tripulada. Nenhuma das outras nações que enviam seres humanos ao espaço ? Estados Unidos e Rússia ? mantém um intervalo tão grande entre um lançamento tripulado e outro.
Desta forma, caso a China tenha mesmo interesse em meter-se em uma disputa pela primazia no retorno de seres humanos à Lua, terá de aumentar seus investimentos no setor (atualmente na casa dos 3 bilhões de dólares anuais, contra 15 bilhões de dólares anuais da agência espacial norte-americana). O intervalo entre os lançamentos terá de diminuir também. Se os Estados Unidos mantivessem intervalos de dois ou três anos entre um lançamento tripulado e outro, não teriam sequer enviado homens à Lua até hoje. Enquanto a China tiver essa deficiência em seu programa espacial, não poderá concorrer à altura com os Estados Unidos pela hegemonia no envio de homens ao espaço, se é que este seja mesmo seu objetivo.
Se mantiver seu atual ritmo de lançamentos tripulados por muito tempo, a China terá de trabalhar em ritmo frenético para alcançar sua meta de colocar seres humanos na Lua em 2020. Na década de 1960 os Estados Unidos preocuparam-se primeiramente em colocar homens na Lua antes de construir sua estação espacial. A China fará o caminho inverso, construindo primeiro a estação espacial. Isto pode acabar sendo um empecilho ao objetivo de chegar à Lua dentro do prazo estipulado, pois a construção e manutenção de uma estação espacial em órbita pode consumir tempo e recursos financeiros que poderiam ser direcionados para o envio de seres humanos ao satélite.
Por outro lado, muitos consideram que do ponto de vista prático uma estação espacial é um empreendimento mais positivo e com maiores retornos financeiro, tecnológico e científico que o envio de seres humanos à Lua. Embora atraia menos atenção do público, manter um laboratório no espaço possibilita a realização de experiências em microgravidade e manutenção de uma tripulação no espaço por maiores períodos. O envio de humanos à Lua tem, num primeiro momento, apenas a contrapartida da coleta de amostras lunares. Para se conseguir obter lucros ou maiores benefícios práticos da exploração lunar, faz-se necessário maior tempo de permanência na Lua e enormes investimentos.
É inegável que os chineses têm se mostrado interessados em desenvolver-se na área espacial e já estão a colher os benéficos resultadoss, ainda que invistam menos que os Estados Unidos ou a Rússia. Seu foguete Longa Marcha tem sido utilizado para colocar em órbita cargas de outros países, e isso tem gerado lucro ao seu programa espacial. A partir do momento em que possuírem uma estação espacial em órbita poderão desenvolver novas tecnologias, além de descobertas e desenvolvimentos nas áreas de farmacologia, novos materiais, novas ligas metálicas, física, química, etc, o que também se traduzirá em lucros diversos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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