Márcia Cristina Sales da Costa Alves.
Bacharel em Serviço Social

Este estudo perpassará a lógica de funcionamento do Programa Bolsa Família, no âmbito local, no município de São Miguel de Taipu/Pb, fruto das observações no cotidiano de trabalho no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). A escolha deste objeto se deu, principalmente, devido à grande repercussão em âmbito nacional e local, por diversos fatores, um destes é a possibilidade que o programa condiciona às famílias que se encontram em vulnerabilidade social a minimização desta condição. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) atualmente, o programa atende mais de 12 (doze) milhões de famílias em todo o território nacional. No âmbito municipal, conforme dados do MDS (2010), são 964 (novecentas e sessenta e quatro) famílias atendidas pelo programa. É um estudo de cunho bibliográfico. A coleta das informações se deu através de conversas informais semiestruturadas com beneficiários do programa que acessam os serviços ofertados pelo citado CRAS. Conquanto, por compreender a importância do tema diante da expansão e reconhecimento social que adquiriu nos últimos anos, este objetiva observar junto à população beneficiária, como o compreendem, ou ainda, verificar quais as reais contribuições do programa, considerando o aspecto monetário, para a vida cotidiana das famílias em questão. Portanto, o presente estudo parte das seguintes indagações: sendo contempladas pelo programa, quais as reais possibilidades deste em proporcionar a superação da condição de vulnerabilidade e riscos sociais? Será que ao garantir uma renda mínima contribuem para o enfrentamento à pobreza, condicionando numa inserção social e a consolidação da cidadania?
Palavras Chave: Programa de Transferência de Renda, Programa Bolsa Família, Família, Pobreza.


I. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

Antes de abordarmos a temática proposta, faz-se necessário destacar um fenômeno que caracteriza as famílias beneficiadas por Programas de Transferência de Renda nos dias atuais. Este fenômeno é a pobreza, que, segundo Rocha (2006) refere-se a "situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida, condizente com as condições socialmente estabelecidas em cada contexto histórico". Porém, de modo contraditório, apesar dos avanços nas esferas econômica, política, social, tecnológica, das conquistas de direitos sociais, de liberdades democráticas, da comunicação entre povos, ainda assim, não se conseguiu erradicá-la.
As sociedades capitalistas, no final do século XIX, passaram por consideráveis mudanças que afetaram de forma decisiva o conjunto das sociedades, levando-as à reestruturação e reorganização da produção, o que trouxe graves conseqüências para estas, como exemplos o processo de desemprego e precarização do trabalho. Conforme Coelho (2010, p. 52), estas mudanças foram tão profundas que obrigaram os teóricos à época a reverem seus prognósticos e paradigmas. Os liberais, por exemplo, entendiam que o mercado era autorregulável, por si só, teria soluções às questões relativas às relações econômicas, quanto às ações assistencialistas, prestadas aos mais pobres, compreendiam que eram contrárias ao princípio da autodependência dos cidadãos, permitindo apenas a assistência prestada nas workhouses (espécie de casas do trabalho) inglesas, destinadas apenas àqueles excluídos e não-cidadãos.
Entretanto, diante destas mudanças acima citadas nas sociedades capitalistas, o Estado Liberal se sente obrigado a reformular seu ideário, pois percebe que o mercado antes suficiente não mais consegue com eficiência solucionar as questões relativas à sociedade, necessitando do auxílio do Estado, bem como, de diversas organizações da sociedade civil, deste modo, o Estado passa a criar mecanismos de enfrentamento aos fenômenos sociais, conseqüentes dos processos provenientes da relação capitalista, como as políticas sociais.
Diante deste cenário, conforme Silva, Yazbek e Giovanni (2007) a primeira discussão no Brasil sobre a introdução de um programa de transferência de renda, vinculado a superação da pobreza, data de 1975, com a publicação de um artigo de Antônio Maria da Silveira , sob o título "Redistribuição de Renda" na Revista Brasileira de Economia. Contudo, eram propostas mais de nível local, em âmbito nacional, o marco inicial desta temática na agenda política brasileira foi em 1991, com a apresentação e aprovação da proposta do Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), no Senado Federal, pelo Senador Eduardo Matarazzo Suplicy , que "propunha uma complementação em 30% da diferença entre rendimentos brutos apurados e o limite de um mínimo fixado em lei" (ib.: 2007).
No entanto, as propostas apresentadas a este fim, vão assumindo características que expressam a postura político-econômica dos governantes erigidos na lógica do sistema capitalista sob orientação neoliberal, orientação esta que apresenta como premissa o livre e ilimitado funcionamento do mercado na regulação das relações econômicas e sociais e na produção do bem comum, considerando o Estado como um mal necessário, atuando onde o mercado não alcance.
Segundo a PNAS (2004), a Assistência Social configura-se como possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo. A execução desta deve ocorrer de forma integrada as demais políticas setoriais, observando os aspectos sócio-territoriais. Nesse sentido, visa promover ações sociais e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; contribuir com a provisão e a equidade dos usuários; e assegurar que as ações no âmbito social sejam centradas na família a fim de garantir a convivência familiar e comunitária.
A operacionalização das ações previstas nesta política, como exemplo o Programa Bolsa Família, devem ser objetivadas a obter a universalização e o reconhecimento dos direitos humanos, sobretudo, os sociais.
Conquanto, o Programa Bolsa Família é um dos programas de transferência de renda, em nível nacional, que compõe o Sistema Brasileiro de Proteção Social. Por Programas de Transferência de Renda, Silva, Yazbek e Giovanni (2007), entendem como aqueles que:

(...) atribuem uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias, mas que também associam a essa transferência monetária, componente compensatório, outras medidas situadas principalmente no campo das políticas de educação, saúde e trabalho, representando, portanto, elementos estruturantes, fundamentais, para permitir o rompimento do ciclo vicioso que aprisiona grande parte da população brasileira nas amarras da reprodução da pobreza.

Estas características, portanto, compõe a compreensão do Programa Bolsa Família, destaque principal deste estudo. O Programa Bolsa Família é resultado da unificação, em outubro de 2003, de quatro programas federais de transferência de renda: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale-Gás e Cartão-Alimentação, estes quatro programas estavam espalhados por diversos Ministérios e tinham critérios próprios de concessão. Foi instituído pela Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, e em 09 de janeiro de 2004 foi promulgada a Lei nº 10.836, situando-se, pois, no âmbito da Presidência da República.
No seu desenho atual, o Programa Bolsa Família, destina-se a famílias em extrema pobreza com renda per capita familiar mensal de até R$ 70,00 e a famílias em situação de pobreza com renda mensal per capita entre R$ 70,01 e R$ 140,00, de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004. Para receber o benefício às famílias devem estar inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), criado em 2001 como instrumento de identificação de todas as famílias de baixa renda no Brasil.
As famílias beneficiadas pelo programa têm condicionalidades a cumprir: garantir a permanência dos filhos nas escolas, manter o cartão de vacinação em dia, através de uma ligação direta com a unidade de saúde mais próxima de sua residência sendo feito o acompanhamento pela equipe do Programa de Saúde da Família (PSF), como também pela equipe do Programa de Atenção Integral a Família (PAIF), que é desenvolvido nos CRAS.
Concernente ao financiamento do programa, este tem como fonte de recursos as dotações alocadas aos programas de transferência de renda federais e ao cadastro único, além de outras dotações do orçamento da Seguridade Social da União, as quais vieram a ser consignadas ao programa (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA / Medida Provisória nº 132, Artigo 5º).
Quando da conversa informal com os beneficiários do Programa Bolsa Família, estes foram questionados como compreendiam o mesmo, muito interessante três das respostas,

"É muito importante, que tirou muita gente da pobreza, ajuda as mães a dar uma educação melhor aos seus filhos, condição mais apresentável, porque com este dinheiro você pode comprar o que você quer, o que estiver precisando" (Petúnia, 41 anos);

É muito importante porque ajuda na alimentação e nas despesas da casa" (Jasmim, 36 anos);

"É uma ajuda muito importante do governo Lula para os pobres. Que não temos nada na vida, só a vida. Se não fosse o PBF aí é que tava ruim" (Rosa, 49 anos);

De acordo com as respostas obtidas é perceptível que a forma como os usuários definem o programa revelam situações de grave vulnerabilidade social, pois, o direito ao acesso a este programa, ou a esta renda mínima, caracteriza-se como um alívio para tal situação. Muitas pessoas creditam ao Presidente Lula a bondade deste favor, pois entendem como uma doação, reforçando o processo de exclusão e revelando, no entanto, que a premissa da universalização e reconhecimento dos direitos humanos no município ainda não é efetivado, encontrando-se limitada à teoria.
Esta forma de entender o Programa Bolsa Família como uma doação é algo que nos remete ao primeiro-damismo, assistencialismo e clientelismo muito forte em períodos anteriores a Constituição Federal, de 1988, que ao legitimar o tripé da Seguridade Social - constituída pela Política da Previdência Social, da Saúde e da Assistência Social - incorporou concepções de universalidade, equidade, participação social, entre outras, proporcionando em uma ampliação dos direitos civis, políticos, e, sobretudo, sociais. Porventura, apesar destes avanços legais a partir da Constituição, não houve a inversão total destas práticas, fortemente presentes na cultura política brasileira. Todavia, é certo que os preceitos legais preconizam direitos e deveres que constituem na possibilidade de reversão da lógica do favor para a lógica do direito.
O valor monetário transferido às famílias através do programa pode ser utilizado conforme a necessidade da família, onde a mesma desejar, então, deste modo, questionou-se como utilizavam a renda do Programa Bolsa Família. Na maioria das respostas, relataram que é destinada a alimentação, depois material escolar, água, luz e aluguel. Observou-se, pois, que na sua maioria, utilizam a renda obtida com necessidades humanas básicas de existência e porque não dizer de sobrevivência.
No entanto, não apenas se beneficiam as famílias que acessam ao programa, pois ao analisar a situação da transferência de renda ser intermediada por um cartão magnético, percebemos que a vantagem em adotar este meio vai além de uma situação benéfica ao beneficiário, pois são mediados por instituições bancárias-financeiras, introduzem os cidadãos ao universo da "cidadania financeirizada", levando-os a ter acesso ao dinheiro-plástico, os chamados cartões de crédito e bancários. Nesta condição, percebem a cada mês recursos monetários por mecanismos que até então lhes eram inteiramente estranhos e dos quais estavam excluídos. O fato de ser pago por este mecanismo corrobora na multiplicação dos multibanks, na proliferação das agências de empréstimos, como também tem trazido significativos lucros para os bancos, principalmente, o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, os quais são comandados pelo Estado.
Entretanto, apesar dos significativos avanços visíveis na construção da Política Social Brasileira através das inovações propostas, rumo a Programas de Transferência de Renda nos últimos anos, é necessário que haja a contínua reflexão para o efetivo construto desta. Sabe-se que por si só as políticas públicas, sobretudo, as sociais não darão conta de revogar a pobreza e por conseqüência a desigualdade social, enquanto persistir o embate entre o sistema capitalista e o trabalho. Talvez, amenizar os efeitos dessa relação seja a saída mais viável, pois esta tem penalizado a população, principalmente, a que vive em situação de pobreza, às margens da sociedade, de forma perversa.
Contudo, é notório o reconhecimento social deste programa, entretanto, é necessário que o Programa Bolsa Família tenha objetivos mais claros e mensuráveis, metas a serem alcançadas, pois dar dinheiro às famílias é necessário e deve ser feito de forma permanente, pois, dessa forma, pode até sair barato, caro e difícil é contratar professores, investir pesadamente na qualidade do ensino, e isso o Estado tem feito de forma limitada. Entretanto, devem ser implementadas políticas com perfis de políticas públicas de estado, não apenas enquanto iniciativas de governos, para que em uma perspectiva de regularidade de política pública, ela não seja interrompida pela descontinuidade administrativa, como é traço marcante nas políticas públicas brasileiras.
Portanto, se não houver uma articulação entre as políticas no enfrentamento à pobreza e as situações de riscos sociais com o objetivo de promover uma condição de autonomia às famílias na sua condição de usuário/cidadão(ã) não se obterá resultados, tendo em vista, que os programas de transferência de renda, especificamente, o Programa Bolsa Família não tem força suficiente para contribuir na inversão desta realidade. Na verdade, medidas de superação da pobreza devem ir além da distribuição de valor monetário, ou seja, significa tratar da redistribuição da riqueza socialmente produzida, significa atender as necessidades básicas dos cidadãos, (educação, saúde, habitação, entre outros), desta forma, este terrível ciclo da pobreza será quebrado para que a renda mínima de programas de transferência de renda seja convertida, de fato, em renda de cidadania.

II. REFERÊNCIAS:

BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social: fundamentos e história / Elaine Rossetti Behring, Ivanete Boschetti. ? 4. Ed. ? São Paulo: Cortez, 2008. ? (Biblioteca Básica de Serviço Social; v. 2).

BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social ? LOAS. Brasília, 1993.
______. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Brasília, 2004.

COELHO, Ricardo Corrêa. Estado, Governo e Mercado / Ricardo Corrêa Coelho. - Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009. 116p.

MERTIEResearch, Consultoria e Desenvolvimento Ltda. Avaliação e Análise Espacial da Pobreza. Maputo Moçambique, 2005. Disponível em: <www.metier.co.mz/b/menus/pt/experiência_e_aplicações. pdf.> Acesso em: 10/03/2009.
ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda / Maria Ozanira da Silva e Silva, Maria Carmelita Yasbek, Geraldo di Giovanni. ? 3. Ed. ? São Paulo: Cortez, 2007.

http://www.mds.gov.br/bolsafamilia. Acesso 24/08/2010 às 21:00 h.